É fácil entender os motivos que levaram a Academia em indicar Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar para concorrer nas categorias de Melhor Documentário, Melhor Animação e Melhor Filme Internacional para o Oscar de 2022, algo bastante raro de se acontecer para uma produção dinamarquesa que aborda vários temas delicados, alguns deles muito presentes no nosso mundo contemporâneo.
Dirigido por Jonas Poher Rasmussen, um cineasta sem muitas obras conhecidas em seu currículo, mesmo assim há de se destacar que isso não interfere em nada na sua direção e na forma como o cineasta conduziu o seu ótimo trabalho em apresentar a trajetória de vida de Amin, um jovem que vive com sua família no Afeganistão, até que uma guerra coloca os civis no meio dela e Amin e sua família precisam fugir rapidamente do país, em uma saga que é apenas o início de algo maior a ser apresentado na bela e eficiente narrativa.
Vivendo escondido
Com roteiro do próprio diretor Jonas Poher Rasmussen e com parceria de Amin Nawabi há de se dizer que o jeito que a trama é apresentada pela dupla vai levando o espectador a ter várias sensações e sentimentos durante a história. Se essa era a ideia enquanto a dupla escrevia o roteiro, de passar tais emoções para o público, é justo dizer que chegaram com mérito a tal objetivo, pois a animação além de ser um reflexo da realidade trata também de assuntos atuais de forma impactante.
Em seu início já é deixado claro que Flee é baseado em uma história real e o nome dos personagens – incluindo o seu protagonista Amin – seriam omitidos, algo que já dava a ideia de quão profunda seria aquele conto que o diretor pretendia nos apresentar. Entre os temas abordados no longa/documentário estão alguns que basta ligarmos a TV e colocar em algum noticiário ou em alguma novela ou filme que provavelmente aquele assunto estará sendo abordado, como a questão dos refugiados, a guerra no Oriente Médio, no caso a guerra no Afeganistão (1979), e a homossexualidade reprimida do protagonista.
Numa época em que a questão dos refugiados se torna muito mais presente em nossa sociedade, com um contingente enorme de ucranianos tendo de fugir da Ucrânia, por causa do país estar sendo bombardeado pela Rússia, o que Flee retrata nada mais é que um reflexo da realidade, com Amin e sua família fugindo às pressas nos anos 1990 justamente para a Rússia, mas isso na época em que o país estava deixando de ser uma Ex-república Soviética, o que aumentou o drama dos refugiados, pois a corrupção corria solta entre os policiais russos, algo que foi bem apresentado na animação. E depois o longa ainda retrata, em seu terceiro ato, de forma breve a vida de Amin como refugiado contrabandeado na Dinamarca e isolado de seus familiares.
Além de tratar sobre o tema dos refugiados, com Amin praticamente tendo que se esconder a todo instante, há também outra situação que o diretor trata de forma inteligente, que é a questão da homossexualidade do protagonista. No primeiro ato Amin aparece ainda criança no Afeganistão, retratado como um país ainda aberto e que não havia tanta repressão como ocorre nos dias de hoje, e com um segundo ato em que Amin precisa omitir ser gay em um país novo e também de sua família, sem saber como se abrir e sem imaginar como seus familiares iriam reagir com tal decisão de revelar sua sexualidade. São questões que são apresentadas de maneira sagaz e trabalhadas pelo roteiro com a finalidade de passar as mais diversas sensações, com a principal delas a de emocionar o público, sendo possível tirar algumas lágrimas em cenas pontuais.
O Valor de Uma Boa Narrativa
Vale ressaltar que a maneira escolhida em contar a trama, em poucos momentos de maneira documental, e em grande parte como uma animação, é uma escolha acertada e que só deixa uma atmosfera de que realmente estamos presenciando relatos passados do protagonista, principalmente por parte da animação sendo um ótimo jeito de ilustrar esse tempo que passou. As cenas documentais estão lá mais como um relato histórico, enquanto que a animação, feita com cores vivas, traços fortes e uma narrativa potente, que justamente dá maior dramaticidade para o longa.
Mas sua principal força está mesmo no belo texto narrado por Amin, ao contar sua história de sofrimento e de como viveu tanto tempo escondido e sem ter um lugar para chamar de lar. Essa ideia de não ter um lar é algo simbólico na narrativa criada por Rasmussen e muito bem direcionada ao seu belo final. Há alguns diálogos que estão ali por pura reflexão e que não acrescentam muita coisa para a história e que só servem mesmo para dar uma dinâmica mais lenta para a produção.
Flee: Nenhum Lugar para Chamar de Lar é daquelas animações que fazem refletir a respeito de um drama que aflige milhares de pessoas pelo mundo, jogando luz sobre a questão dos refugiados e debatendo outros temas relevantes para a sociedade. Sem dúvida uma das grandes obras lançadas nos últimos anos e suas indicações ao Oscar só aumenta sua importância para o audiovisual pela mensagem que aborda.
Flee: Nenhum Lugar Para Chamar de Lar (Flugt, Dinamarca – 2021)
Direção: Jonas Poher Rasmussen
Roteiro: Jonas Poher Rasmussen, Amin Nawabi
Elenco: Daniel Karimyar, Fardin Mijdzadeh, Milad Eskandari, Belal Faiz, Elaha Faiz, Zahra Mehrwarz, Sadia Faiz, Rashid Aitouganov
Gênero: Documentário, Animação, Biografia
Duração: 83 min
Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.