1ª atualização da review:
É inegável que Kingdom Come: Deliverance II é realmente um jogo totalmente distinto dos demais e, só por isso, já vale visitar e se surpreender com a complexidade do seu sistema implacável de causas e consequências na jornada de Henry. Já tendo investido mais de 40 horas de gameplay e enfim chegado a 2ª região do jogo, posso afirmar que, apesar de ser uma experiência viciante e muito interessante, não deixa de ser uma tarefa bastante inglória já que o começo extremamente lento te pune absurdos para conseguir até mesmo comprar uma roupa decente e parar de ser tratado feito lixo por outros NPCs.
Como dito na review original, as quests são sim muitíssimo bem escritas, encadeando fatores e novos acontecimento de um modo orgânico praticamente nunca visto até então. Ainda assim, até em quests mais ou menos principais, como a de resgatar o cachorro Vira-Lata, fica nítido que o jogo te odeia ao máximo em raramente oferecer uma direção correta para iniciar sua busca – encontrar o maldito caçador Vostatek foi uma das tarefas mais chatas que já realizei na minha vida, além de todo o segmento de levar o cara no lombo.
O jogo também te oferece dois caminhos para conseguir entrar no Casamento Semine e ambos são extremamente difíceis de realizar já que um envolve o stealh que é muito precário no começo do jogo e outro que envolve uma investigação enorme para encontrar um eremita nas montanhas de Apolônia. Uma te exige stealth e domínio no minigame insuportável do lockpick e a outra te incentiva a ser letrado para conseguir conversar com o eremita – se não ele irá te mandar se foder e você ficará perdido em como concluir a quest.
Após isso, se prepare, pois haverá a quest mais difícil do primeiro ato logo depois: uma que conta com um timer de 12 horas no tempo do jogo para resgatar um personagem principal e, acredite, é uma tarefa MUITO difícil de fazer por mais que existem diversos caminhos para resolvê-la – e todos envolvem uma boa dose de arrombamento de portas, baús e stealth. Invista em comprar livros e compre a habilidade de medicina, pois é mais fácil realizar tudo se ajudar as dores estomacais do Camareiro de Trosky e ter salvo conduto de andar no castelo.
Admito que a partir do momento que o jogo passa para Kittenberg, você já estará bem municiado de habilidades para tornar as mecânicas básicas menos punitivas, mas a partir desse ponto, a história começa fraquejar ao apostar em clichês questionáveis, além das reviravoltas dos azares de Henry começarem a encher o saco, já que o jogador só sofre derrotas ao longo de mais de vinte horas de jogo. Admito que é frustrante, mas até então, a narrativa vale muito a pena e a direção do jogo parece notar que está exaurindo o jogador e reapresenta o querido padre Godwin para injetar ânimo na saga mais uma vez.
Entretanto, me pergunto e questiono seriamente: qual a razão desse rigor brutal logo no começo do jogo? Por que não há um modo um tanto mais fácil para jogadores casuais poderem aproveitar a arte maravilhosa que há aqui? É algo que realmente não entendo, mas o jogo é como é. E digo: não é todo mundo que dispõe de dez horas no dia para conseguir comprar o primeiro conjunto de roupas depois de trabalhar por dias fazendo ferraduras, machados e espadas para vender no seu primeiro empregador – além de administrar sono, fome, higiene e poções de salvamento.
Não à toa que a maior parte dos mods do jogo servem para remover o punitivismo das mecânicas brutais que te esfolam vivo nas primeiras horas. Não espere que a Warhorse apresentará um “modo fácil” em breve porque isso nunca vai acontecer, mas torço para que alguns bugs um tanto chatos de quebra de imersão sejam corrigidos. Em alguns deles, mesmo com Henry em roupas nobres e reputação alta, ao passear nas vilas e cidades, os NPCs o chamam de ‘mendigo’ ou de ‘vagabundo’ o que certamente é um erro na programação do jogo. Ainda estou longe de acabar a narrativa que se torna bastante intrincada no duelo frio entre os reis Venceslau e Sigismundo e, ainda diante de todas as dificuldades que o jogo impõe, sigo obstinado em ver a conclusão da história de Henry.
Review original:
Review em progresso diante do escopo gigantesco do jogo. Atualizações futuras na review são prometidas.
A história da Warhorse Studios é uma das mais interessantes no cenário da indústria de jogos em um bom tempo. Fundada por Daniel Vávra e outros parceiros saídos da respeitada 2K Czech – responsável pela franquia Mafia, o estúdio de 2013 conquistou os corações e mentes da comunidade de jogadores ao lançar uma campanha kickstarter para financiar um projeto sem igual e bastante audacioso: o RPG medieval que viria a se tornar Kingdom Come: Deliverance.
Lançado em 2018, até hoje é quase impossível encontrar um concorrente que faça frente ao estilo único que Vávra e seu time conseguiu aplicar no jogo praticamente independente. Apesar de sofrer com diversos bugs – até hoje, inclusive, a história de Henry em meio à guerra na Boêmia para decidir seu “novo” rei – entre Venceslau IV e Sigismundo, cativou os jogadores.
Para um jogo de estreia, Kingdom Come: Deliverance conseguiu superar expectativas além de cunhar um estilo de RPG realista praticamente próprio, inovando na indústria de um modo compreensível de misturar uma enorme campanha narrativa com mecânicas de sobrevivência.
Agora, sete anos depois, a aguardada sequência Kingdom Come: Deliverance II finalmente chegou, prometendo entregar refinamentos da experiência original no porte de apresentação de um jogo AAA. E, felizmente, de fato há muito o que elogiar no RPG, mas já aviso de antemão: se você não foi muito fã do estilo de jogo do original, já aviso que a sequência não o fará mudar de ideia.
A jornada pela espada ou pela lábia
Sabendo que, apesar de ter vendido oito milhões de cópias, o original é um game relativamente nichado, Vávra e os roteiristas trabalham em uma longa introdução para inteirar o jogador dos principais fatos que acontecem no original: tudo é explicado através de um jogo de situações muito bem amarrado exibindo o quão surpreendentemente orgânica é a narrativa do título.
Aqui, Henry já está estabelecido como o guarda-costas do nobre Hans Capon partindo em missão importantíssima para contatar um dos aliados do rei Sigismundo, Otto von Bergow, na província de Trosky. Entretanto, ao chegar nos arredores do castelo, o grupo de Henry é atacado por uma legião de bandidos. Fugindo somente com a pouca roupa no corpo, Henry e Hans tentam conseguir adentrar o castelo, mas sem a carta e as roupas da nobreza, são rapidamente enxotados de lá e acabam se separando. A única chance dos dois conseguirem falar com Bergow é invadir um casamento em Semine que contará com a presença do lorde feudal.
Apesar da sinopse caber em poucas linhas, só a introdução do jogo exige boas horas e ela é eficaz em apresentar ou refrescar a memória do jogador sobre os eventos do original. Além disso, por conta do conflito com os bandidos, há uma justificativa boa para trazer Henry novamente em estado de fragilidade por conta de seus ferimentos. Fique tranquilo que ele não está tão fraco quanto no começo do original, mas ainda assim, as primeiras dez horas proporcionam um nível de desafio alto.
Como Henry não tem cavalo, está sem suas boas vestes e equipamento e sua lábia em desuso, o começo do jogo é tão avassalador quanto o original. Aqui, os encontros de duelos são mesmo muito perigosos. O combate foi refinado, mas ainda é problemático e esquisito assim como antes, logo não é uma boa ideia andar por aí arrumando brigas. Felizmente temos um sistema de salvamento automático mais leniente, mas ainda assim é bastante punitivo, apenas salvando o progresso no início, meio ou final de uma missão.
Porém, como as missões podem começar no capítulo A e terminar no J – sim, são muito extensas e extremamente bem escritas, fugindo sempre da fórmula de buscar objetos, diversificando objetivos entre investigações, trabalho braçal entre minijogos muito bem realizados, conversas persuasivas, e mais; morrer no meio do caminho pode te custar muitos minutos de caminhadas entre locais não disponíveis para viagem rápida.
O salvamento manual, infelizmente, segue na mecânica das poções de salvamento que precisam ser feitas ou compradas por Henry – uma burocracia das mais chatas do original que foi preservada aqui. Lembre-se, a proposta do jogo é ser bastante realista mesmo então todo o sistema de progresso funciona mais no uso de habilidades do que na conquista de experiência em realizar missões e subir de nível.
Para ser um bom oralista, o jogador precisa fazer Henry conversar muito e conseguir, com sucesso, convencer os NPCs via persuasão, intimidação ou confiança cega. Isso exige horas de conversas e muitas missões fracassadas, já que Henry dificilmente vai conseguir ter sucesso em todas as suas tentativas. O mesmo ocorre com outras habilidades como mestre de armas, pontaria, equitação, adestramento (a mecânica do cão companheiro está de volta), alquimia, erudição, sabotagem, entre outros.
Então é bom planejar mesmo qual será o papel que seu Henry vai desempenhar de antemão para investir as horas nas habilidades certas para progredir e comprar os atributos corretos. Aqui se trata mesmo de um RPG raiz, mais realista que Red Dead Redemption 2, por exemplo.
A vida na Idade Média não era muito fácil – assim como a de hoje não é, então, conseguir dinheiro também é uma luta constante. Há diversos pequenos trabalhos para realizar e é importante conseguir uma boa renda para comprar um cavalo e vestes adequadas para cada ocasião – além não ficar sujo, fedido, doente, com fome ou pior ainda, preso porque os guardas te pegaram andando à noite em uma aldeia sem estar com uma tocha.
Preparo é o segredo para não ter dor de cabeça e, apesar do jogo realmente te atropelar com diversos tutoriais de páginas que ocupam toda a tela – com uma apresentação mais amigável que a do original, é relativamente fácil assimilar todas as mecânicas de modo natural.
O mesmo realismo está presente no uso das armaduras que, felizmente, recebeu um sistema de trajes permitindo que Henry se troque rapidamente em situações diversas. Então há um modo correto de equipar as vestes de combate, assim como é importante ficar atento com ferimentos para não morrer de hemorragia.
A imersão é mesmo muito acertada e agora com o trabalho de refinamento absoluto da CryEngine, temos um jogo ainda mais bonito para ficar imerso por horas. Vávra consegue criar momentos de pura poesia visual que vou guardar na memória com muito carinho.

Espetáculo visual, história de respeito
Mesmo com diversos probleminhas técnicos, era inegável que o primeiro Kingdom Come se trata de um jogo bastante bonito. Agora no segundo, o aspecto gráfico está ainda melhor, mesmo sem contar com parafernalhas visuais como HDR e ray tracing.
As florestas da República Tcheca seguem maravilhosas e repletas de cor. As vilas e castelos seguindo a norma rigorosa do design artístico medieval, além dos npcs terem rotinas bem definidas em suas atividades, incluindo a hora de sono e descanso de almoço.
Contrariando muitos lançamentos recentes, o jogo raramente te pega na mão e força a apresentação do seu conteúdo. Aqui a exploração é recompensada, com o sentimento de perigo e surpresa esperando a cada nova aventura que Henry decide cumprir.
Como as missões se prolongam e muitas delas são obrigatórias para seguir a narrativa principal, é fácil negligenciar as urgências pessoais de Henry para descobrir como outras narrativas serão concluídas. Uma pena que, às vezes, o jogador acabe perdido diante da falta de clareza em alguns objetivos. Então você pode acabar empacado e vai precisar de alguns guias para progredir na história.
Um dos pontos mais criticados do original foi amplamente melhorado aqui: dessa vez, as animações faciais estão muito melhores. Não espere, porém, que tudo esteja a mil maravilhas, afinal são centenas de NPCs que vai interagir na jornada e a qualidade das animações visuais pode variar. Em geral, todas as cinemáticas principais e set pieces são muito bem animadas e dirigidas de modo cinematográfico.
A experiência sonora está tão aprimorada quanto, com músicas excelentes e sons ambientes imersivos seja com o barulho da natureza em um passeio noturno por volta das margens de um laguinho ou nos burburinho de uma vila mais agitada, dos eventos aleatórios que ocorrem em tavernas e casas de banho.
É justo dizer que, por conta do jogo ser tão complexo em sua programação, também há problemas ao realizar uma parte da missão de um modo que o jogo não espera que você faça. Por exemplo, em uma missão imensa para encontrar o carregamento perdido de um ferreiro que me ofereceu emprego, acabei partindo com dois NPCs importantes de Semine, a província na qual o carregamento deveria ser entregue.
Após descobrir onde a carroça estava, mais tempo é investido para descobrir onde os ladrões estavam. Após lidar com todos, mandam Henry encontrar outro ladrão que tinha fugido. Depois de eu enfrentar e matar o cidadão, preferi dormir algumas horas na barraca do acampamento já que minha vida estava muito baixa. Ao acordar, o objetivo da missão mudou e mandou eu ir direto para Semine em vez de reencontrar meus parceiros.
Chegando lá, fui repreendido como se não tivesse cumprido o objetivo de lidar com o ladrão, mesmo tendo lidado e, com isso, perdi reputação e criei um mal estar num ponto que me afetaria mais adiante na história. Fui punido por um erro de programação por ter tomado uma ação que o jogo não esperava que eu fizesse.
Embora isso tenha acontecido, é importante afirmar que o jogo, em aspectos técnicos, está bem polido. Na versão de PC, não tive o menor problema em jogar a 120fps em 4K por horas a fio. Usar o DLSS 4 também me garantiu maior fidelidade visual e ajudou também no desempenho, então recomendo que instalem essa versão após o lançamento do jogo. Na build que joguei, ainda era o DLSS 3. Note, porém, que não me refiro às tecnologias de geração de frames, mas do DLSS. O jogo não conta com gerador de quadros no momento.
Não há problemas de engasgos, raríssimas ocasiões de crashes, além de boa estabilidade do frametime. De fato, o adiamento para fevereiro foi uma escolha muito certeira para trazer o jogo livre de bugs visuais graves e outras bizarrices que afetaram o lançamento do original. Está bem otimizado e estável. Análises de consoles apontam o mesmo capricho técnico, sendo apenas a versão do Series S sofrendo com resolução inferior e baixa taxa de quadros. Nada fora do esperado dado o hardware mais limitado da plataforma.

Um marco a ser lembrado
Kingdom Come Deliverance 2 traz uma ótima jornada para Henry em seu desenvolvimento para concluir sua missão pessoal em meio a uma miríade enorme de narrativas. Raramente se viu tanto capricho em missões paralelas como as que se vê aqui, além da imersão ainda ser inigualável.
Há sim alguns preciosismos de mecânicas que Vávra poderia ter aberto mão como a ausência de retículo de mira em arcos e bestas ou o sistema de salvamento manual, mas em geral o saldo é extremamente positivo.
É uma aventura épica, visualmente estupenda que deve marcar a geração de modo muito mais impactante que o original conseguiu. De fato, não há nada igual à franquia Kingdom Come Deliverance no mercado e este segundo game é essencial para àqueles que já se apaixonaram pelo original e muito recomendado aos amantes desse período histórico tão interessante quanto o medieval. Mas lembre-se, é um jogo mais lento que respeita a inteligência do jogador.
Ainda há muito o que descobrir e sei que vou ficar muito mais horas explorando bosques, florestas, montanhas e vilas com Henry. A recompensa, sei que é garantida.
Agradecemos à PLAION pela cópia gentilmente cedida para a realização da análise.