Crítica | The Mandalorian: 1ª temporada - Star Wars triunfa no streaming

Star Wars nasceu nos cinemas, mas desde sua concepção, sempre esteve mirada na televisão. Ao lançar Uma Nova Esperança em 1977, George Lucas sempre reforçou como seriados e programas matinês forma a inspiração para o formato de sua saga, que não por acaso, é dividida por “episódios" até hoje. Naturalmente, após duas produções animadas, era o destino dessa galáxia muito, muito distante que suas histórias fossem parar em uma série de TV live-action.

Carro-chefe do recém inaugurado serviço de streaming Disney+, The Mandalorian é uma aposta ousada. Após ter dado o pontapé do Universo Cinematográfico da Marvel Studios com Homem de Ferro, nada mais justo do que Jon Favreau tocar a empreitada, contando com auxílio de Dave Filoni, produtor responsável por manter a chama de Star Wars acesa na TV com Clone Wars, Rebels e a recente Resistance. O resultado talvez seja o Star Wars mais "raiz" em anos, que busca inspiração no faroeste e nos seriados da década de 50 para a criação de uma obra impressionante.

A trama de The Mandalorian é ambientada algum tempo após os eventos de O Retorno de Jedi, começando a preencher a lacuna que levará a trama para O Despertar da Força. O foco vai para o misterioso caçador de recompensas mandaloriano (Pedro Pascal), que entre diferentes aventuras e missões pela galáxia, acaba se afeiçoando por um misterioso e poderoso bebê que domina a Força. Traindo seu código mercenário, ele ajuda a proteger a criança de forças imperiais que o cobiçam.

Sem vergonha de ser episódico

Ao contrário da maioria das produções televisivas contemporâneas, The Mandalorian é assumidamente episódica. Há uma trama que se desenvolve ao longo de diferentes episódios, sim, mas cada episódio da série serve como sua própria e isolada aventura; tanto que a decisão da Disney em lançar um capítulo por semana não poderia ser mais acertada, assim como a perfeita duração de enxutos 30 minutos. The Mandalorian nunca é arrastado ou longo demais, e o espectador tem a dose apropriada de aventuras espaciais semanalmente.

Claro, tal decisão narrativa de uma trama episódica requer trabalho. Lá para a metade da temporada, com os episódios Sanctuary, The Gunslinger e The Prisoner, estamos na porção mais posicionada como “filler”. São três missões isoladas do Mandaloriano, que ajudam a introduzir novos personagens que virão a ser importantes (a Cara Dune de Gina Carano, principalmente) e expandir a mitologia desse universo riquíssimo. O problema é que justamente nessa trinca de episódios, temos o trabalho mais fraco em termos de roteiro e direção. Filoni é um bom conhecedor do universo, mas tem uma gramática visual pouco inspirada para o nível cinematográfico que a série parece almejar. Funciona para nos apresentar ao universo durante o piloto, mas falta pulso às cenas de ação e também nos quadros mais “faroeste” que sempre pipocam aqui e ali.

De maneira similar, Bryce Dallas Howard faz sua estreia na direção de um episódio inspirado em Os Sete Samurais, quando Mando precisa ajudar uma vila a se defender de um ataque tribal, mas a atriz pouco pode oferecer em termos visuais - mais parecendo um clássico caso de nepotismo, considerando que seu pai (Ron Howard) dirigiu Han Solo: Uma História Star Wars no ano anterior.

Mascarados e marionetes

Mas quando The Mandalorian acerta, temos grandeza. Atrelados à trama principal que se desenrola pela primeira temporada, Rick Famuyiwa, Deborah Chow e Taika Waititi conseguem trazer uma escala sensacional para o Star Wars televisivo. Seja em batalhas espaciais, lutas corporais ou duelos de blaster dignos de Sergio Leone, a ação bem planejada de The Mandalorian não deixa a desejar, com os destaques mais claros indo para a batalha dos Mandalorianos no terceiro episódio (de Chow) e o insano confronto final entre o protagonista e uma nave TIE Fighter no season finale (de Waiiti, bem mais inspirado do que no péssimo Thor: Ragnarok).

É uma trama simples, mas que ganha força graças a seus personagens centrais, algo que merece extra crédito quando percebemos que nosso protagonista jamais revela seu rosto. Ainda assim, Pedro Pascal é capaz de oferecer uma presença física imponente, ao passo em que os melhores diretores da temporada (em especial, Deborah Chow) são capazes de enquadrar e iluminar o icônico capacete de forma a quase mudar suas expressões. Sabemos exatamente o que o misterioso mandaloriano está pensando ou sentindo, mesmo sem ter sua expressão.

O outro fator que ajuda no protagonismo e no envolvimento do espectador é, claro, o personagem que ficou conhecido como Baby Yoda. Protagonista dos maiores memes e movimentação online do último semestre, o pequeno alienígena da raça do mestre Jedi de Frank Oz é instantaneamente carismático, graças à sua aparência adorável e também o fato de o personagem ser uma criação prática - uma marionete, ao invés de um boneco CGI. Sua relação com o Mandaloriano, que claramente enxerga no pequeno uma identificação com seu próprio passado (onde foi separado dos pais) é uma das mais bem resolvidas e naturais de toda a saga criada por George Lucas. Sem falar que, dada a naturalidade de suas ações, o humor de Baby Yoda nunca soa forçado ou infantil demais. Um equilíbrio perfeito.

A Força é forte no streaming

A situação de Star Wars nos cinemas pode estar frustrante após A Ascensão Skywalker, mas o futuro no streaming parece brilhante após The Mandalorian. Jon Favreau comanda uma série rápida, divertida e que tem momentos de grandeza cinematográfica. É o começo de uma nova e empolgante fase para a franquia.

The Mandalorian - 1ª Temporada (EUA, 2019)

Showrunner: Jon Favreau
Direção: Dave Filoni, Rick Famuyiwa, Deborah Chow, Bryce Dallas Howard, Taika Waititi
Roteiro: Jon Favreau, Rick Famuyiwa, Christopher L. Yost, Dave Filoni, baseado nos personagens de George Lucas
Elenco: Pedro Pascal, Nick Nolte, Gina Carano, Bill Weathers, Giancarlo Esposito, Taika Waititi, Werner Herzog, Emily Swallow, Ming-Na Wen, Jake Cannavale, Clancy Brown, Bill Bur, Natalia Tena
Gênero: Aventura
Emissora: Disney+
Episódios: 8
Duração: 30/40 min

https://www.youtube.com/watch?v=aOC8E8z_ifw


Crítica | Watchmen - 1ª Temporada - Quando o ar vira ouro

Os corações de todos os fãs, assim como as cobras de Alan Moore, se apertam quando surge mais uma conversa sobre adaptar a lendária graphic novel Watchmen para o meio audiovisual. Zack Snyder cuidou da tarefa hercúlea em 2009 com seu ambicioso e conciso filme em longa-metragem, mas Damon Lindelof e a HBO resolveram brincar com algo ainda mais perigoso: uma continuação para a história definitiva de super-heróis. Mesmo a DC, lançando prelúdios e crossovers paralelos, não havia tido a ousadia de mostrar o que acontece além daquele final perfeito. Mas aqui estamos.

Durante 9 episódios, o co-criador de Lost e The Leftovers ofereceu sua interpretação do material, chamando a HQ de Moore de “Velho Testamento” enquanto batizava sua série de “Novo Testamento”. Tendo a história completa em mãos após a exibição do episódio finai, fica bem claro que Watchmen foi uma série de TV perfeitamente atrelada ao material original, explorando suas próprias ideias no universo criado em 1985, e até mesmo realizando a proeza improvável de tornar a graphic novel base mais rica e complexa com suas adições.

Quando o primeiro episódio, “It's Summer and We’re Running out of Ice”, começa, o espectador ainda não sabe o que esperar. É um bom piloto que introduz o novo universo, brinca com as referências ao quadrinho e estabelece um novo mistério com o assassinato de um chefe de polícia. Desde já, o roteiro de Lindelof e sua equipe começa a atualizar temas da HQ: se na década de 80 a paranoia da Guerra Fria e o medo do holocausto nuclear provocavam tensão, hoje temos a crise política bipolar e as questões raciais nos EUA (começar a série com o Massacre de Tulsa em 1921 é uma decisão poderosa). Colocar um grupo de supremacia branca, que se apropriou e deturpou os escritos de Rorschach em seu diário, é uma ideia excelente, tal como a discussão que se desenrola ao longo desses primeiros episódios - em perfeito alinhamento com o tipo de discurso que Moore estabeleceu em sua obra-prima.

Nesse universo, Lindelof é perfeitamente capaz de trazer figuras carismáticas e envolventes para movimentar os eventos. A principal delas, claro, é a Angela Abar de Regina King, uma ex-policial que atua como a vigilante Sister Night na força tarefa de Tulsa. A atriz vencedora do Oscar oferece uma performance forte e cheia de camadas, onde vemos as inseguranças e medos de Angela sempre à tona, mas também sua personalidade badass ao assumir o incrível traje de uma freira mercenária. Ao lado dela, também temos o melancólico Looking Glass do excelente Tim Blake Nelson, uma das figuras mais trágicas e interessantes desse novo universo - e sua conexão traumática com os grandes eventos de Watchmen rendem uma das imagens mais impressionantes do ano todo. Fechando a trinca, a Lady Trieu de Hong Chau garante uma das figuras mais enigmáticas e suspeitas da série, fruto da performance ambígua da atriz chinesa.

Mas então, Lindelof começa a revelar conexões cada vez maiores com a graphic novel. E é aí que Watchmen realmente se prova como a sequência definitiva para a HQ (e não o filme de Zack Snyder, isso precisa ficar bem claro), usando personagens como Laurie Blake, Adrian Veidt e o poderoso Doutor Manhattan de forma surpreendente e complexa. Jean Smart traz todo o humor e irreverência da antiga Espectral, agora bem mais cínica e sarcástica como seu pai, ao passo em que Jeremy Irons surge simplesmente brilhante como um Ozymandias mais insano e teatral, dominando cada segundo de cena. Para não entregar spoilers, basta dizer que, ainda que o visual tenha deixado a desejar, o intérprete do Doutor Manhattan fez um bom trabalho ao retratar a falta de emoções e alienação do personagem divino de forma convincente, mas ainda mantendo traços de seus sentimentos - algo que o filme de Snyder, por exemplo, pecou ao torná-lo completamente alienado.

Quando a série chega a seu sexto episódio, This Extraordinary Being, porém, vemos a conexão mais audaciosa com a série de papel. Usando uma ponta solta da HQ original, Lindelof trouxe uma história de origem para o misterioso Justiça Encapuzada, o primeiro vigilante mascarado do universo de Watchmen, e, partir disso, girou a maior parte dos acontecimentos da temporada em torno dele. Rodado em preto e branco e usando uma montagem complexa, o episódio é um noir pesado e assustador pela luta de um policial negro, que usa uma máscara para poder sobreviver, contra uma conspiração racista e de controle mental. É também a melhor análise e reflexão sobre o que faz uma pessoa usar uma máscara e assumir uma identidade anônima que a série foi capaz de oferecer - algo que pouquíssimas histórias do gênero, convenhamos, o fazem.

E não poderia deixar essa crítica passar sem falar do episódio A God Walks into Abar, que enfim explica como o Doutor Manhattan está conectado a toda essa história da primeira temporada. É o tipo de episódio movido inteiramente pela estrutura que seu roteiro aborda, que escolhe posicionar-se na forma como Manhattan enxerga o tempo: simultaneamente. Cada corte e mudança de tempo/espaço está relacionada à percepção com a qual o ser azul conta sua história, toda centrada em um diálogo com Angela em um bar. É simplesmente perfeito, e que também garante excelentes performances de seus intérpretes e uma direção segura de Nicole Kassell - que sabiamente esconde o rosto de Manhattan por quase 30 minutos através de uma mise en scene engenhosa.

A HBO trouxe grandes produções em 2019, e Watchmen talvez seja a mais surpreendente e satisfatória. São 9 episódios concisos e diferentes entre si, capturando o espírito da graphic novel de Alan Moore ao mesmo tempo em que a expande de forma audaciosa e inteligente. Watchmen, a série, faz o que Laurie fez com o Doutor Manhattan na graphic novel original: convencer todos nós de que milagres, como o ar se transformando em ouro, são possíveis de acontecer.

Watchmen - 1ª Temporada (EUA, 2019)

Showrunner: Damon Lindelof
Direção: Nicole Kassell, Stephen Williams, Steph Green, AndrIj Parekh, David Semel
Roteiro: Damon Lindelof, Nick Cuse, Lila Byock, Cristal Henry, Cord Jefferson, Jeff Jensen, Claire Kiechel, Stacy Osei-Kuffour, Carly Wray
Elenco: Regina King, Jeremy Irons, Jean Smart, Tim Blake Nelson, Yahya Abdul-Mateen II, Hong Chau, Don Johnson, Tom Mison, Sara Vickers, Louis Gossett Jr., James Wolk, Frances Fisher, Jessica Camacho, Andrew Howard, Jovan Adepo
Emissora: HBO
Episódios: 9

Duração: 50 min


As 10 melhores séries da década

O ano de 2019 marca o fim de mais uma década, que pode se destacar como uma das mais ricas e diversas da cultura pop. Além de grandes filmes, games e livros, tivemos ótimos 10 anos para a televisão, que entrou em uma nova Era de Ouro com a ininterrupta onda de qualidade.

Em uma tarefa difícil, selecionamos as 10 melhores séries de TV/streaming lançadas na janela de 2010 a 2019 em um ranking.

Confira abaixo.

10. Rick and Morty

Desde Os Simpsons não tínhamos uma série de animação se tornando tão popular e bem avaliada de forma rápida. A criação de Dan Harmon e Justin Rolland explora o melhor das ideias mais profundas e perturbadoras da ficção científica em um misto de humor escatológico e drama existencial. Rick and Morty já nasceu clássica.

9. Atlanta

E foi assim que Donald Glover conquistou Hollywood. Com apenas duas temporadas até agora, Atlanta se provou como uma das séries de comédia mais inventivas e inteligentes dos últimos tempos, com temas sociais, episódios antológicos e puro surrealismo se misturando de forma única. Contando os dedos para a estreia da terceira temporada.

8. The Marvelous Mrs. Maisel

Por falar em grande refinamento cômico, é da Amazon a grande série de comédia destes últimos dez anos. Ao narrar a história de uma dona de casa rica que resolve trilhar a carreira de comediante stand up na década de 50, Amy Sherman-Palladino trouxe uma das séries mais bem escritas, projetadas e - ênfase aqui - dirigidas dos últimos anos. Alie isso ao carisma explosivo de Rachel Brosnahan, e temos uma série simplesmente irresistível.

7. Game of Thrones

Existe a televisão antes de Game of Thrones e a televisão depois de Game of Thrones. Ainda que a série de fantasia da HBO tenha derrapado em suas temporadas derradeiras, não desfazem o feito histórico da série de D.B. Weiss e David Benioff, que ajudou a elevar a TV a um nível cinematográfico nunca antes visto, capturando o coração de fãs com tramas elaboradas e personagens inesquecíveis.

6. Watchmen

Talvez seja cedo para definir a ousada adaptação/continuação de Damon Lindelof para a obra-prima de Alan Moore, mas tudo o que vimos de Watchmen, foi irretocável. A série é um primor na forma como desenrola sua narrativa, cria um universo inteiramente novo e também como sua direção explora diferentes linhas temporais, temas espinhosos e um elenco fenomenal. Uma série viciante, e que só deve ficar melhor com o tempo.

5. True Detective

O policial é o gênero mais batido e sobrecarregado da televisão americana, mas a HBO e Nic Pizzolatto conseguiram injetar vida nova com a excepcional antologia True Detective. A primeira temporada, em especial, se destaca pela dinâmica explosiva entre Matthew McConaughey e Woody Harrelson, que dominam uma trama intrincada, sombria e filosófica. Não que as demais temporadas não merecem carinho (sim, até a segunda), mas o ouro está nesse genial primeiro ano.

4. Better Call Saul

Não é fácil mexer em uma obra perfeita, principalmente quando falamos de uma série tão bem resolvida quanto Breaking Bad. Mas ao olhar para o universo particular e passado de um dos coadjuvantes da série, Vince Gilligan e Peter Gould encontraram algo tão valioso quanto em Better Call Saul, que acompanha a lenta e dramática transição de Bob Odenkirk para o advogado criminal Saul Goodman. O mesmo primor de Breaking Brad em direção, roteiro e fotografia se repete aqui, mas de forma ainda mais intimista.

3. Chernobyl

É difícil lembrar a última vez em que um drama semi-documental causou tanto alvoroço e despertou tanta atenção quanto Chernobyl. A minissérie da HBO dramatizou o histórico desastre nuclear soviético da década de 1986, e o fez com muita segurança: o roteiro de Craig Mazin serviu como aula de exposição e dramaturgia, ao passo em que todo o elenco encabeçado por Jared Harris ofereceu performances incríveis, todas bem capturadas pela direção impressionante de Johan Renck. Chernobyl veio e se foi depressa, mas seu lugar na História está garantido.

2. Twin Peaks: O Retorno

Um dos projetos mais radicais e ambiciosos dessa década. David Lynch retornou a seu mundo de Twin Peaks de forma assustadora, enigmática e brilhante, trazendo uma das obras que melhor define seu estilo e carreira. Com as chaves do reino da Showtime, Lynch fez da terceira temporada de Twin Peaks um evento único e difícil de ser descrito, mas que merece ser experienciado ao máximo com seus 13 capítulos.

1. Fargo

Quando a FX anunciou uma série baseada no primoroso filme dos irmãos Joel e Ethan Coen, ninguém poderia imaginar que esse seria o altíssimo nível a ser atingido. Ao longo de três temporadas praticamente perfeitas, a antologia de Noah Hawley trouxe histórias intrínsecas, inteligentes e engenhosas - aliadas a um alto nível de simbolismo, direção e elenco. Uma série perfeita, com potencial para entrar no hall das grandes produções da TV americana.