Crítica | The Witcher: 1ª Temporada - Uma Adaptação Medíocre
2019 foi um ano oscilante para a Netflix: na mesma medida que nos entregou inúmeras obras-primas cinematográficas, como o drama História de um Casamento e o instantâneo clássico O Irlandês (que entrou para a história como um dos melhores filmes já produzidos), também falhou em produzir certo conteúdos originais – como comédias românticas adolescentes que reciclavam a mesma fórmula vencida e séries que definitivamente não mereciam continuação (como a insossa e desnecessária Insatiable). De qualquer modo, a plataforma permanece como uma das gigantes de streaming e alguns projetos anunciados ganham a nossa atenção e prometem entregar muito mais do que conseguem.
Foi isso o que aconteceu com The Witcher. A famosa trama arquitetada pelo romancista Andrzej Sapkowski ganhou uma legião de fãs desde o seu lançamento e inclusive faz parte do segundo ciclo da explosão da literatura fantástica ao lado de, por exemplo, George R.R. Martin (o autor da aclamada As Crônicas de Gelo e Fogo). Para levar o expansivo e visceral mundo de Sapkowski para as telinhas, Lauren Schmidt Hissrich teria um complexo trabalho a realizar e, para além disso, deveria se manter fiel tanto à própria estética criativa quanto à história explorada nos livros e na premiada série de games.
O resultado não foi nada menos que frustrante: apesar da belíssima transcrição que Hissrich fez do perigoso e inebriante Continente, o pano de fundo por vezes se desmanchou em linhas narrativas saturadas de personagens descartáveis (ou que seriam melhor utilizados em ciclos futuros) – isso sem falar em sequências inteiras que não deveriam existir ou então que foram colocadas no lugar errado e na hora errada. Ao menos o ritmo da obra engata após as convencionais apresentações dos protagonistas (mesmo saindo de nenhum lugar a lugar nenhum e provando que o público acompanhava a uma antológica jornada tour-de-force).
Geralt (Henry Cavill) é um witcher, um caçador de monstros cuja estrutura corporal e psíquica foi modificada através de mutações propositais e que lhe deram habilidades muito maiores que um ser humano normal, aumentando sua força, sua percepção, sua bravura e sua velocidade. Entretanto, o guerreiro foi privado de uma infância normal e, por isso, não tem uma relação “amigável” com outras pessoas – que normalmente o encaram como um ser demoníaco, fruto do pecado e que não deve ser confiado. As coisas mudam quando ele cruza caminhos com outras figuras totalmente fora do padrão: a maga Yennefer de Vengerberg (Anya Chalotra) e a jovem princesa refugiada Cirilla (Freya Allan).
Por muitos anos, as fórmulas fílmicas foram criticadas por seguirem um padrão excessivamente problemático e familiar para os espectadores – levando-nos a pensar na falta de capacidade cognitiva de compreender algo diferente e original. Hissrich, dessa forma, abriu espaço para promover uma desconstrução dos engessados conceitos supracitados, abolindo inclusive o materialista conceito de “cronologia”. Afinal, até meados do terceiro capítulo, temos certeza absoluta de que os três arcos protagonistas irão se juntar mais cedo ou mais tarde em uma convergente reviravolta ou algo do tipo, amarrando as pontas soltas e caminhando para um competente season finale; porém, não é isso o que acontece: na verdade, o trio em questão se situa em linhas temporais diferentes cujas delineações brincam com as ideias de passado, presente e futuro – ou ao menos tentam fazer isso.
A verdade é que a série exala com incrível potencial e, num amador equívoco, se desenvolve numa zona de conforto que, ao mesmo tempo, busca explicar tudo o que existe no universo apresentado. Não é à toa que a sensação inicial é episódica (uma ironia cômica, se não fosse infeliz), colocando Geralt acima das outras personagens em aventuras pontuais que forçosamente se entrelaçam na “batalha final”; mais do que isso, o roteiro não sabe equilibrar a dosagem cênica dos personagens principais, por vezes se esquecendo da importante representação de Ciri, ou então nos envolvendo na poderosa e arrepiante transformação de Yennefer apenas para reinventar um cânone pré-estabelecido.
Apesar dos múltiplos erros, a produção acerta em aspectos imprescindíveis para o envolvimento da audiência: desde a perfeição dos cenários até a performance de seus atores, é inegável dizer que o show pensa com exímia cautela na atmosfera de cada uma das cenas, ainda que recorra a certas obviedades: mesmo não se comparando ao nível de construção de outras investidas contemporâneas, The Witcher faz bom uso das cartas que lhe foram dadas e diferencia os múltiplos caminhos que nossos “heróis” trilham. Ademais, Chalotra nos rouba a atenção por uma atuação narcótica e agonizante – e que detém o único sólido desenvolvimento desse primeiro ano.
A nova série da Netflix deve agradar aos fãs por sua fidedignidade aos livros originais e por seu tom mais dark e mais satírico em relação a outras iterações fantasiosas. Todavia, ela perde-se em tantas questões banais que transforma-se em um amontado de histórias sem coesão, polvilhadas por sequências de ação que, por mais bem coreografadas que sejam, insurgem como meras medidas paliativas.
The Witcher – 1ª Temporada (Idem, Reino Unido, Estados Unidos – 2019)
Criado por: Lauren Schmidt-Hissrich
Direção: Alik Sakharov, Alex Garcia Lopez, Charlotte Brändstörm, Marc Jobst
Roteiro: Lauren Schmidt-Hissrich, Jenny Klein, Beau DeMayo, Declan de Barra, Sneha Koorse, Haily Hall, Mike Ostrowski
Elenco: Henry Cavill, Anya Chalotra, Freya Allan, Joey Batey, MyAnna Buring, Mahesh Jadu, Mimi Ndiweni, Eaon Farren, Anna Shaffer
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Ação, Fantasia, Drama
Duração: 60 min.
Crítica | Apocalipse V: 1ª Temporada - A Insuficiência das Boas Intenções
Desde que Drácula, de Bram Stoker, foi lançado em 1897, o gênero da fantasia gótica ganhou um novo capítulo: entre recriações lendárias que ficaram para as eras e inúmeras releituras dentro da indústria do entretenimento, o outrora engessado personagem vampiresco tornou-se herói, vilão, anti-herói – e foi agraciado com uma backstory que o transformou num ser menos inalcançável e mais humano. É claro que, ao longo das múltiplas adaptações do romance supracitado, alguns deslizes foram praticamente imperdoáveis (como o presunçoso Van Helsing e o esquecível Drácula – A História Nunca Contada).
Com o passar do tempo, o fabulesco teor dessas narrativas transformou-se em um pesaroso drama que, por mais que suas intenções fossem as mais puras possíveis, nunca ousava para além do esperado, como é o caso das recentes Vampire Diaries, True Blood e Legacies. Tal enredo, nos dias de hoje, é embebido em uma explicações genéticas que analisam a passagem de um humano a um vampiro – e, para isso, a Netflix resolveu investir em mais um show original intitulado Apocalipse V. A produção, que é respaldada por uma estrutura consideravelmente sólida, tenta ao máximo se esquivar de convencionalismos artísticos e técnicos, mas rende-se a algo conhecido, nem um pouco original, e que apressa-se a um medíocre season finale que nos deixa mais frustrados que satisfeitos (ou ansiosos para o próximo ciclo).
Toda famosa lenda sobrenatural deve começar em algum lugar – e é isso a que se compromete a trama criada originalmente pelo quadrinista Jonathan Maberry: o pano de fundo é centrado no Dr. Luther Swann (Ian Somerhalder), um cientista que viaja para as terras geladas do Ártico ao lado de seu braço-direito Michael Fayne (Adrian Holmes) para investigar o desaparecimento de dois colegas de trabalho. Entretanto, ao chegarem às facilidades laboratoriais, descobrem que não há sinal de vida dos dois – e, como se não bastasse, libertam um tipo de biomassa que esteve escondida por milhares de anos. Basicamente, esse espécime ativa um gene dormente que existe em uma boa parte da população mundial e dá origem ao que apenas entendemos como “o próximo passo da evolução”: predadores que se alimentam de sangue humano e que possuem força, audição e capacidade de recuperação surpreendentes – ou seja, vampiros.
Após ficarem em quarentena, Luther e Michael ficam doentes até serem liberados por falta de quaisquer evidências que os obriguem a permanecer longe do contato humano – isso é, até Michael contatar seu melhor amigo depois de destroçar uma jovem desconhecida. É nesse momento que Luther percebe que a biomassa entrou em novo estágio e espalha-se tão rápido quanto água – infectando dezenas de pessoas em poucos dias e milhares em algumas semanas. E é a partir daí que a humanidade é posta em xeque pela presença mortal dos Sanguíneos (nome dado à comunidade vampírica que insurge como forma de protesto e resistência).
A série até tenta criar sua própria mitologia, mas abandona recursos valiosos que são mostrados aos espectadores nos primeiros episódios: na verdade, é inegável dizer que o enredo cultivado é instigante em todos os seus aspectos – renegando a si mesmo em prol de algo que seja mais crível por parte da audiência. Ora, estamos tratando de uma produção fantasiosa, literalmente visceral (com alguns resquícios científicos que não devem ser levados a sério). Deixar que um molde melodramático carregue todo o peso cênico da obra é um grave erro a ser cometido – e é isso que se demonstra para o público: com alguns momentos fervorosos que poderiam ser melhor construídos, Apocalipse V falha ao aglutinar os elementos que têm em uma cronologia compreensível o suficiente.
Enquanto os personagens principais são atacados com a presença de coadjuvantes que brotam dos mais diversos lugares, ao menos alguns nomes excedem as expectativas, como é o caso de Mila Dubov (Laura Vandervoort), que é transformada em uma Sanguínea pela própria irmã e luta contra os impulsos de consumir sangue fresco. Mila, apesar de não nutrir do tempo de cena que deveria, tem um poderoso arco em que se transforma numa justiceira à la Blade, o Caçador de Vampiros, lidando com a própria perda de personalidade para se vingar e, eventualmente, ajudar Luther a adquirir uma cura.
Ademais, nenhuma das outras personas ergue qualquer química aparente: Luther e Michael são bem melhores quando estão separados; Danika (Kimberly-Sue Murray) é uma das figuras mais misteriosas da série ao portar-se como uma femme fatale que consegue absolutamente tudo o que deseja (ainda mais por ser uma criatura Vardulak, ou seja, uma subespécie que libera uma toxina viciante em suas vítimas), mas quando vira o par romântico de Michael, perde sua forte presença. Até mesmo Desmond (Kyle Breitkopf) e Kaylee (Jacky Lai) são embutidos com forçadas subtramas que não fazem o menor sentido e contribuem para nenhuma mudança dentro do escopo principal.
De qualquer forma, nem tudo está perdido: apesar dos múltiplos e amadores deslizes que não fazem jus ao material de inspiração, o show diverte; quando não se leva muito a sério ou não se deixa infiltrar por metáforas vencidas e pessimamente articuladas, ela entretém dentro de suas limitações e maneja pavimentar um gancho interessante para os capítulos que virão.
Apocalipse V é uma mistura ridiculamente eclética de Resident Evil com qualquer drama adolescente pós-apocalíptico. Apesar de não conseguir se desvencilhar das fórmulas, ao menos a obra é, como já mencionado, divertida.
Apocalipse V – 1ª Temporada (V-Wars, EUA – 2019)
Direção: Brad Turner, T.J. Scott, Kaare Andrews, Martia Grabiak, Bobby Roth, Ian Somerhalder
Roteiro: Sam Beck, Charlie Cleven, Glenn Davis, Bernard Keogh, Seamus Keogh, William Laurin, Jonathan Maberry
Elenco: Ian Somerhalder, Adrian Holmes, Jacky Lai, Kyle Breitkopf, Kimberly-Sue Murray, Peter Outerbridge, Michael Greyeyes, Sydney Meyes, Laura Vandervoot
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Drama, Ação, Fantasia
Duração: 40 min. aprox.
Crítica | O Príncipe do Natal: O Bebê Real - Uma Continuação que Ninguém Pediu
A Netflix é conhecida por suas inúmeras produções originais e, nos últimos anos, destinou grande parte de sua programação em longas-metragens e séries natalinas. Nas últimas semanas, a gigante do streaming entregou algumas interessantes obras audiovisuais dessa época do ano, como a adaptação de Deixe a Neve Cair, que revitalizou as rom-coms adolescentes, a incrível animação Klaus e o fofo clichê Um Passado de Presente. Agora, conforme novas investidas vão ganhando espaço, sua qualidade vem diminuindo drasticamente – como é o caso de uma das franquias mais inusitadas (e que ninguém pediu para que existisse) do catálogo da plataforma: O Príncipe do Natal.
A saga impossível e à la contos de fada iniciou em 2017 e girou em torno de uma jornalista chamada Amber (Rose McIver) que se disfarçou de tutora para adentrar o Reino de Aldóvia e descobrir os segredos por trás do futuro Rei Richard (Ben Lamb) e da família real. Eventualmente, sua missão-tabloide se eleva a um romance que a transforma na esposa de Richard e a direciona para um conturbado “olá” para a vida da realeza; agora, dois anos depois, ela se prepara para começar sua família e retorna para as telinhas com o príncipe herdeiro em O Bebê Real. Entretanto, seguindo a progressão dos filmes anteriores, essa aventura já exauriu a si mesma e entregou uma das piores narrativas do ano, seja por seus diálogos artificiais, seja por sua completa falta de coesão.
De fato, a única compreensível coerência da qual o longa é dotado é de sua cronologia; de resto, nada passa de uma fabulesca invenção da mente da dupla formada por Karen Schaler e Nate Atkins e traduzida pelas convenções estéticas de John Schultz – que não pesariam tanto caso os arcos dos personagens fossem um pouco mais trabalhados. Na verdade, Amber torna-se a personificação da figura blasé, uma persona que vai de lugar nenhum a nenhum lugar e tenta ao máximo nos arrancar alguma conexão – falhando miseravelmente em todos os aspectos. É claro que não podemos exigir muita coisa de uma produção como esta (e nem estamos, para falar a verdade); o único aspecto que pedimos é um enredo redondo e não muito complexo a ponto de se perder pelo caminho.
Infelizmente, não é isso que conseguimos: em adição ao iminente nascimento do futuro príncipe ou princesa, há o acordo secular entre os reinos de Aldóvia e Penglia que deve ser assinado mais uma vez pelos governantes regentes para continuar garantindo a paz entre os povos, numa colaboração que já dura seiscentos anos; e, para além disso, uma subtrama de mistério que envolve o desaparecimento do tratado em questão e uma consequente maldição que recairá sobre o primogênito de Amber. Em suma, muitas pontas soltas que precisam ser amarradas até o fim do terceiro ato.
Como já era de se esperar, outros personagens aparecem em cena para roubar um pouco de protagonismo, incluindo a Rainha Ming (Momo Yeung), que surge em um espectro esnobe que nunca é explorado, e do Rei Tai (Kevin Shen), que é tão profundo quanto uma tábua. Nenhum dos dois, entretanto, ascendem a algo realmente envolvente ou que represente alguma ameaça para a organicidade de Amber e aqueles que ama – aliás, ela e Ming constroem uma relação de amizade do nada e terminam o longa-metragem como uma espécie intangível de irmãs. Nem mesmo a resolução do mistério é evocada de modo inteligente, preferindo se respaldar em fórmulas baratas apenas para uma apressada conclusão sem pé nem cabeça.
Após um fragmentado ato de introdução, em que as sequências são apresentadas como cartões-postais sem propósito, era de esperar que a história engatasse – mas, mais uma vez, nossas expectativas são engolfadas numa frustração imensa. O ritmo cênico permanece o mesmo do começo ao fim, e Schultz nem ao menos tenta sair da caixinha e fornecer uma perspectiva dinâmica para o que é apresentado. Aliás, as investidas artísticas não passam de uma reprodução sistemática de melodramas novelescos, baseando-se em algo tão datada que chega ser difícil manter uma atenção constante nas telas – a parca química que existia entre McIver e Lamb na iteração original desaparece em um piscar de olhos e auxilia nesse afastamento compulsório que o longa cria.
As participações coadjuvantes também são jogadas no lixo sem que se pense duas vezes: a Rainha Helena (Alice Krige), que representava um pivô conservador, porém aberto a mudanças nos filmes predecessores, alcança uma presença descartável; a rebeldia bem-vinda da jovem Princesa Emily (Honor Kneafsey) trilha o mesmo caminho, enquanto o vilanesco Simon (Theo Devaney) embarca num arco de redenção sem qualquer solidez e inexplicavelmente forçado – além de nutrir de um ridículo e conturbado romance com Melissa (Tahirah Sharif).
O Príncipe do Natal: O Bebê Real é o término (ou assim esperamos) de uma trilogia que, para início de conversa, nem ao menos deveria existir. É claro que o primeiro capítulo, ainda que longe de ser perfeito, foi relativamente satisfatório – e poderia ter continuado dessa forma. Porém, ao se estender para mais duas episódicas e canastronas partes, a Netflix mostra que o Natal não é mágico o suficiente para livrar algo de ser extremamente ruim.
O Príncipe do Natal: O Bebê Real (A Christmas Prince: The Royal Baby – EUA, 2019)
Direção: John Schultz
Roteiro: Karen Schaler, Nate Atkins
Elenco: Rose McIver, Ben Lamb, Alice Krige, Honor Kneafsey, Kevin Shen, Momo Yeung, Sarah Douglas, Theo Devaney, Richard Ashton, Raj Bajaj, Crystal Yu, Tahirah Sharif
Duração: 84 min.
https://www.youtube.com/watch?v=VlomwuHG7mQ
Crítica | O Príncipe Dragão: 3ª Temporada - A Batalha Final
As séries animadas originais da Netflix parecem seguir um padrão bastante estruturado que, por enquanto, tem funcionado em sua completude: em 2016, tivemos o lançamento do aclamado Caçadores de Trolls, cuja parceria com Guillermo del Toro provou ser um deleite para os olhos e até mesmo deu origem a um spin-off intitulado Os 3 Lá Embaixo e, mais ainda, a uma franquia chamada Contos da Arcádia. Pouco depois, a aventura intergaláctica jovem-adulta Final Space chegou ao serviço de streaming, acompanhada da divertida minissérie The Hollow, que mais funcionava como uma tradução inusitada dos populares jogos de RPG online que caem nas graças do público. O principal ponto em comum entre essas produções é que, como forma de envolver os espectadores, partiram da simples ideia de transgredir as barreira clássica da “jornada do herói” e imprimir uma perspectiva interessante ao que planejavam contar.
Bom, foi isso que aconteceu com O Príncipe Dragão: a trilogia da plataforma é o que podemos apenas encarar como uma das séries mais bem elaboradas dos últimos anos que, devido à enorme quantidade de produtos audiovisuais lançados por semana no mundo inteiro, passou despercebida pelos radares mais mainstreams e acabou se escondendo ofuscada pelo gigantesco marketing de suas conterrâneas. Porém, não se enganem com a falta de popularidade dessa narrativa, pois a história de Callum, Rayla, Ezra e do poderoso bebê-dragão Azymondias é muito mais obscura e profunda do que imaginávamos – e essa incrível habilidade de nos encantar do começo ao fim é mais uma vez explorada na terceira temporada.
Retornando para a Netflix poucos meses depois de seu último season finale, o show continua exatamente de onde parou: Callum (Jack De Sena) e Rayla (Paula Burrows) estão prestes a chegar a Xadia para devolver Zym à sua mãe, mas percebem que o breve caminho é recheado dos mais diversos obstáculos – incluindo um encontro de quase morte com o mortal Sol Regem (Adrian Hough), um poderoso dragão que foi cegado pelas forças das trevas e agora guarda a travessia do reino humano para o reino mágico. Do outro lado, o jovem Ezran (Sasha Rojen) retorna para Katolis e ascende ao trono apenas para descobrir que seus inimigos estão mais próximos do que pensava – e, entre poucos aliados que ainda se postam ao seu lado e uma legião de cidadãos e soldados sedentos por vingança pela morte do antigo rei, ele é obrigado a tomar medidas drásticas para sobreviver.
Se a primeira temporada trouxe iterações delineadas para nos apresentar a um fantástico mundo onde as aparências enganam e as criaturas mais contraditórias entre si poderiam se unir, e a segunda funcionou como um amadurecimento de figuras tão ecléticas, mas tão brutas (no tocante à personalidade), o novo ciclo de fato funciona como uma mescla eximiamente equilibrada entre esses dois aspectos, oscilando entre reviravoltas chocantes, conluios macabros e uma última jogada que pode colocar em xeque o futuro de todos os Reinos.
Mais uma vez, Aaron Ehasz e Justin Richmond supervisionam o roteiro e fazem questão de construir um enredo que seja bem fechado e sem muitas pontas soltas – por mais que os personagens coadjuvantes se tornem uma peça essencial para o seguimento da trama. Mesmo os deslizes contribuem para que compreendamos algo sutil demais para ser trazido por meio de ambivalências cênicas, sendo transpostas para flashbacks que, ainda que em excesso, explicam os grandes segredos que se escondem no remoto passado de Katolis, Xadia, e as outras províncias. Rayla, por exemplo, confronta as consequências de ter abandonado sua missão e ter se juntado a Callum e Ezran para um bem maior – e é enxergada como uma pária para sua comunidade da mesma forma que seus pais.
Enquanto o jovem trio desenvolve uma orgânica harmonia que inclusive evolui para um breve arco romântico entre os personagens de De Sena e Burrows, o grande vilão da série, Viren (Jason Simpson) também insurge de sua forçada reclusão para liderar um exército de monstros para capturarem Azymondias e restaurarem a glória e o futuro humanos – os quais já estavam condenados há vários anos por intervenção sobrenatural. Viren, acompanhado da filha Claudia (Racquel Belmonte), que revela ser uma espécie de agente dupla medieval, ele instaura um reino de terror que quase vê a luz do dia, mas é impedido por aqueles que ainda buscam por justiça, como Soren (Jesse Inocalla), o filho rebelde do antagonista que decide virar as costas para o pai e lutar do lado certo do campo de guerra.
Mais uma vez, o time criativo alça voo com a estética clássica que imprime para os breve nove episódios: a nostalgia bidimensional tanto vista e reformulada nas décadas anteriores ganha uma roupagem diferenciada, que brinca tanto com a nostalgia cênica quanto com sutis elementos de contemporaneidade, seja no tratamento performático dado aos personagens, seja no dinamismo que exala dos diálogos. Com exceção talvez da sequência de reencontro entre Zym e sua mãe, cujo peso catártico é jogado fora e transformado em uma apressada conclusão, os capítulos caminham para um ponto em comum, convergindo em uma fluidez chocante para mais um cliffhanger que promete mudar a atmosfera da série de uma vez por todas.
O Príncipe Dragão retorna para mais uma temporada com um frenético ritmo que nunca perde a mão – nem mesmo em seus momentos reflexivos ou dramáticos. Mais uma vez, Ehasz e Richmond provam que são alguns dos nomes mais prolíficos da indústria animada atual e que, mesmo dentro de uma esfera borbulhando com releituras e readaptações, conseguem entregar uma obra saudosista e original.
O Príncipe Dragão – 3ª Temporada (Idem, EUA – 2019)
Criado por: Aaron Ehasz, Justin Richmond
Direção: Villads Spangsberg
Roteiro: Aaron Ehasz, Justin Richmond, Devon Giehl, Iain Hendry, Neil Mukhopadbyay
Elenco: Jack De Sena, Paula Burrows, Sasha Rojen, Racquel Belmonte, Jason Simpson, Jesse Inocalla, Jonathan Holmes, Luc Roderique, Adrian Petriw
Emissora: Netflix
Episódios: 09
Gênero: Animação, Fantasia, Aventura
Duração: 25 min. aprox.
Crítica | Uma Segunda Chance para Amar - Um Natal Melodramático
Emilia Clarke teve seu grande papel de destaque na aclamada série de ficção fantástica Game of Thrones, interpretando a rainha Daenerys Targaryen e, depois de ter conquistado o coração dos fãs com sua incrível performance, ela se aventurou em na comédia romântica Como Eu Era Antes de Você ao lado de Sam Claflin. Ainda que sua enorme envolvência conseguisse superar o fato de que os protagonistas não compartilhavam de qualquer química, levaria três anos até que Clarke voltasse para as telonas com Uma Segunda Chance para Amar, filme que, ironicamente, traz atuações impecáveis de um elenco apaixonante, mas falha em construir uma narrativa com coesão significativa.
Aqui, a atriz dá vida a Kate, uma jovem com grandes dificuldades de compreender que é uma adulta e que se submete e uma vida que nunca desejou para sobreviver. Logo de cara, a nossa anti-heroína é expulsa da casa em que mora e vaga pelas ruas de Londres até chegar ao seu trabalho – uma loja de decorações natalinas que pertence à austera e materna Santa (Michelle Yeoh). E isso não é tudo: fica bem claro desde o começo que Kate é infeliz em basicamente tudo o que faz, e o que a livra de se transformar em apenas mais alguém que é movida pela força do ódio é o sonho de trabalhar com o que realmente gosta: cantar.
Como todas as rom-coms, o enredo que se apresenta é dividido em três partes: na primeira, a força-motriz que é encarnada por Clarke está no fundo do poço e sem qualquer prospecto para um futuro diferente em que alcance seus objetivos; já na segunda, Kate cruza caminho com um estranho, que no caso se chama Tom (Henry Golding), e, apesar de se conhecerem da pior e mais bizarra forma possível, acabam se reencontrando outras e outras vezes e desenvolvem uma espécie de relação que poderia ou não se transformar em algo romântico; na terceira, após passar pela brusca quebra da idealização, ela mergulha em sua autorredenção e junta as forças necessárias para ascender ao outro extremo de seu arco inicial.
Se pensarmos bem, praticamente todos os filmes do gênero se valem dessa fórmula; ainda que Paul Feig tente fugir dos convencionalismos apresentados no parágrafo acima com elementos críticos e reviravoltas que insurgem da própria interação dos personagens, o resultado final é morno demais para representar uma quebra considerável em relação a outras produções. Na verdade, o roteiro assinado por Emma Thompson, Greg Wise e Bryony Kimmings arquiteta uma trama que tangencia o sobrenatural do modo mais incrível possível e então desengata em um intangível finale que é, em suma, frustrante.
Kate não apenas lida com o fato de estar descontente com o rumo que sua vida está levando, mas também com sua desconjuntada família: de um lado, sua mãe Petra (Emma Thompson) lida com o fato da filha estar longe de tudo e de todos e com o crescente movimento anti-imigratório que toma conta da Inglaterra; de outro, a irmã Marta (Lydia Leonard) tenta ajeitar os problemas que há muito tempo vêm influenciando na organicidade de um núcleo outrora unido e agora afastado, enquanto luta para aceitar a si mesma; e, de um terceiro ponto de vista (o principal, no caso), a personagem principal se recusa a aceitar seus defeitos e crê de todas as formas possíveis que o que faz é para um bem maior.
Eventualmente, a bonança trazida pela presença de Tom é o empurrão que Kate precisava para colocar na balança seus deslizes como pessoa e como profissional. Após receber um ultimato de Santa, que tentou ajudá-la o máximo que conseguiu, ela se aproximou da presença irradiante do charmoso rapaz e começou a fazer bom uso de suas habilidades: de fato, ela percebeu que Tom vivia sumindo pelas estreitas ruas do centro londrino e, como modo de canalizar a raiva que sentia por ser constantemente “abandonada”, resolveu se voluntariar num centro para indigentes e orquestrar um incrível show de fim de ano para arrecadação de fundos.
Fica óbvio que a narrativa, por mais pura que sejam suas intenções, é saturada de subtramas desnecessárias e que apenas pesam para algo que deveria ser confortável para o público. Em vez de escolher seguir um padrão cinematográfico já conhecido pelos espectadores, Feig opta por ampliar seus horizontes a partir de uma estrutura engessada e limitada a si própria – e talvez seja por esse motivo que o principal twist da obra peque em sua naturalidade. Mesmo que surpreendente, a revelação de que Tom estava morto o tempo todo e que teve seu coração doado para que Kate fosse salva de um trágico acidente é forçada demais até para os mais crédulos. Na verdade, a existência de uma backstory de situações de vida e morte é melodramática em excesso (e isso se tratando de uma comédia romântica de Natal).
Uma Segunda Chance para Amar, do mesmo jeito que outras produções conterrâneas, acerta seus holofotes para extrair o máximo de candidez de seu competente elenco e, por tal razão, se esquece de voltar a atenção para a estória. Se Feig, Thompson e o restante da equipe técnica tivessem se preocupado um pouco mais com esse aspecto, o longa-metragem seria, de longe, um dos melhores do ano.
Uma Segunda Chance para Amar (Last Christmas – Reino Unido, 2019)
Direção: Paul Feig
Roteiro: Emma Thompson, Greg Wise, Bryony Kimmings
Elenco: Emilia Clarke, Henry Golding, Emma Thompson, Michelle Yeoh, Boris Isakovic, Maxim Baldry, Lydia Leonard
Duração: 103 min.
https://www.youtube.com/watch?v=MDtQ64Ha_6g
Crítica | Feliz Natal e Tal: 1ª Temporada - Mais Uma Rom-Com Qualquer
Em fevereiro deste ano, a Netflix anunciou que trabalharia em uma nova série original possivelmente antológica a ser lançada nas semanas antecedentes ao Natal e ao Ano-Novo. Pouco depois, o showrunner Tucker Cawley, conhecido por seu incrível trabalho em produções como Everybody Loves Raymond e Parks and Recreation, foi contratado para dar vida a uma nova história que ficaria conhecida como Feliz Natal e Tal – e o resultado, apesar de funcionar mais como uma cópia de qualquer outra investida de final de ano, funciona dentro de suas limitadas propostas e basicamente conta com a habilidade de envolvimento de seu elenco.
O enredo segue à risca as estruturas de uma sitcom e gira em torno de Emmy (Bridget Mendler, voltando para as telinhas anos depois de ter estrelado Boa Sorte, Charlie!), uma jovem executiva que está retornando para a Filadélfia a fim de passar os feriados com sua gigantesca – e um tanto quanto desconexa – família. Mais do que isso, ela deseja introduzir aos parentes o namorado Matt (Brent Morin), que luta praticamente a temporada inteira para causar uma boa impressão e ser aceito como novo membro do núcleo protagonista. E é óbvio que, em se tratando de um show de comédia romântica, o casal irá passar por poucas e boas até que suas resoluções se completem e caminhem para um final feliz (e hilário, é claro).
A princípio, Matt é confrontado pela dura personalidade de Don (Dennis Quaid), pai de Emmy e a materialização do estereótipo superprotetor da figura patriarcal que deve “reclamar” seu posto principalmente depois da morte da esposa. Como se não bastasse, ele é conhecido por toda a cidade, ainda mais por trabalhar como chefe da delegacia local – então as coisas caminham muito bem. Além disso, o personagem de Morin também conhece outras figuras um tanto quanto contraditórias quanto ao jeito de se portar e explosivas (muito explosivas). Temos, de um lado, a otimista e vibrante Patsy (Siobhan Murphy), que é tão receptiva que chega a assustar os mais desavisados; do outro lado, o fanfarrão Sean (Hayes MacArthur) e sua esposa Joy (Elizabeth Ho), que nutrem de uma apaixonante química explorada ao longo dos oito episódios.
Mas, de fato, é Ashley Tisdale quem nos rouba a atenção como a rebelde e confusa Kayla, que termina com seu marido dias antes das celebrações natalinas apenas para entrar numa crise existencial que culmina num emotivo coming-of-age. A atriz, conhecida por seu papel como Sharpay Evans em High School Musical, voltou para a vida performática depois de ter lançado seu terceiro álbum de estúdio e mostrou que ainda trabalha para trazer temas importantes para as produções contemporâneas – não é surpresa que ela seja uma personagem presa nos convencionalismos sociais que se assume lésbica depois de conversar com Matt.
Diferente de obras como One Day at a Time, que conseguem usufruir das restrições cênicas das sitcoms para algo novo e que oscila entre a tragédia, o drama e a comédia, ao mesmo tempo que contempla temas necessários para contemplação social, Feliz Natal e Tal é mais comedida quanto a esses assuntos. É certo dizer que a série, comportada dentro de uma caixinha confortável, almeja apenas a construir uma trama bem fechada que, mesmo não isenta de furos de roteiro, cumpre com o que promete e nos deixa uma sensação de completude.
Apesar disso, não podemos fazer vista grossa para a multiplicidade de fórmulas que exala do narrativa: os primeiros capítulos, a despeito de funcionarem como introdução ao enredo, são movidos por diálogos frenéticos e artificiais, beirando um preciosismo desnecessário. Essa “falsidade”, por assim dizer, estende-se até o terceiro episódio e depois dá um salto significativo em direção à fluidez, construindo alguns arcos coadjuvantes intrincados e que conseguem se sustentar até o season finale.
Cawley e sua equipe também não se preocupam em sair do jogo campo e contracampo no tocante à estética imagética. Como mencionado alguns parágrafos acima, o show é fiel ao extremo às convenções do gênero que traz para as telas e, por isso mesmo, permite se levar pela praticidade técnica. Entretanto, esse aspecto é colocado em xeque quando até mesmo as quebras de expectativa violam máximas de credibilidade e transformam a coesão em uma série de ocasionalidades condescendentes e impossíveis.
Feliz Natal e Tal merece crédito pela performance de seu elenco, mas perde muitos pontos no quesito de originalidade. Ao passo que tenta fornecer uma nova perspectiva às clássicas rom-coms seriadas dos anos 1990 e 2000, ela se apega muito à nostalgia e deixa de lado elementos cruciais para criar comoção – com exceção de uma ou duas investidas pontuais.
Feliz Natal e Tal – 1ª Temporada (Merry Happy Whatever, Estados Unidos – 2019)
Criado por: Tucker Cawley
Direção: Pamela Fryman
Roteiro: Tucker Cawley, David Holden
Elenco: Bridigt Mendler, Ashley Tisdale, Dennis Quaid, Brent Morin, Siobhan Murphy, Adam Rose, Elizabeth Ho, Hayes MacArthur
Emissora: Netflix
Episódios: 08
Gênero: Sitcom
Duração: 25 min.
Crítica | Um Passado de Presente - Um Fofo Clichê Natalino
Vanessa Hudgens tornou-se uma queridinha da Netflix nos últimos anos e, depois de ter estrelado a rom-com A Princesa e a Plebeia, voltaria a trabalhar com a plataforma de streaming inúmeras vezes. Neste ano, por exemplo, além de estrelar a ação noir Polar alguns meses atrás, ela também regressaria para as narrativas natalinas ao protagonizar a dramédia Um Passado de Presente. E, levando em conta que o serviço não tem um pulso consideravelmente muito firme com longas-metragens, era de se esperar que a investida de fim de ano (apenas uma de dezenas que serão lançadas até o dia 25 de dezembro) fosse apenas uma releitura de qualquer clichê cinematográfico dos anos vinte anos.
Surpreendentemente, a diretor Monika Mitchell até consegue sair um pouco da caixinha formulaica que esperaríamos ver. É claro que sua produção não é revolucionária, mas, no final das contas, entrega o que promete e consegue aquecer nossos corações com um enregelante e romântico medley que, apesar de ser previsível, é tão incrível que chega a ser divertido. E talvez seja essa despreocupação que tenha conseguido nos aproximar da estória, mesmo que, no tocante à estrutura, seja mais do mesmo.
Baseando-se em inúmeros contos de ficção científica e aglutinando esses elementos com inclinações de gênero bastante fortes, o filme é ambientado em duas épocas diferentes: temos a breve perspectiva medieval que gira em torno de Sir Cole (Josh Whitehouse), um soldado do Reino de Norwich cujo sonho é se tornar cavaleiro, mas ele não sabe exatamente o que lhe falta para alcançar o posto desejado; as coisas mudam quando Cole cruza caminho com uma poderosa feiticeira que prenuncia uma jornada de amadurecimento e de reflexão, mandando-lhe para a Ohio dos dias atuais. E é a partir daí que ele se encontra com a jovem Brooke (Hudgens), uma professora desacreditada com o amor.
É quase óbvio entender o que acontece a partir de então: ambos os personagens mergulham em uma trama de autodescobrimento em que precisam encontrar o que falta em suas vidas. Dessa forma, numa sutileza interessante promovida pelo roteiro de Cara J. Russell, a feiticeira em questão, referida como Senhora (Ella Kenion) fala abertamente da missão que Cole precisa cumprir e, também, da missão que Brooke também tem consigo mesma. Não é apenas coincidência que o arco dos protagonistas se entrelaçou em uma única trajetória, e sim obra do Destino – cuja presença imaterial é bastante comuns em obras ambientadas na época do Natal.
Por mais que Hudgens e Whitehouse não tenham uma química exorbitante em cena, eles compartilham entre si alguns momentos de pura diversão, como a adaptação do cavaleiro em uma sociedade movida pela tecnologia e por “costumes estranhos” que pouco a pouco passam a integrar sua personalidade. Em contraposição, Brooke é envolvida em solilóquios apaixonantes que a cativam no princípio de um relacionamento romântico, concretizado nos últimos momentos do terceiro ato antes que ela perceba que irá perdê-lo para uma força maior.
O grande deslize é a sua falta de obstáculos: ora, se Sir Cole tem uma grandiosa aventura pela frente, é apenas natural que ele esbarre em problemas passíveis de resolução e até mesmo uma reviravolta que transforme sua percepção sobre o mundo. É claro que pedir isso de uma história como esta pode passar das exigências palpáveis, mas não reclamaríamos de ver ao menos alguém ou alguma coisa atrapalhando a convergências dos personagens principais. Por exemplo, temos a menção ao ex-namorado de Brooke e a presença de uma espécie de femme fatale que tenta se aproximar de Cole – mas o potencial desses antagonistas em causar algum efeito dentro da obra é jogado fora e minimizado ao máximo.
Ao menos a construção é engessada o suficiente para que fiquemos confortáveis dentro do que o longa se propõe a fazer: os coadjuvantes giram em torno dos nossos heróis e servem como catalisadores dos acontecimentos principais – que, eventualmente, nunca são de nos tirar o fôlego. Temos, de um lado, Madison (Emmanuelle Chriqui) e Claire (Isabelle Franca), irmã e sobrinha de Brooke que estão a todo tempo ao lado dela e, com a chegada de um frenético segundo ato, são os pivôs que levam a personagem de Hudgens e começar a se apaixonar por Cole; de outro lado, o policial Stevens (Arnold Pinnock), responsável por garantir que a presença do charmoso estranho na cidade não ameace ninguém – e, da mesma forma que as figuras mencionadas acima, é base para que o casal venha à tona.
Um Passado de Presente é tudo aquilo que esperaríamos de um clichê natalino produzido pela Netflix e, mesmo com simulacros e mais simulacros já explorados por tantas outras histórias, a narrativa é reconfortante e fofa ao extremo e reacende nosso espírito festivo com força.
Um Passado de Presente (The Knight Before Christmas – EUA, 2019)
Direção: Monika Mitchell
Roteiro: Cara J. Russell
Elenco: Vanessa Hudgens, Josh Whitehouse, Emmanuelle Chriqui, Ella Kenion, Harry Jarvis, Isabelle Franca, Jean-Michel Le Gal
Duração: 92 min.
https://www.youtube.com/watch?v=-JtwROpSVWc
Crítica | Frozen II - Uma Rara e Belíssima Sequência
Em 2013, os estúdios Walt Disney faziam história mais uma vez com o lançamento de Frozen – Uma Aventura Congelante, cuja narrativa girava em torno das irmãs Anna e Elsa e suas aventuras para salvarem a si próprias e para salvarem o gélido reino de Arendelle. Além de ter levado para casa duas estatuetas do Oscar, o longa-metragem tornou-se a 11ª maior bilheteria de todos os tempos (tendo descido, desde então, em quatro posições), levando a legião de fãs tanto do panteão cinematográfico quanto do próprio filme a se perguntarem se a companhia estaria trabalhando em uma sequência.
Pois bem: seis anos depois, Chris Buck e Jennifer Lee, dupla responsável por trazer o incrível conto à vida, anunciaram que Frozen II iria acontecer e prometiam que a nova investida mudaria significativamente o cândido enredo enfrentado pelas protagonistas – que, convenhamos, não foge muito do convencional exceto pela chocante reviravolta do terceiro ato. De fato, Lee e Buck cumpriram com as expectativas e se renderam a um belíssimo e emocionante coming-of-age que não apenas recuperou a doçura da produção original, mas ousou deturpá-la em prol de uma trama de suspense dramático que nos prende num ciclo angustiante de tensão e catarse.
No segundo longa-metragem da enregelante saga, o roteiro se preza a expandir a mitologia que nos foi apresentada anteriormente e, dessa forma, abre com um breve flashback trazendo de volta os falecidos pais das nossas heroínas. Porém, diferente daquilo que foi mostrado na iteração original, não estamos lidando com os descontrolados poderes de Elsa (Idina Menzel) e de sua aparente mortalidade; aqui, os holofotes são direcionados para um místico conto de fadas que prenuncia uma importante jornada de amadurecimento não apenas restringida à poderosa Rainha de Arendelle, mas que exerce influência sobre todos à sua volta.
Na verdade, são os pais das irmãs, Iduna (Evan Rachel Wood) e Agnarr (Alfred Molina), quem dão o tom da aventura: as duas sábias presenças revisitam o próprio passado guiados por uma inebriante e envolvente melodia cujos aspectos mnemônicos são traduzidos para a cronologia atual e convidam uma já conturbada Elsa a buscar por respostar numa longínqua terra – principalmente quando seu próprio Reino é ameaçado por forças espirituais perigosas. Ela, pois, é acompanhada de Anna (Kristen Bell), Kristoff (Jonathan Groff), Olaf (Josh Gad) e da rena Sven, e o nem um pouco ortodoxo grupo mergulha num inesperado arco de redenção e reflexão que é explorado com cautela do começo ao fim do longa-metragem.
Desde o princípio, percebe-se que a dupla diretores esmiúça a história com a mesma precisão da anterior – mas com um diferencial único: não apenas buscando reformular os convencionalismos principescos do panteão Disney, eles se propõe a incrementar os clássicos escritos de Hans Christian Andersen (cuja obra A Rainha de Gelo definitivamente influenciou esta franquia) com elementos sagazes, obscuros, que se infiltram nas mazelas dos conflitos e dos medos humanos com simplicidade e força descomunais, sem se respaldarem em quaisquer pedantismos melodramáticos. Aliás, é quase surpreendente ver a forma como os intricados arcos dos personagens principais espalham-se em uma variedade de gêneros estilísticos, sempre convergindo para uma ideia central.
De um lado, Elsa é atraída por espíritos da natureza que, de algum jeito, mantêm relações com as origens de seus poderes; ela, pois, cruza caminho com uma tribo chamada Northuldra, que agora divide uma terra amaldiçoada com soldados de Arendelle – todos presos dentro da floresta encantada por uma densa e inescapável neblina. Após descobrir que ambos os grupos viveram em desarmonia por mais de três décadas, ela jura libertá-los desse cárcere e, de quebra, ajudar seu próprio povo e desvendar os mistérios de um longínquo passado que insistem em voltar à tona para assombrar sua família.
Porém, ela não exatamente o que podemos chamar de “protagonista”; de fato, Elsa divide o mesmo tempo de cena que Anna, mas a performance de Menzel premedita algo interessante que se transforma em uma necessidade de autoafirmação e, eventualmente, culmina em uma brusca (e literal) queda. Logo, cabe à personagem de Bell resolver todos os problemas levantados, além de lidar com o fato de que está sozinha a partir de agora e deve se libertar das amarras de sempre ter seguido a irmã mais velha: apesar de ter alcançado um conhecimento de mundo considerável na outra produção, é nesse novo capítulo que a jovem princesa ruiva se vê sozinha, forçando-se a sair das trevas e a prosperar dentro de um cenário caótico e aterrador.
Entretanto, o espectro trágico é dosado em atenção extra com inúmeras quebras de expectativas, provindas das personalidades conflitantes das personas: mais uma vez, Olaf rouba nossa atenção com sequências hilárias e com uma canção no melhor estilo do jazz e do blues que absolutamente não tem nada a ver com a trama, mas nos encanta pela gritante rebeldia; Anna também tem seus momentos menos solenes, dividindo a cena com Kristoff e as tentativas de firmas um casamento (que acabam por acontecer no feliz e comovente final da estória).
Frozen II é uma rara e belíssima sequência que nos apresenta a um mundo muito diferente – e muito mais inebriante – que o do longa-metragem predecessor. Entre uma trilha sonora de tirar o fôlego, uma catártica construção imagética e metáforas milenares que ganham uma nova repaginação, Jennifer Lee e Chris Buck realmente se superam no que pretendem entregar e até mesmo pavimentam caminho para uma futura continuação.
Frozen II (Idem – EUA, 2019)
Direção: Chris Buck, Jennifer Lee
Roteiro: Jennifer Lee
Elenco: Kristen Bell, Idina Menzel, Josh Gad, Jonathan Groff, Sterling K. Brown, Evan Rachel Wood, Alfred Molina, Martha Plimpton, Jason Ritter
Duração: 103 min.
https://www.youtube.com/watch?v=VRkHzvjDZSQ
Crítica | The Crown: 3ª Temporada - Conluios, Trapaças e Mentiras
Em 2016, a Netflix dava início ao que podemos considerar como uma de suas melhores investidas. A plataforma de streaming resolvia, àquela época, dramatizar através de uma perspectiva única a vida e o legado da família real britânica, mais especificamente abrindo as páginas do conturbado e controverso reinado de Elizabeth II. Não demorou muito para que The Crown, como ficou intitulada a produção, aglutinasse uma legião de fãs sedentos por tragédias inglesas – e, agora, chegamos à terceira temporada dessa série multimilionário. Ao contrário do que poderíamos imaginar (talvez uma decadência pressuposta pela descontínua qualidade de outras obras originais do serviço), a nova iteração não apenas mantém-se dentro de um coeso ritmo, mas arquiteta narrativas que ganham uma complexidade poética admirável e surpreendente em diversos aspectos.
Dando um salto temporal de dez anos desde os últimos eventos, Claire Foy dá espaço para que a recém-vencedora do Oscar Olivia Colman dê vida à icônica monarca. Colman, conhecida por seus papéis em outras produções de época (A Favorita e Assassinato no Expresso do Oriente são os exemplos mais explicativos), teria um complicado trabalho ao chegar em um nível similar ao de sua predecessora e, eventualmente, superá-la. Afinal, estamos lidando com uma Elizabeth que não mais lida com a inesperada transição de sua vida como princesa para um cotidiano regido por leis pétreas e milenares que condizem com a situação de uma nação inteira; agora, ela encontra-se em um período crucial de seu governo, lidando com mentiras, conluios e uma premedita decadência internacional que reflete a obsolescência britânica.
Colman não nos desaponta em nenhum momento; na verdade, ela se entrega a uma performance aplaudível que recuperar trejeitos de Foy e os incremente com uma sabedoria narcótica, viciante do começo ao fim. A atriz também aproveita o espaço que tem para construir uma figura empática em vez de simpática (como bem sabemos, a Rainha nunca se portou de forma amigável; preferia, sim, por se mostrar como racional, fria e propositalmente metódica). Foi através dessas acepções que compreendemos o motivo por sua personalidade ser tão irretocável: mesmo nas situações mais emotivas, ela não se dava ao luxo de derramar lágrimas, com breves exceções em que, quietamente, ela nos mostra a dor da perda.
Se Elizabeth foi o foco da primeira e, com menos força, da segunda temporadas, aqui sua presença permite que os outros personagens dividam o holofote. Os capítulos funcionam como explorações romantizadas das outras figuras reais, usando e abusando de acontecimentos verídicos para humanizar um núcleo familiar esteticamente estagnado. O irritante e impetuoso Príncipe Philip (Tobias Menzies) tenta encontrar sua importância ainda que colocado em segundo lugar e, por essa razão, descobre coisas sobre sua própria personalidade que o guia através de um coming-of-age tardio; o primogênito Charles (Josh O’Connor) e sua irmã, Anne (Erin Doherty), sofrem com as responsabilidades que lhes são impostas, obrigados a abandonar o que realmente acreditam em prol da manutenção secular de uma hereditariedade datada.
Mas é Helena Bonham Carter quem nos conquista desde sua primeira aparição. Dando vida à versão mais velha da Princesa Margaret, Carter continua os meneios rebeldes imortalizados por Vanessa Kirby nas iterações anteriores e mergulha numa brusca perda de identidade e sanidade; afinal, da mesma forma que outros membros da realeza inglesa, ela sempre foi colocada em reclusão, desejando, mais que tudo, ascender ao trono ou ao menos dividir as árduas tarefas da monarquia ao lado da irmã. Por mais que nutrisse de um amor por Elizabeth, Margaret sempre se sentiu menosprezada – e esse agonizante sentimento é delineado com perfeição no roteiro de Peter Morgan.
De fato, a narrativa e a condução cênica entram em uma belíssima explosão catártica, movida principalmente pelo estado primordial da melancolia. Diferente da espontaneidade artística vista nos dois primeiros ciclos, Morgan e sua competente equipe técnica traduz o desenrolar dos eventos baseando-se em uma tragédia shakespeariana, revestindo-a com a impactante sobriedade de cores mais cinzentas que gradativamente são abraçadas por um monocromático desespero. Em contraposição, os protagonistas também se veem em momentos de paz espiritual, “fugindo” do status quo que lhes precede antes do nascimento apenas para serem puxados de volta a uma letargia inescapável.
Dentre os múltiplos temas explorados, a série resolve se afastar do que já foi apresentado ao público e opta por ergue fundações delimitadas no paradoxo entre aparência e essência. A perspectiva platônica é expandida para tramas históricas, é claro, como a greve de mineradores contra o descaso governamental e as extenuantes jornadas de trabalho e a revolta do povo galês contra o imperialismo inglês; mas, nos bastidores, vemos que a realeza luta para se aproximar do público, atravessando uma corda-bamba que oscila entre o ridículo e as intenções benfazejas – incluindo um documentário televisivo que dá errado de absolutamente todos os jeitos.
Ao mesmo tempo que faz duras críticas à superficialidade da monarquia (aproveitando para se conectar com o errático parlamento), o enredo também se desdobra em contos de superação, desviando a atenção do ostensivo palácio e suas adjacências para algo mais concreto, palpável e inebriante de um modo que apenas Morgan consegue fazer.
O retorno de The Crown veio acompanhado de gigantescas expectativas e, num escopo não muito extraordinário, as cumpriu para além do que imaginávamos. Apesar da estória em questão não ser original, a série é talhada com minuciosa cautela e oferece, antes de mais nada, um convite singelo para que conheçamos um lado mais humano de seus personagens.
The Crown – 3ª Temporada (Idem, Reino Unido, Estados Unidos – 2019)
Criado por: Peter Morgan
Direção: Benjamin Caron, Christian Schwochow, Jessica Hobbs, Sam Donovan
Roteiro: Peter Morgan, James Graham, David Hancock
Elenco: Olivia Colman, Helena Bonham Carter, Tobias Menzies, Ben Daniels, Jason Watkins, Marion Bailey, Erin Doherty, Jane Lapotaire, Charles Dance, Josh O'Connor, Greg Wise
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Drama Histórico
Duração: 50 min.
Crítica | A Grande Mentira - Um Golpe Dentro do Golpe
Bill Condon é um diretor apaixonado pelo místico mundo dos musicais e, principalmente, por narrativas fantasiosas e que nos levem para além do mundo como o conhecemos. Apesar de ter comandado os dois últimos capítulos da franquia Crepúsculo – que, de fato, se configuram como algumas das piores peças fílmicas do século -, ele nos entregou o apaixonante Dreamgirls: Em Busca de Um Sonho e o competente A Bela e a Fera que, se não buscou nada além do que a animação original arquitetou, ao menos nos cativou por seus visuais e por sua narcótica nostalgia. Agora, Condon retorna à cadeira de direção com uma trama que foge de sua zona de conforto e que, por mais que falhe em vários aspectos, ao menos mostra um novo lado que ainda não conhecíamos.
Em A Grande Mentira, o cineasta recruta dois dos maiores nomes da história da indústria performativa e os convida para um jogo de caça e caçador com imenso potencial: aqui, Ian McKellen e Helen Mirren constroem uma relação incrivelmente profunda ao darem vida a Roy Courtnay e Betty McLeish, duas pessoas muito diferentes entre si que se conhecem através de um aplicativo de relacionamento on-line. Entretanto, segredos obscuros se escondem no metódico cotidiano de Roy e, à medida que a suposta rom-com da terceira idade vai se desenrolando, percebemos que ele é, na verdade, um golpista que se aproveita de absolutamente qualquer um.
Roy se apresenta numa vida dupla: é notável o modo como ele se aproxima de Betty e, passo a passo, a recém-erguida amizade transforma-se em um laço muito mais belo e puro (ou ao menos é o que ele pretende nos vender). Esse inebriante romance é fruto das habilidades aplaudíveis de McKellen e Mirren, que explodem em uma incrível química cênica que se estende até os chocantes e conclusivos momentos. Mesmo com alguns fracos diálogos e um enredo que perde o ritmo em diversas situações, a dupla protagonista carrega nas costas o peso dramático, as inteligentes sacadas e os intrincados clímaces que, infelizmente, caminham para um decepcionante finale.
Se conhecemos a estética convencional de Condon, a falta de singularidade ao menos tem um espaço considerável dentro desse longa-metragem. O jogo de cena tem uma ou outra investida “fora da caixinha”, contribuindo para uma quase identidade que se volta para as fórmulas estruturais de qualquer drama britânico dos últimos dez anos. Ainda que as sequências de tensão existam, elas são traduzidas em uma justaposição que oscila entre uma espécie de grau zero da catarse cinematográfica e um mergulho de cabeça em reviravoltas inesperadas.
À medida que Roy se aproxima de Betty, começa a atrair a desconfiança de um inseguro neto, Stephen (Russell Tovey), que tenta proteger sua avó dos imaginários perigos do mundo, como ela deixa bem claro na transição do segundo para o terceiro ato. Mas isso não impede que Betty comece a se entregar para Roy que, dentro de seu escopo estelionatário, passa a desenvolver uma primitiva sensação amorosa – principalmente depois que ambos foram abandonados por suas famílias ou observaram, impotentes, seus pais, filhos e irmãos passarem desta para a melhor. Por mais que tenha a chance de uma redenção, Roy opta por retomar seu golpe, que envolve rouba todas as finanças de Betty e desaparecer.
O que ele não imaginava é que a proteção exagerada de Stephen viria a expor um segredo sobre seu passado: o velho e amável senhor é um veterano de guerra que sobreviveu a um ataque de um dos nazistas reminiscentes da Segunda Guerra Mundial e, desde então, trocou de identidade com seu colega morto. Dessa forma, ele conseguiu fugir da Alemanha e abrir um novo capítulo na Inglaterra, tentando esquecer os pecados que cometeu. Mas não se enganem; afinal, a trama fica ainda mais complexa depois que essas revelações vem à tona – e é justamente aí que o roteiro assinado por Jeffrey Hatcher perde o rumo por completo.
Hatcher é conhecido por seus trabalhos em A Duquesa e Sr. Sherlock Holmes, cujas revitalizações das clássicas histórias ganharam um patamar considerável quando lançados. Logo, era de se imaginar que ele conseguisse dramatizar o romance assinado por Nicholas Searle com cautela – o que não é o caso: na verdade, temos a impressão de que o próprio Searle se valeu de uma constante intangibilidade para ganhar nossa atenção, optando por criar conflitantes delineações narrativas que, apesar de incríveis, são previsíveis do começo ao fim. Ora, era de se esperar que Betty não fosse apenas uma ingênua mulher, e nossas suspeitas se confirmam quando até mesmo a atuação de Mirren transparece uma obviedade autoexplicativa no ato final.
Recuperando elementos de outros filmes de suspense, Roy percebe tarde demais que caiu dentro de um golpe. Porém, o twist é explicado de modo apressado demais, buscando um frenético ritmo que também é transposto para uma “batalha final”, beirando a canastrice cinematográfica. Betty, na verdade, conhecia Roy desde criança, tendo sido estuprada por ele quando ambos eram adolescentes. Para além disso, ele foi responsável pela morte do pai, da mãe e pela pobreza extrema que viveu até se tornar uma adulta, embebendo-se num desejo de vingar que se concretizou seis décadas mais tarde. Basicamente, um deus ex machina que não faz sentido algum.
A Grande Mentira vale a pena pela pompa com a qual McKellen e Mirren trabalham, em atuações incríveis e que refletem uma carreira pautada em rendições artísticas impecáveis. No mais, a história falha em pontos cruciais, incluindo o momento em que as pontas soltas se alinham – jogando fora um incrível potencial.
A Grande Mentira (The Good Liar – EUA, 2019)
Direção: Bill Condon
Roteiro: Jeffrey Hatcher, baseado no romance de Nicholas Searle
Elenco: Helen Mirren, Ian McKellen, Russell Tovey, Jim Carter, Mark Lewis Jones, Laurie Davidson, Phil Dunster, Lucian Msamati
Duração: 109 min.
https://www.youtube.com/watch?v=XaVgEA_rzzY