Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é uma projeção que carece de razão. Aparições, consequências e ações só estão aqui por existir, mas se existe algo, que inclusive não é comum em produções do estúdio, é que uma direção precisa e inventiva dá vida a qualquer conteúdo.

Sobre a história, não é uma narrativa fluida, é apressada, numa edição pesadíssima, o que torna alguns personagens e arcos vulgarmente “forçados”, como por exemplo o da Wanda Maximoff, que abraçou o manto da Feiticeira Escarlate de vez.

É sempre um prazer ver a Elizabeth Olsen como a Feiticeira, ainda mais agora nas mãos criativas do Sam Raimi, mas aqui eu fiquei me perguntando se algumas atitudes dela se justificam, já que o maior objetivo dela envolve sacrificar algo que poderia ser ligado à sua motivação que é ter seu amor materno correspondido, ou pelo menos deveria ser.

A atriz faz uma participação espetacular, isso é um fato, porém assim como tudo na projeção, ela é afetada pela edição pesada aqui ainda mais sabendo das intensas quatro semanas de regravações do longa dois meses antes de estrear.

Eu senti Olsen meio “desconfortável” em alguns momentos, a vilania da Feiticeira Escarlate nos é abruptamente apresentada (junto de sua primeira aparição). Eu só imagino que aquele primeiro e segundo ato seria bem mais explicativos, pra dar escopo pra Wanda, já que segundo o diretor, o filme teria um corte original de duas horas e quarenta minutos.

Benedict Cumbertch é dedicado em tudo que faz, nada aqui exige demais dele, ele fica à vontade em toda a dramaticidade envolvendo principalmente Christine Palmer (Rachel McAdams). América Chávez (Xochitl Gomez) é um achado, tirando algumas facilitações narrativas ao redor da participação da personagem, de nada a deixa a desejar da interpretação da atriz que esbanja carisma e já deixa claro o papel no Universo Cinematográfico Marvel.

O restante do elenco fica operante na mão do diretor, talvez alguns sofram dessa pressa do filme em acabar, mas nada que seja relevante pro arco principal.

Tirando as duas cenas que citei no início, todos os efeitos visuais são vistosos, alguns propositalmente lúdicos numa vibe “animação” que casam perfeitamente com toda a proposta de multiverso da loucura.

Um vislumbre ao todo meio medieval, principalmente nos ambientes que giram ao redor da Wanda e a mitologia que agora a narrativa da personagem abraça de vez. Junto do fotógrafo John Mathieson (Gladiador, O Fantasma da Ópera) Sam Raimi cria os shots mais inventivos do universo cinematográfico da Marvel, fugindo quase que completamente do filtro cinza comum das produções.

Ambientes reais, cenários práticos e efeitos menos fabricados, o diretor conseguiu deixar sua marca no filme trazendo uma pintura mais realista, ao mesmo tempo que criativa.

Falando em direção, que sabor é ter Sam Raimi (saga Evil Dead) de volta. Todas as referências possíveis de seus trabalhos anteriores (incluindo uma participação especial) estão presentes aqui, até mesmo uma que fãs devotos da triologia Tobey Maguire irão perceber.

A câmera inclinada em cenas de transformação e o suspense/horror gerado por ela está presente aqui, além do visual creepy. Aliás, se existe um gênero em que a projeção se encaixa é o de terror, de zumbis a monstros medievais, do suspense aos jumpscares, todos esses elementos estão presentes e que casam com narrativa e visão artística do diretor.

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura é um filme apressado, com uma edição pesada e que sofre de “falta de justificativas” no seu enredo, o que compromete suas intenções como um filme-evento e gera furos de roteiro e narrativas artificiais, mas a direção inspirada de um dos cineastas mais inventivos da cultura pop salva a projeção da mediocridade e do esquecimento, comum entre as produções do estúdio e que provavelmente ainda vá persistir para os próximos anos.

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