Crítica | Noite Infeliz transforma Papai Noel em herói de ação

Crítica | Noite Infeliz transforma Papai Noel em herói de ação

Desde que o John Wick de Keanu Reeves ajudou a revitalizar o cinema de ação hollywoodiano na última década, a 87th North tem se posicionado no meio dessa revolução. Originalmente uma empresa de action design (a 87Eleven), a produtora co-fundada por David Leitch ajudou a criar novos ícones do gênero, e às vezes de lugares inesperados: Charlize Theron reinventou sua carreira com Atômica, Brad Pitt voltou à onda de pancadaria com Trem-Bala e até o “pacato" Bob Odenkirk mostrou suas habilidades de luta com o divertido Anônimo.

O próximo passo natural da empresa? O Papai Noel, naturalmente. Essa é a proposta de Noite Infeliz, que transforma o Bom Velhinho das festas natalinas em uma máquina de matar agressiva e sangrenta, mas por mais divertida que a proposta possa parecer, o resultado fica bem abaixo do esperado.

A trama acompanha o Papai Noel verdadeiro (David Harbour) que encontra-se deprimido e melancólico após anos realizando um trabalho que não julga mais como importante. Cumprindo sua rota anual na Véspera de Natal, Noel acaba se deparando com uma família disfuncional que é mantida refém por um grupo de mercenários em uma mansão. Motivado pelo pedido da garotinha mais jovem no grupo, ele resolve intervir, usando apenas seus punhos e saco de brinquedos como armas.

Chega até a ser curioso como diferentes brucutus do cinema de ação andam vestindo a roupa vermelha do Papai Noel ultimamente. Kurt Russell tem sua própria franquia na Netflix com As Crônicas do Natal e até Mel Gibson encarnou uma versão bem brutal (e original) de São Nicolau no irreverente Entre Armas e Brinquedos. Agora, David Harbour empresta seu carisma para o papel, que infelizmente é prejudicado pelo texto bem mediano da dupla Pat Casey e Josh Miller (das adaptações recentes de Sonic na Paramount Pictures).

É uma decisão curiosa a de realmente usar o Papai Noel mitológico como astro de ação, e a dupla de fato constrói um bom palco ao estabelecer a personalidade depressiva e sarcástica do protagonista - sendo um Billy Bob Thornton um tanto mais melancólico. O problema começa quando Casey e Miller parecem não dosar o equilíbrio de humor e drama, já que Noite Infeliz parece se levar a sério demais ao explorar a previsível narrativa de pais “pseudo divorciados” com uma criança pequena, mas toma rumos simplesmente ridículos e dignos de desenho animado à medida em que a narrativa avança. O problema é o descompasso, já que existem 3 filmes de tonalidades bem diferentes correndo em paralelo nos (arrastados) 110 minutos de projeção.

O resultado fica um pouco mais decepcionante quando chegamos às cenas de ação. O mediano Tommy Wirkola (de João e Maria: Caçadores de Bruxas) assume um estilo de coreografia extremamente simples, e que logo se torna repetitivo durante todas as demais cenas de luta. Wirkola e seus dublês claramente se divertem com o uso de aparatos e enfeites natalinos para efeitos de mutilação e ataque (com destaque para o uso de uma estrela brilhante), mas a piada logo vai se esvaziando - especialmente pelo trabalho de fotografia irregular de Matthew Weston, que em diversas cenas torna o resultado visualmente incompreensível.

Mais bizarro ainda é o longo bloco onde Noite Infeliz parece ficar sem ideias e opta por recriar Esqueceram de Mim. Porém, Wirkola imagina como o clássico natalino de Chris Columbus seria se de fato fosse violento e tivesse uma censura para maiores, garantindo uma sequência divertida no papel (ou em um vídeo paródia de YouTube), mas que definitivamente não tem espaço ou razão sensata para aparecer no filme; muito menos para tomar tanto tempo de tela.

Por mais que tenha uma ideia interessante, Noite Infeliz não consegue aproveitar seu divertido potencial. Há uma grave descompasso entre drama e humor, e o próprio David Harbour não se mostra como uma escolha inspirada no papel. Bem, para os fãs de ação e Natal, sempre existirá Duro de Matar.

Noite Infeliz (Violent Night, EUA - 2022)

Direção: Tommy Wirkola
Roteiro: Pat Casey e Josh Miller
Elenco: David Harbour, Beverly D'Angelo, John Leguizamo, Alex Hassell, Alexis Louder, Leah Brady, Edi Paterson, Cam Gigandet, Alexander Elliot
Gênero: Ação
Duração: 112 min

https://www.youtube.com/watch?v=Sk9PIm8osLI&t


Crítica | O Menu é um dos filmes mais saborosos e originais do ano

Nada como uma boa inversão de expectativas. Dado o atual fascínio de Hollywood pelo tema de canibalismo, não é incomum olhar para um longa-metragem batizado de O Menu, cuja proposta promete “um cardápio com muitas surpresas”, e supor que seu tema também irá remeter ao consumo de carne humana. Felizmente, esse prato traz muito mais camadas do que seu cheiro possa sugerir, e o filme de Mark Mylod facilmente se destaca como uma das surpresas mais agradáveis e originais do cinema de 2022.

Na trama, o casal Tyler e Margot (Nicholas Hoult e Anya Taylor-Joy) viaja para o requintado restaurante do renomado Chef Slowick (Ralph Fiennes), localizado em uma ilha remota. Obcecado com controle e perfeição, o excêntrico chef promete preparar um menu diferente de tudo o que seus convidados já experienciaram, e suas práticas logo se revelam como algo muito além do que um mero afinco culinário.

Escrito pela dupla Seth Reiss e Will Tracy, mais acostumada com séries de TV ou programas de Late Show, O Menu é uma sátira feroz ao mundo da gastronomia de alta classe. Tal como o canibalismo em Hollywood, programas de cozinha como Masterchef garantiram um interesse gigantesco do público nos últimos anos, e o texto de Reiss e Tracy acerta ao incorporar diversos elementos desse subgrupo social - como a degustação excessiva, os pratos conceituais - e jogá-los em uma trama muito bem costurada. A dupla é particularmente inspirada na forma como prepara a exposição, incorporando elementos que remetem diretamente à cozinha para ditar as “regras" de seu universo, como a sequência de pratos e os letterings extremamente irônicos que detalham cada refeição - e, posteriormente, alguns eventos relevantes à história.

À medida em que o lado mais sombrio de Slowick começa a florescer, o texto de Reiss e Tracy ganha uma nova camada pelas mãos do diretor Mark Mylod (que comandou diversos episódios de Succession). Tratando-se de um verdadeiro psicopata na cozinha, a figura de Slowick garante ao espectador um excepcional exemplo de riso nervoso, já que a situação na qual o grupo de convidados se encontra é extremamente assustadora e claustrofóbica, mas o absurdo do “conceito" de seu colorido antagonista, e suas práticas que garantem quadros visualmente impressionantes, também provocam a veia do humor negro de forma muito eficiente; alcançando um resultado similar ao do ótimo Casamento Sangrento, também produzido pela Searchlight Pictures.

Mas um dos grandes deleites de O Menu é observar o feroz duelo que passa a ser travado entre o Slowick de Fiennes e a aparentemente inocente Margot de Anya Taylor-Joy. Enquanto Fiennes oferece sua postura tradicionalmente rígida e temperada com toques de humor (como seu hilário personagem em Ave, César!), Joy parece contestar e nunca levar seu tratamento à sério; contrariando também a postura de fanboy agressivo de seu parceiro, muito bem retratado por Nicholas Hoult. À medida em que Fiennes e Joy vão descobrindo e expondo segredos um sobre o outro, com o roteiro se aproveitando bem de foreshadowings e pequenas pistas ao longo do caminho, O Menu oferece uma experiência genuinamente empolgante e imprevisível - e o preparo de um simples cheeseburger nunca pareceu tão saboroso e triunfante quanto o que ocorre no terceiro ato da projeção.

Ainda que tenha sua parcela de absurdos e suspensões de descrença no ato final, O Menu se destaca no catálogo de lançamentos de 2022 como uma de suas oferendas mais interessantes. É uma história magistralmente contada, com uma direção precisa e um excelente elenco. Um prato que cai bem e definitivamente vale a repetida.

O Menu (The Menu, EUA - 2022)

Direção: Mark Mylod
Roteiro: Seth Reiss e Will Tracy
Elenco: Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, Hong Chau, John Leguizamo, Janet McTeer, Aimee Carrero, Paul Adelstein, Judith Light, Rob Yang, Mark St. Cyr, Arturo Castro, Reed Birney
Gênero: Comédia, Suspense
Duração: 106 min

https://www.youtube.com/watch?v=pel2N4FDeso&t


Crítica | Até os Ossos é uma curiosa história de amor canibal

Hollywood definitivamente está interessada em canibalismo. Seja no investimento em conteúdos de não ficção ou filmes de terror, o tema está em alta no cinema e no streaming, e o renomado Luca Guadagnino agora está colocando suas fichas na mesa. Curiosamente, o resultado de Até os Ossos é radicalmente diferente de alguns de seus antecessores, por se tratar de um romance.

Ainda mais divertido é perceber como Até os Ossos parece combinar os dois principais sucessos de Guadagnino como cineasta nos Estados Unidos: um romance adolescente e coming of age com Timothée Chalamet, saindo de Me Chame Pelo Seu Nome, e uma história de terror, vísceras e sangue; tal como em seu remake de Suspiria. O resultado é surpreendentemente eficaz.

Baseando-se no livro de Camille DeAngelis, a trama segue a jovem Maren (Taylor Russell), que tenta controlar sua vontade incontrolável de consumir carne humana. Após ser abandonada pelo pai (André Holland), ela parte em uma viagem pelos Estados Unidos a fim de encontrar sua mãe biológica, deparando-se com uma série de estranhos carismáticos; especialmente com Lee (Timothée Chalamet), que compartilha da mesma condição.

Assistindo a Até os Ossos, fica claro como o longa é genuinamente uma adaptação literária. A extensa narrativa de mais de 2 horas aposta em diversos personagens, locações e saltos no tempo, adequando-se como um road movie padrão. Dessa forma, o roteiro de David Kajganich não é incapaz de fugir de alguns clichês e convenções do gênero - principalmente quando a jornada de Maren esbarra em personagens que pouco acrescentam ou que carecem de carisma.

Porém, o saldo é bem mais positivo. Justamente por estar inserido em um gênero mais romântico e também derivativo do coming of age, Até os Ossos surpreende por sua abordagem ao canibalismo. Ainda que nada muito gráfico ou violento como o francês Raw, o longa fascina por suas descrições e diálogos extensos, onde personagens compartilham as sensações e reflexões sobre o ato de se devorar um ser humano - especialmente no tipo de "refeição" que dá título ao filme.

Também é muito original observar como a história coloca inúmeros personagens canibais no filme, oferecendo a curiosa justificativa de que "um devorador pode sentir o cheiro do outro", mesmo a quilômetros de distância. Isso garante encontros com a bizarra dupla formada por Michael Stuhlbarg e David Gordon Green (sim, o diretor da nova trilogia de Halloween) e o assustador sociopata interpretado por Mark Rylance, Sully. É uma figura absolutamente imprevisível, enigmática e que sempre deixa o espectador inquieto; já que sua aparente simpatia é sempre mascarada por uma ameaça aterradora, e Rylance se garante como o grande destaque entre os coadjuvantes.

Já o romance central entre Taylor Russell e Timothée Chalamet é bem funcional. Mesmo quando a câmera de Guadagnino seja um tanto viciada na estética "fly on the wall", servindo como um observador inquieto, o carisma de ambos os intérpretes é aparente e muito convincente. Chalamet acerta em criar uma figura que equilibra uma postura de bad boy com uma fragilidade palpável, enquanto a relativamente desconhecida Russell (dos filmes da franquia Escape Room da Sony Pictures) segura boa parte da projeção com uma performance quieta, mas cheia de carisma e um olhar penetrante.

Mesmo que seja um tanto longo e com algumas barrigadas narrativas, Até os Ossos é uma experiência muito original e envolvente. Clássico road movie, o filme de Luca Guadagnino é capaz de chocar e emocionar na mesma medida, e definitivamente se garante como uma das experiências mais únicas do cinema de 2022.

Até os Ossos (Bones and All, EUA - 2022)

Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: David Kajganich, baseado no livro de Camille DeAngelis
Elenco: Taylor Russell, Timothée Chalamet, Mark Rylance, Michael Stuhlbarg, David Gordon Green, Chloe Sevigny, André Holland
Gênero: Drama, Romance
Duração: 131 min

https://www.youtube.com/watch?v=OMeEv_9faFQ&t=4s


Crítica | Desencantada é uma das piores continuações da Disney

Lançado originalmente nos cinemas em 2007, Encantada é um filme mais importante do que a própria Disney pode oferecer crédito. Muito antes de o estúdio e toda a indústria começar a questionar a fórmula e reinventar as lições de contos de fadas, o filme de Kevin Lima já apresentava ideias disruptivas e originais, e fazia com muito charme, diversão e carisma graças ao trabalho fantástico de Amy Adams - em um dos papéis definidores de sua carreira.

15 anos depois, a Disney volta a capitalizar a nostalgia de gerações para oferecer um novo - e aguardado - capítulo da história da princesa Giselle, agora com uma aventura produzida diretamente para o Disney+. E se Encantada realmente é um filme que transborda magia e encantamento, Desencantada faz bastante jus a seu título ao se desfazer de ambos os elementos.

Na trama, Giselle (Adams) está se mudando para o subúrbio americano de Monroeville ao lado de seu marido Robert (Patrick Dempsey) e a enteada Morgan (Gabriella Baldacchino). Porém, enquanto ela se diverte com uma vida mais simples, nota a infelicidade de sua família neste novo ambiente, e logo recorre à magia para transformar seu cotidiano em um conto de fadas. O feitiço só tem um efeito inesperado ao transformar Giselle na Madrasta Má da história.

Por um lado, é importante elogiar a ousadia. Afinal, o trio de roteiristas David Weiss, J. David Stem e Richard LaGravenese segue por um caminho mais difícil, já que muitas continuações contemporâneas se contentam em repetir a fórmula de seu filme original; a ideia de enxergar Giselle como uma pseudo antagonista é realmente ousada e garante um bom material para Amy Adams se divertir. Porém, não há traço algum do charme e da originalidade que tornaram o primeiro Encantada tão bem sucedido e especial, já que Desencantada não parece saber qual tom acertar.

Se o primeiro era uma ótima exploração da fórmula do peixe fora da água, Desencantada não vai além de um pastiche genérico de diversos outros contos de fada da Disney: em parte Branca de Neve, alguns elementos de A Bela Adormecida e - claro - uma repetição quase grotesca de todos os beats de história de Cinderela, que surge como a principal inspiração da história. É como assistir a um filme completamente diferente do original, e um que infelizmente é muito mais genérico, excessivamente longo e que lamentavelmente descarta diversos de seus elementos vencedores - o maior deles, o príncipe Harry de James Marsden que é reduzido a uma participação de meros 5 minutos.

A reviravolta de Giselle estar em conflito consigo mesmo oferece outro problema ao longa quando uma segunda antagonista é introduzida: a Rainha Má de Maya Rudolph. O próprio filme parece em conflito quanto a qual ameaça prefere priorizar: Rudolph ou a própria personalidade maléfica de Giselle, que ao menos servem para render um bom número musical antagônico entre as duas - mas Rudolph surge completamente deslocada em relação ao elenco, que ainda precisa apostar na irregular Gabriella Baldacchino como pseudo protagonista por boa parte da duração.

Não bastasse a confusão conceitual, Desencantada é mais um exemplo preocupante da pobreza visual sobre a qual Hollywood vem se afundando. A direção de Adam Shankman (de Hairspray: Em Busca da Fama) nunca vai além do básico, captando até números musicais de escala grandiosa com a estética rudimentar de uma sitcom de TV da década de 1990, jamais fugindo do previsível “plano-contraplano-plano geral”, que só empalidecem na paleta de cores lavada e sem qualquer brilho. 

Na verdade, o diretor de fotografia Simon Duggan (que geralmente é um ótimo fotógrafo) tem a infeliz escolha de aplicar um filtro horroroso sobre todas as cenas que se desenrolam após o feitiço de Giselle - inexplicavelmente transformando todos os personagens e cenários em bonecos de cera, tão desagradáveis quanto o efeito usado por Peter Jackson em sua trilogia de O Hobbit.

Infelizmente, Desencantada desce muito o nível de qualidade em relação ao anterior. No lugar de uma aventura engraçada, inteligente e bem realizada, o resultado é bem mais próximo das lamentáveis continuações direto para VHS que a Disney lançava na década de 1990. É realmente um desencanto completo.

Desencantada (Disenchanted, EUA - 2022)

Direção: Adam Shankman
Roteiro: David Weiss, J. David Stem e Richard LaGravenese
Elenco: Amy Adams, Patrick Dempsey, Maya Rudolph, Gabriella Baldacchino, James Marsden, Idina Menzel, Griffin Newman
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 120 min

https://www.youtube.com/watch?v=O3EI3v7mxf0&t=5s


Crítica | Pantera Negra: Wakanda para Sempre é uma linda homenagem, mas filme problemático

Ryan Coogler tinha uma tarefa impossível. Não só o cineasta americano em ascensão precisava seguir o trabalho monumental de Pantera Negra, filme que arrecadou mais de US$1 bilhão nas bilheterias, foi universalmente aclamado e até indicado ao Oscar de Melhor Filme, mas também precisava fazer algo digno para honrar o legado de Chadwick Boseman, astro que morreu após uma trágica batalha contra o câncer.

O projeto foi mudado e alterado diversas vezes ao longo dos anos, até se tornar este Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, filme que chega com as pesadas responsabilidades de continuar a história de uma lenda, homenagear outra e ainda estabelecer inúmeros novos pontos de história e personagens para o chamado MCU. Naturalmente, não é uma tarefa que seria bem-sucedida ao extremo.

A trama incorpora a morte de Boseman ao trazer a nação de Wakanda de luto, sofrendo sem a presença do Rei T'Challa, cuja ausência agora deixa o país suscetível a ataques e desejos imperialistas de todo o mundo. Uma das operações do governo americano desperta a atenção de Namor (Tenoch Huerta), um guerreiro das profundezas que pressiona a Rainha Ramonda (Angela Bassett) para formar uma aliança e levar a guerra para a superfície.

Processo de luto

Assistindo a Wakanda Para Sempre, nitidamente percebe-se a existência de dois filmes batalhando entre si. O primeiro deles é a mais honesta e emocionante expressão de luto e sentimentos complexos, que Coogler e o roteirista Joe Robert Cole o fazem com naturalidade e maturidade, em um nível desconhecido para as obras do MCU - e que por consequência transborda-se em todo o elenco, afiadíssimo. O outro filme provavelmente representa o resquício da ideia original de Coogler para o projeto, que estabelece uma guerra épica entre duas nações escondidas da humanidade, para enfim apresentar o Príncipe Namor ao Universo Marvel dos Cinemas.

São duas linhas bem diferentes entre si, e que raramente conversam de forma coerente. A introdução de Namor e diversos outros elementos, como a prodígio Riri Williams/Coração de Ferro (a ótima Dominique Thorne), a pressão do governo americano sobre Wakanda e o conflito descartável entre Everett Ross (Martin Freeman) e a péssima Condessa Valentina de Julia Louis-Dreyfus (apresentada nas séries da Disney+) garantem uma experiência inchada, excessivamente longa (são 160 minutos de filme) e desequilibrada - mesmo com as nobres intenções de Coogler e a equipe.

Infelizmente, o talentoso Ryan Coogler surge menos inspirado também na função de diretor. Trocando a diretora de fotografia Rachel Morrison por Autumn Arkapaw (da série Loki), Coogler gera um filme que visualmente é bem menos caprichado ou estimulante como o original, com Wakanda Para Sempre sendo excessivamente escuro, esteticamente lavado e sem uma grande variação de cores. As cenas embaixo da água, para retratar o reino de Namor, são escuras e escondem o bom trabalho da equipe de design de produção, que infelizmente cai no padrão da Marvel Studios de obras de paleta de cor nula.

A ação também é pouco inspirada, com Coogler e Arkapaw apelando demais para câmera tremida e cortes excessivos. As melhores sequências de ação do longa são melhoradas pela ótima trilha sonora de Ludwig Goransson e as canções licenciadas, que realmente fazem a diferença aqui. Faltou um olhar genuinamente épico e de grande escala que uma trama de guerra como a de Wakanda Para Sempre precisava.

Coração acelerado em Wakanda para Sempre

O grande alento do filme, além da sensibilidade gigante para analisar o processo de luto, é mesmo o elenco. Letitia Wright é promovida a protagonista e garante o arco mais complexo e exigente do filme, entregando uma performance poderosa, com nuances dramáticas, bem humoradas e até surpreendentemente sombrias. Angela Bassett também oferece muita força em um papel coadjuvante mais ativo, enquanto Lupita Nyong'o e Winston Duke seguem extremamente carismáticos - ainda que com uma participação muito menor.

Já o "estreante" Tenoch Huerta garante uma figura impressionante e sempre envolvente para seu antagonista Namor. Como o filme gasta tanto tempo para explicar suas origens e motivações, Huerta é bem eficiente em criar uma figura cheia de tons de cinza, que passa longe de ser um vilão comum. Toda a concepção do longa em transformar o personagem dos quadrinhos em um símbolo da cultura maia também é extremamente acertado.

Novamente, não era uma tarefa fácil tirar esse filme do papel, dadas as circunstâncias infelizes. Wakanda Para Sempre sofre com um roteiro inchado e repleto de elementos desnecessários, e também pela condução técnica aquém de sua proposta grandiosa. Porém, o filme garante uma bela homenagem para Chadwick Boseman, onde o amor e as boas intenções são presentes a cada segundo.

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda para Sempre, EUA - 2022)

Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Joe Robert Cole
Elenco: Letitia Wright, Lupita Nyong'o, Winston Duke, Angela Bassett, Tenoch Huerta, Danai Gurira, Dominique Thorne, Martin Freeman, Julia Louis-Dreyfus
Gênero: Aventura
Duração: 161 min

https://www.youtube.com/watch?v=xEd-MzqK4iU&t=5s


Crítica | Adão Negro tenta, mas não consegue mudar a hierarquia de poder da DC

Dwayne Johnson sonha com Adão Negro desde o início do segundo milênio. Ainda em 2006, o astro foi escalado para ser o vilão do Capitão Marvel em um filme de Shazam!. Mas o crescimento de Johnson ao longo dos anos foi tão intenso que o projeto evoluiu para um filme próprio do anti-herói, com The Rock lentamente se tornando uma figura de influência no projeto de expansão da DC nos cinemas.

Com os altos e baixos do universo da DC capitaneado por Zack Snyder e agora literalmente fragmentado em reboots, linhas alternativas e musicais surtados do Coringa, Johnson assume o comando de Adão Negro para dar origem a uma nova linha de filmes, derivados e produções na marca dos quadrinhos. Porém, mesmo com boas intenções, a fundação não é das mais sólidas.

Na trama, Tath-Adam (Johnson) perde toda sua família e acaba por ganhar poderes divinos de um conselho de magos. Aprisionado por 5 mil anos, ele é despertado por uma família de revolucionários, que pede sua ajuda para deter uma milícia maligna de assumir o poder da nação de Kahndaq. Temendo o poder destrutivo do chamado Adão Negro, o grupo conhecido como Sociedade da Justiça parte para contê-lo e levá-lo para uma prisão de segurança máxima.

Mudando a perspectiva de Adão Negro

Conceitualmente, Adão Negro parte de uma premissa divertida. O roteiro assinado por Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani oferece protagonismo a um personagem que naturalmente seria um vilão de filmes do gênero; como se O Lobo da Estepe ou Loki fossem os protagonistas de Liga da Justiça e Os Vingadores, por exemplo. É uma ideia interessante, mas que fica perdida entre várias outras linhas soltas do péssimo roteiro do trio. Mesmo com a promessa de explorar temas mais sombrios, como a moralidade nebulosa de Adão Negro e o fato de este não hesitar em cometer homicídios; é um esforço extremamente superficial e repetitivo.

Pior ainda é a aposta do roteiro em um núcleo humano sofrido, representado pela família que acaba despertando o protagonista. Misturando-se entre tentativas de humor capengas, um comentário político de impacto de um textão de Facebook e uma enxurrada de clichês, o espetáculo acaba perdido na tentativa de oferecer uma humanidade vazia. Toda a relação sustentada entre Adão Negro e o jovem Amon (o inexpressivo Bodhi Sabongui) soa como uma sobra estragada da boa dinâmica entre herói e adolescente explorada por David F. Sandberg no Shazam! de 2019.

E ainda que o filme pudesse sustentar-se facilmente na inversão de perspectiva para um confronto entre o anti-herói de Johnson e a Sociedade da Justiça, Adão Negro se vê na necessidade de apresentar um vilão. Atendendo pelo nome de Sabacc, o antagonista é uma das criações mais pavorosas e risíveis que o universo DC apresentou até agora, além de ser um vilão extremamente fraco e caricato - com uma concepção visual exagerada e que garante um trabalho de efeitos visuais bem limitado. Ecos do Esquadrão Suicida de David Ayer soaram forte durante o clímax de Adão Negro, infelizmente.

A Liga Extraordinária

De positivo, está a Sociedade da Justiça. Marcando a primeira aparição do clássico grupo de heróis da DC nos cinemas, tudo envolvendo o Gavião Negro de Aldis Hodge e o Senhor Destino de Pierce Brosnan é absolutamente formidável. É uma clássica dinâmica que remete ao buddy cop, com o sábio ancião de Brosnan equilibrando o comportamento mais extremo e calculista de Hodge, e imediatamente fiquei mais interessado em saber mais sobre o passado de ambos do que em qualquer coisa envolvendo Teth-Adam, Sabacc ou o futuro de Kahndaq.

Mesmo que em posições menores, os jovens Noah Centineo e Quintessa Swindell oferecem muito carisma e alívios como Esmaga-Átomo e Ciclone; com destaque especial para as cenas envolvendo Swindell, que garantem a melhor amostra de efeitos visuais do filme inteiro.

Já Dwayne Johnson... O astro não é exatamente conhecido por sua versatilidade, e Adão Negro não oferece nada de diferente dos demais trabalhos do ator no cinema de ação. Sua presença é forte e impactante, valendo mencionar que a performance de Johnson agora aposta muito mais em uma concentração extrema e um tom mais ameaçador. Porém, características um tanto incongruentes com uma trama que insiste em torná-lo adorável e bonzinho ao lado do jovem Amon.

Na direção, o habilidoso Jaume Collet-Serra tem pouco espaço para explorar suas habilidades. Vindo do cinema de ação de Liam Neeson (como os ótimos Sem Escalas e Noite Sem Fim), o diretor argentino se destaca nas sequências que envolvem os distintos poderes da Sociedade da Justiça, como a já mencionada Ciclone e suas rajadas de vento coloridas, o aumento de tamanho de Esmaga-Átomo e todo o misticismo por trás do Senhor Destino; capaz de se multiplicar, teleportar e criar ilusões visualmente fascinantes.

Serra acaba mais perdido quando a pancadaria excessivamente CGI toma conta das demais sequências envolvendo o protagonista. É até estranho como a escolha musical do filme para canções e músicas pop destoa do resto do filme; desde Rolling Stones até a canção mais clichê de Kanye West já usada em Hollywood. No entanto, o compositor Lorne Balfe merece aplausos pela trilha sonora original, que ajuda a garantir uma caráter verdadeiramente épico para alguns momentos.

Apesar da ousadia temática e dos bons elementos, Adão Negro desperdiça suas boas ideias com um roteiro muito abaixo de seu potencial. Dwayne Johnson tem carisma, mas perde espaço para os "coadjuvantes" do longa, que mereciam seu próprio projeto. A hierarquia de poder da DC permanece intocada, infelizmente.

Adão Negro (Black Adam, EUA - 2022)

Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani
Elenco: Dwayne Johnson, Aldis Hodge, Noah Centineo, Quintessa Swindell, Pierce Brosnan, Viola Davis, Sarah Shahi, Marwan Kenzari, Bodhi Sabongui, Jennifer Holland
Gênero: Ação
Duração: 125 min

https://www.youtube.com/watch?v=K6ii-otP1A8&t=3s


Crítica | Halloween Ends não sabe como encerrar nova fase de Michael Myers

Michael Myers já foi e se foi inúmeras vezes desde que a franquia Halloween se estabeleceu como uma das marcas mais fortes do gênero do terror. Iniciada de forma humilde por John Carpenter, Debra Hill e seus amigos em 1978, a saga contou com nada menos do que 13 filmes, com diferentes linhas do tempo, releituras e remakes. Nenhuma delas, porém, foi mais bem sucedida do que aquela capitaneada por David Gordon Green e a Blumhouse.

Oferecendo mais um reboot que ignorou os longas anteriores, o Halloween de 2018 apresentou uma ótima sequência legado e trabalhou bem a Laurie Strode de Jamie Lee Curtis. Em decorrência do lucro gigantesco, mais dois filmes foram encomendados, e a impressão deixada por Halloween Kills e agora por Halloween Ends, é que Green e Jason Blum realmente não faziam ideia de como estender a história além de mais um filme.

A trama é ambientada 4 anos depois dos eventos do filme anterior, com Laurie Strode (Curtis) enfim podendo relaxar após um período de sumiço do assassino Michael Myers. Vivendo com sua neta Allyson (Andi Matichak), Laurie logo teme o perigo quando sua protegida se aproxima do misterioso Corey Cunningham (Rohan Campbell), um jovem assombrado por um trauma no passado, e que oferece uma estranha conexão com o desaparecido Michael Myers.

Halloween Ends é um filme estranho. Definitivamente não é o que o público está esperando, tampouco o que poderíamos esperar após um final tão abrupto e criador de cliffhanger como é o de Halloween Kills - o que já torna a decisão de um salto temporal absolutamente radical. O que encontramos aqui é um filme completamente diferente dos anteriores, bem mais contido e que ao menos se beneficia de ser uma experiência completa com começo, meio e fim. Mas que, curiosamente, pouco tem a ver com Michael Myers ou Laurie Strode.

Em uma decisão que certamente será controversa, o novo filme é praticamente inteiro sobre o Corey Cunningham de Rohan Campbell. Mais curiosa ainda é a decisão de Green de olhar muito mais para outro clássico de John Carpenter que não Halloween: Christine, O Carro Assassino de 1983. Assim como na adaptação de Stephen King, o arco de Corey é o de um jovem desajustado e nerd que embarca em uma transformação sombria - e é curioso notar como as feições de Campbell remetem muito à de Keith Gordon em Christine. É uma decisão interessante e inesperada, mas que causa estranheza.

Especialmente porque Rohan Campbell não é exatamente um ator dos mais talentosos, e o roteiro de Green, Danny McBride, Chris Bernier e Paul Brad Logan (!) insiste em uma relação amorosa extremamente apressada e artificial entre Corey e Allyson. É uma sucessão de eventos assustadoramente rápida e vazia, e que se torna ainda mais incômoda quando nos damos conta de que a "mensagem" por trás do arco de Corey não faz sentido. Há uma abordagem sobre o mal de Michael Myers ser contagioso, mas o filme nunca se compromete por completo com essa ideia. Pior ainda, simplesmente a joga no lixo nos últimos 20 minutos.

Todo o filme sobre Corey é completamente ignorado e irrelevante quando Halloween Ends "se lembra" do filme que precisa ser, e do conflito iminente entre Laurie Strode e Michael Myers. É quando o próprio David Gordon Green, outrora tão detalhista e atencioso no filme de 2018, encontra alguma inspiração para criar suspense e atmosfera; ainda que não haja surpresa alguma no que poderíamos encontrar nesse quesito. Mas, sendo bem sincero, é só mesmo a trilha sonora inspirada de John Carpenter, Cody Carpenter e Daniel Davies que é capaz de oferecer alguma energia para o projeto.

Novamente, a reinvenção de Halloween não precisava ter ido muito além de seu eficiente filme de 2018. Halloween Ends até tem uma proposta interessante e ousada, mas seus idealizadores parecem indecisos demais quanto ao tipo de história que querem contar, e que no fim das contas não faz muito sentido. Então, quanto tempo até Michael Myers retornar mais uma vez?

Halloween Ends (EUA, 2022)

Direção: David Gordon Green
Roteiro: David Gordon Green, Danny McBride, Chris Bernier e Paul Brad Logan
Elenco: Jamie Lee Curtis, Andi Matichak, Rohan Campbell, James Jude Courtney, Will Paton, Kyle Richards, Nick Castle
Gênero: Terror
Duração: 111 min

https://www.youtube.com/watch?v=rwvFQAjRgMY


Crítica | Noites Brutais é o filme de terror mais surpreendente do ano

É maravilhosa a sensação de não saber nada sobre um filme antes de entrar em uma sessão. Foi exatamente esse sentimento que me acompanhou durante uma exibição de Noites Brutais (Barbarian, no original), um longa-metragem que eu não tinha conhecimento de sua existência, tampouco do que se tratava. Justamente essa é a condição ideal para ver o filme de Zach Cregger que chega ao catálogo do Star+, já que trata-se de uma das experiências mais surpreendentes do ano.

Para dizer o básico a fim de preservar suas surpresas, basta dizer que a trama envolve a jovem Tess (Georgina Campbell) encontrando um rapaz chamado Keith (Bill Skarsgard) na casa que ela havia reservado em um Airbnb. Ambos estão confusos pela situação, e resolvem passar a noite juntos para resolver o problema, sem ter consciência do que realmente está acontecendo no local.

Em uma entrevista para o podcast do Directors Guild of America, o diretor e roteirista Zach Cregger afirmou que escreveu o roteiro de Noites Brutais sem ter consciência de como a história terminaria. A cada ponto em que a trama caísse para o clichê ou o esperado, Cregger mudaria o curso da trama, a fim de causar surpresas. O efeito funciona, já que o filme é praticamente impossível de se prever ou adivinhar, o que garante uma experiência de terror profundamente efetiva e surpreendente, já que Cregger mostra-se um especialista em antecipar e prever as mais óbvias armadilhas do gênero.

Durante toda a primeira parte, o espectador fica imerso na situação de Tess e Keith. É um exercício muito bem construído, já que naturalmente seguimos as desconfianças da protagonista de que o jovem possa ser algum tipo de psicopata, e a história leva a desdobramentos realmente surpreendentes. Há até mesmo todo o arco envolvendo a presença de Justin Long, como um personagem que realmente testa a paciência do espectador, e que garantem uma história divertida e angustiante de se acompanhar.

Tendo dirigido apenas a comédia adolescente Miss Março: A Garota da Capa em 2009, Cregger mostra-se também um excelente diretor de suspense. Passando do terror atmosférico da desconfiança de Tess, até todas as viradas que o longa oferece posteriormente, Noites Brutais é realmente uma experiência tensa e assombrosa. Cregger faz excelente uso de espaços escuros e longos corredores de um porão, garantindo uma imersão poderosa e a constante sensação de que algo terrível vai acontecer.

O único demérito de Cregger vai com o uso um tanto excessivo de lentes grande angulares em determinadas sequências. Ainda que haja um propósito narrativo para algumas delas (com apenas um personagem), o efeito acaba se esgotando e remetendo demais à experiência de um videogame, no sentido ruim. Felizmente, é apenas um detalhe em meio a um trabalho predominantemente positivo - e que aproveita muito bem sua ameaça principal, que traz ecos profundos do ótimo terror espanhol [REC].

Definitivamente não haverá filme como Noites Brutais em 2022. Não só é uma formidável história de terror que foge dos clichês e convenções, mas também uma experiência imprevisível para fãs de qualquer tipo de história, e que vai causar uma tremenda impressão. Simplesmente imperdível.

Noites Brutais (Barbarian, EUA - 2022)

Direção: Zach Cregger
Roteiro: Zach Cregger
Elenco: Georgina Campbell, Bill Skarsgard, Justin Long, Richard Brake, Matthew Patrick Davis
Gênero: Terror
Duração: 103 min

https://www.youtube.com/watch?v=tIdAa0qAXJM


Crítica | Morte, Morte, Morte é um dos piores filmes da A24

A A24 tem se estabelecido como um selo de qualidade incontentável. De dramas existenciais emocionantes até peças de gênero mais comerciais, é realmente impressionante o que a produtora/distribuidora americana tem feito na última década, e o terror acabou sendo um de seus pontos mais notáveis ao longo da jornada.

Claramente inspirando-se no impacto do Pânico original de Wes Craven, a cineasta holandesa Halina Rejn tenta fazer de Morte, Morte, Morte o grande slasher da geração Z. Porém, o resultado acaba pendendo mais para o irritante do que o assustador, ou até mesmo o divertido.

Na trama, a jovem Bee (Maria Bakalova), acompanha a namorada Sophie (Amandla Stenberg), em uma reunião de amigos do colégio para verem juntos a passagem de um furacão. Trancafiados dentro de uma luxuosa mansão, o grupo resolve brincar de "Bodies Bodies Bodies", que consiste basicamente em uma variação macabra do famoso jogo do detetive. Mas a situação fica estranha quando alguns dos amigos realmente começam a morrer.

Por mais que Morte, Morte, Morte apresente uma premissa que geralmente costuma funcionar, a do whodunit, todo o processo é prejudicado por seus personagens. Assumindo um caráter satírico de todos os estereótipos e problemas típicos da geração Z, o longa apresenta um leque de personagens que beira o insuportável, impossibilitando qualquer conexão destes com o público. Mesmo que a reviravolta final seja interessante, a ligação com seus tapados protagonistas é nula.

Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=enHDT4_qw0o&t=1s


Crítica | Amsterdam desperdiça grande elenco com trama enfadonha e sem graça

É curioso observar como David O. Russell foi das celebrações mais exageradas ao esquecimento total. No início dos anos 2010, o cineasta americano conseguiu uma trifecta invejável ao ser indicado ao Oscar três vezes consecutivas, além de garantir indicações e vitórias para boa parte de seus respectivos elencos: o drama de boxe O Vencedor, a comédia dramática O Lado Bom da Vida e o thriller cômico Trapaça; todos lhe garantiram indicações como roteirista e diretor.

Mas após Joy: O Nome do Sucesso, foi como se Hollywood subitamente se cansasse de David O. Russell. Pessoalmente, nunca tive admiração alguma por seu trabalho, com exceção do charme irresistível de O Lado Bom da Vida, e tal fiasco levou o diretor a “se esconder” por 7 anos até o lançamento de Amsterdam, produção que aposta novamente em um elenco gigantesco um mix de gêneros que tanto agradam ao diretor. Porém, o resultado aqui é sem dúvidas o ponto mais baixo de sua carreira até agora.

Na trama, os amigos e veteranos de guerra Burt Berendsen e Harold Woodsman (Christian Bale e John David Washington) são contratados para investigar a misteriosa morte de seu antigo general. Porém, os dois logo são incriminados pelo assassinato brutal de sua neta, e precisarão se reencontrar com uma velha amiga enfermeira (Margot Robbie), para limpar seus nomes e encontrar os responsáveis por trás do crime.

De início, Amsterdam adota diversos elementos de um clássico whodunit; subgênero que Hollywood aprendeu a amar novamente após o sucessos de Entre Facas e Segredos e Assassinato no Expresso do Oriente. A ambientação é extremamente funcional, com o design de produção recriando com perfeição a Nova York dos anos 30, e a dupla de Bale e Washington facilmente se encaixando como duas figuras típicas do cinema de detetive noir da década de 1940. A amizade da dupla, por sinal, é de longe o ponto mais brilhante e agradável do filme todo.

Assim que o roteiro de Russell começa a avançar no desenrolar do mistério, tudo começa a desmoronar. Apesar de um bom estabelecimento de amizade entre Bale, Washington e a enfermeira de Margot Robbie - e o desejo do trio de largar tudo e conseguir voltar para os dias de paz e conforto em Amsterdã -, é virtualmente impossível de se manter em interesse na jornada do filme. O desfecho e o objetivo geral de Russell, que supostamente é inspirado em eventos reais, é extremamente absurdo e digno de um desenho animado de baixa qualidade

Não ajuda o fato de que, mesmo absurda, a trama do filme seja bem linear e direta e constantemente interrompida. O grande problema está no tamanho do estelar elenco, que parece ter uma regulamentação para o tempo de tela de cada um: o filme literalmente estaciona seu desenvolvimento e jornada para dar atenção a cada um dos membros de seu extenso elenco, que inclui grandes personalizes como Michael Shannon, Rami Malek, Anya Taylor-Joy, Chris Rock e até o veterano Robert De Niro. Amsterdam dá as mais bruscas e tediosas pausas em sua - igualmente tediosa - trama para dar espaço a cada um deles, que atuam como se estivessem hipnotizados; em uma estranha decisão de Russell como diretor de atores, que parece conduzir seu elenco como se estivessem em uma peça de teatro ruim.

A única exceção fica com Christian Bale, que parece navegar muito bem nesse palco torto e estranho. É uma das ocasiões em que o astro mais pôde exercer seus músculos de comediante, visto que seu personagem exibe muita comédia física graças ao fato de ter um olho de vidro muito mal encaixado. É literalmente o único elo fácil de se seguir e acompanhar, já que nem o pseudo casal formado por Margot Robbie e John David Washington é capaz de oferecer alguma química ou brilho.

Falho como roteirista e condutor de elenco, David O. Russell mostra-se igualmente problemático em sua direção técnica. Mesmo aliado do badalado diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (triplamente premiado com o Oscar por Gravidade, Birdman e O Regresso), Russell faz de Amsterdam uma experiência visualmente genérica e sem qualquer valorização de seu grande elenco e ambientação. A linguagem de Russell se resume a planos médios lotados de pessoas e movimentações de câmera simplórias, que em nada parecem aproveitar as forças de Lubezki - preso a uma paleta de cores imutável e lavada.

Mesmo com um elenco maravilhoso em mãos, David O. Russell faz de Amsterdam uma das experiências mais vazias e tediosas de 2022. É uma história impossível de se seguir com interesse, povoada por figuras desinteressantes e diálogos enfadonhos. Pode não ser o pior filme do ano, mas é um dos mais insuportáveis.

Amsterdam (EUA, 2022)

Direção: David O. Russell
Roteiro: David O. Russell
Elenco: Christian Bale, Margot Robbie, John David Washington, Chris Rock, Rami Malek, Anya Taylor-Joy, Robert De Niro, Zoe Saldaña, Michael Shannon, Mike Myers, Taylor Swift, Timothy Olyphant
Gênero: Comédia
Duração: 134 min

https://www.youtube.com/watch?v=RE8rlyhJsi8&t=85s