Anunciado em 2014, muita gente já tinha esquecido completamente que Scorn existia até ser ressuscitado durante a apresentação da Microsoft no meio deste ano. Quando ressurgiu, ainda confirmando exclusividade às plataformas da Microsoft, o mais surpreendente foi o game ter enfim ganhado uma data. 

Por mais incrível que pareça, de fato Scorn conseguiu ser finalizado e lançado agora em 14 de outubro. Como já era esperado desde os pequenos trechos que revelavam um pouco mais do misterioso game, o título é extremamente nichado, mirando não só nos amantes de um bom game de quebra-cabeças, mas também para apreciadores do movimento artístico biomecânico cujo principal nome é do artista plástico suíço H.R. Giger. 

Para que quem não conhece, Giger foi o responsável por auxiliar o design criativo de Alien – O Oitavo Passageiro, conferindo toda atmosfera inebriante de terror do Space Jockey e do visual final do alien xenomorfo que persegue Ripley e os outros astronautas. Além da produção de Scorn se afundar profundamente no estilo de Giger, há algumas influências notáveis do polonês surrealista Zdzisław Beksiński. 

Jogado no mundo

Desde a sua concepção, a proposta de Scorn era ser algo realmente único. A equipe criativa do jogo comandado pelo diretor Ljubomir Peklar tinha como objetivo fazer um jogo cuja estética fosse avassaladora, sem focar em narrativa escrita, orientar objetivos ao jogador, disponibilizar mapas ou qualquer mecânica tão comum a tantos jogos. 

De fato, o jogador é literalmente jogado em um mundo alienígena decadente e hostil, com tecnologias bizarras e interações com objetos que acabam por machucar fisicamente o protagonista sem nome – a internet o batizou de Scornguy e será assim que vou me referir a ele ao longo do texto. 

Embora haja essa martelação da ideia que o game não tenha uma narrativa, se trata de um marketing falso. O game tem sim uma narrativa, mas ela é vestigial. Toda a arte, design e mecânica do jogo conta uma história de uma civilização que mudou radicalmente seu foco de progresso e evolução. Como a estética é o fator primordial do jogo e que ajuda a explicar o motivo de 8 anos de desenvolvimento, o game na verdade se torna uma obra de arte interativa.

Obviamente não entro no mérito de diversos jogos serem obras de arte concretas, mas Scorn se sobressai e se destaca como uma obra de arte por trazer uma experiência completamente aberta à própria interpretação do jogador. Como qualquer teoria pode ser canônica devido a completa falta de contexto, o jogo não encontra limites sobre seu objeto de estudo, afinal tudo está justificado na imaginação do jogador.

Os temas que o jogo explora paulatinamente ao longo de seus cinco atos são claros: concepção, nascimento, sexualidade e morte. Com temas que por si só são complexos na nossa filosofia humana, é particularmente incrível captar tantos trechos que podem ser interpretados do modo alienígena sobre uma sociedade completamente diferente da nossa, mas que compartilha algumas características o suficiente para o jogador conseguir encontrar alguma identificação. 

Então, é possível mergulhar em um mar de ideias e conspirar diferentes teorias bizarras que levaram essa civilização interessante à ruína, assim como compreender o papel do Scornguy no meio disso tudo e sua motivação em tentar com tanto afinco chegar a um local arrojado, um palacete gótico biomecânico, no final do jogo. Embora a conclusão da história seja, no mínimo, decepcionante, a experiência é sim enriquecedora. 

O jogo feio mais lindo que existe

A estética de Scorn certamente não é para os fracos. Os traços erotizados de Giger permeiam em praticamente todos os grandes cenários que visitamos ao longo do jogo – que é sim bastante linear. Logo, se prepare para ver vulvas e falos adoidado em diversos adornos arquitetônicos até culminar em monumentos explicitamente sexuais no final da aventura amaldiçoada. 

Como 90% da proeminência artística é mesmo gigeriana, os corredores, salões e câmaras que visitamos são compostos por ossos como vértebras, costelas e fêmures recheados de texturas notórias de intestinos. É tudo tão pegajoso, abjeto e sombrio que os gamers mais sinestésicos conseguiram ter a impressão de sentir o cheiro pútrido dos locais que visitamos. Fora o detalhe do gore de desmembramentos que surgem em momentos mais impactantes do jogo. 

Aliás, caso tenha tripofobia, é uma ótima ideia passar longe de Scorn, já que o jogo traz estações de recarga de munição e vida totalmente inspiradas nesse padrão perturbador. Então, até o momento, já sabemos o que torna Scorn único, mas isso não faz dele um jogo excelente ou até mesmo divertido. 

Extremamente curto, beirando apenas quatro horas de duração, é uma boa ideia que o jogo seja breve, pois ele se desgasta rapidamente. A primeiro momento, o que mais pode irritar é a alta dificuldade dos quebra-cabeças. Logo no começo do jogo, um dos mais difíceis é apresentado e, para piorar, se o jogador errar a ordem necessária para completá-lo, acaba travando o puzzle e sendo obrigado a recarregar o save

Nisso, já se descobre um dos defeitos de qualidade de vida do jogo. Com base na filosofia hardcore de games limitados à hardware inferiores dos anos 1980 e 1990, Scorn adota um sistema de checkpoints simplesmente abissal, muitas vezes obrigando o jogador a reviver níveis inteiros para retornar ao ponto que estava. Não ajuda o fato que a dificuldade do game seja punitiva também nos combates. 

O jogo também se comporta como um FPS e ao longo da história, nos deparamos com quatro armas. Uma pistola de pressão, uma pistola, uma shotgun e um lança-granadas (este último apresentado tão tardiamente no jogo que se torna um adorno chique – aliás, conte as balas, pois é impossível encontrar mais munição para essa arma). Com dano praticamente risível, o jogador se torna presa fácil para algumas das criaturas bizarras que nos deparamos nos níveis. 

Então morrer em situações de combate, principalmente por falta de munição, é algo costumeiro. O melhor a se fazer é mesmo evitar confronto sempre que possível e concluir os quebra-cabeças para progredir. Aliás, embora tenhamos ao menos três puzzles infernais de difíceis, o game design do jogo não foge do padrão clássico de “faça três coisas para ir para a próxima área” e isso se repete bastante ao longo das curtas horas.

No fim, dado o preço do jogo, Scorn é uma experiência tão nichada, ainda que extremamente bela e provocante, que a sua compra independente não se justifica. Não existe fator replay no jogo, tirando duas opções de como resolver parte de um quebra-cabeça no primeiro ato. Porém, como ele está no Game Pass para Xbox Series e também para PC em preço de assinatura, vale sim a pena dar uma conferida e ver se é um jogo que dialoga com você. 

Não fosse seu poderio estético sublime, uma narrativa repleta de mistérios fascinantes e também o fato de ser um dos melhores exemplos das artes inspiradas por Giger, Scorn seria um jogo com muito menos apelo do que conquistou agora. Sendo o primeiro jogo concluído deste estúdio, há um futuro bem promissor a frente que pode trazer experiências um pouco mais refinadas. Aliás, o jogo é um excelente candidato para receber compatibilidade ao VR.

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