A minissérie “Adolescência”, da Netflix, impressiona não apenas pela intensidade emocional de sua trama, mas também pela complexidade técnica por trás da produção. Filmada com um estilo de one-shot (tomada única) em cada episódio, a série levou a cinematografia a um nível desafiador, exigindo planejamento meticuloso, ensaios precisos e equipamentos inovadores.

O diretor de fotografia Matthew Lewis e o diretor Philip Barantini adotaram uma abordagem ousada ao evitar cortes invisíveis ou edições disfarçadas, garantindo que cada episódio fosse realmente uma sequência contínua.

A Desafiadora Técnica do One-Shot

Por que optar por uma única tomada por episódio?

Segundo Lewis, a decisão de filmar “Adolescência” dessa maneira surgiu do desejo de criar uma sensação intensa de realismo e imersão, colocando o público no centro da ação. No entanto, antes de tudo, foi necessário se perguntar:

“O roteiro funciona para esse formato?”

Jack Thorne, criador da série, colaborou ativamente, ajustando diálogos e cenas para que o fluxo contínuo fizesse sentido visual e narrativamente. Durante os ensaios, pequenas alterações eram feitas para garantir que a câmera tivesse uma motivação lógica para cada movimento.

Episódio 1: Da Batida Policial à Delegacia

O primeiro episódio acompanha a prisão de Jamie Miller em sua casa, seu transporte até a delegacia e seu primeiro interrogatório. Filmá-lo sem cortes exigiu um planejamento rigoroso.

Desafios:

  • Encontrar uma casa real próxima a um estúdio que pudesse servir como delegacia. A solução foi filmar em South Kirkby, Yorkshire.
  • Coreografar a câmera como uma dança, garantindo que os movimentos fluíssem naturalmente entre espaços apertados e corredores longos.
  • Escolher um equipamento leve o suficiente para ser carregado por longos períodos. O DJI Ronin 4D foi a escolha final, permitindo capturas suaves e a transição entre operadores sem interrupções.

Momentos críticos:

  • A necessidade de evitar a sensação de uma filmagem documental instável. Para isso, evitaram o uso excessivo de câmera na mão.
  • A transição da casa real para a delegacia artificial exigiu soluções criativas, como filmar partes em diferentes locais e combiná-las no roteiro.

Episódio 2: O Pesadelo Logístico de Filmar em uma Escola

O segundo episódio se passa quase inteiramente dentro de uma escola, com um grande número de figurantes — a maioria estudantes reais.

Principais desafios:

  • Coordenar centenas de alunos para que seus movimentos fossem sincronizados com a trajetória da câmera.
  • Posicionar estrategicamente 12 receptores de sinal pela escola para garantir a transmissão de vídeo contínua.
  • Integrar operadores de áudio à coreografia, posicionando-os de forma que ficassem escondidos atrás de paredes e portas.

Solução criativa:

No final do episódio, a câmera se conecta a um drone, que voa para longe antes de pousar novamente no estacionamento, onde Stephen Graham aparece em cena. Originalmente, a ideia era apenas um plano aéreo, mas os executivos sugeriram que ele retornasse ao solo para dar mais impacto ao desfecho.

Episódio 3: O Conflito Psicológico na Sala de Interrogatório

O episódio mais intenso emocionalmente acontece em uma única sala de interrogatório, onde Jamie conversa com a psicóloga interpretada por Erin Doherty.

Desafios:

  • Criar movimento suficiente para manter a tensão sem parecer gratuito.
  • Desenvolver uma “dança” entre câmera e atores baseada na energia da cena. Pequenos gestos, como Jamie pegando um copo d’água, serviram como gatilhos para deslocamentos sutis da câmera.
  • Usar um equipamento estabilizador fixo, garantindo que os movimentos fossem fluidos sem que a câmera fosse manualmente passada entre operadores.

Momento crítico:

Durante a filmagem, a iluminação controlada por iPad falhou repentinamente, desligando todas as luzes. Isso forçou a equipe a reiniciar toda a tomada depois de quase completar a gravação perfeita.

Episódio 4: O Clímax e os Acidentes Técnicos

O último episódio traz algumas das cenas mais dinâmicas da série, incluindo uma perseguição de bicicleta e uma luta.

Desafios:

  • Lidar com o gimbal travando, fazendo com que a câmera caísse repentinamente para o chão no meio de uma cena crucial.
  • Sincronizar os movimentos da câmera com os confrontos físicos sem perder a continuidade.

O Que Deu Errado?

Apesar de todo o planejamento, algumas falhas aconteceram:

  1. Falha na iluminação no episódio 3: A iluminação desligou sozinha no meio de uma tomada longa.
  2. Batida na parede: No episódio 1, o operador de câmera esbarrou no batente de uma porta, arruinando a tomada inteira.
  3. Problemas de foco: Em um momento crucial, o sistema de foco automático enlouqueceu, fazendo com que o rosto de Owen Cooper ficasse desfocado.

Apesar dessas dificuldades, a equipe conseguiu refazer as cenas e garantir que o resultado final fosse impecável.

Owen Cooper: O estreante que impressionou

O ator Owen Cooper, que interpreta Jamie, nunca havia trabalhado em um set antes. Isso, surpreendentemente, acabou sendo uma vantagem:

“Não sei o quanto ele realmente entendia do processo técnico, mas sua ingenuidade acabou sendo um superpoder.” — Matthew Lewis

Por nunca ter atuado diante de câmeras antes, ele não demonstrava nervosismo com a presença dos equipamentos e seguiu as cenas com naturalidade.

Efeitos Visuais e Edição: Houve Manipulação?

Muitos espectadores acreditaram que a série usava cortes invisíveis ou edições disfarçadas para manter a ilusão da tomada única. No entanto, Lewis garante que isso não aconteceu.

Os poucos efeitos visuais foram usados apenas para pequenos ajustes, como a transição de uma cena através de uma janela — algo impossível de fazer em tempo real. Fora isso, tudo foi filmado de forma contínua.

“Adolescência” não é apenas um drama intenso, mas também um feito técnico impressionante. O uso da técnica de tomada única real, sem edições ocultas, adiciona uma camada de imersão única à história, tornando cada momento ainda mais impactante.

A série já está disponível na Netflix e promete continuar sendo uma das produções mais comentadas do ano, tanto pelo seu impacto emocional quanto pelo desafio cinematográfico que representou.

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