Crítica | Magia ao Luar
Algo um tanto curioso vem acontecendo com os últimos filmes de Woody Allen. Parece que o diretor/roteirista vem lançando um filme impecável em um ano, e um “divertidinho” em outro. Meia Noite em Paris foi seguido pelo simpático Para Roma, com Amor, que por sua vez foi superado pelo dramático Blue Jasmine, que agora vê no água com açúcar Magia ao Luar seu competente sucessor.
A trama é ambientada na década de 20, girando em torno do ilusionista Stanley (Colin Firth), que é também um especialista em desmascarar charlatões. Ele é convidado pelo amigo Howard Burkan (Simon McBurney) para viajar até o sul da França, onde uma família rica está encantada pelos dons sobrenaturais da jovem Sophie (Emma Stone), que se diz uma médium. Lá, Stanley tentará provar que a moça é uma farsa.
Parte comédia, parte filme de mistério, o longa é eficaz ao prender a atenção do espectador diante da dúvida que permeia a mente do protagonista: seria ou não, Sophie uma farsa. Emma Stone, ruiva (como deve ser) e divertidíssima na pele da misteriosa médium, acerta ao tornar as visões de sua personagem caricatas e geralmente permeadas por uma careta nada discreta, e a câmera de Allen claramente se apaixona pelas feições de Stone: reparem a simples beleza de uma iluminação natural em seu chapéu, durante um diálogo com Stanley à beira do lago. Aliás, não é só Stone que é capaz de enriquecer a tela: todos os cenários e ambientes da costa francesa que o diretor de fotografia Daris Khondji captura são belíssimos.
Ainda que essencialmente uma comédia, o roteiro de Allen é capaz de levantar muitas questões interessantes, através de diálogos estupidamente bem escritos. É como se no processo criativo, ele estivesse deitado em um divã relendo as obras de Nietschze enquanto questiona suas próprias crenças e valores existenciais, características fortemente apresentadas no personagem de Colin Firth – que se sai muito bem como a personificação de Allen na trama. Questões como o além-vida, espíritos e Deus são postas à mesa e se não são tão aprofundadas, no mínimo arrancam uma reflexão no espectador, por mais ínfima que seja.
Magia ao Luar é um filme agradável e com mais conteúdo do que se poderia imaginar de sua premissa, ainda que não seja particularmente estimulante ou mesmo tão original. Se a hipótese levantada no primeiro parágrafo se confirmar, mal posso esperar pra ver o que Woody Allen vai aprontar com Joaquin Phoenix e Emma Stone em seu próximo filme.
Crítica | Hércules (2014)
A cada filme que lança, me parece mais clara a intenção de Dwayne Johnson de se tornar o Arnold Schwarzenegger de nossa geração. Já se aventurou bastante pela ação, policial, ficção científica e, claro, os filmes em que o fortão faz papel de bobo perto de crianças – sem falar que, como Schwarza fez com Batman & Robin, Johnson também viverá um vilão da DC Comics nos cinemas. Mas faltava a The Rock um épico, se o antigo Governator iconizou Conan, O Bárbaro, Johnson tem a chance de tentar um feito similar com Hércules.
A trama do filme é inspirada em uma HQ do falecido Steve Moore (sem parentesco com o Alan Moore), que mostra Hércules retornando para casa após realizar seus famosos 12 Trabalhos. Mais derramamento de sangue entra em seu caminho quando ele é contratado pelo rei da Trácia (John Hurt) para treinar seu exército e comandar uma campanha contra um grupo de supostos centauros que habitam a região.
O aspecto mais interessante desta nova versão do herói da mitologia grega é supostamente a criação do mito ao redor de sua figura. O roteiro de Ryan Condal e Evan Spiliotopoulos vê Hércules como um mero mercenário que espalha histórias fantásticas sobre seus feitos, o que ajuda na construção de sua reputação perigosa e divina, e é justamente a dúvida que a dupla provoca no público que move todo o interesse na trama, que até brinca de forma esperta com a imagem de criaturas mortíferas; apenas para revelar a verdadeira natureza por trás destas.
Tirando isso, Hércules é muito pouco grandioso para um épico. É quase um indie épico. As cenas de ação comandadas por Brett Ratner não empolgam, e a ausência de sangue (justificada apenas para que o filme pegasse uma censura menor, possibilitando maior lucro) em batalhas brutais chega a incomodar; nunca vi batalhas tão cleans e artificiais como as que o longa traz aqui. Mais artificial, são os personagens completamente estereotipados e sem personalidade, sempre lutam bem pra cacete e nunca é criada uma sensação de perigo real. Nem mesmo Dwayne Johnson consegue tirar algo de seu Hércules que, mesmo trazendo carisma e uma dedicação física mais do que perceptível, jamais demonstra exatamente o que quer, quais os motivos que se passam em sua mente. Não é de se esperar muito de um filme assim, mas realmente incomodou não saber quem é Hércules.
Sinceramente, Hércules é tão vazio e genérico que eu praticamente esqueci o filme todo. Traz bons momentos aqui e ali e lida bem com a questão do mito ao redor do protagonista, mas é sem graça, aposta em humor nada sutil e desaponta na epicidade. Que Dwayne Johnson tenha mais sorte na próxima.
Observação: O 3D tem seus momentos, mas é no geral descartável.
Crítica | Era Uma Vez em Nova York
É a primeira vez que falo sobre James Gray aqui, um nome que vem se destacando no cinema norte-americano, mas que ainda não explodiu tal como colegas do calibre de David Fincher ou Duncan Jones. Gray é um cineasta bem pessoal e mesmo que não traga muitos maneirismos visuais, é um baita contador de histórias, como nos comprovam os excelentes Os Donos da Noite e Amantes. Com Era Uma Vez em Nova York, Gray faz seu longa mais grandioso, ainda que não traga o mesmo impacto de suas obras anteriores.
A trama é centrada na imigrante polonesa Ewa Cybulska (Marion Cotillard), que chega à Nova York dos anos 20 com sua irmã na esperança de uma vida melhor. Quando a irmã é barrada devido a uma tuberculose e os tios que as abrigariam não aparecem, Ewa fica nas mãos do cafetão Bruno Weiss (Joaquin Phoenix), que promete ajudá-la a libertar a irmã desde que ela trabalhe para ele como prostituta.
O longa é mais um bom exemplar do gênero que explora a ironia e as desilusões do Sonho Americano e sua “Terra de Oportunidades”, especialmente à medida em que Ewa vai cada vez mais corrompendo seus valores durante a estadia em solo norte americano. Marion Cotillard se sai maravilhosamente bem ao retratar a pobre imigrante, entregando uma de suas performances mais contidas e sutis, raramente apelando para explosões dramáticas ou mudanças de humor brutais, sempre preservando a ingenuidade e o medo de Ewa, nem que seja apenas por um simples olhar ou sua trêmula voz ao anunciar que “só quer ser feliz”. Joaquin Phoenix também surge bem como Bruno, e torna seu personagem mais interessante ao revelar a fragilidade que existe por trás de sua figura imponente e às vezes até ameaçadora.
E é raro também que eu elogie uma tradução nacional que fuja do título original, mas o uso de “Era uma vez…” no título (o original é “The Immigrant”, e o filme chegou a ser chamado de “A Imigrante” por um tempo) confere à produção uma áurea fabulesca e de contos de fada, elementos que se justificam pela presença do mágico Orlando (Jeremy Renner, que consegue brilhar como a figura mais carismática da produção) e que se mostram tão alegres como um conto dos irmãos Grimm, então a Europa Filmes merece elogios pela mudança inspirada. Ainda no tom, a produção merece prêmios pela reconstituição de época excepcional, desde o design de produção de Happy Massee, eficiente em reconstruir prédios e ruas da Nova York daquele período, até a fotografia em tons de sépia de Darius Khondji, claramente inspirada na paleta de cores usada por Gordon Willis em O Poderoso Chefão: Parte II, filme que também explora a imigração.
Ainda que não seja necessariamente inovador ou original, Era Uma Vez em Nova York conta uma bela e pesada história e traz em seu leque de qualidades um elenco fantástico e uma reconstrução de época invejável.
Obs: Ao mesmo tempo em que elogio a Europa Filmes pela decisão de mudar o título, devo criticá-la fortemente por destruir a razão de aspecto do filme, recortando o lindo 2:35:1 por uma resolução menor e que danifica os enquadramentos do filme. Péssima apresentação técnica.
Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2
Uma grata surpresa de 2011 foi a comédia divertida Quero Matar meu Chefe, que se beneficiava de uma premissa inspirada e um elenco coadjuvante de peso. Grana aqui e boa recepção crítica ali, o filme ganha agora uma continuação, e você bem sabe que continuações para comédias não costumam ser grande coisa (Se Beber, Não Case! e o recente Debi & Lóide 2). Mas é também surpreso que relato aqui minha satisfação com Quero Matar meu Chefe 2, que cumpre a função de fazer rir e não simplesmente recicla o primeiro filme.
A trama nos traz de volta Nick (Jason Bateman), Dale (Charlie Day) e Kurt (Jason Sudekis), que agora têm a ambição de serem seus próprios chefes, apostando em uma invenção estupidamente eficiente produzida por um deles. Quando são enganados e falidos por um investidor inescrupuloso (Christoph Waltz), o trio resolve cobrir o prejuízo sequestrando seu filho (Chris Pine) e exigindo um resgate milionário.
A premissa é diferente, mas a fórmula permanece a mesma. Bateman continua fazendo o tipo sério, Sudekis o fanfarrão e Day continua absurdamente irritante em cena, conseguindo apenas ser pontualmente engraçado. A química dos três funciona e é divertido vê-los reagindo às situações que o roteiro de Sean Anders e John Morris lhes proporciona, que agora brinca com o planejamento e execução de um sequestro. A dupla oferece diversas reviravoltas e sabe muitíssimo bem dosar os elementos do filme anterior: Jamie Foxx, Kevin Spacey e Jennifer Aniston têm participações controladas e que servem à trama eficientemente, revelando um sólido trabalho de estrutura.
As novas adições também são interessantes. Chris Pine traz de volta o carisma cômico e imbecil que já demonstrou em algumas comédias românticas de seu passado não tão animador, criando um personagem que é um estereótipo ambulante, mas também capaz de surpreender. Christoph Waltz infelizmente sai desperdiçado, levando a sério demais um papel no qual caberia mais humor. Outra nova adição importante, o diretor Sean Anders se mostra tão competente quanto Seth Gordon (do primeiro filme), ao oferecer maior dinamismo visual, mesmo que a comédia seja centrada no roteiro: há time lapses eficientes, travellings divertidos e cortes que ajudam a manter o ritmo de certas piadas.
Quero Matar meu Chefe 2 vai agradar aos fãs do primeiro filme e também quem não se importa em ver um humor politicamente incorreto agressivo e até mesmo incômodo – racismo e machismo extrapolam um pouco. Tem um bom elenco entrosado e uma trama que envolve se o espectador permitir se entregar a ela.
Obs: Assim como no primeiro filme, os créditos finais trazem divertidíssimos erros de gravação.
Crítica | Operação Big Hero
Com a compra da Marvel pela Disney, a empresa de Mickey Mouse assumiu controle até das mais distintas obras da editora. No mercado japonês, as histórias do grupo Big Hero 6 são bem populares, mas confesso que nunca tinha ouvido falar desta até o lançamento desta nova divertida animação do estúdio, Operação Big Hero.
Escrita por Jordan Roberts, Daniel Gerson e Robert L. Baird, a trama é ambientada numa sociedade futurista que atende pelo nome de San Fransokyo (união entre a cidade californiana americana e a capital japonesa), apresentando-nos ao jovem Hiro (voz de Ryan Potter no original), menino prodígio que tenta escolher o que fazer com seu imenso potencial. Após a repentina morte de seu irmão em um incêndio, ele descobre seu robô Baymax (voz de Scott Adsit), que o ajudará a encontrar um misterioso mascarado que estaria envolvido na tragédia.
As animações da Walt Disney andam muito bem, ainda mais se compararmos com as da Pixar. Com John Lasseter atuando pesadamente como produtor de alguns projetos do estúdio, tivemos obras do calibre de Detona Ralph e o superpoderoso Frozen: Uma Aventura Congelante.Operação Big Hero continua esse strike bem-sucedido de sucessos, e se a animação anterior virava os contos de princesa de ponta cabeça, esta mergulha no gênero dos super-heróis. Visualmente, é um grande feito ao elaborar designs criativos para seus personagens e locações, especialmente ao observarmos as influências futuristas na elegante junção da arquitetura americana com a japonesa (a ponte Golden Gate, por exemplo, fascinante com telhados típicos da cultura oriental).
Mas se há um fator que faz a diferença aqui é Baymax, o adorável robô inflável. Sua expressão minimalista e quase imutável garante ao personagem uma ingenuidade divertida e tocante, que logo caminha para um bem colocado senso de humor, provocando risadas de forma sutil; como os movimentos delicados e outrora desajeitados de Baymax. Os demais personagens também são muito bem trabalhados e diferentes entre si, especialmente na forma como os animadores ilustram suas distintas habilidades. O vilão mascarado, dentre todos, é o que mais chama a atenção, graças a seu visual amedrontador e sua locomoção através de milhares de nanobots – elemento que rende ótimas cenas de ação.
O que realmente não me agradou em Big Hero foram algumas soluções de roteiro. A identidade e motivações do vilão mascarado (como emFrozen, o filme tenta ocultar o real antagonista da história) surgem meio deslocadas da trama central, trazendo elementos de Contato e Os Vingadores. Sem falar que o filme peca ao se mostrar mais um exemplar da escola Marvel de “Ninguém está realmente morto”, principalmente por garantir uma grande cena emocional para algo… Irrelevante. Sinto que é um artifício barato para trapacear o espectador.
Operação Big Hero é uma animação eficiente e empolgante, capaz de entreter e divertir graças a seus personagens ecléticos. Pode não ter uma história ou apego emocional fortes como em Os Incríveis, já que também é uma aventura de super-heróis, mas vale a visita. E Baymax já merece entrar pra História como um dos robôs mais memoráveis dos últimos tempos.
Obs: Há uma ótima cena após os créditos.
Crítica | Sem Escalas
Acho interessante que Liam Neeson esteja dedicado a se tornar um grande astro de ação. O ator irlandês tem invejável carga dramática e já mostrou em produções medianas como Busca Implacável e Desconhecido, ou o ótimo A Perseguição, que é muito capaz de chutar bundas. Neeson já chegou a um nível em que o acompanharemos, não importa o tipo de produção (e a qualidade desta) em que se arrisque. Com Sem Escalas, temos um suspense que hora beira ao brilhantismo de Alfred Hitchcock hora nos lembra as comédias dos irmãos Wayans.
A trama gira em torno do agente federal William Marks (Neeson), encarregado de se misturar entre os passageiros de aviões e monitorar a situação, neutralizando possíveis ameaças. Em certo voo, ele recebe uma ameaça anônima via celular, requisitando 150 milhões de dólares ou a cada 20 minutos, um passageiro do avião será assassinado. Enquanto as suspeitas começam a se virar para Marks – um alcoólatra depressivo – ele corre para encontrar o responsável.
Outro fator que pessoalmente me interessou em relação a Sem Escalas é o “gênero avião”. A ambientação claustrofóbica e os diversos tipos de passageiros sempre me divertiram em obras como Plano de Voo, Voo Noturno e até mesmo o intenso Voo United 93, e o diretor espanhol Jaume Collet-Serra (com quem Neeson já havia trabalhado em 2011, com Desconhecido) é muito sábio ao explorar as diferentes convenções. Sua câmera passeia pelos estreitos corredores com imensa liberdade, sendo até capaz de simular longos e engenhosos planos-sequência. Todas as decisões de Serra auxiliam na construção de um pesado tom de suspense, que como todo bom filme do gênero, vai intrigar o espectador a respeito da identidade do antagonista.
O problema mesmo é quando o filme passa a marca de 1 hora. Os primeiros dois atos oferecem conceitos e promessas fascinantes, mas o roteiro dos novatos John W. Richardson, Christopher Roach e Ryan Engle é incapaz de oferecer uma resolução que faça sentido – dentro ou fora do contexto pré-estabelecido. É cheio de furos em relação à forma impossível com que as mortes vão acontecendo e simplesmente risível quando descobrimos o antagonista e seus motivos absurdos, que até tentam oferecer uma crítica aos padrões de segurança estadunidenses do pós-11 de Setembro, mas falham em decorrência dos absurdos e dos estereótipos forçados (CLARO que temos um árabe a bordo, CLARO que ele sofre com preconceitos…). E nem falo nada sobre os pavorosos efeitos digitais que invadem a trama nos últimos 20 minutos.
Vale por Liam Neeson, carismático como sempre. E durante sua primeira metade, Sem Escalas é assustadoramente eficiente em sua suculenta premissa, comandada com maestria pelo diretor. Infelizmente, o longa abandona tudo isso em uma conclusão absurda e implausível, ainda que seja divertido ver Neeson apanhando uma arma em gravidade zero.
Crítica | Caçada Mortal
Que maravilhoso ver que ainda existem filmes como Caçada Mortal. Um thriller de detetive noir à moda antiga que entende as regras e não se julga esperto demais para tentar explodir sua cabeça com reviravoltas idiotas, preferindo seu foco em personagens e ambientação. Do jeito que se deve ser.
Adaptada da obra de Lawrence Block, a trama começa quando o detetive particular Matthew Scudder (Liam Neeson) é contratado para encontrar os sequestradores responsáveis pelo assassinato da esposa de um traficante de drogas (Dan Stevens), mesmo este tendo entregue o dinheiro do resgate. A busca (ou caçada… Mortal) o faz descobrir uma rede de crimes similares que o vai colocando cada vez mais próximo dos responsáveis.
É uma história objetiva e sem desvios. O diretor e roteirista Scott Frank deixa a ação de lado para se concentrar em uma narrativa densa e atmosférica, sempre com o personagem de Neeson em primeiro plano. Os flashbacks de seu passado traumático, assim como suas constantes visitas a um grupo de AA, funcionam para que Scudder seja multidimensional, mesmo que com motivações clichês. Felizmente, Liam neeson é sempre capaz de oferecer uma performance eficiente e que simpatize com o público, independente do filme; e aqui, ele consegue ir além do que um mero tira estereotipado.
Outro fator sobre a história que me deixa muito satisfeito é a ausência de uma grande reviravolta sem sentido, fator que geralmente estraga as produções recentes do gênero. Aqui, Frank se mantém ao básico: dois assassinos cruéis à solta, vamos atrás deles, arma-se o terceiro ato e é isso. Sem os elementos estapafúrdios que arruinaram outros bons filmes de Neeson, como Sem Escalas e Desconhecido. Mas admito que a conclusão se estendeu um pouco além do necessário, podendo ter facilmente se encerrado uns 10 minutos antes.
Como diretor, Frank é impecável. Desde o surpreendentes créditos de abertura em closes, até o tenso confronto em um cemitério, é de uma construção cinematográfica exemplar. O diretor de fotografia Mihai Malaimare Jr. traça uma Nova York escura e melancólica, dominada pelo cinza em cenas diurnas e coberta pelas sombras durante a noite; a presença da antecipação pelo Bug do Milênio (o filme é ambientado em 1999) também é interessante, quase como se a cidade estivesse sitiada pelo medo deste. Por fim, a discreta e pontual trilha sonora de Carlos Rafael Rivera fornece o tom apropriado à investigação.
Caçada Mortal é um eficiente thriller que me faz lembrar as histórias de detetives mais primordiais, atentando-se à uma fórmula sólida que funciona muitíssimo bem em sua cuidadosa execução.
Crítica | Êxodo: Deuses e Reis
Com Noé oferecendo um excelente estudo de personagem em meio a uma trama religiosa que provoca questionamentos, confesso que não esperava muito de Êxodo: Deuses e Reis. Parecia mais espetáculo do que o de Darren Aronofsky, e anda difícil confiar em Ridley Scott ultimamente, mesmo que tenha um afinco especial pelos épicos. Mas olhar, além do espetáculo , o filme consegue surpreender em questões mais profundas.
O roteiro, que traz as assinaturas de Bill Collage, Adam Cooper e Steven Zaillian, se dedica a adaptar boa parte do livro do Êxodo, concentrando-se na vida de Moisés (Christian Bale). Primo adotivo do faraó Ramsés (Joel Edgerton), quando sua origem hebraica é exposta, ele é banido do reino e enviado junto a seu povo. Com ordens nebulosas daquele que ele crê ser Deus, ele desafia o poder de Ramsés e luta para libertar os hebreus de uma escravidão de 400 anos.
Dá até medo de entrar num filme destes, já que a garantia de exaustão é um perigo real. E de fato, em suas exaustas 2h30 de duração, Êxodo ganha e perde ritmo com frequência, e sua enorme quantidade de eventos, fases e passagens dos anos contribuem para isso; posso apenas imaginar como deve ter sido difícil para o montador Billy Rich organizar uma narrativa com tantos acontecimentos. Por outro lado, isso também garante que Êxodo possa se diversificar e garantir soluções elegantes para eventos que teriam sido maiores (e menos interessantes). A relação de Moisés com sua esposa Zipporah (María Valverde), por exemplo, é muitíssimo bem resolvida em duas cenas-chave que trazem o mesmo diálogo, só que colocadas em dois momentos diferentes da narrativa.
Especialista em capturar a grandiosidade que um épico necessita, Scott não deixa a desejar. O design de produção reconstrói (com computação gráfica e cenários reais) a imponência e magnitude dos palácios egípcios, assim como as decadentes habitações hebraicas. Os cenários e locações na Espanha (como as Ilhas Canárias) servem de palco para cenas de ação espetaculares, especialmente – como devem imaginar – o clímax que envolve um certo Mar Vermelho. A evocadora trilha sonora de Alberto Iglesias ajuda bastante.
Sempre intenso e entregue de corpo e alma a seus personagens, Christian Bale está ótimo, e constrói um Moisés forte e também complexo. Aliás, a complexidade e o questionamento é algo que sinceramente não esperava ver com tanta força aqui. Como Êxodo é um livro do Antigo Testamento, Deus aqui é um cruel assassino em massa em que garante pragas terríveis para os egípcios, e Scott é eficiente ao mostrar graficamente o efeito de ataques de crocodilos, pragas de gafanhotos e infecções de pele grotescas. Chega a causar um incômodo no espectador, e o tal êxodo do título nem é tão catártico, ou melhor, maniqueísta quanto poderia ter sido – o povo egípcio era merecedor de algo tão monstruoso? Muitos inocentes certamente foram trucidados, e os próprios hebreus sofriam como consequência (“Está atacando a quem?”, questiona o protagonista). Aliás, a ideia de representar Deus na Terra na forma de uma criança raivosa e vingativa é bem reveladora.
Êxodo: Deuses e Reis é um filme eficiente e que surpreende em sua abordagem, ainda que seja uma experiência maçante e cansativa em alguns momentos. Um épico que faz jus à promessa, e ainda oferece algo a mais.
Obs: O 3D do filme é bem decente.
Obs II: Entendo que é um filme sobre Moisés, mas Sigourney Weaver é imensamente desperdiçada aqui… Quero dizer, é a reunião “Alien” entre ela e Scott!
Êxodo: Deuses e Reis (Exodus: Gods and Kings, EUA/Reino Unido - 2014)
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Bill Collage, Adam Cooper e Steven Zaillian
Elenco: Christian Bale, Joel Edgerton, Sigourney Weaver, John Turturro, Aaron Paul, María Valverde, Ben Kingsley, Ben Mendelsohn, Isaac Andrews, Hiam Abass, Indira Varma
Gênero: Drama, Aventura
Duração: 150 min
https://www.youtube.com/watch?v=jexNaaN6v04
Crítica | Transcendence: A Revolução
Longo e árduo é o caminho do diretor de fotografia tornado diretor. Se analisarmos a História, não encontraremos muitos nomes de peso que outrora atuavam na função de cuidar de iluminação, cor e todo o aspecto visual de um longa-metragem, e a grande maioria geralmente volta a sua profissão anterior depois de alguns experimentos. Sinceramente, eu espero que Wally Pfister repense suas decisões profissionais, já que mostra-se muito mais competente no trabalho com o diretor Christopher Nolan do que no comando de Transcendence – A Revolução.
O roteiro é assinado pelo estreante Jack Paglen, que elabora uma trama onde o famoso cientista Will Caster (Johnny Depp) sofre uma tentativa de assassinato de um grupo radical que vai contra suas ideias, que incluem o avanço tecnológico e a criação de uma inteligência artificial autoconsciente. A fim trapacear a morte, sua esposa Evelyn (Rebecca Hall) e seu parceiro Max (Paul Bettany) realizam um experimento que transfere a mente de Will para um computador. A mudança, no entanto, faz com que sua consciência virtual se expanda para o mundo inteiro, a fim de dominá-lo.
Uma premissa suculenta e que o texto de Paglen é capaz de honrar com o levantamento de questões estimulantes, e que não são nada fantasiosas no ano de 2014: o progresso que o tratamento de células-tronco poderia atingir, a dependência cada vez maior dos seres humanos em tecnologia e até o alastramento viral das redes sociais. Transcendence merece mérito por levantar tais discussões na tela grande, mas infelizmente é incapaz de oferecer o tratamento merecido, já que o roteiro de Paglen jamais nos oferece algum tipo de aprofundamento em seus personagens e tampouco nos motivos que os movem (o grupo radical de Kate Mara fica simplesmente no ar, assim como a repentina aliança formada com o FBI). E o que falar no súbito salto de dois anos que a narrativa sofre? A legenda poderia dizer “duas horas depois” e não faria a menor diferença, já que nenhum dos personagens parece ter evoluído no espaço de tempo.
São erros que um diretor competente saberia trabalhar melhor. Pfister, tão talentoso como diretor de fotografia de A Origem ou a Trilogia Cavaleiro das Trevas, não cria ritmo nem apego emocional, falhando também ao apostar em um prólogo que não tem a força que deveria. Caramba, nem consegue trabalhar bem o visual do longa, que rende uma ou outra tomada plasticamente bela pelas mãos de Jess Hall, mas no geral é visualmente pobre. Tanto que o diretor até cisma em ficar repetindo tomadas que este julgue geniais, como aquela em que um sujeito usa um teclado de computador para manter a porta aberta; tem significado e é bonita, mas é amadorismo simplesmente repeti-la sem necessidade (e sem comentários para a repetição excessiva de uma gota d’água em câmera lenta).
Pfister também não se mostra um bom diretor de atores (mesmo que funcionem as colaborações com os colegas Morgan Freeman e Cillian Murphy, bons arquétipos), mas não sei se culpo ele ou Johnny Depp, que surge com uma de suas performances mais preguiçosas e monótonas de sua carreira (até quando tenta fazer um comentário irônico), sendo mais máquina quando o personagem ainda é humano do que vice-versa. Só merece destaque mesmo Paul Bettany, carismático ator que ainda é um dos mais subvalorizados da indústria.
Transcendence – A Revolução é uma oportunidade perdida, infelizmente. Traz boas ideias e conceitos pertinentes para a discussão da sociedade tecnológica que rapidamente vai crescendo, mas sofre nas mãos de um roteiro fraco e um diretor nada talentoso.
É Wally, você deveria ter ido fotografar Interestelar.
Crítica | A Entrevista
Você provavelmente deve ter ouvido muito sobre A Entrevista, nova comédia de Seth Rogen e James Franco, nos últimos dias. O filme foi proibido, ameaçado de terrorismo, supostamente a causa de um cyberataque maciço e agora conseguiu voltar aos cinemas americanos e também disponível num eficaz serviço de video on demand pela internet. Muito barulho por uma com
Elaborada por Rogen e seu amigo Evan Goldenberg e roteiriziada por Dan Sterling, a trama gira em torno do apresentador de TV David Skylark (Franco), cuja audiência cresce graças à seu trabalho fútil de exposição do mundo das celebridades, num típico “TV Fama” ou “TMZ” da vida. Quando seu produtor, Aaron Rapaport (Rogen) descobre que Kim Jong-un (Randall Park) é um fã do programa, ele consegue uma entrevista exclusiva com o líder da Coréia do Norte. Porém, a CIA intervém e pede que a dupla use o evento como oportunidade para assassinar Kim Jong Un.
Da mesma forma como escrevi na minha crítica de Vizinhos, Seth Rogen é o cara com as ideias mais absurdas que entra no escritório do produtor e consegue persuadi-lo de qualquer coisa. Imagino ele entrando no escritório de Amy Pascal ou algum outro executivo da Sony e falando “um filme em que eu o James Franco vamos matar o ditador da Coréia do Norte!”. E aposto que Rogen está com ainda mais notoriedade por lá, dada a controvérsia global de seu A Entrevista. A verdade é que é uma comédia inofensiva que não precisava sofrer tudo o que sofreu, ainda que o roteiro da dupla traga sua dose de “seriedade” ao ridicularizar programas de tablóide e o governo de Kim Jong-un, mesmo que de forma morna.
Aliás, o personagem Kim Jong-un criado aqui é sensacional. Mesmo que Randall Park não seja exatamente parecido ou com um rosto engraçado como o do Un real, ele entrega uma performance divertidíssima como um jovem introvertido fã de Katy Perry que dispara mísseis nucleares para ser levado a sério. É também um manipulador nato, o que o coloca como bom antagonista para os “heróis” de Seth Rogen e James Franco, que repetem a mesma química bem-sucedida de Segurando as Pontas. O primeiro mantém sua áurea séria mas inadvertivelmente cômica, enquanto Franco se entrega completamente ao caricato na pele de Skylark, uma mistureba dos tipos mais escandalosos de apresentadores de TV. Aliás, não deixa de ser curioso como tanto A Entrevista quanto o thriller O Abutre discutam, de certa forma, a função do jornalismo.
E também como Segurando as Pontas, o filme faz um balanço eficiente entre as piadas e o humor. Num momento estamos vendo Franco soltar inúmeras referências ao Senhor dos Anéis (“Eu sou gollum, e você é o meu precioso”) e no outro temos um clímax gigantesco que envolve tanques de guerra, metralhadoras e ogivas nucleares. Goldenberg e Rogen evoluem muito como diretores depois do mediano É o Fim (sim, vocês bem sabem que sou um dos poucos que acho o filme só OK), e até aprendem um humor mais sutil ao fotografar a cena da entrevista do título da mesma forma como no ótimo Frost/Nixon (“Daqui a 10 anos, Ron Howard vai fazer um filme sobre nós!”).
A Entrevista é uma comédia divertidíssima que certamente vai agradar aos fãs do humor de Seth Rogen e companhia. Foi injustamente afetado por uma polêmica exagerada, mas não tira o fato de ser uma obra eficiente. Se Kim Jong-un não gostar, problema dele.
Obs: Temos algumas participações especiais muito divertidas.