Crítica | Alerta de Risco - Um filme de ação genérico e vazio

Às vezes a Netflix acerta e, com alguma frequência, erra. Neste último caso que se encaixa o filme Alerta de Risco, longa dirigido por Mouly Surya, que tinha como principal atrativo o retorno da atriz Jessica Alba em um longa produzido para um público de massa.

Jessica Alba tem uma vasta filmografia, já trabalhou com grandes diretores e participou de várias produções, mas ficou mais conhecida por seus papéis nos dois filmes de O Quarteto Fantástico, de Tim Story, e pela divertida comédia romântica Ligeiramente Grávidos. No entanto, seu último papel relevante em longas foi em Sin City: A Dama Fatal, de 2014, e desde então não fez mais nada de relevante no audiovisual.

Em Alerta de Risco, Alba interpreta Parker, uma soldado que retorna para casa devido à morte de seu pai em uma mina e passa a suspeitar que a morte não foi nem acidental nem suicídio, então começa uma minuciosa investigação.

 O roteiro, que teve a participação de três roteiristas, não passa de pura bobagem. É um thriller de vingança batido em que a protagonista retorna à cidade natal após um longo período longe e precisa reencontrar e lidar com pessoas com quem não tem muita afinidade nem amizade.

É um filme bastante vazio, com uma história clichê de vingança e personagens completamente sem essência. A própria protagonista não tem carisma nem uma história de vida relevante que possa conectá-la ao espectador. O mesmo pode ser dito dos personagens secundários, que são irrelevantes e nada atraentes.

As cenas de ação se limitam a enfrentamentos entre a protagonista e os vilões, com lutas pessimamente coreografadas e sequências de ação genéricas. Nem as cenas de perseguição e tiroteio se salvam; são tão fracas que não impressionam o público em nada.

De uma ideia batida surgiu esse fraquíssimo Alerta de Risco. Não se sabe ao certo por que a Netflix investe tanto em produções genéricas e ruins. Este thriller de vingança deixa bastante a desejar e desperdiça o tempo do espectador.

Alerta de Risco (Trigger Warning, EUA – 2024)
Direção: Mouly Surya
Roteiro: John Brancato, Josh Olson, Halley Wegryn Gross
Elenco: Jessica Alba, Mark Webber, Anthony Michael Hall, Alejandro de Hoyos, Tone Bell, Jake Weary, Gabriel Basso, Kaiwi Lyman
Gênero: Ação, Policial, Suspense
Duração: 96 min.

https://www.youtube.com/watch?v=MJoYwV1zcyo&t=28s&ab_channel=NetflixBrasil


Crítica | Uma Natureza Violenta - Quase que uma cópia de Sexta-Feira 13

Uma Natureza Violenta é tudo o que os fãs de filmes de terror não estão habituados a ver nos slashers, que geralmente seguem a fórmula clássica de um assassino mascarado perseguindo jovens e matando-os um a um com mortes criativas.

A história acompanha um assassino chamado Johnny, responsável pelo massacre de White Pines, que ressurge da terra em busca de um medalhão que o mantinha preso ao local. Ele retorna para matar todos em seu caminho na tentativa de recuperar o objeto e descansar em paz.

Dirigido por Chris Nash, o cineasta apresenta sua versão de Jason Voorhees e utiliza claramente a franquia Sexta-Feira 13 como referência para conceber sua história. Até a forma como Johnny é visto a todo instante e os enquadramentos que o mostram dão a impressão de que ele seria uma versão moderna de Jason.

O longa se destaca ao descaracterizar o formato clássico dos slashers, ao filmar o vilão de costas e apresentar seu ponto de vista dos acontecimentos, mostrando-o observando suas presas de longe e percorrendo a floresta em busca de vítimas.

Nash foi mais ousado do que parece ao adotar essa abordagem, pois pouquíssimos diretores topariam contar os crimes de um assassino sádico através de sua perspectiva. Tal prática permite revelar a outra parte do enredo que geralmente é ofuscada, que é a visão do serial killer. A câmera é colocada em cena de um jeito que lembra as obras de Terrence Malick, com ritmo lento e exploração de paisagens naturais. 

Essa é apenas uma das quebra de expectativas que o longa realiza. Os personagens não são apresentados e nem desenvolvidos, o papel da final girl não está definido desde o princípio, com a protagonista só ganhando destaque no ato final, e mesmo assim, não temos ideia de quem ela é ou por que está ali no meio do mato.

Essa falta de drama é algo que sentimos na trama; a narrativa é muito séria e direta ao ponto. O drama geralmente enriquece o roteiro, e a falta dele muda completamente a narrativa. Outro aspecto que sentimos ausência é da falta de sustos, devido à visibilidade do antagonista e à previsibilidade de seus próximos passos. Essa falta de sustos provavelmente irá frustrar parte do público, mas, em contrapartida, o longa é bastante violento, para não dizer brutal.

Uma Natureza Violenta possivelmente vai frustrar muitos espectadores que estão procurando um slasher convencional, mas encontrarão um projeto de terror quase experimental, que segue uma direção oposta ao habitual do subgênero, e por esse motivo deve ser visto.

Uma Natureza Violenta (In a Violent Nature, EUA – 2024)
Direção: Chris Nash
Roteiro: Chris Nash
Elenco: Ry Barrett, Andrea Pavlovic, Cameron Love, Reece Presley, Liam Leone, Charlotte Creaghan
Gênero: Drama, Terror, Suspense
Duração: 94 min.

https://www.youtube.com/watch?v=4BVW7axwtQk&ab_channel=Shudder


Crítica | Entrevista com o Demônio - Um filme que foge do convencional

Possessões demoníacas sendo mostradas no cinema já são algo comum, com a franquia Invocação do Mal popularizando esse subgênero que conta com grandes clássicos, como O Exorcista (1973) e O Exorcismo de Emily Rose (2005). Entrevista com o Demônio é uma dessas produções que tratam do assunto, mas que provavelmente não irá conquistar boas notas de uma parcela do público.

A nota no Rotten Tomatoes, onde o longa atualmente aparece com 97% da crítica e 81% da audiência, já é um indício de que os espectadores ou não entenderam o conceito do filme ou simplesmente não gostaram da trama. Se sustos, gritos e sangue aos montes são o que você procura ao assistir a esta produção, não é isso que encontrará; pelo contrário.

Late Night With the Devil (título original) foi dirigido e roteirizado pelos irmãos Cameron e Colin Cairnes. O filme conta a história de Jack Delroy (David Dastmalchian), um apresentador de programa de auditório nos anos 1970 que aspira superar a audiência de seu concorrente Johnny Carson e, para isso, decide apelar para o sensacionalismo, convidando figuras ligadas ao ocultismo para o especial de Halloween de seu programa.

Se pararmos para pensar, a ideia do roteiro é bem simples, mas, nas mãos dos irmãos Cairnes, revela todo o seu potencial, indo além do ocultismo e entrando na esfera da possessão demoníaca. O primeiro ato é arrastado, pois precisa apresentar Jack, seu programa noturno Night Owl e suas ambições pessoais, além de seu trauma particular envolvendo a morte de sua esposa.

Filmado no estilo found footage, mas não no formato convencional de câmera na mão. Em vez disso, utiliza as câmeras do programa de TV para criar a impressão de que se trata da única cópia de uma fita master e de que aquele conteúdo é real. O filme intercala entrevistas do apresentador com os convidados e conversas de bastidores entre Jack e o produtor, causando uma maior imersão do público com a trama.

Com todo o falatório nas redes sociais sobre esse filme, é natural que se crie uma grande expectativa ao seu redor. No entanto, isso provavelmente frustrará aqueles que procuram uma história de possessão demoníaca convencional, algo que o longa não oferece. Somente em seu último ato é revelado todo o horror envolvendo a garota de 13 anos, Lilly (Ingrid Torelli). É quando o verdadeiro mal se manifesta que entendemos o que os diretores pretendiam com todo o suspense construído até então.

A mensagem que o roteiro quer transmitir não é óbvia, mas é possível captar seu sentido. Jack entrevista, em seu programa especial de Halloween, um médium, um homem cético em relação às artes ocultas e uma parapsicóloga que está tratando a garota de 13 anos, que alega estar possuída pelo demônio. O debate não se limita à espetacularização dos programas de TV que trazem tantas bobagens para as telas, mas também à escuridão envolvida na criação desses programas e à indiferença dos produtores em relação às consequências de seus atos, focando apenas na audiência.

Entrevista com o Demônio lembra bastante os curtas amadores da bizarra franquia de terror V/H/S, que simula fitas de vídeo perdidas. Os irmãos Cairnes utilizaram o terror atmosférico para dar um ar de realidade à trama, o que funciona bem e cria uma rápida conexão com o público, situando-os no ambiente onde a ação acontece. O jeito de pensar um programa de TV foge do óbvio, proporcionando uma experiência imersiva e original.

Entrevista com o Demônio (Late Night with the Devil, EUA – 2023)
Direção: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Roteiro: Cameron Cairnes, Colin Cairnes
Elenco: David Dastmalchian, Laura Gordon, Ian Bliss, Fayssal Bazzi, Ingrid Torelli, Rhys Auteri
Gênero: Terror
Duração: 93 min.

https://www.youtube.com/watch?v=7pzCItd7FRs&ab_channel=DiamondFilmsBrasil


Crítica | Meu Malvado Favorito 4 - Uma franquia que perde o fôlego

Quando o primeiro longa animado de Meu Malvado Favorito estreou em 2010, foi um sucesso instantâneo, principalmente entre o público infantil, que logo se encantou com a animação que trazia Gru como um vilão malvado e seus bobinhos, porém divertidos, Minions, que rapidamente se tornaram a marca registrada da produção. 

É óbvio que tamanho sucesso faria com que o filme recebesse continuações, dois derivados e curtas-metragens, além de transcender as telas e vender produtos, como mochilas, camisas e brinquedos. É nesse cenário que surge Meu Malvado Favorito 4, uma sequência natural, mas não tão encantador quanto às versões anteriores.

Isso não quer dizer que a animação seja ruim; pelo contrário, sua qualidade continua sendo de primeira linha, graças à produtora Illumination Entertainment, responsável pela criação e animação da produção. O grande problema do quarto filme da franquia, e nisso há uma parcela de culpa dos diretores (Chris Renaud, Patrick Delage) e roteiristas (Ken Daurio, Patrick Delage), é que a história não se renova com o passar do tempo, apenas inserindo um ou outro elemento novo à narrativa.

Desta vez, o elemento novo é Gru Jr., o bebê recém-nascido da relação do ex-supervilão com Lucy, que ele conheceu e por quem se apaixonou em Meu Malvado Favorito 3. Esse fato já demonstra que a obra está se transformando em uma produção voltada para a família, não apenas pela história centrada nesse novo componente, mas também pelas mudanças na vida dos personagens.

Gru abandonou sua vida de supervilão há algum tempo e agora busca transmitir uma imagem de pessoa gentil e amável. Enquanto isso, Lucy e sua filha mais velha, Margo, enfrentam desafios ao se adaptarem a uma nova vida na cidade. É nesse contexto que surgem diversas situações engraçadas que devem divertir o público.

Nos outros longas da franquia, o principal era o vínculo entre Gru e suas três filhas adotivas, além do processo de humanização do vilão através desse vínculo. Neste novo capítulo, porém, são poucas as oportunidades para as três crianças se destacarem, sendo praticamente deixadas de lado. A falta de coragem da dupla de diretores, Chris Renaud e Patrick Delage, em dar um passo além e amadurecer os personagens representa uma grande oportunidade perdida.

São várias as subtramas criadas pelo roteiro e a história não consegue suportar tantas variações. Um exemplo são os Minions que se tornam espécie de super-heróis e que são pessimamente apresentados pelo roteiro. A partir do momento que mais e mais personagens vão surgindo na narrativa, mais difícil fica desenvolver suas histórias e deixando a trama cada vez mais vazia e artificial.

Meu Malvado Favorito 4 é praticamente uma cópia dos filmes anteriores, reproduzindo a fórmula que deu certo, incluindo o surgimento de um vilão com um plano maquiavélico para criar o caos no mundo. De todos os longas da franquia, este é o mais fraco, dando a impressão de que, com o tempo, a criatividade se esgotou e não há mais nada para inovar. Certamente agradará ao público infantil, mas para os outros espectadores, pode se tornar cansativo e previsível.

Meu Malvado Favorito 4 (Despicable Me 4, EUA – 2024)
Direção: Chris Renaud, Patrick Delage
Roteiro: Ken Daurio, Mike White
Elenco: Vozes - Steve Carell, Kristen Wiig, Joey King, Will Ferrell, Sofía Vergara, Miranda Cosgrove
Gênero: Animação, Aventura, Comédia
Duração: 95 min.

https://www.youtube.com/watch?v=-9QBR0BwK3E&ab_channel=UniversalPicturesBrasil


Primeiro dia da Gamescom latam mostra o potencial do evento

O primeiro dia da Gamescom Latam, evento de games que ocorre até o domingo (30) no São Paulo Expo, em São Paulo, surge como opção de entretenimento para os fãs desse setor, que somente em 2023 teve um faturamento de 188 bilhões de dólares no mundo, ultrapassando a indústria de cinema.

Não por acaso, muitas empresas estão de olho nesse lucrativo mercado, que engloba produtores de games, influenciadores, fabricantes de hardwares e acessórios para gamers. No evento, há também espaço para aqueles que querem popularizar suas marcas frente a uma audiência jovem, como a TNT Energy Drink, que está com um estande fornecendo energéticos e brindes para os vencedores de uma divertida gincana.

Entre os estandes de games, marcam presença empresas como a Nintendo, que conta com um grande espaço onde é possível jogar clássicos da marca. Há uma grande diversidade de jogos na Gamescom, com a possibilidade de jogar games da Sega, Xbox e também a expansão de Elden Ring: Shadow of the Erdtree, trazida pela Bandai Namco.

Outras marcas relacionadas a esse universo estão presentes, mas são bem poucas. Se comparado com outros eventos do gênero, isso é até algo positivo, pois o evento pode ser visto menos como um local preocupado apenas com a venda de produtos e mais como um evento de games propriamente dito.

Mesmo com uma área bastante inferior se comparada a outros grandes eventos de cultura pop, como a CCXP, a Gamescom Latam trouxe um vasto espaço para disponibilizar jogos de diversas produtoras. Isso chama a atenção, já que ultimamente os eventos de jogos têm disponibilizado mais espaço para a venda de produtos e pouco espaço para jogar games. Isso é algo positivo, pois quem vai a um evento de games quer jogar games e não apenas comprar produtos.

Claro que não apenas de jogos clássicos vivem os gamers; o público busca novos jogos para testar. Entre as novidades, os destaques são Luigi's Mansion 2 HD, da Nintendo, Spy x Anya, da Bandai Namco, e Metaphor: ReFantazio, da Sega. No entanto, é muito pouco para um evento deste porte. 

Pontos negativos são a área da praça de alimentação, que apresenta preços absurdamente altos, tornando inviável fazer uma refeição no local e a organização que se mostrou bastante confusa, ainda mais na hora da saída do lugar. Por outro lado, a parte positiva foi a área dedicada aos boardgames, que se mostrou bastante democrática. O público podia simplesmente chegar, sentar à mesa e jogar os boardgames disponibilizados, sem a burocracia frequente nesses eventos. Patrocinado pela Ludus Luderia, o espaço não exigia nenhum tipo de cadastro online para jogar, proporcionando uma experiência mais acessível e agradável aos visitantes.

De início, pode-se dizer que a Gamescom Latam tem potencial para crescer e atrair um público mais diversificado, não apenas fãs de games. O evento trouxe boas impressões ao disponibilizar uma grande variedade de jogos e amplos espaços para que fossem jogados. Espera-se que no futuro mantenha essa essência de evento indie.


Crítica | As Cores do Mal: Vermelho - Um eficiente thriller policial

Se há algo a se elogiar na Netflix, é o fato de trazer para a sua audiência produções originais de diversos países, como é o caso de As Cores do Mal: Vermelho, um filme polonês que foi adaptado do primeiro livro de uma trilogia escrita pela autora Małgorzata Oliwia Sobczak.

A história se passa na cidade de Gdynia, na Polônia, onde Monika (Zofia Jastrzębska) convence o gerente de uma boate de que ela é a pessoa certa para trabalhar no local e vender, além de bebidas, drogas. Surge um romance entre Monika e o gerente, mas ela não espera que o pior possa acontecer com ela. Monika é brutalmente assassinada, e seu corpo é encontrado na beira da praia, dando início a toda uma investigação policial.

Essa cena inicial, com Monika encontrada de bruços na praia e seu corpo marcado por sinais de violência, já mostra ao público a linha que o longa seguirá: uma história de assassinatos. O roteiro não revela de imediato o motivo nem o autor. Esse mistério gerado já no primeiro ato prende o espectador, despertando o desejo de solucionar o crime e em cada reviravolta só deixa com mais vontade de seguir acompanhando a narrativa.

A trama é apresentada em dois tempos distintos: um no presente, em que a investigação policial acontece, e outro no passado, mostrando Monika se envolvendo cada vez mais no mundo das drogas e como sua morte ocorreu.

Há vários personagens que podem ser considerados vilões, sendo o principal o chefe do tráfico na região. Ele é retratado como um homem cruel e sádico, que pratica atos violentos com uma naturalidade que lembra Frank Costello, de Os Infiltrados, devido à sua brutalidade.

O thriller de suspense traz todos os ingredientes que são vistos com frequência em obras do gênero, como assassinatos bárbaros, investigação e inúmeras reviravoltas, esse último elemento, por sinal, é o grande trunfo do longa, que traz uma reviravolta atrás da outra e nunca dando margem para que o público descubra quem é o verdadeiro vilão da história.

As Cores do Mal: Vermelho tem uma atmosfera fria e sombria, e tal ambiente se reflete na narrativa, trazendo muito mistério. Enquanto a trama se desenrola, é possível acompanhar a investigação se desenvolvendo em meio a momentos de tensão. Não é uma obra-prima, mas é uma produção eficiente e que desempenha bem o seu papel de entreter.

As Cores do Mal: Vermelho (Kolory zla. Czerwien, Polônia – 2024)
Direção: Adrian Panek
Roteiro: Lukasz M. Maciejewski, Adrian Panek, baseado na obra de Malgorzata Oliwia Sobczak
Elenco: Jakub Gierszal, Maja Ostaszewska, Zofia Jastrzebska, Andrzej Konopka
Gênero: Policial, Drama, Mistério
Duração: 111 min.

https://www.youtube.com/watch?v=ZDrN-w8yFps&ab_channel=NetflixPolska


Crítica | Clube dos Vândalos é um reflexo de uma época

O Clube dos Vândalos é um daqueles filmes que quanto menos você sabe sobre ele melhor e mais surpreendente é a experiência. Dirigido com ousadia pelo diretor e roteirista Jeff Nichols, que criou uma obra para se elogiar e dizer, porque não, que é um dos seus melhores trabalhos desde O Abrigo (2011).

Adaptado do livro de fotografia homônimo de Danny Lyon (The Bikeriders), o filme apresenta a história de maneira ficcional, mantendo apenas os personagens reais. A trama é apresentada em duas épocas: em uma delas mais atual, Kathy (Jodie Comer) é entrevistada por Danny (Mike Faist), que está curioso para saber o que ocorreu com o grupo após seu fim; e em outra, o clube e suas aventuras com as motos são mostrados.

Entre bebedeiras, brigas e rodas de conversa, Benny se destaca na trama. Interpretado por Austin Butler, é um homem de olhar sereno e poucas palavras, sempre pronto para a ação, dividido entre seu amor pelo grupo e por sua esposa Kathy, que é sem dúvida o grande nome da história, funcionando como narradora, que tem outros dois pontos altos: o próprio Butler e Tom Hardy, interpretando Johnny.

Aventura sobre rodas

Não há nada mais americano do que pegar a estrada montado em uma moto clássica e estilosa. No longa, os motoqueiros do grupo dos Vândalos são apresentados como homens que buscam um estilo de vida próprio, colocando as motos em primeiro lugar em suas vidas, muitas vezes à frente das próprias famílias.

Jeff Nichols romantiza a trama em seu primeiro ato, de forma proposital apresentando os motoqueiros em ação, e depois parte para o drama no segundo ato, dando um toque de realidade ao desenvolver os personagens, suas paixões e histórias de vida.

A virada que o roteiro dá no terceiro ato tem uma sutileza que lembra o que o cineasta fez em Loving: Uma História de Amor (2016). O longa faz com que o espectador queira ainda mais acompanhar a jornada desses homens que, no início, tinham o ideal de viver uma aventura sobre rodas. No entanto, a partir do momento em que Johnny permite a abertura de franquias do clube em outras cidades, ocorre um declínio óbvio, causado pela popularização do grupo.

Com a entrada de novos membros no clube que não compartilhavam os ideais de camaradagem, mas estavam ali apenas para praticar crimes e causar confusão, a situação desboca em pura violência, transformando os Vândalos em uma gangue envolvida em assassinatos e tráfico. Esse trecho especificamente, que ocorre no fim do terceiro ato com sendo mostrada rapidamente, não possui muita profundidade nem foco, algo proposital por parte de Nichols, que não queria tirar o ar dramático e pessoal da trama. Sua intenção não era contar uma história de violência, mas sim transmitir uma mensagem diferente.

Por se passar nos anos 1960, uma época em que a contracultura ganhava força e desafiava a cultura vigente, esse movimento se reflete na trama, principalmente em personagens como Benny (Michael Shannon) e Funny Sonny (Norman Reedus). Não por acaso, filmes como Taxi Driver e Easy Rider são mencionados em falas de alguns personagens, pois eram produções que dialogavam com o sentimento daquela época.

O Clube dos Vândalos conta com um elenco repleto de grandes nomes, onde a maioria se destaca em seus papéis. Quanto aos personagens, até mesmo os secundários têm suas funções bem definidas e são lembrados por alguma passagem interessante sobre suas vidas. É um dos grandes filmes do ano até o momento e uma adaptação quase que impecável.

Clube dos Vândalos (The Bikeriders, EUA – 2024)
Direção: Jeff Nichols
Roteiro: Jeff Nichols
Elenco: Jodie Comer, Austin Butler, Tom Hardy, Michael Shannon, Mike Faist, Boyd Holbrook, Norman Reedus, Damon Herriman, Beau Knapp, Emory Cohen, Karl Glusman, Toby Wallace, Happy Anderson, Paul Sparks
Gênero: Policial, Drama
Duração: 116 min.

https://www.youtube.com/watch?v=qoRrOXNGeHU&ab_channel=UniversalPicturesBrasil


Crítica | Sob as Águas do Sena é tão tosco que agrada

Os tubarões já atacaram quase todos lugares do planeta Terra nas produções audiovisuais, na neve, no pântano, na areia e até mesmo voando, como foi visto em Sharknado. A maioria dessas obras são trashs e feitas apenas para tirar risos do espectador de tão bizarras que são. Nesse caminho que se encaixa Sob às Águas do Sena, longa de Xavier Gens e que tinha tudo para ser bom.

Com uma premissa simples, a trama, que se passa em Paris, apresenta um tubarão migrando das águas do oceano para o rio Sena, um dos cartões-postais da capital francesa, onde se encontra Lilith, nome dado ao tubarão fêmea. Sophia (Bérénice Bejo), uma pesquisadora que passou por um trauma há alguns anos com esse mesmo tubarão, agora precisa encontrar um jeito de parar a chacina que está por vir. 

É impossível não rir do filme da Netflix durante suas mais de 1h30. Diferente de outras produções do gênero, o blockbuster francês (que deveria ter sido lançado nos cinemas e não no streaming) evita focar no tubarão o máximo possível quando este está em cena, provando que quanto menos aparecer, melhor é o resultado.

A mensagem encontrada em Under Paris (título em inglês) é o da poluição como tema de pano de fundo e que serve como força motriz para o roteiro, com a narrativa mostrando que Lilith foi expulsa de seu habitat natural no oceano devido à poluição por plásticos.

Por isso, mesmo sendo algo secundário na história, o surgimento de ativistas liderados por uma jovem garota da nova geração que luta pelo direito dos tubarões à vida soa importante. A cena inicial de matança no Oceano Pacífico serve para destacar as causas ambientais que o filme quer abordar. Nessa cena, ainda no primeiro ato, é possível enxergar uma imensidão de lixo no mar, que será utilizada mais adiante como pano de fundo para a trama.

Passando-se em um período pré-Jogos Olímpicos, a narrativa utiliza o momento para promover as Olimpíadas de Paris — ou pelo menos tenta. Esse aproveitamento é um acerto por parte do roteiro, que usa o contexto para criar cenas hilárias e marcantes na cidade.

Há momentos divertidíssimos, como quando ativistas e policiais são encurralados nas catacumbas de Paris, onde ocorre um massacre com Lilith pulando como se fosse o golfinho Flipper e matando suas vítimas. Outra sequência bizarra é a sanguinolenta cena do ato final, com o tubarão realizando um ataque durante uma prova de triatlo, resultando em um tsunami na cidade.

Sabe-se o quão improvável é encontrar tubarões no rio Sena, mas o longa questiona essa possibilidade com uma certa seriedade. A maneira midiática com a qual o diretor tratou o tema, semelhante ao que foi visto em Serpentes a Bordo, onde cobras invadem um lugar jamais imaginado, se mostra um grande acerto pelo impacto causado.

Nesse cenário, Sob às Águas do Sena se destaca entre tantos longas sobre tubarões que se mostraram repetitivos ou que não acrescentam nada ao subgênero de filmes de ataque de tubarões. É apenas lamentável que o diretor não leve a si nem sua história a sério o bastante, resultando em cenas toscas, porém impagáveis de tão divertidas.

Sob as Águas do Sena (Sous la Seine, FRA – 2024)
Direção: Xavier Gens
Roteiro: Yannick Dahan, Maud Heywang, Xavier Gens
Elenco: Bérénice Bejo, Nassim Lyes, Léa Léviant, Sandra Parfait, Aksel Ustun, Aurélia Petit
Gênero: Ação, Drama, Terror
Duração: 104 min.

https://www.youtube.com/watch?v=w5HaXjlGaZc&ab_channel=NetflixBrasil