Silent Hill 2 Remake: a complexidade dos novos finais Bliss e Stillness
O remake de Silent Hill 2 trouxe um desafio interessante: como ser fiel ao original enquanto adiciona novas camadas à narrativa? O resultado dessa empreitada foi um remake que respeita a essência do jogo, ao mesmo tempo em que incorpora novos elementos, incluindo dois finais inéditos: Bliss e Stillness. Esses finais se destacam por oferecerem uma profundidade emocional que vai além dos tradicionais finais cômicos, como os de UFO e Dog, ampliando as reflexões sobre James e sua jornada.
O final Bliss: uma alucinação de paz
Um dos novos finais mais intrigantes é o Bliss, acessível apenas após cumprir requisitos específicos no modo New Game Plus. O destaque desse final é sua conexão com a White Claudia, uma planta alucinógena que aparece no hospital Brookhaven. A planta, já conhecida do primeiro Silent Hill, é usada para criar uma droga chamada PTV, empregada pela seita The Order. Suas propriedades alucinógenas fazem com que aqueles que a consomem tenham visões, alterando completamente a percepção da realidade.
A jornada de James em direção ao final Bliss começa quando ele consome um líquido derivado da White Claudia. A partir daí, o que o jogador vê passa a ser filtrado pela mente perturbada de James, influenciada pela droga. Ao assistir a fita de vídeo que deveria revelar seu pecado, James, ao invés disso, vê uma Mary saudável, que sorri e sugere que eles retornem a Silent Hill no futuro. Ele então se junta a ela na tela, algo que foge completamente dos acontecimentos canônicos do jogo.
Neste ponto, o jogador é levado a questionar: o que realmente aconteceu com James? Ele estaria alucinando? A resposta mais simples é sim. A partir do momento em que James bebe a White Claudia, sua percepção da realidade é comprometida. Ao invés de confrontar seus pecados, ele cria uma narrativa alternativa, onde Mary nunca adoeceu e onde eles podem ter um futuro juntos. No entanto, essa felicidade induzida é temporária e artificial, levando o jogador a se perguntar qual seria o verdadeiro destino de James.
Reflexões sobre a realidade de James
O final Bliss também abre espaço para uma teoria mais filosófica: e se James, ao consumir a White Claudia, estivesse não apenas alucinando, mas também alterando sua própria percepção do passado? Neste cenário, James não seria atraído a Silent Hill para lidar com sua culpa, pois, em sua mente, Mary nunca morreu. Ele não teria mais motivos para ser punido pelos eventos que causou, vivendo em uma realidade distorcida em que não precisaria confrontar suas ações.
O final Stillness: uma variação trágica do final In Water
Já o final Stillness é ainda mais complexo, exigindo que o jogador obtenha itens específicos e siga uma série de passos detalhados. Ele se aproxima do final In Water, no qual James, incapaz de lidar com a morte de Mary, comete suicídio, dirigindo seu carro até o Lago Toluca. Porém, em Stillness, há uma diferença notável: o diálogo de James com Mary, que ocorre em fragmentos desconexos. Apesar de nunca vermos Mary por completo, sua presença é sentida, e o jogador é levado a acreditar que ela está de fato confortando James.
A grande questão do final Stillness é se ele é apenas uma versão estendida do final In Water, ou se há algo mais acontecendo. Enquanto James, ao final, ainda cai no lago com seu carro, a presença de Mary adiciona uma camada emocional. Ela parece perdoá-lo e acenar para ele se juntar a ela na morte, o que oferece a James uma sensação de encerramento, ainda que ilusória. Contudo, essa Mary que ele vê é uma criação de sua mente, uma versão idealizada que lhe concede o perdão que ele nunca acreditou merecer.
A questão do cartão postal de Toluca
Um detalhe crucial para desbloquear o final Stillness é o cartão postal do Lago Toluca, um item que, aparentemente, serve apenas como uma chave para esse final. No entanto, ele também pode ser visto como um símbolo do ciclo interminável em que James está preso. O lago, mencionado como “um lugar para onde você sempre retornará”, é um lembrete constante de sua jornada e de seu destino final. Esse ciclo sugere que, mesmo que James tente fugir ou encontrar outra solução, ele está inevitavelmente destinado a repetir seus erros.
A verdade sobre Mary
Uma das teorias mais discutidas entre os fãs de Silent Hill 2 é que o corpo de Mary esteve no banco de trás do carro de James desde o início do jogo. Isso se torna ainda mais evidente no remake, com o final Stillness reforçando essa ideia. James, em sua busca por redenção, evita olhar para o banco de trás, talvez para não encarar a dura realidade de que Mary está morta e que ele foi o responsável por sua morte.
Finais Bliss e Stillness são canônicos?
A eterna questão sobre qual é o final “verdadeiro” de Silent Hill 2 persiste, e com a adição dos novos finais, a dúvida só aumenta. A maneira como o jogo se desenrola, levando o jogador a diferentes finais com base em suas ações, sugere que não há um único final canônico. No entanto, os finais Bliss e Stillness se destacam por manterem a essência do personagem de James, sem recorrer a elementos absurdos. Dessa forma, eles podem ser considerados tão válidos quanto os finais In Water, Leave e Maria.
Os novos finais de Silent Hill 2 Remake adicionam profundidade à já complexa história de James, oferecendo novas perspectivas sobre sua psique e sua relação com Mary. Enquanto o final Bliss nos mostra uma versão alucinada e idealizada de um passado inexistente, Stillness oferece a James um último consolo, mesmo que não genuíno. Esses finais, embora não definitivos, contribuem para a rica tradição do jogo, reforçando a ideia de que em Silent Hill, cada jogador encontra seu próprio caminho e suas próprias respostas.
Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.
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