Por trás do fracasso retumbante de Elio, a nova animação da Pixar que amargou a pior estreia da história do estúdio, existe uma história de conflito criativo, troca de diretores e, segundo ex-funcionários, a remoção sistemática de temas queer que eram o coração da versão original do filme. Em uma reportagem investigativa do The Hollywood Reporter, criativos que trabalharam no projeto afirmam que a liderança da Pixar “esvaziou” a obra de sua identidade, o que resultou no desastre de bilheteria e em um “êxodo de talentos” do estúdio.

A versão original de Elio era dirigida por Adrian Molina, cineasta abertamente gay e co-diretor do sucesso vencedor do Oscar, Viva – A Vida é uma Festa. Segundo as fontes, sua visão para o filme retratava o protagonista, Elio, como um personagem com “código queer”. Cenas descritas como favoritas pela equipe, como uma em que o garoto criava uma roupa a partir de lixo encontrado na praia e a exibia para um caranguejo, foram cortadas. Outra cena, no quarto do personagem, com fotos que sugeriam uma paixão por um colega do sexo masculino, também foi eliminada.

A troca de diretores e o “êxodo de talentos”

O ponto de virada teria sido em meados de 2023. Após uma exibição-teste no Arizona, onde o público, apesar de gostar do filme, indicou que não o assistiria nos cinemas, a liderança da Pixar, incluindo o chefe do estúdio, Pete Docter, teria dado um feedback duro a Molina. Pouco depois, o diretor deixou o projeto. Ele foi substituído pela dupla Madeline Sharafian e Domee Shi.

A mudança e a nova versão do filme geraram uma onda de descontentamento interno. “Fiquei profundamente triste e magoada com as mudanças que foram feitas”, disse Sarah Ligatich, ex-editora assistente da Pixar e membro do grupo LGBTQ+ da empresa. “O êxodo de talentos após essa versão foi realmente indicativo de como muitas pessoas ficaram infelizes por terem alterado e destruído este belo trabalho.” Um ex-artista que trabalhou no filme acrescentou: “O Elio que está nos cinemas agora é muito pior do que a melhor versão original de Adrian. […] O personagem tinha tanta personalidade, e agora ele me parece muito mais genérico.”

“Obediência antecipada”: a culpa é da Disney ou da Pixar?

A grande questão levantada pela reportagem é de onde partiram as ordens para “suavizar” o filme. Um dos artistas anônimos sugere que a culpa não é necessariamente da empresa-mãe, a Disney, mas da própria liderança da Pixar, em um comportamento de “obediência antecipada” para evitar possíveis controvérsias e boicotes, como os que aconteceram com o filme Lightyear em 2023, por conta de um beijo entre pessoas do mesmo sexo. “Muita gente gosta de culpar a Disney, mas a culpa vem de dentro”, afirmou a fonte.

Outros exemplos citados incluem notas para “suavizar” temas de ambientalismo em um futuro filme do estúdio e até uma ordem para que não houvesse divórcio em outra história em desenvolvimento.

O resultado: fracasso histórico

O Elio que chegou aos cinemas, já com uma personagem que era a mãe do protagonista trocada por uma tia (após a saída da atriz America Ferrera do projeto, supostamente em solidariedade a Molina), fracassou. Com uma estreia de apenas US$ 20,8 milhões nos EUA e um orçamento que, segundo as fontes, ultrapassou os US$ 200 milhões, o filme se tornou um desastre financeiro.

A dor de quem trabalhou na versão original permanece. “Eu adoraria perguntar ao Pete [Docter] e aos outros executivos se eles acharam que a reescrita valeu a pena”, questionou o artista anônimo. “Eles teriam perdido tanto dinheiro se simplesmente tivessem deixado Adrian contar sua história?”

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