em ,

Crítica | Suspíria: A Dança do Medo – Desconstruindo o Clássico

Suspiria (1977) é um verdadeiro clássico do terror. Com sua história original sobre bruxas nos entrega uma pequena obra-prima do cinema que futuramente iria influenciar diversas produções do gênero, como Cisne Negro (Darren Aronofsky) e Demônio de Neon (Nicolas Winding Refn). Quando o remake americano começou a ser filmado muitos olharam com desconfiança para essa nova versão. A releitura dirigida por Luca Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome) tem o seu público, mas não chega nem aos pés do original. A ideia do diretor foi a de fazer uma nova interpretação para a trama e assim acabou mudando muita coisa que havia dado certo no longa de 1977.

A começar pela escolha em relação ao tema da história. Desde o início, Guadagnino não esconde de ninguém que o longa fala sobre bruxas. Faz isso justamente para mostrar a um público que não conhece o original o tema principal e para prender a atenção do telespectador do início ao fim, pois ao saber o tema já fica mais fácil para o público saber quais forças malignas que as garotas estão enfrentando. Só que essa é uma escolha muito simples por parte do roteiro, para não dizer uma escolha preguiçosa. Ao citar as bruxas desde o começo o diretor tira totalmente o ar de surpresa e mistério que poderia vir a surgir.

O suspense é um dos elementos belamente trabalhados no original e que essa releitura acabou matando. O roteiro toma tantas decisões equivocadas quanto aos rumos da protagonista que chega a dar sono em alguns momentos. O diretor tenta fazer mistério com algo que ele já havia mostrado desde o início, que são as bruxas. O final é um exemplo dessa tentativa em surpreender o telespectador, em que aparece um culto bizarro de horror. Esta é a única cena ousada em relação a tudo o que havia se apresentado até então. É muita pobreza criar um filme e se prender em seu final, foi isso que Luca Guadagnino acabou fazendo ao criar uma abordagem apenas para chegar no fim e mostrar os shows de bizarrices envolvendo os personagens.

A narrativa foi criada simulando a estrutura de uma peça de teatro ou um número de dança, feito em seis atos para ajudar a contar a história. Cada um desses capítulos serve para ajudar a contar o que irá acontecer em breve e para impulsionar melhor os personagens. A trama começa no ano de 1977, obviamente fazendo uma homenagem ao original e querendo mostrar que há uma relação de um com o outro. Logo somos apresentados a personagem de Chloë Grace Moretz falando com um psiquiatra sobre bruxas e daí em diante é chatice atrás de chatice, nada que realmente empolgue o telespectador a se manter preso em todo o mistério que cerca a escola de dança.

O tom sobrenatural é uma ausência sentida no longa. Se as bruxas são esse elemento e se são apresentadas já desde o início é de se estranhar que sejam tão jogadas de lado quanto foram, justamente para dar o ar de mistério já mencionado nesta crítica. As bruxas são as vilãs, e por isso é de esperar que ajam com muito mais maldade e ambição do que o mostrado no filme. Essa falta de mexer mais com esse mundo sobrenatural faz com que Suspiria fique mais próximo de Harry Potter, tal fato se dá pelo terror ser deixado de lado e ficar mais próximo de dialogar com o gênero da fantasia. Markos, a tal líder suprema é mencionada muitas vezes, mas guardam isso para o final apenas para ter algo espetacular para fechar o último ato.

Algumas questões mostradas no longa não fazem sentido de estarem ali. Em alguns momentos parece que o diretor coloca essas situações para dar um ar mais cult para a produção. Uma dessas cenas é em relação ao Grupo Baader-Meinhof, falam da organização guerrilheira apenas para dar uma situada no período em que a trama se passa, mas algumas outras vezes durante a trama voltam a falar no grupo terrorista alemão. É de se entender que isso possivelmente teria alguma relação com o filme ou com os personagens, mas isso não acontece, foi algo colocado ali apenas por ser colocado.

Luca Guadagnino tenta fazer um terror que vai mais pelo lado do horror, colocando as personagens em situações bizarras e grotescas. O diretor também tenta chocar em alguns momentos, tentando colocar algum elemento sobrenatural e bizarro que faça com que o público fique de boca aberta com aquilo que vê em cena. Isso explica as cenas horrendas que vão ao extremo da dor e da tortura. Guadagnino também utiliza de cortes rápidos para criar um suspense e insere também cenas desconexas no sonho da protagonista, para tentar criar um terror maior. Algo parecido foi feito com maestria por Roman Polanski em O Bebê de Rosemary, em que a protagonista, interpretada por Mia Farrow, enxerga em seus sonhos vislumbres macabros de um culto demoníaco, algo que Guadagnino tentou fazer em Suspiria, mas sem êxito prático.

O elenco de Suspiria é algo que chama bastante a atenção por trazer grandes nomes do cinema como Chloë Grace Moretz, Tilda Swinton e Dakota Johnson. Todas estão relativamente bem em suas personagens, com destaque para Tilda Swinton que arrasa no papel de uma bruxa que com o passar do tempo acaba sendo escanteada. O mesmo acontece com a personagem de Dakota Johnson que interpreta Susie, a garota que vai dançar na escola de arte. Sua interpretação é sem vida, parece que ainda não esqueceu seu papel em 50 Tons de Cinza. Tá certo que essa interpretação provavelmente tenha sido porque Guadagnino queria surpreender com o final, mas mesmo assim não precisava forçar a barra. 

Quem rouba a cena no longa é a atriz Mia Goth (A Cura). Aparentemente sua personagem não tinha destaque nenhum, mas começa a ganhar força e em um momento e acaba até mesmo deixando de lado a protagonista interpretada por Dakota Johnson. Mia Goth está excelente ao fazer uma garota enigmática e que começa a ficar paranoica com o que vai ocorrendo na escola de dança. O arco de sua personagem é muito mais interessante e causa mais suspense e terror que a da protagonista. Não seria nenhum erro dizer que ela deveria ter sido a personagem principal.

No longa original a fotografia, belamente trabalhada por Dario Argento, é um marco que ajudou a contar os sentimentos da protagonista, com as cores mudando para apresentar sentimentos como medo. Já neste Suspiria, a fotografia é mais um auxílio para criar um ambiente sombrio e bizarro e nada além disso. Faltou ousadia por parte do diretor em criar um ambiente com luzes mais vibrantes que pudessem trazer algo a mais. Há situações que a fotografia lembra a do filme de 1977, mas são poucos os momentos. 

Não é de hoje que Hollywood faz remakes de produções clássicas de outros países. Alguns remakes se saem bem outros nem tanto. Suspiria é daqueles filmes que se for para criar algo de diferente que pelo menos se mantenha o ar de suspense e de terror do original, algo que até certo ponto foi tentado nesta nova versão, mas que foi pessimamente executado. É triste ver um longa tão impactante sendo desconstruindo por um diretor que tem uma visão interessante do que quer apresentar, mas que falhou miseravelmente em sua execução.

Suspiria (Idem – EUA, 2019)

Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: David Kajganich
Elenco: Dakota Johnson, Chloë Grace Moretz, Lutz Ebersdorf, Mia Goth, Tilda Swinton
Gênero: Fantasia, Horror, Mistério
Duração: 152 min.

Avatar

Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

Um Comentário

Leave a Reply

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica | Kingdom: 1ª Temporada – Zumbis vs Samurais