Apesar de ser uma das minhas franquias favoritas, demorei muito tempo para jogar Life is Strange. Somente ano passado fui aproveitar as aventuras heroicas inusitadas da saga antológica. O formato de trazer uma narrativa fechada por jogo era adequado e isso só se confirmou agora com a sequência do game original com Life is Strange: Double Exposure, que apresenta Max Caulfield em outra aventura catastrófica.
Apesar de abordar elementos fantásticos com os protagonistas possuindo super poderes nos jogos principais, é um fato que a franquia sempre soube ser bastante pé no chão e tratar suas histórias com relativo realismo que tornavam todos os personagens bastante identificáveis e simpáticos.
Logo, me pega com estranheza o quão esquisita é a história de Double Exposure, mas fique tranquilo que não devo mencionar nenhum spoiler da narrativa que, em tese, deveria ser a maior força dos jogos da saga.
Fotografia bagunçada
Após dez anos da tragédia de Arcadia Bay, Max Caulfield seguiu sua vida se tornando uma fotógrafa de relativo sucesso a ponto de se tornar uma professora respeitada na universidade de Caledon. Lá, ela firma amizade com a carismática Sofi, filha da reitora, e o introvertido nerd Moses.
Passando tempo com os amigos, Max estranha a demora do retorno de Sofi que havia saído para atender uma misteriosa ligação. Ao ir atrás da amiga, descobre que ela foi assassinada. Sem acreditar na situação e com dificuldade de aceitar o luto, Max descobre um novo poder: o de atravessar dimensões ao encontrar uma realidade paralela na qual Sofi está viva.
Com o novo poder, Max fica obstinada em usar as duas realidades para desvendar o mistério do assassinato.
Já tirando o elefante da sala, era esperado que a Deck Nine e a Square Enix lidassem com a fúria dos fãs que já foi bastante expressada pelo acesso antecipado aos dois primeiros capítulos. No caso, Double Exposure na verdade não se importa em quase nada relacionado aos eventos do primeiro jogo, tanto que Max é uma personagem bastante diferente daquela que conhecemos antes.
Já no começo do jogo, você será obrigado a escolher qual foi o destino de Chloe ou de Arcadia Bay. Se ela morreu ou viveu. Independente do que escolha, Max não tem mais relações com a amiga de infância e ex-namorada e seu impacto na nova história é totalmente nula.
É particularmente preguiçosa a disposição da Deck Nine em lidar com as consequências do jogo original, sendo que há membros da equipe que escreveram a prequela Before The Storm. Apesar de não ter nomes relacionados ao escopo criativo do primeiro jogo, o estúdio é veterano da saga e já provou que consegue trazer uma boa história com personagens cativantes em True Colors (jogo que é muito superior a este aqui).
Não vai demorar muito tempo para veteranos da franquia notar estranhamentos no modo que a história é conduzida. Em questão de minutos, o jogador já precisa escolher se terá um romance com uma personagem secundária que acabou de conhecer. Esse padrão de escolhas importantes antes de qualquer desenvolvimento da história é algo que se repete com constância, além de algumas opções oferecerem a mesma escolha, mas com frases diferentes.
O próprio mistério acaba irrelevante em questão de pouco tempo, após capítulos inteiros serem destinados a isso, sacrificando muito desenvolvimento do elenco que é o DNA de Life Is Strange. E, por mais irônico que isso possa parecer, Safi, a força motriz do game, é a mais prejudicada.
Faltam muitos momentos a dois entre ela e Max, situações que mostrem a realidade dos problemas que ela enfrenta, das relações dela com outros personagens e também dos segredos de seu passado. O jogador acaba descobrindo algumas coisas através da investigação, mas não há o mesmo impacto em ler algo do que testemunhar o acontecimento. Essa é uma das falhas estruturais da narrativa que podia ter sido resolvida com Max interagindo aos poucos com Safi, ou adiando o assassinato dela para um capítulo tardio, ou usando tendo maior interação com ela na realidade que ela está viva.
Se até Safi sofre com isso, imagine o restante do elenco, o mais fraco da franquia até agora. Dos novos personagens, somente Moses e a professora trans Gwen que trazem mais carisma e despertam algum interesse do jogador (Moses demora para ficar interessante, mas consegue conquistar aos poucos).
Também é particularmente esquisito como os personagens parecem não se importar muito com o fato de Safi ter sido assassinada no campus ou que um assassino esteja a solta nas redondezas. Moses segue sua pesquisa normalmente e Max mitiga o sofrimento por ter Safi viva em uma nova realidade – mesmo raramente passando tempo
No elenco, existem personagens bastante alheios como Reggie, Diamond e Loretta, que participam muito pontualmente da história. Dos suspeitos, os professores Gwen e Lucas fazem um bom papel, com alguns bons segredos guardados (embora uns não façam sentido). E, por fim, temos os interesses amorosos mais sem graça da franquia, Vinh e Amanda.
Amanda, apesar de genérica, não chega a irritar, mas é muito questionável como raios Vinh se torna um interesse romântico sendo que o cara é convencido, chato, arrogante, relativamente tarado e outros adjetivos que se categorizam como spoiler então não cabe aqui. Na relação com eles, vemos como Max mudou, se tornou uma mulher bastante tarada e interessada em sexo, algo bem distinto da tímida e insegura Max de outrora.
Do que foi preservado da personagem, temos o humor de tiozão, a empatia e o ímpeto investigativo. De resto, mais nada. A nova Max é uma mera sombra da original. Os diálogos também sofrem do mesmo modo, com o millennial cringe extrapolado, além de muitos serem apenas papo furado sem relevância.
É até difícil mencionar o que de fato há de interessante na história de Double Exposure. Diria que existem boas reviravoltas e algumas narrativas complementares curiosas e só. As consequências das escolhas não importam muito, a história muda radicalmente a partir do terceiro capítulo quebrando qualquer lógica interna ao apostar em resoluções preguiçosas para os clichés do multiverso, além de sofrer cada vez mais a cada reviravolta. O mesmo, bizarramente, acontece com o ritmo que já é muito arrastado desde o início que só piora.
Parece que o time não queria trazer Max Caulfield de volta e trabalhar em outra história. O que é bem esquisito visto que, teoricamente, True Colors foi um jogo que vendeu bem. Então retornar para Max após conquistar um sucesso é uma decisão que parece ter vindo do alto escalão executivo do estúdio. E aí temos esse resultado bem esquisito com Double Exposure.
Queimou o filme
Levantei essa questão de lucro e orçamento porque Life is Strange: Double Exposure parece um jogo mais barato do que True Colors. Isso acontece principalmente no escopo do jogo que é consideravelmente menor em termos de espaço explorável. A universidade de Caledon é muito menor que os espaços interativos de True Colors que era quase um mundo aberto. Além disso, o jogo sofre bastante com paredes invisíveis, não permitindo tomar atalhos em áreas que deveriam ser exploradas também.
Felizmente, os interiores são muito bem feitos, repletos de itens que conferem mais da personalidade de alguns personagens como Lucas e Gwen. Uma pena, porém, que os pensamentos de Max sofre diversos itens sejam bem banais e desinteressantes.
A Deck Nine também capricha bastante na interação com as redes sociais e trocas de mensagens por celular, trazendo muito conteúdo opcional que vale a pena ser explorado, principalmente por Max postar diversas de suas fotos em seu feed. É um extra que complementa a experiência, isso quando não ajuda a tapar alguns buracos da narrativa principalmente envolvendo o destino de um detetive que investiga o caso.
Sendo o primeiro jogo da franquia produzido na Unreal 5, é esperado que alguns bugs e problemas de performance estejam presentes. Na minha experiência, não sofri com crashes, nem framerate inconstante, mas presenciei alguns bugs visuais e não consegui saltar diálogos em nenhum momento, mesmo apertando o botão de comando.
Dito isso, se trata de um jogo belíssimo visualmente, com animações faciais de alta qualidade e pouco repetitivas que oferecem vida aos personagens sempre bastante expressivos. Reconheço que essa parte da animação é digna de aplausos pois deve ter dado um enorme trabalho conseguir capturar tantas sutilezas faciais com maestria.
A direção de arte também se destaca, principalmente durante um evento festivo no bar local no qual Max salta entre as duas realidades constantemente, oferecendo um contraste preciso entre o mundo Vivo e o Morto (que representam o status de Safi no jogo).
O trabalho de atuação também está excelente em Life is Strange: Double Exposure. Ainda que a vasta maioria dos personagens seja insossa, os atores dão o seu melhor e o retorno de Hannah Telle como Max é apreciado e bem-vindo. Outro ponto que a saga nunca decepciona é na trilha musical que segue repleta de canções folk e indies muito agradáveis.
Em termos de gameplay, a franquia sempre foi muito simples e aqui não é diferente, apesar de termos um trecho de quebra cabeça bem criativo no segundo capítulo que explora ao máximo a nova habilidade de Max (uma pena que a origem narrativa do puzzle seja completamente estúpida).
Além das andanças entre realidades que, na verdade, só servem para bisbilhotar ou ter mais opções de diálogos (muitas vezes obrigatórios já que Max pensa o que tem que fazer em 99% das vezes – menos nas que não são nada óbvias). Infelizmente, as mudanças de realidade não são tão profundas quanto poderiam ser em termos de jogabilidade, apenas apostando no mais seguro de jogos mais interessantes da mesma proposta como Titanfall 2, The Medium e Lords of the Fallen.
Na parte final do game, há mais uma mecânica da dupla exposição fotográfica que serve pra pouco ou nada durante o clímax confuso. Teria sido interessante caso os desenvolvedores tivessem apostado na mecânica para explorar o recurso de regresso ao passado através de fotografias que Max ainda possui, ainda que enferrujado.
É basicamente isso. Por sinal, os saltos para atravessar as realidades só acontecem em pontos muito específicos do mapa seja por limitação técnica ou preguiça. Há também vislumbres da outra realidade se apertar R1, mas poucas vezes isso é utilizado em puzzles durante a jogatina.
Dupla exposição
Life is Strange: Double Exposure me pegou de surpresa ao ser anunciado repentinamente. Fiquei feliz pelo retorno de Max e estava interessado no potencial da história, mas infelizmente a obra completa passa longe de alcançar a essência da franquia já vista em jogos anteriores.
Com uma história fraca, arrastada, sem nexo de final insatisfatório e repleta de personagens chatos, fico apreensivo pelo futuro de Life is Strange, já que tudo indica um caminho blasé e desnecessário que não vai agradar ninguém, muito menos quem já é fã de décadas.
Agradecemos a Square Enix pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.
Contato: matheus@nosbastidores.com.br