Crítica | Casal Improvável - Uma sátira política hilária e comovente
A comédia romântica é um subgênero do cinema americano praticamente em extinção. Esse tipo de produção mais leve, que um dia foi um dos mais populares de Hollywood, hoje encontra mais espaço em plataformas de streaming como Netflix e Amazon, seja em longas minisséries ou filmes. Por isso, agora é especial quando um filme como Casal Improvável chega aos cinemas, trazendo dois astros conhecidos e uma trama cômica essencialmente ligada ao romance - uma comédia contemporânea agora sempre trará elementos de ação, por exemplo.
A trama nos apresenta ao jornalista político Fred Flarsky (Seth Rogen), que se demite após o jornal onde trabalha ser comprado por uma empresa de comunicação corrupta. Sem emprego, ele acaba reencontrando-se com Charlotte Field (Charlize Theron), uma antiga paixão do colégio que agora é Secretária do Estado americano e almeja candidatura para presidência dos EUA no próximo ano. Procurando ajuda para um projeto ambicioso, Fields contrata Flarsky para escrever e editar seus discursos, e um romance começa a florescer entre os dois.
A proposta de Casal Improvável imediatamente nos remete a outro longa do gênero: Meu Querido Presidente. A comédia romântica escrita por Aaron Sorkin e dirigida por Rob Reiner acompanhava o romance do presidente dos EUA com uma lobista, e também apresentava um forte cunho político. Claro que no caso do novo filme, a presença de Seth Rogen garante uma abordagem mais pastelão e stoner, mas que é igualmente eficiente. O texto de Liz Hannah e Dan Sterling é competente ao trazer um cenário político bem atual com a polarização entre democratas e republicanos, e consegue equilibrar a política com o típo de humor adulto que esperamos de Rogen com uma trama romântica que surpreende por sua doçura honesta e comovente.
Dirigido com competência por Jonathan Levine, que já experimentou o drama e o surreal com Rogen no excelente 50% e o divertido Sexo, Drogas e Jingle Bells, o longa mantém um timing cômico e até surpreende com algumas variações de tom. O fato de termos uma cena de abertura que parece saída de Infiltrado na Klan é um exemplo disso, ou o ataque surpresa ao hotel onde os protagonistas se hospedam, que revela o perigo presente naquele universo. Se há um demérito em Casal Improvável, acaba sendo o ritmo um tanto inconstante, e que acaba resultando em uma duração além do necessário.
O grande atrativo fica mesmo com o casal do título. Seth Rogen oferece mais uma variação de seu típico protagonista cômico, agora acrescentando uma camada de jornalista político e um romantismo que vimos com pouca frequência - com o mais presente sendo em Ligeiramente Grávidos -, mas que funciona. É mesmo Charlize Theron quem impressiona, principalmente por não vermos a atriz tão ligada ao gênero. Sua Charlotte Field traz diversas camadas, não limitando-se ao estereótipo da mulher "poderosa e chata" e tampouco da incapaz, rendendo uma figura bem humana. A cena em que Charlotte tenta resolver uma complicada situação de terrorismo sob o efeito de alucinógenos é um dos pontos altos do ano.
Mas por mais que o casal seja o destaque, preciso confessar que quem rouba o filme é O'Shea Jackson Jr. Filho do ator e ex-NW.A. Ice Cube, Jackson interpretou o pai na cinebiografia Straight Outta Compton, e aqui demonstra uma veia cômica surreal. Ao interpretar o melhor amigo de Flarsky, o ator traz algumas das tiradas mais engraçadas e absurdas, além de contar com uma reviravolta que enriquece o textode Hannah e Sterling: ele é um republicano, o que surpreende o ávido democrata Flarsky, e também pinta um cenário extremamente raro onde a direita e a esquerda podem se dar bem. Um dos pontos mais fortes do roteiro, sem dúvida.
Aproveitando o potencial de seus protagonistas, Casal Improvável é uma comédia romântica para todos os gostos. Acerta no humor chulo, na sátira política e especialmente na doçura honesta de sua relação central, favorecida por um elenco fantástico.
Casal Improvável (Long Shot, EUA - 2019)
Direção: Jonathan Levine
Roteiro: Liz Hannah e Dan Sterling
Elenco: Seth Rogen, Charlize Theron, O'Shea Jackson Jr., Andy Serkis, Alexander Skarsgård, Bob Odenkirk, June Diane Raphael, Ravi Patel, Randall Park
Gênero: Comédia romântica
Duração: 125 min
https://www.youtube.com/watch?v=6WHQ369F4Jw
Crítica | MIB: Homens de Preto - Internacional - Reboot esquecível e sem charme
Levou tempo, mas finalmente tivemos um filme da franquia Homens de Preto sem o elenco original. A era do reboot chegou aos MIB, que troca a dupla carismática de Will Smith e Tommy Lee Jones, que protagonizaram três filmes divertidos e estimulantes, para dar espaço a Chris Hemsworth e Tessa Thompson neste MIB: Homens de Preto - Internacional. Infelizmente, o resultado fica bem abaixo do nível da franquia original.
A trama é ambientada no mesmo universo dos filmes anteriores, mas muda a perspectiva e a locação. Aqui temos a estudiosa Molly (Thompson), que teve um encontro com os Homens de Preto ainda quando criança, e passou toda a sua vida tentando encontrar a misteriosa organização MIB para se juntar a eles. Sendo recrutada na divisão de Nova York para se tornar a Agente M, ela logo é enviada para a divisão de Londres, onde o Grande T (Liam Neeson) a junta com o badalado Agente H (Hemsworth) para proteger um diplomata alienígena que está na mira de dois invasores misteriosos.
Um legado apressado
É uma proposta interessante para um remake. Mais um remanescente do chamado "legacyquel" popularizado por Star Wars: O Despertar da Força, o roteiro de Matt Holloway e Art Marcum apostam em um mundo já estabelecido e com mitologia própria, mas que agora ganha a perspectiva de um novo personagem. O problema é que, sinceramente, Homens de Preto só esteve ausente nas telas por 7 anos, não oferecendo muito tempo para que um "legado" exigisse uma sequência, e a dupla fracassa nesse quesito. Todo o arco de Molly é apressado, com a personagem descobrindo a localização do MIB de forma fácil e sendo recrutada para a agência através de uma sequência de montagem genérica - sendo este o momento em que deveríamos estar nos afeiçoando à ela, mas a dupla claramente está interessada em chegar direto à ação.
Tamanha essa preocupação que já vemos os problemas de estrutura logo nos minutos iniciais. Começamos com uma cena de ação para introduzir o H de Chris Hemsworth, apenas para termos um súbito flashback para 20 anos atrás, onde veremos a infância de Molly, e então voltamos para o tempo presente para seguir a história. Qualquer montador lhe diria que seria muito mais organizado e lógico ter início com a infância de Molly, a fim de evitar duas digressões temporais no mesmo ato, mas parece uma clara interferência de estúdio. O mesmo acontece em outras cenas de ação do filme, que parecem não ter um propósito claro a não ser oferecer espetáculo, mas chegaremos a elas.
Mas se ao menos Molly tem um passado claro e uma motivação estabelecida (mesmo que seja um genérico desejo de "conhecer tudo sobre o universo"), o mesmo não pode ser dito acerca do Agente H de Chris Hemsworth. É uma folha em branco que o ator simplesmente preenche com seus tiques humorísticos e a postura do galã, e sinceramente não é tão diferente ou inovador quando comparamos seu Deus do Trovão mais abobalhado em Thor: Ragnarok ou até mesmo o Kevin do reboot de Caça-Fantasmas, sendo uma figura bem desinteressante e entediante de se passar 2 horas. Sobre a missão em si, é facilmente a mais genérica e sem graça dos três filmes de MIB, contando também com antagonistas que nunca trazem muita personalidade ou motivação aparente; principalmente quando a trama aposta na batida ideia do "traidor infiltrado na agência" que já apareceu em literalmente qualquer filme de agente secreto já feito.
Mas o pior elemento é mesmo o humor. Absolutamente nenhuma das piadas do filme é capaz de provocar uma mísera risadinha, com Hemsworth, Thompson e todo o elenco apostando no batido e cansativo estilo de comédia improvisada, que acaba deixando espaços de silêncio e constatações do óbvio como ironia - esqueçam o Saturday Night Live, gente. Mas isso também falha no personagem criado unicamente para o propósito de fazer piadas e garantir momentos de afeto: o pequeno alienígena Pawny, dublado pelo comediante Kumail Nanjiani, e que se torna uma constante fonte de irritação - seja pelo ator, ou pelo texto sem graça que é forçado a proferir. Confesso que minha única risada genuína foi ao reparar em um figurante que encontrava dificuldade em morder uma laranja, e o fato de eu estar reparando em figurantes demonstra o nível de empolgada que eu tinha durante a sessão.
As chaves de Sonnenfeld
No lugar de Barry Sonnenfeld, que dirigiu os três anteriores, temos a escolha curiosa de F. Gary Gray. Cineasta de gama versátil, ele já trouxe o drama biográfico pesado com Straight Outta Compton: A História do N.W.A. e mostrou que sabe lidar com grande escala no eficiente Velozes e Furiosos 8. Porém, sua visão mais "pé no chão" se mostra limitada para lidar com universos de ficção científica coloridos e povoados por criaturas fantásticas, que também decepcionam em seu design - afinal, a produção perde o genial maquiador Rick Baker para dar espaço a criaturas alienígenas CGI que não vão além do genérico, raramente soando convincentes.
Gray até consegue criar uma estética visual cativante através da paleta de cores bem equilibrada e contrastada do diretor de fotografia Stuart Dryburgh - especialmente na atmosfera noir das ruas escuras de Paris, mas pouco pode fazer na ação. Por mais que o design de veículos e armas tragam boas criações, suportadas por um design sonoro criativo, é uma condução sem muita inspiração, nem mesmo quando uma das oponentes traz um par de braços a mais. Pra piorar, o estúdio parece ciente da ação sem fôlego e garantiu que os compositores Danny Elfman e Chris Bacon entregassem a trilha sonora mais forçada e alta possível - e é assustador reparar em como a mixagem de som parece elevar a música a níveis muito mais altos do que os efeitos sonoros ou os diálogos. Quase desesperador, na verdade.
A verdade é que não precisávamos de mais Homens de Preto. Se este MIB: Homens de Preto - Internacional era o melhor que a Sony podia oferecer, então era melhor vivemos com a lembrança afetiva da trilogia original com Will Smith e Tommy Lee Jones; por mais que Tessa Thompson traga um nítido esforço aqui.
Mas eu queria mesmo era ter visto aquele crossover cancelado de Homens de Preto com Anjos da Lei. Aquilo sim parecia memorável, não este reboot que eu já esqueci mesmo sem ter olhado para a luz piscante de um neuralizador.
MIB: Homens de Preto - Internacional (MIB: International, EUA - 2019)
Direção: F. Gary Gray
Roteiro: Matt Holloway e Art Marcum, baseado nos personagens de Lowell Cunningham
Elenco: Chris Hemsworth, Tessa Thompson, Liam Neeson, Rafe Spall, Rebecca Ferguson, Kumail Nanjiani, Emma Thompson, Les Twins
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 114 min
Crítica | X-Men: Fênix Negra - Uma conclusão ordinária
Em quase 20 anos nos cinemas, a franquia X-Men foi uma das mais importantes para a consolidação do gênero de super-heróis na sétima arte. Uma série de filmes com altos e baixos, derivados e mudanças constantes na cronologia, mas que nunca abandonaram a mesma linha narrativa; os mutantes nunca tiveram um reboot completo nos cinemas, ao contrário de Batman, Superman e Homem-Aranha, sempre permanecendo no mesmo universo.
Diante dessa importância, era de se esperar que o lançamento de X-Men: Fênix Negra viesse com um peso maior; um peso tão considerável quanto aquele que Vingadores: Ultimato trouxe para os 11 anos do Universo Cinematográfico da Marvel Studios. Mas, com peso ou não, a verdade é que os mutantes mereciam uma despedida digna antes de se tornarem propriedade da Disney. Infelizmente, o filme de Simon Kinberg fica bem abaixo do padrão estabelecido pela saga da Fox.
A trama salta mais alguns anos para 1992, e se arrisca a adaptar novamente a Saga da Fênix Negra. Aqui, os X-Men são vistos como heróis e celebridades para o público e o governo, que os convoca para ajudar em uma missão espacial defeituosa. Quando tenta salvar um dos astronautas, Jean Grey (Sophie Turner) é afetada por uma força cósmica misteriosa, que deixa seus poderes mais fortes e também desperta uma fúria incontrolável na jovem mutante, que se torna uma ameaça para seus colegas X-Men, que precisam se unir para detê-la.
Não é a primeira vez que a Fox tenta trazer a elogiada saga dos quadrinhos de Chris Claremont para os cinemas. Em 2006, Brett Ratner trouxe uma versão condensada da história com X-Men: O Confronto Final, e que acabou gerando críticas severas dos fãs por ter diminuído essa trama tão icônica dos mutantes. Bem, ao menos Ratner o fez com mais ânimo e pulso do que Simon Kinberg, roteirista que estreia na direção com resultados muito agridoces. É até preciso dar algum crédito para a estrutura correta do roteiro e os arcos dramáticos que trazem inovações para os personagens, particularmente para retratar um Charles Xavier mais egocêntrico e convencido de seu sucesso - algo que o personagem ainda não havia apresentado na franquia.
Por mais que os elementos cósmicos e alienígenas sejam chave para a história nos quadrinhos, confesso que se tornam deslocados em uma franquia pautada nas relações mais humanas. Todo o núcleo envolvendo os péssimos alienígenas liderados pela personagem de Jessica Chastain são embaraçosos, e que parecem ter saído de um roteiro descartado de Arquivo X. Sem falar que a presença alienígena e a aceitação popular dos X-Men abandona todas as questões sociológicas que a franquia abordou tão bem ao longo de seus antecessores - e por mais que o confronto interno de Jean e a virada orgulhosa de Xavier sejam pontos relevantes, não trazem nada de estimulante ou inovador em termos dramáticos.
Na direção, tudo fica ainda pior. Não que seja inteiramente culpa de Kinberg, afinal o roteirista acabou assumindo um projeto “abandonado” na Fox, especialmente após a turbulenta saída de Bryan Singer e todo o marasmo que assolou o estúdio durante a aquisição do estúdio pela Disney. Os problemas começaram a ficar evidentes quando o tímido marketing começou tardiamente e ainda trocou a data de estreia de Fênix Negra duas vezes, provocando muita instabilidade e desconfiança. São problemas de RP, mas infelizmente nada que Kinberg faça como diretor é capaz de trazer pulso, emoção ou qualquer coisa além de um pragmatismo que una os pontos de A a Z.
Em uma franquia que contou com momentos magistrais coordenados por Bryan Singer, Matthew Vaughn, James Mangold e até mesmo Brett Ratner, Kinberg se mostra como o funcionário básico. A paleta de cores se torna mais neutra e genérica, e nenhuma das cenas de ação é capaz de aproveitar o potencial de seus heróis, que simplesmente batalham com seus poderes sem o brilho e criatividade dos anteriores. Nada aqui arranha a perfeição do ataque do Noturno à Casa Branca, Magneto erguendo o submarino ou as duas sequências primorosas do Mercúrio em câmera lenta. É apenas o básico, e arrisco dizer que até mesmo a Fênix Negra de O Confronto Final era visualmente melhor resolvida, além de muito mais ameaçadora do que o festival de CGI borrachudo do filme de Kinberg.
Esse desânimo se reflete também em boa parte do elenco. Sophie Turner deveria ter carregado essa performance de Jean Grey como uma tour de force, mas não faz nada além do básico, nem de longe chegando perto do desempenho de Famke Jenssen em O Confronto Final - Turner até acerta no drama, mas não se torna uma figura ameaçadora. Nicholas Hoult, Michael Fassbender e Jennifer Lawrence seguem nas habituais notas consistentes com seus personagens, e até conseguem brilhar em alguns momentos mais trágicos, mas é mesmo James McAvoy quem acaba segurando o barco. Ao explorar a faceta mais orgulhosa de Xavier, o ator consegue encontrar ainda mais camadas para tornar o Professor X complexo, além de ser seu trabalho mais similar com o de Patrick Stewart. Quanto a Jessica Chastain? Não há muito o que se fazer com uma vilã tão pessimamente escrita quanto a dela, mas a atriz se esforça.
E se há algum outro quesito positivo no filme, é a trilha sonora de Hans Zimmer. Tudo bem que foi uma pena não ouvir o maravilhoso tema de John Ottman, mas o icônico compositor alemão traz energia e até consegue animar algumas das sequências de ação. A cena em que o Jato dos X-Men está na missão espacial é o melhor exemplo disso, onde a música tensa de Zimmer acrescenta tensão e imprevisibilidade, resultando na melhor cena de toda a projeção. Infelizmente, o trabalho de Zimmer também perde o ânimo da metade para o fim, limitando-se a batidas sintetizadas que parecem repetir-se se sem grande variação; mas o tema musical da Fênix Negra é competente ao se aproveitar de um bom coral. Porém, e cesso aqui as comparações com O Confronto Final, inferior ao trabalho operático de John Powell no filme 2006.
X-Men: Fênix Negra é um desfecho medíocre e decepcionante para uma das franquias de super-heróis mais importantes da História. Carece do brilho e da maestria técnica de seus antecessores, além de uma narrativa forte que sempre abordou temas impactantes em seu núcleo. Um triste fim para uma franquia que agora deve se tornar mais uma peça na engrenagem da Marvel Studios.
X-Men: Fênix Negra (Dark Phoenix, EUA) - 2019
Direção: Simon Kinberg
Roteiro: Simon Kinberg, baseado nos personagens da Marvel Comics
Elenco: Sophie Turner, James McAvoy, Michael Fassbender, Nicholas Hoult, Jennifer Lawrence, Tye Sheridan, Alexandra Shipp, Evan Peters, Kodi Smit-McPhee, Jessica Chastain
Gênero: Aventura
Duração: 113 min
https://www.youtube.com/watch?v=kS08vVQDRPs
Crítica | Rocketman - Revitalizando a biografia musical
Quando o assunto é cinebiografia musical, sempre me lembro do trabalho perfeito de A Vida É Dura: A História de Dewey Cox. Não por ser um biopic musical, mas sim por perfeitamente reproduzir e parodiar todos os clichês que assombram esse tipo de produção - e que se manifestaram em peso no inexplicavelmente bem-sucedido Bohemian Rhapsody, filme sobre Freddie Mercury e o Queen que conquistou as premiações na última temporada.
É muito difícil fazer um filme desse gênero e não se deixar levar pelos clichês, mas o que Rocketman consegue fazer é especial. Ainda que o longa sobre a vida de Elton John caia em toda a fórmula e as marcas de narrativa que passamos a esperar desse tipo de história, o faz com muito charme, estilo e um conceito que consegue fazer triunfá-lo sobre essas deficiências de roteiro, e atinge um resultado quase único.
O roteiro de Lee Hall aborda toda a trajetória de Reginald Dwight (Taron Egerton), que cresceu de um tímido pianista prodígio do Reino Unido para se tornar o artista de sucesso conhecido como Elton John. O longa acompanha seu ponto de vista enquanto reconta toda sua história anos depois, abordando sua homossexualidade, a relação com a família, seu melhor amigo Bernie Taupin (Jaime Bell) e também seus muitos problemas com drogas.
A mesma e velha história
Narrativamente falando, é a mesma história de sempre. Hall faz o possível para manter a trama mais interessante, e o fato de termos John contando suas experiências para um grupo de reabilitação possibilita tiradas e diálogos mais divertidos, mas no fim é a mesma fórmula: início humilde, o rápido sucesso, a decadência colossal e a volta por cima após diversas lições de moral. O setor da decadência, em especial, torna-se muito maçante por ser aquele em que o longa abandona suas ideias mais fantasiosas.
Pode parecer inusitado ouvir a palavra fantasia em uma cinebiografia musical, mas é justamente isso o que Rocketman traz. Ainda que entre mais em detalhes na direção, Hall toma uma ousado decisão de fazer Elton John conversar consigo mesmo e com versões idealizadas daqueles presentes em sua vida em diálogos imaginários - e que garantem algumas das melhores catarses do filme; mesmo que seja uma imagem óbvia, ver o Elton crescido abraçando sua versão criança representa tudo o que o longa quer dizer em uma única imagem. Outro grande acerto está na relação entre Elton e Bernie, que é sem sombra de dúvida o melhor arco dramático do filme; como a amizade dos dois supera as intrigas e se reconstrói após a inevitável sisão é capaz de gerar uma reação emotiva.
Claro, Hall acaba correndo depressa sobre alguns assuntos que facilmente poderiam ter ficado de fora. A conturbada relação com John Reid (Richard Madden) acaba sendo só mais um exemplar da desilusão amorosa movida pela ambição, enquanto o casamento com Renate Blauel (Celinde Schoenmaker) é tão súbito que parece ter sido inserido apenas como exigência externa - já que não acrescenta nada à trama.
Direção brilhante
O que realmente separa Rocketman das demais obras de sua categoria é mesmo a direção. Curiosamente assinada pelo mesmo Dexter Fletcher que concluiu as filmagens de Bohemian Rhapsody após a demissão de Bryan Singer, a direção acerta ao quebrar as convenções. O longa surpreendentemente se revela um musical fantasioso em seus melhores momentos, usando imagens surrealistas para ilustrar o efeito que as músicas de Elton John provocavam em seus ouvintes - vide o belo instante em que toda a platéia começa a flutuar durante a performance de “Crocodille Rock’. Mais do que isso, os números musicais soam orgânicos e dinâmicos para demarcar a passagem de tempo: tais sequências sempre culminam em alguma evolução de tempo na história, como fica evidente na excepcional sequência de “Saturday Night’s Alright for Fighting” (que traz o jovem Reginald se transformando em Taron Egerton) ou a da canção titular.
Esta última é ainda mais especial por conter um simbolismo forte em sua montagem. “Rocketman” começa com John tentando se suicidar dentro de sua piscina, culminando em seu encontro com sua versão criança tocando piano embaixo da água e o subsequente resgate de paramédicos, que tiram suas roupas e imediatamente colocam sua próxima fantasia para um show, deixando claro que o artista não tem tempo para se tratar e refletir, estando pronto para voltar aos palcos; isso tudo torna a experiência mais dinâmica e ajuda a cortar algumas barrigas de roteiro, além de sempre manter o espectador atento.
E claro, temos Taron Egerton. Jovem ator que se destacou nos dois filmes da franquia Kingsman, ele tem aqui sua chance de entrar para o panteão de grandes nomes de Hollywood, oferecendo uma performance cheia de nuances, carisma e que captura perfeitamente o espírito de Elton John e seus maneirismos; mas sem cair na caricatura, algo que seria muito fácil. Além da ótima composição, Egerton tem também a vantagem de cantar em todos os números musicais, e seu esforço é nítido, o que deve lhe garantir uma atenção especial na próxima temporada de prêmios. Afinal, se Rami Malek ganhou um Oscar por uma versão karaokê de Freddie Mercury, Taron Egerton definitivamente merece mais carinho dos votantes.
No papel, Rocketman é mais uma formulaica e previsível cinebiografia musical, que traz todos os clichês esperados no gênero. Porém, em execução, Dexter Fletcher transforma a experiência em algo mais dinâmico e que quebra diversas convenções do gênero, contando também com um magistral Taron Egerton no papel central.
Rocketman (EUA/Reino Unido - 2019)
Direção: Dexter Fletcher
Roteiro: Lee Hall
Elenco: Taron Egerton, Jaime Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard, Gemma Jones, Steven Mackintosh, Tom Bennett, Matthew Illesley, Kit Conor, Charlie Rowe, Tate Donovan
Gênero: Drama, Musical
Duração: 121 min
https://www.youtube.com/watch?v=S3vO8E2e6G0
Crítica | Godzilla II: Rei dos Monstros - Um espetáculo de tédio
Hollywood sempre foi apaixonada por monstros destruindo cidades, mesmo que a cultura mais popular para esse tipo de história seja no Japão. Dessa forma, o Godzilla se tornou um dos grandes ícones do cinema oriental, e que o cinema americano sempre tentou replicar de diferentes forma; seja em obras como Cloverfield - Monstro, Independence Day, Círculo de Fogo e até as versões americanas envolvendo o grande lagarto radioativo.
A mais recente, dirigida por Gareth Edwards em 2014, conseguiu iniciar uma franquia ambiciosa para a Warner Bros e Legendary: um universo compartilhado de grandes monstros e kaiju, que foi complementado com Kong: A Ilha da Caveira e já prepara um vindouro confronto entre o gorila gigante e o lagarto radioativo, com Godzilla vs Kong já marcado para março de 2020. Antes da grande batalha, porém, a Warner lança Godzilla II: Rei dos Monstros, que continua os eventos do filme de 2014 enquanto tenta expandir seu universo. Infelizmente, a continuação tardia mostra que os produtores não aprenderam com os erros do antecessor, e Godzilla mais uma vez decepciona.
A trama se passa anos após a revelação de Godzilla para o mundo e a batalha climática de São Francisco, com mais criaturas - batizadas de Titãs - sendo descobertas pelo mundo através da empresa Monarca. Quando um grupo misterioso liderado por Jonah Alan (Charles Dance) sequestra a cientista Emma (Vera Farmiga) e sua filha Madison (Millie Bobby Brown), eles libertam o perigoso Rei Ghidorah, que deixa um rastro de destruição por onde passa e inspira outros Titãs a seguí-lo. Cabe a Godzilla lutar pelos humanos e assumir a dominância das espécies para deter Ghidorah.
O grande problema do Godzilla de 2014 era o tom. É um filme que se leva a sério demais e gasta muito tempo investindo em personagens sem carisma e que encontram-se presos em narrativas desinteressantes e que tiram o foco do monstro titular. Eu poderia usar exatamente essa mesma frase para definir os problemas de Rei dos Monstros, mas agora acrescentando que o trabalho de direção é ainda pior. O roteiro de Zach Shields e do diretor Michael Dougherty continua brincando com a ideia da relação entre homem e natureza e como Godzilla representa a força natural que traz equilíbrio ao planeta, agora brincando com noções religiosas com a chegada de Titãs como Ghidorah, Mothra e Rodan - que certamente vão agradar aos fãs mais saudosistas da Toho.
O esforço é mínimo e o resultado é ridículo. Nem vale a pena discorrer sobre os arcos envolvendo Emma, Madison e Mark (Kyle Chandler, o ex-marido isolado e idealista), que trazem reviravoltas estúpidas e motivações que parecem forçadas até mesmo para um filme que traz uma mariposa gigante como uma das heroínas - ninguém pediu por uma tese filosófica sobre a motivação ecológica de um kaiju, e nada no roteiro consegue aproveitar essa proposta absurda. São personagens demais e muitos arcos perdidos ali, e que acabam desperdiçando o bom elenco reunido, que é fadado a entregar falas ruins e piadas piores ainda, que incluem “Oh God! Zilla!”, comentários sobre o monstro titular estar “tunado” ou a irritante repetição de personagens gritando “Jesus” ou “Meu Deus!”. Preparem-se para um jogo de shot para tentar reunir todos os momentos em que isso acontece.
No quesito visual, pouco se salva. Michael Dougherty é até eficiente para criar algumas imagens icônicas, vide o nascimento de Mothra demarcado por suas asas brilhantes, o plano em que mostra Ghidorah no topo de um vulcão com um crucifixo em primeiro plano ou qualquer quadro que estabelece o início de uma luta entre Godzilla e seus oponentes. O problema é que quando a ação começa, Dougherty se deixa levar por uma bagunça visual incompreensível e sem empolgação - principalmente por sua câmera adotar a perspectiva dos personagens humanos, então quase sempre estamos vendo Godzilla lutar com algum monstro pelo interior de uma sala ou com uma janela entre a vista. Não ajuda também que a paleta de cores adotada pelo diretor de fotografia Lawrence Sher seja absurdamente escura e dessaturada, oferecendo dificuldade de enxergar o que acontece em cena mesmo na versão em 2D; eu nem quero imaginar como o será o pesadelo de assistir a esse filme com óculos 3D.
O trabalho dos efeitos visuais é competente, mas é estrategicamente escondido pela mise en scene de Dougherty. Todas as batalhas acontecem no meio de tempestades, furacões e muita, muita poeira voando, dificultando que o espectador perceba imperfeições. Na realidade, dificultando que o espectador enxergue qualquer coisa, e nem temos tantas sequências envolvendo duelos com as gigantescas criaturas.
Godzilla II: Rei dos Monstros é uma tremenda decepção para quem é fã de monstros gigantes batalhando. Assim como o fraco antecessor, o filme gasta tempo demais em personagens e subtramas movidas por clichês e motivações ridículas, e deixa a ação monstruosa em segundo plano, que também é prejudicada pela direção pedestre e confusa de Michael Dougherty.
Falem o que quiserem do Godzilla de 1998, mas pelo menos era divertido.
Godzilla II: Rei dos Monstros (Godzilla: King of the Monsters, EUA - 2019)
Direção: Michael Dougherty
Roteiro: Michael Dougherty e Zach Shields, baseado nos personagens da Toho Co
Elenco: Kyle Chandler, Vera Farmiga, Millie Bobby Brown, Charles Dance, Ken Watanabe, Sally Hawkins, O'Shea Jackson Jr., Bradley Whitford, Aisha Hinds, Thomas Middleditch
Gênero: Aventura
Duração: 131 min
https://www.youtube.com/watch?v=wRDnxNVdIEQ
Crítica | Aladdin (2019) - Um dos melhores remakes da Disney
Uma das novas fontes de renda da Disney nos cinemas consiste no remake de alguns dos clássicos animados para versões live-action. Dentre todos os lançamentos até agora, que consistiram em obras como Alice no País das Maravilhas, Cinderela, A Bela e a Fera e Mogli - O Menino Lobo, o primeiro que apresentava sinais de ser um desastre a nova versão de Aladdin, de Guy Ritchie. Desde a demora para o lançamento de trailers, as primeiras imagens que remetiam a novelas e o vergonhoso CGI do Gênio de Will Smith, tudo apontava para fracasso.
O mais irônico é que, terminada a sessão deste Aladdin, percebi que estava diante de um dos melhores remakes live-action do estúdio até agora; talvez rivalizando apenas com o Cinderela de Kenneth Branagh.
A trama é a mesma do original de 1992, nos apresentando ao jovem ladrão Aladdin (Mena Massoud), que rouba para sobreviver e não passar fome na cidade de Agrabah. Ao se apaixonar pela princesa Jasmine (Naomi Scott) ele recebe a proposta do sinistro Jafar (Marwan Kenzari) para que encontre uma misteriosa lâmpada na Caverna dos Tesouros. Ao encontrar o objeto, ele liberta um carismática Gênio (Will Smith), que lhe concede três desejos mágicos - que Aladdin usará para tentar conquistar a sábia princesa.
Um Guy não tão Rico
Este é sem dúvida o mais ambicioso de todos os remakes da Disney até agora. Não necessariamente por execução, mas por Aladdin ser uma animação extremamente fantasiosa e repleta de elementos que eu nunca imaginaria que pudessem ser convertidos para cenas tridimensionais com atores de carne e osso. Mesmo o espetáculo de CGI que é Mogli - O Menino Lobo e que certamente estará em O Rei Leão se beneficiam de serem produções quase que inteiramente digitais. Em Aladdin, Guy Ritchie e o roteirista John August precisam manter uma grande escala de fantasia e elementos que facilmente poderiam ficar bregas em tela; e é justamente isso que a dupla abraça.
Não há uma preocupação excessiva de tornar este Aladdin “realista” ou táctil como vimos em outros remakes. A grande maioria dos elementos coloridos e fantásticos da animação está aqui, com Ritchie se mostrando mais discreto na forma como movimenta sua câmera e organiza seus cortes, mas se arriscando de forma mais expressiva no surrealismo do CGI; algo que vemos na fantástica sequência musical de “Friend Like Me”, que representa uma das transposições de desenho animado para live-action mais impressionantes que já vi.
É justamente por ir tão longe e esbanjar criatividade em números como esse que Ritchie decepciona quando nos mostra do que mais é capaz. Geralmente um cineasta energético e repleto de invencionamos dinâmicos (principalmente em sua montagem muito particular), o cineasta britânico se mostra mais controlado e seguro, sem experimentar muito. Basta observar como os demais números musicais - que não envolvem tantos efeitos visuais - são extremamente básicos e “quadradinhos” em execução, quase como se estivéssemos assistindo a um show ao vivo em um programa de televisão, onde a prioridade é apenas capturar a ação. Uma pena, especialmente considerando a altíssima qualidade das músicas, novamente curadas por Alan Menken.
Mesmo que seja um remake, August e Ritchie se justificam ao trazer válidas novas adições. O núcleo de Jasmine é preenchido com novas personagens e ganha uma roupagem mais moderna para fazer da princesa uma mulher mais forte e inteligente, e que questiona a necessidade de um casamento para que seu reino tenha um novo sultão - quando ela mesma se mostra a pessoa mais ideal para o trabalho. Até mesmo o Gênio de Will Smith ganha mais profundidade do que ser um mero elemento mágico, garantindo um desfecho radicalmente diferente do original aqui; que não revelarei para manter a surpresa.
Elenco mágico
No que diz respeito ao elenco, Will Smith traz todo o carisma e energia que poderíamos imaginar. Não era fácil assumir um papel feito de forma tão magistral por Robin Williams, mas o ator triunfa ao trazer seu próprio estilo e se aproveitar de piadas mais características de sua carreira - como não lembrar de Um Maluco no Pedaço toda vez que seu Gênio divaga sobre príncipes? Smith está tão bem que nem o efeito visual problemático tira seu charme. Sua química com o novato Mena Massoud também funciona, e o jovem faz de Aladdin uma figura bondosa e alegre, sendo capaz de capturar a admiração do público - e acho espantosa a semelhança de Massoud com a versão animada do protagonista.
Mas se há alguém quem realmente rouba a cena é a maravilhosa Naomi Scott. Trazendo uma presença carismática que já havia sido destaque no reboot de Power Rangers, a atriz faz de Jasmine uma figura poderosa e muito mais interessante, beneficiada também pelo material mais progressista e forte que a princesa ganhou. Scott alterna entre o drama, a comédia e até o romance clássico durante variados momentos, e mostra todo seu poder ao protagonizar um novo número musical escrito especialmente por Benj Pasek e Justin Paul (dupla de La La Land: Cantando Estações e O Rei do Show) para esta versão. A excelente “Speechless” não vai sair da sua cabeça, promovendo um momento similar ao “Let it Go” de Frozen: Uma Aventura Congelante.
Se há um elemento realmente fraco neste novo Aladdin, é seu vilão. Presença marcante no original, Jafar foi reduzido a um servo inexpressivo e sem grande impacto, especialmente pela performance automática e sem peso de Marwan Kenzari. Fica a impressão de que não é exatamente culpa do ator, preso em um tom único que é quase capaz de fazer o espectador cochilar de tédio, mas sim pela intenção de tornar esta versão do personagem um pouco mais… Sutil? Seja lá o que Ritchie, Kenzari ou August estivessem pensando, definitivamente não deu certo, e ainda garantiu alguns momentos bem constrangedores durante o agitado terceiro ato.
Surpreendentemente, esta nova versão de Aladdin se revela muito charmosa e divertida. Graças ao elenco afiado e as bem-vindas atualizações para a clássica história, o filme de Guy Ritchie fica carecendo apenas de mais criatividade em sua visão, mas é algo que certamente não prejudica tanto o resultado final. Uma bela surpresa.
Aladdin (EUA), 2019
Direção: Guy Ritchie
Roteiro: John August e Guy Ritchie, baseado no filme de 1992
Elenco: Will Smith, Mena Massoud, Naomi Scott, Marwan Kenzari, Nasim Pedrad, Billy Magnussen, Alan Tudyk, Numan Acar, Navid Negahban
Gênero: Aventura, Musical
Duração: 128 min
https://www.youtube.com/watch?v=JcMtWwiyzpU
Crítica | John Wick 3: Parabellum - A guerra de um homem só
No começo, John Wick (ou De Volta ao Jogo, no Brasil) parecia mais uma curiosidade divertida e bem executada. Keanu Reeves como um matador aposentado que inicia uma onda de vingança sanguinolenta após a morte de seu cachorro. O experimento dos ex-dublês Chad Stahelski e David Leitch se tornou um fenômeno, com a franquia crescendo em uma ótima continuação e agora com John Wick 3: Parabellum; resultando em mais uma trilogia para Reeves após o sucesso de Matrix.
Porém, como acontece em boa parte das trilogias, Parabellum é o capítulo mais fraco e inconsistente da franquia. Não que isso signifique que o filme seja ruim, de forma alguma, já que o grande atrativo da franquia - as cenas de ação absurdamente bem executadas - permanecem impecáveis.
A trama do terceiro filme começa imediatamente após os eventos de Um Novo Dia para Matar, com John Wick (Reeves) se preparando para a onda de matadores que virá a seu encalço, já que foi excomungado da Alta Cúpula após matar um de seus membros no hotel Continental - violando a única regra da misteriosa organização. Enquanto tenta sobreviver a assassinos espalhados por toda a cidade de Nova York, John embarca em uma jornada misteriosa que pode resultar na anulação de seu contrato e garantir sua sobrevivência.
Mitologia divisiva
O grande barato do segundo filme de John Wick foi a forma como expandiu sua mitologia de forma criativa e envolvente. Parabellum segue essa linha, ao passo em que explora a premissa um tanto limitada de termos uma caçada a John Wick em Nova York - limitada, mas não menos empolgante. O problema do roteiro de Derek Kolstad, Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abrams é que a narrativa dá voltas em um caminho sinuoso e desnecessariamente complicado. A busca de John no primeiro ato da trama faz sentido, mas culmina em uma revelação besta em uma péssima cena com o personagem de Said Taghmaoul, que representa o líder da Alta Cúpula.
Mas há boas exceções. A maior delas fica com a personagem de Anjelica Huston, uma antiga mentora de John que toca uma academia de dança que serve de fachada para uma escola de assassinos. Grita por um derivado próprio, ainda que traga lá seus ecos de Operação Red Sparrow e a origem da Viúva Negra, de Os Vingadores. E nunca é ruim rever os carismáticos personagens de Ian McShane e Laurence Fishburne (este último em um nível de intensidade maravilhoso), e também ver que o cordial Lance Reddick é capaz de entrar em ação de forma admirável.
As decisões dos roteiristas no ato final de Parabellum também mostram-se indecisas. A lealdade de John é testada algumas vezes, apenas para que alguns personagens revelem uma natureza oposta e que não condiz com suas respectivas personalidades - de certa forma, parece que Stahelski quis usar o choque pelo choque, ao mesmo tempo em que prepara um inevitável quarto capítulo da franquia.
Ação boa pra cachorro
Mas sejamos francos. Não é pelo roteiro que ninguém está interessado em John Wick, e tampouco é a proposta da franquia de ação. O que realmente importa em Parabellum são as cenas de ação, e é empolgante ver como Chad Stahelski, Keanu Reeves, o diretor de fotografia Dan Laustsen e os incansáveis membros das equipes de dublês literalmente quebram novo chão para apresentar sequências inéditas e que raramente vemos no gênero. Todas as cenas de lutas corporais contam com o habitual absurdo e estilização da franquia, com Stahelski apostando em planos longos e no “cansaço” de seus personagens, além de apostar mais na violência - vide a batalha envolvendo facas e aquela em que John é constantemente arremessado em uma decoração de vidro.
O nível da franquia aumenta quando a personagem de Halle Berry entra em jogo. Uma antiga aliada de John, Sofia traz um excelente monólogo dramático (Berry ainda tem a habilidade) e conta com o auxílio de dois pastores-alemão ferozes nas cenas de ação, rendendo uma cena realmente especial; quando os dois trabalham juntos para escapar de uma emboscada em Marrocos, e meu queixo simplesmente foi para o chão quando vi os cães literalmente saltando no ar para abocanhar braços de capangas e salvar seus “donos” de balas perdidas. É simplesmente impressionante, e mostra que esta é a franquia “pet friendly” mais casca grossa que há.
Em todas essas sequências, a câmera de Stahelski se mostra sempre ágil e inteligente na forma como preserva planos abertos; especialmente na cena dos cachorros. A sequência dos motoqueiros armados com katanas é prejudicada pelos efeitos visuais evidentes, mas o estilo de Stahelski prevalece. E por falar em estilo, a fotografia de Laustsen garante um dos filmes mais deslumbrantes do ano, principalmente pela seção que mantém John em uma Nova York chuvosa e iluminada pelo neon, reforçando o cerco que se fecha a seu redor. Mas é mesmo no clímax, quando estamos em uma sala construída inteiramente de vidro transparente (que por si só merecia um Oscar de Design de Produção), que a ambição dos envolvidos realmente impressiona. É uma maravilha de se olhar.
Ainda impressiona
Por mais que não alcance a precisão de seus dois capítulos anteriores, John Wick 3: Parabellum garante mais um espetáculo na condução das cenas de ação mais impressionantes do ano. Keanu Reeves se mantém no controle de mais uma franquia de sucesso, e que - apesar de algumas decisões de história questionáveis - seguem nos mantendo interessados nesse mundo; e em seu letal protagonista.
Agora, quando teremos aquele derivado sobre os cachorros mesmo?
John Wick 3: Parabellum (John Wick: Chapter 3 - Parabellum, EUA - 2019)
Direção: Chad Stahelski
Roteiro: Derek Kolstad, Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abrams
Elenco: Keanu Reeves, Halle Berry, Ian McShane, Mark Dacascos, Laurence Fishburne, Asia Kate Dillon, Anjelica Huston, Lance Reddick, Said Taghmaoul, Jerome Flynn, Randall Duk Kim
Gênero: Ação
Duração: 130 min
https://www.youtube.com/watch?v=M7XM597XO94
Crítica | Pokémon: Detetive Pikachu - Um mundo para se viver e admirar
Até que demorou, mas os monstros colecionáveis de Pokémon, um dos anime mais populares de todos os tempos, enfim ganharam uma versão live-action. Com a Warner Bros e a Legendary por trás, Pokémon: Detetive Pikachu aposta em uma fase muito específica da franquia para servir como porta de entrada para uma potencial franquia cinematográfica, mas é mesmo uma passagem para que possamos ver icônicos personagens ganhando vida. O resultado certamente não é um grande estouro, mas é divertido o bastante para fazer desejar mais visitas a esse universo.
O filme apresenta um mundo onde humanos e Pokémon vivem em harmonia, destacando a metrópole de Ryme City como o grande centro dessa interação. Nesse cenário, o jovem Tim (Justice Smith) precisa descobrir o que aconteceu com seu pai, que é dado como desaparecido após uma investigação misteriosa. Ao seu lado, ele conta com a ajuda de um Pikachu sem memória (Ryan Reynolds) que se apresenta como um impecável detetive.
É curioso que seja justamente como um filme de detetive que Pokémon abra seus braços para o mundo do cinema. O material original sempre girou ao redor de torneios e histórias de caçada, com Detetive Pikachu sendo um game derivado para um nicho de fãs muito específico. Por mais que o longa não seja bem sucedido nesse quesito, já que o mistério é completamente desinteressante traz uma resolução absolutamente banal e vergonhosa de tão ruim (impossível de comentar sem spoilers), o roteiro de Dan Hernandez, Benji Samit, Derek Connolly e do diretor Rob Letterman acerta em como introduz o universo de Ryme City e seus habitantes de forma natural e nada confusa.
Tudo bem que o mérito está mais no trabalho de Letterman e sua gigantesca equipe de designers, artistas e equipes de efeitos visuais, que criaram um mundo palpável e que até mesmo exala de tão verossímil, mas o texto do quarteto ao menos traz algumas cenas divertidas e personagens Pokémon com características sólidas - com a sequência em que Tim e Pikachu interrogam o Mr. Mime usando o melhor dessas duas facetas, ao reproduzir uma situação característica do cinema policial com um personagem extremamente particular do universo de Pokémon.
Agora, o grande trunfo do filme está em seu visual, e não necessariamente onde a maioria espera. Sim, todos os Pokémon e os efeitos visuais para lhes darem vida são ótimos, mas o grande mérito fica com a espetacular direção de fotografia de John Mathieson. Para começar que a peculiar decisão de Letterman em rodar o filme em película - digo peculiar porque filmes com grande presença de efeitos visuais tendem a ser rodados no formato digital, mas esta é uma feliz exceção.
Tal decisão garantiu mais textura e realismo para as diversas criações digitais, e o trabalho de Mathieson com jogo de luzes e composições é fenomenal. As referências de Mathieson vão do óbvio cinema noir (com sombras expressionistas e muita névoa em interiores) até o neo noir de obras como Blade Runner; a forma como o primeiro encontro entre Tim e Pikachu é iluminado pelo neon que varia de azul e vermelho no exterior do ambiente é memorável, e torna a cena ainda mais instigante.
Certamente muitas pessoas acabaram se interessando pelo projeto por seu astro: Ryan Reynolds, que surpreendeu ao ser escalado para fazer a voz (e motion capture) de Pikachu. Infelizmente, não tenho como avaliar seu trabalho, já que não o vi. A esmagadora maioria das cópias brasileiras do filme está trazendo a versão dublada, e inexplicavelmente até mesmo a cabine de imprensa onde assistimos ao longa trouxe a cópia não-original, tornando impossível trazer uma análise dos trabalhos de Reynolds, Smith, Ken Watanabe e outros membros do elenco consistente. Só posso dizer que Pikachu está realmente fofo, mas sinto que perdi muito ao não assistir com a voz original de todo o elenco - sem falar que a mixagem de som claramente se prejudica nesse processo.
Mas devo acrescentar que, mesmo dublado, nenhum dos personagens humanos soa minimamente cativante ou interessante. Desde o perfil histérico de Smith até a construção forçada das figuras de Bill Nighy, Chris Gere e principalmente da pseudojornalista vivida por Kathryn Newton, é um alento ver que o filme está repleto de Pokémon para nos distrair dos personagens de carne e osso.
Pokémon: Detetive Pikachu é um filme com diversos problemas narrativos, e também na forma como tenta brincar com o gênero policial, mas que vale a diversão pelo mundo imersivo que constrói. Os Pokémon estão carismáticos e divertidos, e o longa surpreende pelo cuidado estético incomum de sua direção de fotografia para um longa do tipo. Eu só queria mesmo ter ouvido o Ryan Reynolds, pois suspeito que a experiência teria sido ainda mais proveitosa.
Pokémon: Detetive Pikachu (Pokémon: Detective Pikachu, EUA - 2019)
Direção: Rob Letterman
Roteiro: Dan Hernandez, Benji Samit, Derek Connolly e Rob Letterman, baseado na franquia Pokémon
Elenco: Ryan Reynolds, Justice Smith, Kathryn Newton, Bill Nighy, Ken Watanabe, Chris Gere, Suki Waterhouse
Gênero: Aventura
Duração: 105 min
https://www.youtube.com/watch?v=1roy4o4tqQM
Crítica | Hellboy (2019) - O pão que o diabo amassou
É um caminho cheio de sonhos destruídos, petições e intrigas hollywoodianas que culminam nesta nova versão de Hellboy nos cinemas. O anti-herói dos quadrinhos de Mike Mignola ganhou as telas pela primeira vez em 2004, quando Guillermo Del Toro dirigiu um bom filme com Ron Perlman no papel principal. Apesar de não ter sido um grande estouro, o longa gerou uma continuação espetacular em 2008, com Hellboy II: O Exército Dourado. Novamente, ainda que tenha sido elogiado, os números de bilheteria não falaram tão alto quanto os críticos e fãs.
Del Toro e Perlman sempre quiseram produzir um terceiro filme para encerrar a história, mas dois obstáculos entravam no caminho. Primeiro, a Universal Pictures não queria injetar mais dinheiro em uma franquia que não apresentava retorno financeiro nas bilheterias. Segundo, o quadrinista Mike Mignola não apreciava as mudanças feitas por Del Toro na mitologia de Hellboy, que é bem diferente nos quadrinhos do que sua versão cinematográfica. A resposta? Jogar tudo no lixo e dar espaço a um reboot total, que acaba sendo tão ruim quanto o pão que o diabo amassou.
A trama não gasta (tanto) tempo reapresentando a origem do personagem titular, que foi invocado pelos nazistas à Terra para trazer o Apocalipse, mas acabou transformado em força do bem pelo Professor Broom (Ian McShane). Já crescido e com a forma monstruosa de David Harbour, Hellboy se alia ao gente Daimio (Daniel Dae Kum) e a vidente Alice (Sasha Lane) para tentar impedir a vinda da maléfica Rainha de Sangue (Milla Jovovich), uma feiticeira que pretende destruir o planeta com uma praga mortífera.
Desde o início, este novo Hellboy busca validação através de tentativas patéticas de se mostrar audacioso e “ousado”. Logo nos segundos iniciais, a narração apressada de Ian McShane para apresentar um prólogo no século V surge cheia de informalidade e palavrões, o que acaba soando mais tolo do que inovador - além de uma clara tentativa de tentar simular a dinâmica de Deadpool e sua quebra de quarta parede. O roteiro de Andrew Cosby é cheio desses momentos de virar os olhos, que ainda insistem em referências forçadas a cultura pop e aplicativos como Twitter e Uber.
Por mais que seja uma trama bem direta, Cosby consegue encher seu texto de enrolação, subtramas completamente episódicas e outras barrigas narrativas que servem para impedir a trama de chegar à sua inevitável conclusão. E ainda que não conheça a fundo os quadrinhos dos personagens, a conexão do protagonista com a lenda do Rei Arthur neste filme é uma das coisas mais estúpidas que vi em muito tempo. Pode funcionar nas HQs, mas no longa é pura conveniência e seus efeitos são praticamente inconsequentes. E pessoalmente... Del Toro foi esperto em manter essa origem longe de seus dois filmes.
A tentativa de ser ousado também se reflete visualmente. Praticamente gritando que é uma obra para maiores de idade, Hellboy aposta em diversos momentos de violência completamente gratuita. Neil Marshall certamente tem criatividade para mostrar desmembramentos e carnificina sem fim, mas nenhuma delas traz o menor peso para a história, e raramente nutre algum efeito em qualquer cena - já que parecem descolados de qualquer ação, como a matança aleatória nas ruas de Londres no último ato. Isso quando essas ações gráficas conseguem ser realistas, já que os efeitos visuais em sua maioria carecem de verossimilhança. Tudo isso com heavy metal e rock bate-cabeça que certamente devem provocar muito impacto se você tem 10 anos de idade; mal posso reconhecer o compositor Benjamin Wallfisch aqui.
Como diretor, Neil Marshall até tem boas ideias. A idealização da luta entre Hellboy e três gigantes, que consiste em um longo plano onde o protagonista usa as armas dos brutamontes contra eles mesmos, é criativa, mas a execução é péssima; principalmente pelos efeitos artificias e os nada discretos truques para esconder os cortes do plano falseado. Temos diversos exemplos assim ao longo do filme, e nos outros Marshall acaba limitado a montagem intensa e planos fechados, sem grande imaginação para o espetáculo - e eu não sei quem pensou que seria uma boa ideia ver Hellby num ringue de luta livre mexicana. Uma grande decepção vindo do homem que dirigiu duas das maiores batalhas em Game of Thrones.
E se Marshall passa longe de Del Toro, infelizmente David Harbour não é Ron Perlman. Falta a doçura e o carisma que tornaram aquele Hellboy tão fácil de se gostar e identificar. O ator de Stranger Things tem seus momentos quando surge com alguma tirada sarcástica, mas o personagem é escrito de forma mais apática e durona, e em alguns momentos a pesada maquiagem parece limitar suas feições. Pouco pode ser dito sobre o restante do elenco, com Ian McShane dando a nítida impressão de estar apressado para estar em qualquer lugar menos ali, enquanto Daniel Dae Kum e Sasha Lane passam batido como coadjuvantes desinteressantes. Nem mesmo Milla Jovovich oferece algum brilho de overacting para sua vilã genérica, além
Mas se o novo Hellboy tem algum crédito, está em um setor herdado de Guillermo Del Toro: a maquiagem. Ainda que longe da imaginação e estética incomparável do mexicano em seus dois filmes, o reboot se mostra inspirado ao trazer diversos efeitos práticos para criar alguns de seus antagonistas. O destaque fica para a assustadora Baba Yaga, que não só aterroriza pelo visual marcante, mas também pela fascinante performance física da atriz Emma Tate e do contorcionista Troy James, que juntos criam as imagens mais memoráveis de todo o filme. Mas, infelizmente, é mais uma sequência completamente episódica e que em nada acrescenta à narrativa. Serviu como um curta bacaninha, ao menos.
Hellboy é um desastre do início ao fim. É um filme feito pelos motivos errados e que carece da imaginação e criatividade de Guillermo Del Toro, não trazendo nada de interessante ou divertido além de algumas boas maquiagens e uma performance semi-carismática de David Harbour. Nem de longe valeu a pena trocar Hellboy 3 por isto.
Hellboy (EUA, 2019)
Direção: Neil Marshall
Roteiro: Andrew Cosby, baseado nos quadrinhos de Mike Mignola
Elenco: David Harbour, Milla Jovovich, Ian McShane, Sasha Lane, Daniel Dae Kum, Brian Gleeson, Stephen Graham
Gênero: Aventura
Duração: 120 min
https://www.youtube.com/watch?v=ZsBO4b3tyZg
Crítica | Vingadores: Ultimato - Um presente para os fãs
Eu escrevo sobre os filmes da Marvel Studios desde sua concepção. A crítica do primeiro Homem de Ferro, em 2008, deve ter sido uma das dez primeiras que escrevi em minha vida, ainda em um blog pequeno no Wordpress. Mais de uma década depois, em 2019, o MCU se tornou a maior e mais lucrativa franquia cinematográfica da atualidade, e Vingadores: Ultimato chega como ponto final. Não é sob nenhum prisma o último filme da Marvel Studios na História, mas o encerramento dos primeiros 22 filmes que agora atendem ao que o chefão Kevin Feige chama de Saga do Infinito. E como encerramento, Ultimato realiza sua função muitíssimo bem.
É muito difícil até mesmo falar sobre a trama de Vingadores: Ultimato sem mencionar os temíveis spoilers. Se levarmos em conta apenas o que os trailers mostram, não poderia nem falar dos primeiros 20 minutos sem fazer uma grande revelação. Basta dizer que o longa começa com os heróis lidando com as consequências das ações do estalo de Thanos (Josh Brolin), que dizimou metade da existência no universo. Desfalcados, os Vingadores descobrem uma chance de reverter todo o caos quando o Homem-Formiga (Paul Rudd) reaparece com uma proposta ousada e perigosa.
Fim do Jogo
Pela primeira vez na Marvel, Guerra Infinita audaciosamente terminou com Thanos vencendo e encerrando o longa com muita melancolia. Esse sentimento, algo tão raro de ser encontrado em meio às piadas infantiloides que permeiam a maioria dos filmes do MCU, é um dos grandes trunfos de Ultimato. Beneficiando-se da extensa duração de 3 horas, boa parte do primeiro ato do longa explora a tristeza e o luto dos heróis, assim como a exploração de um mundo devastado e aterrador, marcado eternamente pela perda de bilhões de pessoas. A dupla de roteiristas Stephen McFeely e Christopher Markus é eficiente em criar uma narrativa dramática e com momentos profundos, dando atenção especial para a Viúva Negra (Scarlett Johansson, excelente) e o Capitão América (Chris Evans), algo que os irmãos Anthony e Joe Russo traduzem bem ao apostar em um tom frio para a maioria das cenas nessa seção do filme.
Claro, Ultimato não é um festival de lágrimas ou cabeças baixa. Mais do que qualquer coisa, o novo filme dos Vingadores é uma celebração de tudo aquilo que veio antes. Sem entrar em detalhes específicos sobre a trama, mas qualquer um que acompanhe o processo e os longas deve adivinhar, mas há um motivo além da nostalgia para que o material promocional de Ultimato traga tantas cenas dos filmes anteriores em sua divulgação. Toda essa porção do filme, que envolve uma grande dose de fan service, aparições surpresa e encontros inesperados, é a melhor parte de um longa que só poderia funcionar com uma franquia tão grande como essa. É realmente algo especial para os fãs.
Os Russos estão chegando
Com as chaves do reino da Marvel Studios desde Capitão América 2: O Soldado Invernal, os irmãos Russo ficaram com o trabalho de direção mais importante e complexo da franquia. Considerando tudo o que está em tela e toda a preparação para realizar o que está em cena, é de se aplaudir a competência. Porém, é um fato que os Russo trabalham melhor com cenas de luta corporais e que tragam menos efeitos visuais (vide O Soldado Invernal), e raramente temos momentos visualmente espetaculares que façam jus ao que está no papel. Há uma cena que fará todos os fãs gritarem, e que no papel parece a melhor coisa do mundo, mas ao ver em tela é simplesmente… Funcional. Um diretor mais autoral como Peter Jackson ou até mesmo James Wan seria mais habilidoso e caprichoso em oferecer o nível cinematográfico que as cenas aqui realmente merecem. Não deixam de impressionar, simplesmente pelo que está em cena, mas definitivamente poderiam ser melhores.
Não que os irmãos não demonstrem ambição. Há um plano sequência elaborado e divertido que apresenta o novo visual de Jeremy Renner no filme, que certamente é o trabalho de câmera mais inspirado da dupla. Não só pela movimentação criativa, mas pela paleta de cores, que permite ao diretor de fotografia Trent Opaloch (geralmente limitado ao cinza e o constraste baixo) brincar com luzes de neon coloridas de uma cidade japonesa.
Assemble
Mas se há algo que definitivamente agrada ao máximo de seu potencial, é o elenco. Guerra Infinita pode ter tido o maior número de personagens, mas Ultimato beneficia-se de um número reduzido de protagonistas, e o texto de McFeely e Markus oferece ótimo material para todos. A começar por Robert Downey Jr., no papel de Tony Stark há mais de 10 anos, e ainda sendo capaz de encontrar novas nuances e camadas dramáticas para o eterno Homem de Ferro, e não seria exagero dizer que este é seu melhor trabalho com o personagem. É o papel da vida do ator.
Chris Evans também tem muito o que fazer aqui, após ser desfalcado em Guerra Infinita. É um personagem que foi ficando mais interessante e ganhando mais destaque ao longo dos anos, mas que sempre foi enxergado como a "alma" dos Vingadores, e o ator é excelente ao transpor a postura de líder e o otimismo do Capitão América. Scarlett Johansson talvez seja a grande surpresa aqui, entregando uma cena intimista e arrasadora ao falar sobre a perda de sua família (os Vingadores), ao passo em que Jeremy Renner brilha ao oferecer uma camada sombria para seu Gavião Arqueiro. Quanto a Chris Hemsworth e Mark Ruffalo, seria spoiler detalhar o que exatamente acontece com Thor e Hulk, mas basta dizer que nunca vimos os dois agindo dessa forma com seus respectivos personagens - e o resultado em cena é incrível e inesperado.
Vingadores: Ultimato é um verdadeiro presente para os fãs. Serve como a perfeita culminação de uma fase de 22 filmes, respeitando seus personagens e os diferentes arcos que os acompanharam por anos, e apresentando uma conclusão que é inevitavelmente emocionante e poderosa. É um filme que seria excepcional nas mãos de diretores mais inspirados, mas que, da forma como existe hoje, já pode ser considerado um milagre por simplesmente funcionar e agradar tão bem.
Vingadores: Ultimato (Avengers: Endgame, EUA - 2019)
Direção: Anthony e Joe Russo
Roteiro: Stephen McFeely e Christopher Markus, baseado nos quadrinhos da Marvel
Elenco: Robert Downey Jr., Chris Evans, Chris Hemsworth, Scarlett Johansson, Mark Ruffalo, Jeremy Renner, Brie Larson, Karen Gillan, Josh Brolin, Don Cheadle, Paul Rudd, Bradley Cooper, Gwyneth Paltrow
Gênero: Aventura
Duração: 181 min
https://www.youtube.com/watch?v=PgrmbRID0eY&t=2s