Um gênio abstrato que não via no cinema nada mais do que um dos seus vários hobbies artísticos que variaram entre a música, pintura e afins; mas foi no cinema (e TV) onde seu nome foi ressoado na história como um dos nomes mais influentes e únicos da arte em frame, onde ele pode explorar suas ideias próprias entre o surreal soturno, macabro, por vezes escrachado, sempre bizarro, mas também o pessoal íntimo e doce. Esse foi David Lynch, e se você não o conhecia até agora, fique com esse pequeno prestigio de sua obra:
Eraserhead 1977
A maturidade rumo a se tornar um pai de família se iguala aos anseios de um pesadelo nuclear pós apocalíptico. Tentar decifrar Eraserhead é parte do próprio imbróglio no qual ele te mergulha em um filme de ficção científica moldado à anos 50 mas com a textura surrealista, envolto entre anseios temerosos e desejos infantis de encontrar luz num mundo envolto em doença e escuridão. Macabrosamente bizarro e peculiariamente hilário, a estreia no cinema já havia deixado uma marca de algo a ser reconhecido.
O Homem Elefante 1980
Ao longo de sua carreira seria justo dizer que as aptidões como diretor o fariam encaixar melhor como seu próprio gênero e não se meter em trabalhar sob contrato de estúdio com material de outrem vide o fiasco que sua adaptação de Duna acabou se tornando. Mas antes disso, no que muitos hoje veriam como um mero drama Oscar-bait, Lynch conseguiu transpor exatamente essas emoções de dor e sofrimento de caráter “humanista” sob uma luz altamente poética e meditativa. Não importando as toneladas de maquiagem que desfiguram o rosto de John Hurt em cena em tentar vender a existência pesarosa de seu personagem, é na imagen, na atmosfera quase idílica e como a pureza e pesar de seu protagonista não está somente no físico mas no pensante e extra corpóreo de seu ser.
Veludo Azul 1986
O que começa quase como uma travessura de filme Noir teen com seu jovem e inocente Kyle MacLachlan tentando desvendar um mistério sobre uma orelha decepada em sua pacata cidadezinha, logo mais se torna o que marcou quase tudo que Lynch veria a fazer: “um pesadelo vivo”. Entre uma combustão de desejos pérfidos e uma obsessão macabra pelo sexual doente, o mal é algo que acabamos nos esbarrando por acidente ou é uma fagulha prestes a se ascender dentro de nós a qualquer momento?!
Veludo Azul não impõe resoluções fáceis à perguntas e te provoca ao nível do desconforto, mas há sempre algo de belo e tocante, no seu desejo de fazer o bem mesmo atravessando o inferno humano, que nos puxa constantemente de volta a ele. É a própria fissura de Lynch como esse espírito jovem obcecado por filmes Noir clássicos e a beleza idílica do melodrama anos 50 só pra se confrontar com o lado mais sombrio de seu ser nesse intremeio oculto por imagens belas.
A Estrada Perdida 1997
Como tornar O Mágico de Oz e O Duplo de Dostoiévski em um Neo-Noir / terror sobre identidade, obsessão voyeur, impotencialidade e adrenalina viril. Todas as obsessões mais insanas de Lynch reunidos em um só prato cinematográfico de mistério, desejo e perturbação mas que você não consegue tirar os olhos vidrados na tela.
Uma História Real 1999
Um David Lynch para a família toda ou simplesmente transferir seu toque meditativo do existir e explorar isso sem restrições de tempo e pura contemplação em uma aventura singela e tocante sobre laços de amor que nunca se extinguem. O filme que representa o lado sempre mais esquecido de seu diretor: seu coração enorme e sua esperança e sonho vivido sobre aquilo que somos de melhor.
Cidade dos Sonhos 2001
Um remake surrealista de Um Corpo que Cai misturado à um take moderno de Crepúsculo dos Deuses ou um retrato sóbrio da vil realidade do showbussiness dentre os bastidores do fazer cinema? Seja o que for entre as perguntas que jamais serão respondidas sobre os mistérios de Cidade dos Sonhos, a única certeza que seu diretor e personagens se agarram é a que acreditar e sonhar são melhores opções do que a realidade sendo uma ficção dolorosa demais.
Império dos Sonhos 2006
A definição do que se tornou o cinema moderno para Lynch: um purgatório de imagens desconexas e aprisionantes que deixam o indivíduo para sempre perdido no ser e não ser humano ou personagem, ideológico ou pensante, do que se é viver na cidade dos Sonhos. Um filme para ninguém e ainda assim tudo que seu diretor acreditava e compartilhar conosco em sua meditação extra corpórea capaz de te aprisionar em seus recantos inescapáveis.
Twin Peaks 1989 – 2017
Desde suas origens como a série-telenovela febre dos anos 90 ao filme prequel Os Últimos Dias de Laura Palmer e a terceira temporada chamada de O Retorno em 2017 sendo talvez a maior obra em celuloide da década passada; tudo que Twin Peaks é foi o que Lynch seria para sempre em sua carreira com a câmera. Desde criar um mistério suburbano novelesco teen com os acasos e desacasos humorados (e sombrios) de uma cidadezinha pacata; ao buraco sem fim de mistérios se auto consumindo feito uma cobra comendo o próprio rabo; nessa onda de criação fictícia e expressão que nós criamos para confrontar nossos temores e anseios intimos ou sociais, o mal e o bem se degladiam.
Na tela ou na recepção; como é feito ou como o consumimos. A síntese de toda sua arte envolta entre o terror inexplicável e conquistando nossos corações em sentimentos verdadeiros.