Quando Hideo Kojima anunciou Death Stranding 2: On the Beach, muitos de nós nos preparamos para o que esperávamos ser mais uma jornada existencialmente densa, visualmente deslumbrante e, sejamos honestos, potencialmente punitiva. O primeiro Death Stranding dividiu águas como pouquíssimos jogos na história recente. Amado por sua narrativa enigmática, atmosfera singular e mecânicas de “simulador de entregador” que desafiavam o status quo, ele também foi criticado por seu ritmo arrastado e uma certa intolerância ao “não-engajamento” imediato. Era um jogo que te obrigava a se adaptar a ele, e não o contrário.

É por isso que para a surpresa de todos, caro leitor, ecoa um sentimento que certamente ressoará com muitos que se aventuraram por esse novo capítulo: eu gostei de Death Stranding 2. E mais, eu realmente gostei. Essa frase, para quem conhece a reputação do predecessor, é quase um atestado de fé. O que aconteceu? Será que Kojima, o mestre da subversão e do “faça o jogador feliz, mas nem tanto”, finalmente cedeu a um ritmo mais acessível? Ele mesmo já brincou com a ideia de “não deixar o jogador feliz demais”, o que torna essa reviravolta ainda mais intrigante.

De fato, Death Stranding 2 parece ter aprendido com os “erros” (se é que podemos chamá-los assim) do original. Aquele ritmo irregular, a sensação de que cada passo era uma punição, tudo isso parece ter sido azeitado. O jogo flui de uma maneira que antes parecia impossível, transformando a experiência de “conexão” em algo mais orgânica e menos arrastada.

Narrativa: Desvendando o Enigma Kojima

Kojima é Kojima e isso significa que a trama de Death Stranding 2 não é para os fracos de coração. Espere camadas e mais camadas de simbolismo, diálogos que beiram o filosófico e reviravoltas que farão sua cabeça girar. Mas, diferente do primeiro, onde a sobrecarga de informações podia ser um obstáculo, aqui a narrativa parece mais… digerível. Talvez o mundo, a lore e seus conceitos já estejam mais estabelecidos para nós, jogadores.

Onze meses após os eventos do primeiro jogo, Sam Porter Bridges (Norman Reedus) se vê novamente em uma missão crucial para o futuro da humanidade. Desta vez, sua jornada o levará muito além das fronteiras que conhecíamos. Em um mundo que ainda se recupera do Death Stranding, mas agora ameaçado por novas e poderosas criaturas, Sam e seus companheiros embarcam em uma expedição transcontinental. O objetivo? Conectar sobreviventes e colônias isoladas através de uma expandida rede quiral. Essa nova empreitada se desenrola principalmente em paisagens deslumbrantes da Austrália e do México, revelando os impactos contínuos do evento de extinção – com os Beached Things (BTs) mais evoluídos e desastres naturais mais frequentes. A presença de “portais de placa” ou “plate gates” ligando continentes adiciona uma camada extra de mistério e perigo.

A grande surpresa, porém, reside na forma como a história é contada. A narrativa é notavelmente melhor estruturada e cadenciada, com um ritmo que convida à imersão e sem deixar muitos espaços em branco para a interpretação do jogador. Felizmente, Kojima demonstra maestria na arte de “mostrar” em vez de “contar”, resultando em um roteiro que se encerra de forma redonda, com as pontas bem amarradas na conclusão da obra. Esse é um feito notável para um diretor conhecido por suas tramas labirínticas.

O arco de Tomorrow, interpretada por uma quieta e cativante Elle Fanning, é um dos grandes destaques, abrilhantando a experiência com sua presença e papel. Além disso, a cada cena de quebra-pau, ela se destaca ainda mais, especialmente nos encontros com Higgs, que retorna com um Troy Baker visivelmente inspirado, entregando uma performance que evoca a intensidade do Coringa de Heath Ledger e a melancolia estilosa do Corvo de Brandon Lee. Kojima também dá uma atenção especial a um dos personagens mais queridos dos fãs com um arco mais aprofundado para Deadman.

Contudo, nem todos os novos personagens alcançam o mesmo nível de desenvolvimento. Muitos acabam servindo mais como instrumentos de narrativa ou para justificar recursos de jogabilidade. É o caso de Tarman, o piloto da DHV Magalhães, cuja nave consegue se transportar pelos oceanos de Alcatrão e liberar a tão bem-vinda viagem rápida. Embora seja uma benção, o recurso é diversas vezes bloqueado por “desculpas de roteiro”, o que pode quebrar um pouco a imersão.

Apesar de ser brilhantemente animado com frames não-contínuos, simulando um stop-motion, o personagem Dollman não acompanha o mesmo esmero em termos de narrativa ou desenvolvimento. O boneco faz muitas constatações óbvias e guia a mão do jogador de modos pouco sutis. Sua história também deixa a desejar, não firmando um arco plenamente desenvolvido e deixando pontas soltas. O mesmo se aplica a Heartman, que retorna para um papel um pouco mais importante, mas sem resolver seu próprio arco. É uma pena, pois esses personagens tinham potencial para muito mais.

Em contraste, apenas Rainy, a nova personagem, e Fragile têm seus arcos desenvolvidos até o fim do jogo. O de Rainy é particularmente interessante, apesar de centralizar um núcleo de personagens que orbitam uma matriarca interpretada por Debra Wilson, uma atriz que, embora talentosa, já “estafou o público gamer de tantas personagens” que ela é escalada no mercado.

Kojima, como sempre, mantém diversos elementos bizarros para definir um estilo autoral no visual das cinemáticas do jogo. Não há nada que realmente se destaque como “diferente dos momentos de vergonha alheia” já vistos no game original. No entanto, aqui, nota-se que a encenação está muito mais interessante, transformando as cinemáticas em momentos de verdadeira tensão e curiosidade para o jogador, um testemunho da evolução da direção de Kojima.

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Gameplay: A Evolução da Entrega (e do Combate?)

Aqui é onde muitos esperavam a maior mudança, e Death Stranding 2 não decepciona. Se o primeiro era um “simulador de caminhada e logística” que desafiava a paciência de alguns, o segundo refina e expande essa base com maestria. As mecânicas de movimentação e gerenciamento de carga, o cerne da experiência original, receberam um polimento incrível, tornando a travessia do mundo pós-apocalíptico mais fluida e recompensadora.

O sistema climático, que antes parecia um inimigo invisível e implacável, agora é uma força da natureza que exige respeito, mas sem a burocracia excessiva. Terremotos, tempestades violentas e nevascas surgem para testar suas habilidades, mas a mecânica de deterioração de equipamentos e danos à carga pela chuva ácida, a Timefall, foi recalibrada para ser mais convidativa ao jogador. Ela ainda é um elemento vital, mas agora desafia sem se tornar um trabalho árduo e repetitivo. É o equilíbrio perfeito entre imersão e diversão.

A progressão também foi inteligentemente acelerada. É mais rápido desbloquear veículos e armamentos eficazes, o que permite explorar e interagir com o vasto mundo de Death Stranding 2 de formas que antes levariam horas e horas de grind. A transformação do mundo através das estruturas criadas por outros jogadores continua sendo um dos pilares da experiência online assíncrona, mas agora com adições ainda mais inventivas como catapultas, rampas e reenergizadores, tornando a colaboração global ainda mais gratificante e visível.

As missões em si estão melhor estruturadas, com objetivos mais claros e uma variedade que evita a sensação de repetição. E os infames encontros com os BTs? Eles são menos frequentes e talvez um pouco menos punitivos, mas não se engane: quando surgem, a ambientação visual e sonora das criaturas ainda é aterrorizante. Aquela sensação de medo palpável e a ameaça iminente de uma obliteração (e vamos combinar, ninguém quer ver o que acontece ali) persistem, mantendo a tensão que é uma marca registrada de Kojima.

Sam também está mais preparado para o combate. Além das ferramentas icônicas, seu arsenal foi ampliado para incluir metralhadoras, escopetas, lança-granadas e até foguetes. E para os que gostam de um toque de excentricidade, um bumerangue muito divertido se junta aos bastões e outras surpresas icônicas que tornam cada confronto uma experiência única. O gameplay de Death Stranding 2 é superior em todos os sentidos, um testemunho de como refinar uma fórmula sem perder sua essência. Também é igualmente importante mencionar que a UX está muito mais amigável, facilitando a instalação de estrutura e, principalmente, a organização das cargas – um pesadelo no jogo anterior.

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Gráficos e Tecnologia: O Verdadeiro Salto Geracional do PS5

Ah, o visual. Se o primeiro Death Stranding já era um espetáculo no PS4, imagine o que o Decima Engine é capaz de fazer no PlayStation 5. Sua menção de que este é “um dos primeiros jogos que tem toda a sensação de ser de fato da nova geração de consoles do PS5” é um ponto crucial. Não se trata apenas de texturas em alta resolução ou mais polígonos. É a iluminação, a fidelidade dos modelos dos personagens (aqueles poros na pele de Reedus!), os efeitos climáticos que impactam diretamente a jogabilidade, e um nível de detalhe ambiental que realmente imerge o jogador em um mundo crível, apesar de sua natureza bizarra.

O jogo aproveita ao máximo os recursos do PlayStation 5, oferecendo tanto um modo performance quanto um de qualidade. E a melhor notícia é que o modo performance é igualmente bonito, garantindo que o jogador não perca nada ao optar pela jogabilidade mais fluida dos 60fps. As texturas dos personagens são tão bem realizadas que já conseguem superar o vale da estranheza, praticamente se tornando simulacros perfeitos de seus atores na vida real. O mesmo se dá pelas animações faciais e corporais dos personagens, todas incrivelmente orgânicas, conferindo um nível de realismo que raramente vemos em games.

Aproveitando o hardware do console, o Death Stranding 2 também utiliza alguns dos recursos do DualSense, principalmente os alto-falantes do controle, que inserem muitos efeitos sonoros durante a jogatina. Embora não chegue perto de ser um uso espetacular como o de Astro’s Playroom, que explora o controle por completo, é bom o suficiente para ajudar na imersão do jogador no mundo pós-apocalíptico do game.

E, claro, a trilha musical é um capítulo à paret. A maior parte dela, centrada no excelente artista Woodkid, cria momentos memoráveis, principalmente na belíssima abertura e no épico encerramento do jogo – ambos pontos altíssimos da experiência. As canções licenciadas também se fazem presentes em momentos chave da jogatina, servindo até para relaxar o jogador imerso em cenários mais tranquilos e calmos, sem grandes ameaças de percurso. Quem gosta de folk e indie já sabe que tem um prato cheio aqui, com faixas que complementam perfeitamente a atmosfera única de Death Stranding 2.

Vale a Pena Conectar-se Novamente?

Death Stranding 2: On the Beach é uma aula de como um diretor pode ouvir o feedback dos fãs sem comprometer sua visão artística. Para aqueles que detestaram o primeiro jogo, que o acharam tedioso, punitivo ou simplesmente arrastado, temos uma notícia surpreendente: este é o Death Stranding que você talvez nunca pensou que gostaria de jogar – como foi literalmente o meu caso.

Kojima e sua equipe conseguiram aprimorar todos os aspectos que causavam fricção na experiência original, transformando a jornada de Sam Porter Bridges em algo genuinamente divertido. Com uma campanha principal que beira as 30 horas de gameplay, o jogo entrega uma experiência robusta que, mesmo com essa duração considerável, não esgota o jogador e o mantém interessado até sua conclusão. É um feito e tanto para um game com a profundidade e a complexidade narrativa de Death Stranding.

Além da história principal, há uma infinidade de missões secundárias que, embora menos importantes para o avanço da trama central e em sua maioria focadas em entregas ou resgate de animais, complementam as histórias de outros NPCs menores, enriquecendo o universo do jogo e oferecendo mais motivos para explorar. Essa densidade de conteúdo garante um excelente valor na balança de horas x custo, provando que Death Stranding 2 não é apenas uma obra de arte, mas também um investimento sólido para o seu tempo de lazer.

É uma recomendação forte, até mesmo para os céticos. Dê uma chance a Death Stranding 2. Você pode se surpreender ao descobrir que a conexão, desta vez, é para valer.

Agradecemos à PlayStation pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.

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Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.

Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.

Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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