Crítica | What If...? - 01x01: E Se... a Capitã Carter fosse a Primeira Vingadora?

Dentre todos os títulos que a Marvel Studios apresentou para seu gigantesco catálogo de produções para a TV, What If…? certamente foi a que mais me chamou atenção. Tenho problemas com o lugar comum e o comodismo narrativo/estético do chamado Universo Cinematográfico da Marvel, e tinha esperanças de que ao embarcar no streaming do Disney+, as aventuras da editora - especialmente essa série de animação - trariam novos ares para contos tão fadigados. A julgar pelo primeiro episódio da antologia, acho que precisarei esperar um pouco mais.

A premissa de What If…? É algo que instantaneamente provoca curiosidade entre fãs. Baseando-se em uma linha variante dos próprios quadrinhos, a série de animação apresenta universos alternativos do MCU, explorando mudanças radicais na História e em seus personagens, através de um formato de antologia, com cada episódio se dedicando a uma história curta. O primeiro deles brinca com o universo de Capitão América: O Primeiro Vingador, para imaginar “O que Aconteceria se a Capitã Carter fosse a Primeira Vingadora”, onde é a espiã Peggy Carter (Hayley Atwell) quem toma o soro do Super Soldado para se tornar uma super-heroína em meio a Segunda Guerra Mundial.

E se... Fosse bom?

É uma ideia divertida, e que a equipe do diretor Bryan Andrews certamente aproveita na hora de mostrar as habilidades da protagonista. Ver Carter com seu traje esbanjando a bandeira da Inglaterra enquanto esmaga nazistas e tanques com o escudo de Vibranium é certamente o grande destaque do episódio de 30 minutos (ainda que seja impossível não lembrar da Mulher-Maravilha quando ela apanha uma espada...), assim como a personalidade divertida que Atwell é capaz de preservar em sua performance vocal; especialmente no maravilhamento da protagonista ao perceber seus poderes, uma característica que infelizmente encontra-se tão ausente em histórias do gênero atualmente.

O problema é que, mesmo para uma história variante curta e de pretensões bem controladas, What If…? É extremamente superficial. O roteiro de A.C. Bradley é rápido demais na progressão da história (há duas sequências de montagens vagas e sem brilho), aposta demais em frases prontas e parece determinado a, o tempo todo, oferecer trocadilhos e referências aos filmes do MCU (eu cansei de ouvir alguém falando sobre aprender a dançar nesse espaço curto de tempo). Também é muito bizarro ver o conceito da armadura do Homem de Ferro sendo reaproveitada no contexto da Segunda Guerra Mundial, mas agora em uma versão péssima e mal dublada de um Steve Rogers completamente sem carisma ou personalidade - ainda que, no papel, o conceito de ter Carter e uma armadura metálica juntos seja bem interessante. Em suma: é difícil se importar com qualquer coisa que acontece aqui, já que o próprio roteiro parece enxergar os acontecimentos aqui como um mero elemento bônus.

Pessoalmente, também não fui um grande fã do traço da animação. Ao tentar ficar com a estética graciosa e nostálgica para leitores de quadrinhos do 2D, mas também manter um pé no futuro com o 3D, What If…? É uma renderização visual estranha e genérica, que acabou me lembrando os terríveis motion comics (uma animação em 3D de quadrinhos a mão) que já tive o desprazer de ver no passado; vide o pavoroso Watchmen: Motion Comics lançado em 2009, fujam se um dia ele cruzar seus caminhos. Gosto da maneira como a luz é aproveitada para criar tomadas cinematográficas e coloridas (algo que sem dúvida é mais vibrante do que as fotografias acizentadas do MCU), mas é apenas um elemento positivo em meio a uma técnica de animação decepcionante.

What If…? certamente traz um potencial divertido para sacudir as estruturas do MCU, mas a julgar por esse primeiro episódio, talvez sejam ideias apenas boas no papel ou em uma conversa de bar. Sem muita profundidade narrativa ou estética, talvez seja o começo mais fraco de uma nova série do MCU até agora. Resta torcer para que as próximas semanas tragam narrativas mais caprichadas. 

What If...? - 01x01: E Se... a Capitã Carter fosse a Primeira Vingadora? (What If... Captain Carter were the First Avenger?, EUA - 2021)

Showrunner: A.C. Bradley
Direção: Bryan Andrews
Roteiro: A.C. Bradley
Elenco: Jeffrey Wright, Hayley Atwell, Josh Keaton, Dominic Cooper, Samuel L. Jackson, Jeremy Renner, Toby Jones, Stanley Tucci, Bradley Whitford, Sebastian Stan, Ross Marquand
Gênero: Aventura
Streaming: Disney+
Duração: 30 min

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Crítica | Mare of Easttown - A nova obra-prima da HBO

Poucas apostas são tão seguras quanto a combinação de HBO e histórias de mistério. Basta lembrar do recente reboot dark do advogado Perry Mason, a instigante minissérie The Night Of ou a excepcional antologia policial de True Detective; pra citar apenas algumas das obras dos últimos anos. Nos primeiros meses de 2021, a emissora segue essa cartada de sucessos de alta qualidade com mais uma história envolvente no gênero com Mare of Easttown, que pode não ser a obra mais revolucionária da televisão - mas certamente é uma das mais bem construídas de 2021.

A trama começa como todo bom mistério: somos apresentados a uma cidadezinha cheia de segredos e figurinhas peculiares em cada canto de sua infraestrutura: Easttown, na Pensilvânia. No centro da narrativa, temos a investigadora Mare Sheehan (Kate Winslet), que na tradição das melhores histórias de detetives, tem mais problemas para manter a vida pessoal em pé do que encontrar assassinos. A história começa quando o assassinato de uma jovem choca a cidade, colocando Mare ao lado de um jovem agente do FBI (Evan Peters) para tentar encontrar o culpado.

O bom e velho whodunit

O famoso whodunit, por assim dizer. Uma clássica variante do gênero policial que se dedica a tentar encontrar quem foi o responsável por um crime ou assassinato. É uma fórmula sem erro, e que vem entregando grandes obras desde os primórdios da literatura mundial. O roteirista e showrunner Brad Ingelsby sabe bem das regras do gênero, e faz com que os 7 episódios de Mare of Easttown sejam repletos de reviravoltas surpreendentes, pistas instigantes e uma narrativa que, a cada hora avançada, parece ser capaz de trilhar qualquer caminho, e atinge uma conclusão simplesmente inimaginável; e esse é o melhor tipo das histórias whodunit.

Mas o que separa essas histórias umas das outras é mesmo seu trabalho com os personagens. Ainda que Ingeslby seja muito eficiente na condução do mistério e da investigação central, o drama envolvendo os traumas de Mare, a complicada relação com sua mãe (uma Jean Smart excepcional), a filha (Angourie Rice) e praticamente todos aqueles com quem compartilha a mesa de jantar são o ápice dramático da série. Ingeslby aposta em intrigas de família espinhosas e difíceis de se abordar, desde suicídio, gravidez precoce, depressão e outros temas complexos.

A própria Mare de Kate Winslet é uma protagonista extremamente difícil de se acompanhar, dada sua amargura, pessimismo e às vezes uma grosseria indesculpável. Mas é graças à brilhante performance de Winslet, que é capaz de apresentar diferentes facetas de Mare, e também do texto de Ingelsby, que a cada episódio vai se aprofundando no trauma da protagonista e esboçando um belo caminho para desenvolvê-la e deixá-la em um ponto mais digno - seja pela relação com suas familiares, a presença do charmoso personagem de Guy Pearce ou a divertidíssima dinâmica buddy cop com o simpático investigador vivido por Evan Peters. É uma metamorfose realmente belíssima de se ver desabrochando, que termina em uma imagem absolutamente maravilhosa no fim das 7 horas; tão maravilhosa que eu espero que a HBO resista à tentação de transformar esta minissérie perfeitinha em uma série com múltiplas temporadas.

Maravilha de Easttown

E com tantos elogios para o roteiro Brad Ingeslby, não posso deixar de falar da direção de Craig Zobel. Responsável pelo mediano A Caça no último ano, Zobel dirige todos os 7 episódios da minissérie com domínio técnico e narrativo invejáveis: ao mesmo tempo em que é capaz de abraçar a sensibilidade necessária para lidar com o drama, especialmente nas cenas envolvendo Mare e sua melhor amiga Lorraine (Julianne Nicholson, no papel coadjuvante mais difícil da série), Zobel também é hábil no suspense. O quinto episódio da série traz uma das cenas de perseguição mais assustadoras no gênero desde que Jodie Foster caçou o Bufalo Bill em O Silêncio dos Inocentes, começando com uma ação devastadora para mergulhar o espectador em uma atmosfera de suspense inquieta - que também acompanha alguns dos cliffhangers mais

Mare of Easttown representa o melhor da televisão contemporânea. Através de personagens fortes, uma trama imprevisível e a brilhante performance central de Kate Winslet, a HBO alcança uma de suas obras mais notáveis nos últimos anos, com diversos elementos cinematográficos para atingir uma verdadeira obra de arte. Seja no cinema ou na TV, 2021 tem um de seus ápices aqui.

Mare of Easttown (EUA, 2021)

Showrunner: Brad Ingelsby
Direção: Craig Zobel
Roteiro: Brad Ingelsby
Elenco: Kate Winslet, Jean Smart, Evan Peters, Angourie Rice, Julianne Nicholson, David Denman, Neal Huff, Guy Pearce, Cailee Speaney, John Douglas Thompson, Joe Tippett, Sosie Bacon
Gênero: Drama, Suspense
Emissora: HBO
Episódios: 7
Duração: 1h

https://www.youtube.com/watch?v=bm7RmpzCeyk


Aos 91 anos, Clint Eastwood estrela trailer de Cry Macho: O Caminho para Redenção

A Warner Bros divulgou nesta quinta-feira (05) o primeiro trailer oficial de Cry Macho: O Caminho para Redenção, novo filme dirigido e estrelado por Clint Eastwood, que está a todo vapor em seus 91 anos de idade!

Confira abaixo, assim como o primeiro pôster.

https://www.youtube.com/watch?v=kN3Am38GWHo

Cry Macho: O Caminho para Redenção estreia nos cinemas em 16 de setembro. Nos EUA, o filme também estará disponível na HBO Max.


Crítica | The Flight Attendant: 1ª Temporada - A Comissária que Sabia Demais

É difícil fazer um bom mistério, ainda que seja muito fácil se interessar por algum, dada a natureza humana da curiosidade em torno do desconhecido. Alfred Hitchcock talvez tenha sido o grande mestre desse tipo de narrativa, tanto que seus grandes clássicos permanecem atuais e de muito fácil acesso para o público moderno. Ainda assim, é divertido encontrar as raras ocasiões onde uma obra contemporânea consegue aprender com os feitos do passado e criar algo novo. É o caso de The Flight Attendant, uma as produções originais do HBO Max.

A trama da primeira temporada começa de um ponto de partida digno das obras do Mestre do Suspense: a pessoa errada na hora errada. Conhecemos a comissária de bordo Cassie Bowden (Kaley Cuoco), uma jovem desequilibrada e baladeira, que acaba passando a noite com um de seus passageiros, o charmoso milionário Alex Sokolov (Michiel Huisman) após o desembarque em Bangcoc. Quando ela acorda sem memória ao lado do rapaz brutalmente assassinado, Cassie acaba em uma espiral para tentar descobrir o que aconteceu, ao passo em que luta para proteger sua própria vida.

Frenesi

Tal como O Homem que Sabia Demais e, principalmente, Intriga Internacional, o charme de The Flight Attendant está na comédia de situações. Uma comédia de cunho bem dark e irreverente, claro, mas que mantém o interesse do espectador justamente pelos absurdos - e pelo fator modernizante em relação a esses títulos. Se Cary Grant era um sujeito correto e perfeccionista antes de ser forçado a se tornar um espião, a Cassie de Kaley Cuoco é o mais distante que poderíamos esperar de uma protagonista desse tipo de história; e esse é um dos grandes motivos para o sucesso da trama, já que o mistério em si é bem básico.

E como falamos da presença protagonista de Cassie, é preciso falar de Kaley Cuoco. Pessoalmente, nunca fui um fã de The Big Bang Theory e passei longe de praticamente todos os episódios da série, não tendo muito contato com os dotes de Cuoco. Dito isso, a série da HBO Max é uma revelação: a atriz é extremamente carismática e divertida, balançando as inseguranças de Cassie com seu narcisismo auto-destrutivo que serve como um deturpado escudo para protegê-la de seus defeitos. Na performance de Cuoco, Cassie é engraçada e imprevisível, além de garantir também excelentes momentos quando a história trilha por caminhos mais dramáticos.

Cuoco também se beneficia daquele que talvez seja o melhor elemento da série toda: o palácio mental, que se revela uma solução elegante e criativa para se lidar com exposição e conflitos internos. Em um livro, a narração facilita o recurso de um protagonista conversar consigo mesmo, mas na forma audiovisual, a equipe do showrunner Steve Yockey elabora essas cenas em que Cassie conversa com uma versão imaginária do morto Alex: uma forma elegante de lidar com o desenvolvimento interno da própria personagem, além de manter o carismático Michiel Huisman em cena mesmo após sua morte. 

Técnica Sem Escalas

Tais cenas no palácio mental também trazem à tona o magistral trabalho técnico da série. Além da fotografia vibrante que aproveita o melhor das ruas e ambientes de cidades como Nova York, Roma e Bangcoc, a série se sobressai ao usar a luz e os adereços para expandir o conhecimento do espectador acerca de Cassie. Por exemplo, em momentos de tensão ou dúvida da personagem em seu palácio mental, as luzes reagem de forma diegética a seu estado de forma quase surrealista - e realmente admiro como a equipe de design de produção decora essas cenas com pistas e elementos importantes, como uma árvore de Natal montada a partir de garrafas de vodca vazias ou a seqüência em que os corredores de um hotel começam a girar, remetendo a cenas de A Origem de Christopher Nolan. Plasticamente, um grande triunfo e que ajuda a elevar a série, já que o mistério central realmente não é o grande atrativo.

Mas se há um nome dos bastidores que realmente precisa de um grande spotlight sobre sua talentosa cabeça é o compositor Blake Neely. Por anos responsável por dar vozes musicais às principais séries da DC na CW (um ofício realizado com competência, diga-se de passagem), Neely oferece um trabalho realmente impressionante ao se apoiar em um jazz cartunesco e que, novamente, remete às colaborações de Alfred Hitchcock com o genial Bernard Hermann. Desde o excelente tema de abertura (eu desafio alguém a apertar o Skip durante esses créditos lindíssimos que também deixariam Saul Bass orgulhoso) até as mais malucas reviravoltas e situações, a trilha sonora de Blake Neely é um dos mais trabalhos mais inspirados que já ouvi em qualquer série recentemente.

Os deméritos da série encontram-se justamente em sua necessidade de estar no formato televisivo: tudo o que não envolve a protagonista Cassie parece deslocado, e não chama tanta a atenção. Seja a subtrama  inconclusiva envolvendo a veterana comissária de bordo vivida por Rosie Perez se metendo com espiões norte-coreanos ou o próprio arco dos antagonistas genéricos por trás da morte de Alex (mas aqui, ao menos, temos a excelente Michelle Gomez em um papel que merece mais destaque no futuro), parece só uma distração para que a comissária de bordo central não resolva o mistério mais rápido.

Com 8 episódios que se movem de forma ágil, dinâmica e até em telas divididas, The Flight Attendant é um perfeito entretenimento. Traz a dose perfeita de novelesco e pulp, mas se beneficia das referências certeiras a Alfred Hitchcock e uma performance magnética de Kaley Cuoco. Por mais que eu não faça ideia de como uma segunda temporada poderia agregar à história, considerem-me embarcado.

The Flight Attendant - 1ª Temporada (EUA, 2020)

Showrunner: Steve Yockey
Direção: Susanna Fogel, Marcos Siega, Batan Silva, John Strickland, Tom Vaughan, Glen Winter, Silver Tree
Roteiro: Steve Yockey, Ryan Jennifer Jones, Ticona S. Joy, Meredith Lavender, Jess Meyer, Marcie Ulin, Ian Weinreich, baseado na obra de Christopher A. Bohjalian
Elenco: Kaley Cuoco, Michiel Huisman, Zozia Mamet, T.R. Knight, Michelle Gomez, Rosie Perez, Griffin Matthews, Colin Woodell
Streaming: HBO Max
Gênero: Suspense, Comédia
Episódios: 8
Duração: 40 min

https://www.youtube.com/watch?v=GAY1bfWIsxw


Crítica | Era Uma Vez em Hollywood - Uma novelização sensacional!

Não há dúvidas de que Quentin Tarantino é um dos melhores e mais influentes cineastas de sua geração. Ainda que um mago com a câmera, a marca definitiva do diretor certamente está mais voltada para a escrita, função que lhe garantiu dois Oscars de Melhor Roteiro Original - por Pulp Fiction: Tempo de Violência, ao lado de Roger Avery, e o faroeste Django Livre. Justamente por isso, não é uma surpresa ver seu nome agora associado ao lançamento de um livro.

E no melhor estilo Tarantino, claro que sua primeira investida literária é justamente uma novelização de um de seus filmes; no caso, seu recente Era Uma Vez Em Hollywood. Pode parecer novidade para os mais jovens, mas o lançamento de livros que recontavam e expandiam a trama de filmes inéditos era muito comum nas décadas de 60 e 70, e até mesmo em décadas recentes; eu mesmo lembro-me de ter lido uma sobre Homem-Aranha 3 em 2007, durante a época do filme.

Mas o que Tarantino faz com seu formato de romance para Era Uma Vez em Hollywood é bem diferente do que a maioria pode esperar. O livro segue os principais eventos do filme de 2019, sim, mas de maneira bem mais dinâmica e alternativa: acompanhamos o cotidiano do ator decadente Rick Dalton, seu dublê misterioso Cliff Booth, a radiante Sharon Tate e também algumas desventuras envolvendo Charles Manson e as garotas de sua “Família”, mas com diversas passagens e detalhes que ou expandem detalhes de seus respectivos passados ou algumas espiadas em seus futuros.

E é certamente um tipo de livro que assume que o leitor está familiarizado com o filme. Nem todas as cenas estão lá, e alguns momentos icônicos (como o memorável final envolvendo o confronto com a Família Manson) são passados brevemente por algumas linhas de diálogo no meio do livro, apenas para que Tarantino discorra brevemente sobre os acontecimentos posteriores envolvendo a carreira de Rick Dalton. É uma narrativa sinuosa e que salta para lá e para cá no tempo, o que não deixa de ser uma das características mais fortes da filmografia de seu autor.

Da mesma forma como acontece no filme, também temos as metalinguagens maravilhosas. Em diversos momentos, o narrador do livro acaba discorrendo sobre opiniões pessoais em relação a atores, atrizes e cineastas da época, gastando uns bons parágrafos para ilustrar o brilhantismo da direção de Roman Polanski em O Bebê de Rosemary ou a longa jornada sobre como Cliff Booth se tornou um dos grandes fãs de Akira Kurosawa. De forma similar, alguns capítulos são inteiramente dedicados e lidos do ponto de vista de personagens no seriado em que Rick Dalton atua, o que ajuda a replicar o efeito de camadas de história do filme - e jogar o leitor literalmente na mente de seus protagonistas. Ou seja, é um prato cheio para qualquer cinéfilo e admiradores de cultura pop.

Falando no dublê que ganhou as feições de Brad Pitt no filme de 2019, Cliff Booth certamente é um dos grandes destaques da versão em papel. Além de ganhar essas anedotas cinéfilas que só ajudam a tornar o personagem tridimensional mais rico (quem diria que Cliff seria um grande admirador de cinema sueco?), Tarantino gasta diversos capítulos explorando seu passado, como o primeiro encontro com Rick, sua violenta trajetória pela Segunda Guerra Mundial, a chegada da feroz pitbull Brandy em sua vida e, claro, o enigmático episódio envolvendo sua esposa - que não é nem de longe tão ambíguo aqui quanto foi no filme.

Sobre a linguagem, infelizmente não pude ler em seu idioma original, mas o descontentamento passou após algumas meras linhas. A tradução da Intrínseca é absolutamente fenomenal, preservando gírias da época, modos de linguagem, títulos de filmes e uma vulgaridade obscena em seus discursos e palavrões que nem mesmo as legendas de cinema mais audaciosas ousariam apresentar. Um trabalho realmente notável e que só tornou a experiência mais genuína.

Para fãs de Quentin Tarantino e de cinema em geral, a novelização de Era Uma Vez em Hollywood é uma leitura obrigatória. Tanto para conhecer mais sobre os personagens carismáticos e o universo cinéfilo da década de 60, é uma viagem tão gostosa e aproveitável quanto a do filme, e que certamente ajudará o leitor a descobrir um leque ainda maior de referências e acontecimentos; tanto sobre a história do filme e seus personagens quanto da Hollywood daquele período. 

Seria demais pedir para Tarantino adaptar este livro para as telas agora?

Era Uma Vez em Hollywood (Once Upon a Time in Hollywood, EUA  – 2021)

Autor: Quentin Tarantino
Editora: Intrínseca
Edição: 1ª edição de 2021
Gênero: Romance, cinema
Páginas: 559

https://www.youtube.com/watch?v=RkvA-nZuNmY