Depois de quase dez anos de seu lançamento original no PlayStation 3, a obra-prima da Naughty Dog, The Last of Us, enfim chegou ao PC. Agora, uma parcela imensurável de jogadores poderá experimentar pela primeira vez um game que marcou toda uma geração, além de ter trazido elementos que viriam a revolucionar a indústria.
A saga de Joel e Ellie em meio a uma jornada inóspita para atravessar os Estados Unidos em um cenário pós-apocalíptico é uma narrativa tão funcional e redonda que conseguiu render a tão elogiada série já totalmente exibida pela HBO no começo deste ano. Agora, a chegada do tão aguardado game ao PC tinha tudo para ser um dos maiores lançamentos da Sony na plataforma, mas as coisas não saíram conforme o esperado.
Conto Atemporal
Não é mais necessário discorrer sobre a narrativa magistral conduzida por Neil Druckmann a ponto de torná-lo a peça mais valiosa dentro da Naughty Dog. A história de The Last of Us ressoa até hoje por ser extremamente humana, elegante e sensível, trazendo um retrato perfeito sobre culpa, traumas e redenção pessoal em uma jornada amplamente desesperançosa. É brilhante. Admito que invejo quem conseguiu fugir de spoilers por dez anos e que será impactado pela história atemporal pela primeira vez, afinal é uma sensação realmente única.
Ainda assim, é curioso notar como o remake do clássico de 2013, lançado em 2022 para o PS5, foi feito com tanta cautela que também perdeu diversas oportunidades de inserir algum conteúdo realmente novo que justifique a sua existência, afinal, em termos de mecânicas e jogabilidade, o jogo é exatamente o mesmo de 2013 – a única alteração mais profunda está na agilidade e praticidade para a troca de armas durante o combate.
Não seria prejudicial ao jogo inserir mais linhas de diálogo ou trazer elementos inéditos para a jogatina, adicionando mais horas de conteúdo ao lado de ótimos personagens como Bill, David e Henry e Sam. A escolha artística foi refazer o jogo do zero somente para atualizar seus gráficos e deixá-lo pareado em nível tecnológico com a sequência The Last of Us Part II.
É um fato que o game é estupidamente belo, provavelmente o mais bonito já feito até agora, mas para o jogador poder aproveitar esse suprassumo visual, é preciso ter muito poder de hardware. O fato é que o jogo chegou ao PC em um estado extremamente complicado para uma porção significativa de jogadores, mas os detalhes puramente técnicos sobre o port nesta análise estão um pouco mais adiante no texto.
Dentre as novidades, além do visual, estão as animações que superam as dos filmes pré renderizados da versão clássica. Agora é possível notar nuances e sutilezas tão sucintas nas expressões dos personagens, que só ajudam a torná-los ainda mais humanos do que já aparentavam.
Os retoques na iluminação e reflexos também são igualmente expressivos, conseguindo criar ambientes fotorrealistas ao extremo, além de trazer tons igualmente interessantes para cenários já há muito consagrados como as fases clássicas do hotel em Pittsburgh e a final no hospital.
Os inimigos também ganharam novas animações, das quais praticamente todas foram tiradas da sequência e transpostas no remake. Os oponentes também imploram pela vida e reagem às matanças do jogador, também contando com um bom aprimoramento da inteligência artificial que busca flanquear o jogador com mais insistência.
Por fim, a bancada de aperfeiçoamento das armas de Joel conta com animações inéditas mostrando o trabalho do personagem em aprimorar seu arsenal (embora essas animações pudessem ser um pouco mais detalhadas).
Outro recurso inédito é a sonorização 3D que usa sons espaciais. Jogar o game com fones compatíveis a esse sistema surround realmente eleva a experiência para outro patamar, ainda mais com um trabalho sonoro tão pungente como o deste jogo que faz uso inteligente do silêncio. Ouvir os estaladores com a sonorização é inédita é capaz de provocar arrepios até nos jogadores mais veteranos.
O remake também conta com a nova preocupação mandatária da Sony: a acessibilidade. O jogo conta com diversos sistemas de acessibilidade para jogadores com baixa visão e audição para tornar a experiência a melhor possível para todos que desejam experimentar a aventura. Algo muito louvável que chama a atenção desde a inauguração desses modos em Part II.
Problemas no paraíso
Então como um remake de uma obra atemporal que conseguiu se tornar a pérola de excelência da Playstation Studios acabou a uma recepção tão agressiva no PC? A má otimização do título para a plataforma.
Há diversas coisas estranhas com o port, mas felizmente minha experiência foi pouco afetada (o que justificará a minha alta avaliação do jogo no final do texto). Acontece que daqui algum tempo, a maior parte do que está relatado nesse trecho da análise não estará mais presente. E, por isso, pretendo atualizar o texto a cada quinzena para comentar as mudanças que os futuros patches trarão.
A experiência começa de modo frustrante. Jogadores de PC não estão desacostumados a encarar telas de carregamentos de shaders. Essa pré compilação é uma característica excelente para tornar a experiência mais fluida como vimos em Uncharted: Legacy of Thieves. Entretanto, o que acontece com The Last of Us é algo simplesmente inexplicável.
No total, o carregamento de shaders demorou 40 minutos usando 100% da minha CPU (um i5 12600k). É um teste de estresse absoluto para qualquer PC que certamente vai enfrentar lentidão no sistema até a compilação acabar. E eu fui um dos sortudos, pois vi relatos de pessoas esperando mais de duas horas para o processo ser concluído.
Os tempos de carregamento do título também assustam. Mesmo em um SSD, o carregamento inicial pode superar a marca dos minutos e, caso o jogador decida pular alguma cinemática (que esconde o carregamento para uma experiência sem telas de loading), acabará tendo que esperar a fase carregar por completo.
Em sua estrutura, o port é bem pensado. Nas configurações, é possível mudar diversos aspectos gráficos de modo tão minucioso quanto em títulos expressivos como Red Dead Redemption. O que assusta, porém, é como o jogo é faminto por VRAM, até mesmo em jogatinas em Full HD. Placas de vídeo com 6GB de VRAM vão suar para conseguir rodar o jogo no alto.
Aliás, a configuração gráfica do “alto” é essencial já que as texturas no médio e baixo são absolutamente bizarras e feitas são qualquer esmero. O salto entre o médio e o alto é realmente aberrante e precisa muito ser revisto em um futuro update.
Para jogatinas em resoluções mais altas, é preciso ainda mais VRAM. Em 4K o jogo pede quase 13GB, o que é um disparate ao informar que o sistema operacional usa quase 4GB (uma visita rápida ao gerenciador de tarefas indica um espaço alocado muito menor).
Estranha também o fato do jogo exigir um uso exorbitante de CPU. Os processadores mais simples terão muita dificuldade em executar o jogo de modo fluido, sem engasgos, travamentos ou crashes. Isso é sim possível de ser resolvido futuramente, mas certamente é uma otimização complexa que exigirá bastante tempo dos desenvolvedores.
O game foi portado para o PC praticamente pela Naughty Dog. Essa foi a primeira experiência do time da Sony em portar uma obra para o PC, o que ajuda a explicar o estranhamento na qualidade do port que foi o primeiro a realmente ser detonado pela comunidade de forma tão brutal.
A Iron Galaxy que está recebendo a culpa (por conta do trauma dos jogadores com o péssimo estado da estreia de Batman Arkham Knight no PC) foi apenas uma supervisora do projeto, já que estava ocupada com o port competente de Uncharted, lançado no final do ano passado.
O trabalho que a Naughty Dog terá que encarar será realmente massivo, pois para a maior parte da comunidade, o jogo estaria em um “estado beta”. Todos os problemas parecem estar relacionados com a dificuldade do time em conseguir otimizar o fluxo de descompressão de dados em tempo real enquanto o jogador se move.
A atenção que o estúdio dedica é louvável, pois já afirmou que está ciente dos problemas e que trabalha em soluções importantes. Só nesta semana que se inicia, estão prometidos dois grandes update de otimização. Dois já foram lançados para reduzir o tempo da compilação inicial dos shaders (que ainda continua bastante longo). Porém, aguardar os shaders é primordial para ter uma experiência mais estável.
Tudo isso ajuda a justificar o alto uso de todos os núcleos do processador, a alocação insana de VRAM e também o uso contínuo de memória RAM. Se você tem apenas 16GB, prepare-se para uma experiência complicada. Na minha experiência, que conta com 80GB DDR4, o jogo estava alocando pelo menos 27GB em 4K com DLSS 2 em qualidade.
Como afirmei anteriormente, minha experiência com o jogo foi sim ótima. Porém, o meu setup também é bastante avançado. No fim, foi possível manter 70-80 FPS em 4K ao longo da jogatina com somente um crash. O jogo apresentou alguns engasgos e sofreu com quedas súbitas de frames (isso ocorre também por conta do carregamento dos dados da fase ao mesmo tempo que o jogador avança pelo mapa).
Logo, se você tem um bom setup, não há tempo a perder. A experiência será sim muito boa, mas é preciso fazer alguns ajustes finos nas configurações para o jogo rodar tranquilamente (o preset Ultra não é muito diferente do Alto então não vale a pena sacrificar tanta performance por conta de mais alguns filtros de textura).
Um port de aviso para o futuro
Como disse no texto, é bom que os gamers que contem com setups mais modestos de hardware aguardem um pouco até a Naughty Dog resolver boa parte dos problemas encarados pelos jogadores. Jogadores com GPUs da família RTX 3070Ti para cima e das RX 6700 podem encarar o game com tranquilidade, mas jogadores com uma RTX 2070 Super terão que se contentar com as feias texturas do preset médio do jogo.
O que é um tanto curioso, já que a RTX 2070 seria a GPU equivalente ao poderio gráfico do PlayStation 5 que, até mesmo no modo performance do game, oferece uma experiência muito superior à contraparte do preset mediano. É uma pena que justo na obra mais celebrada do catálogo da Sony tenha acontecido esse lançamento problemático.
É importante destacar também que a Sony sempre foi dedicada no suporte pós-lançamento de seus jogos no PC. Uncharted, Sackboy e Horizon Zero Dawn receberam diversos updates de otimização. Até mesmo os elogiados Homem-Aranha da Nixxes demoraram algumas semanas para ficar nos trinques. Então paciência é a palavra-chave aqui.
O apetite de VRAM do título também destaca como os games das novas gerações podem se tornar um verdadeiro pesadelo para jogadores com placas gráficas de 8GB de VRAM. Forspoken e Resident Evil 4 foram dois dos lançamentos recentes que consomem quantidades absurdas de VRAM.
Logo, um modo de contornar isso sem precisar apelar para uma nova e onerosa compra de placas gráficas, é fazer um necessário update da memória RAM com o novo padrão de 32GB. Pelo fluxo de dados, ter mais memória RAM garante maior estabilidade no frametime, evitando persistentes engasgos e travamentos.
Até lá, encarar a perfeita aventura de Joel e Ellie, ainda é um privilégio para poucos que contam hardwares mais parrudos. Se essa for a sua situação, a compra está mais que recomendada.
Agradecemos a Sony pela cópia cedida para a realização desta análise.