Crítica | Abigail - Divertido e com um banho de sangue
Obras com vampiros sempre geraram curiosidade do público quando foram adaptadas para o audiovisual, seja em filmes ou séries. Na maioria das vezes, essas produções serviram para contar histórias de terror, mistério e crimes. Em Abigail, longa dirigido pela dupla Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, a jovem Abigail, uma criança de 12 anos e filha do chefe do submundo, é sequestrada por um grupo que tem como objetivo receber uma grande recompensa para liberá-la.
Soa até como spoiler dizer que a menina sequestrada é uma vampira, mas é questão de tempo para que o espectador entenda que aquela criança de aspecto ingênuo esconde uma outra faceta. Toda a construção até que Abigail seja apresentada como uma vampira assassina é cheia de mistério, sobre quem organizou o sequestro, porque a casa está toda trancada, inclusive as janelas.
Todas essas perguntas que serão respondidas ao longo da trama criam uma sensação de pânico e tensão que é muito bem aproveitada pela dupla de diretores, especialmente com a escolha acertada de Alisha Weir, atriz mirim de Matilda - O Musical, como protagonista. Weir interpreta uma personagem sádica, cruel e com problemas de relacionamento com seu pai.
O roteiro de Stephen Shields e Guy Busick trabalha com eficiência o crescente terror envolvendo os sequestradores, que acabam caindo em uma armadilha e não têm para onde ir, a não ser encarar uma vampira secular e sedenta por sangue. Apesar da previsibilidade da trama, de que a criança não é apenas uma criança, o roteiro sabe proporcionar boas reviravoltas, como a que ocorre no fim do primeiro ato e outra que revela o histórico de Abigail e sua relação problemática com seu pai.
É claro que, em uma produção desse estilo, há vários clichês do gênero, mas só por não contar com os batidos jump scares já é uma virtude. O que torna a experiência de assistir ao filme divertida é o fato de tentar fugir do padrão dos longas de horror, especialmente quando envolvem vampiros. Poucas obras colocam no centro da trama uma criança se divertindo em um tipo de jogo perverso como se estivesse em um escape room.
Os cineastas Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, responsáveis pelo revival de Pânico (2022), iniciaram a carreira com o bizarro V/H/S (2012) e depois ganharam destaque com o divertido Casamento Sangrento, que colocava no centro da trama uma protagonista que precisava sobreviver por uma noite em uma mansão. Em Abigail, eles retornam ao estilo que os consagrou, com uma história muito parecida com a produção de 2019, apenas adicionando mais elementos para tornar a trama ainda mais trash e brutal.
Abigail é sanguinolento a um nível que lembra em alguns momentos Evil Dead: A Ascensão (2023). A ideia da dupla de cineastas era realmente a de tirar o espectador do lugar comum, sem sustos ou a intenção de causar medo, mas sim com a finalidade de divertir o público, capturando a essência das produções com vampiros e divertindo, assim como a jovem Abigail faz durante a sua noite macabra.
Abigail (idem, EUA – 2024)
Direção: Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett
Roteiro: Stephen Shields, Guy Busick
Elenco: Melissa Barrera, Dan Stevens, Alisha Weir, William Catlett, Kathryn Newton, Kevin Durand, Angus Cloud, Giancarlo Esposito
Gênero: Terror, Suspense
Duração: 109 min.
https://www.youtube.com/watch?v=4EEDJFCKryE&ab_channel=UniversalPicturesBrasil
Crítica | Beekeeper: Rede de Vingança não vai além da violência barata
David Ayer é um diretor que ficou marcado após o fracasso retumbante de Esquadrão Suicida (2016), longa da DC que, apesar de possuir uma grande base de fãs, recebeu críticas negativas, colocando o cineasta em evidência. Em sua carreira, Ayer tem vários filmes de ação, mas poucos deles apresentam alguma qualidade positiva.
Jason Statham (Megatubarão 2) interpreta Adam Clay, um apicultor aposentado que vive tranquilamente cuidando de suas abelhas. Entretanto, após sua vizinha e amiga Eloise Parker (Phylicia Rashad) ter suas economias roubadas por um falso call center, em uma cena triste e de grande carga dramática, em que Eloise não aguenta o baque e se suicida. Clay, obviamente, não deixa isso barato e sai à caça dos golpistas em uma trilha sangrenta de vingança.
Não é o melhor filme em que Statham já trabalhou, mas, comparado aos últimos longas de ação com pancadaria que protagonizou, como Os Mercenários 4 e Velozes e Furiosos 10, este é, sem dúvida, um dos melhores. O roteiro de Kurt Wimmer é de qualidade, e a direção de Ayer não deixa a desejar, incluindo momentos de alívio cômico que funcionam e trazendo ótimas cenas de lutas bem coreografadas.
Statham não foge ao papel de durão que sai espancando todos que aparecem em seu caminho sem piedade. Sobrou até mesmo para o gentleman Jeremy Irons (The Flash), que interpreta um vilão à moda antiga, mas com o diferencial de ser um homem de poder e que defende seus interesses sem ser cruel ou um assassino sádico.
O mesmo se pode dizer dos golpistas dos call centers falsos, apresentados como pessoas sem escrúpulos, especialmente o antagonista Derek Danforth (Josh Hutcherson), um mimado de família rica que utiliza sua posição como filho da presidente para cometer crimes. David Ayer desperdiça a oportunidade de criar uma relação mais profunda com Eloise Parker, deixando de trabalhar melhor o relacionamento dele com a vizinha.
Por falar em falta de profundidade, a abordagem sobre a corrupção no meio político se mostra um acerto, mas é feita de modo superficial, sem que ocorra algum debate sobre o assunto. Trazer o tema político para a história é algo que foge das produções em que Statham costuma trabalhar. Geralmente, os filmes em que ele participa são genéricos e sem personalidade, algo de que Beekeeper consegue se distanciar
Beekeeper: Rede de Vingança tem falas sem sentido sobre colmeias e abelhas, que parecem ter sido inseridas na trama apenas para contextualizar a profissão do protagonista. Entre erros e acertos, o longa se mostrou melhor do que o esperado. Agora é aguardar para que uma sequência possa vir e dar maior ênfase para um personagem que, até então, não mostrou a que veio, a não ser cometer uma vingança pessoal.
Beekeeper: Rede de Vingança (The Beekeeper, EUA – 2024)
Direção: David Ayer
Roteiro: Kurt Wimmer
Elenco: Jason Statham, Emmy Raver-Lampman, Bobby Naderi, Josh Hutcherson, Jeremy Irons, David Witts, Michael Epp, Taylor James, Phylicia Rashad, Jemma Redgrave
Gênero: Ação, Suspense
Duração: 105 min.
https://www.youtube.com/watch?v=-po4UGNn9iY&ab_channel=PrimeVideoBrasil
Crítica | Atlas - Desperdiça chance de se aprofundar no debate sobre as IAs
No vasto universo da tecnologia, o assunto do momento são as IAs (Inteligências Artificiais). A evolução tecnológica traz invenções que antes só podiam ser vistas na ficção científica, mas que hoje são realidades, como os chips da Neuralink, startup de Elon Musk, que tem como objetivo implantar chips de computador no cérebro humano.
Em Atlas, produção da Netflix dirigida por Brad Peyton, a ideia de colocar as IAs no centro do debate é nítida, tendo como objetivo o de criar uma obra grandiosa. Os efeitos especiais não são impressionantes, mas se sobressaem em uma trama rasa e vazia.
As cenas de ação decepcionam, pois tinham tudo para ser espetaculares e poderiam salvar o longa, mesmo que a maioria delas não passe de puro CGI. Os momentos em que as máquinas de combate da Terra lutam contra as inteligências artificiais em outro planeta lembram, com bastante inferioridade, os do longa No Limite do Amanhã (2014).
A trama acompanha a cientista Atlas Shepherd (Jennifer Lopez), que, após 28 anos, é chamada para enfrentar uma IA incorporada em uma espécie de robô humanoide chamado Harlan (Simu Liu). Em um prólogo rápido, Harlan ameaça matar milhões de pessoas e depois foge para o espaço. Shepherd, então, vai ao espaço com uma tropa para enfrentar essa IA maligna, que no longa nem parece ser tão maligna assim.
A mensagem que o roteiro, escrito pela dupla Leo Sardarian, Aron Eli, quer passar é a dos perigos da inteligência artificial e como a tecnologia pode se voltar contra a raça humana, uma mensagem clichê que já foi abordada em diversos filmes e séries. Atlas não traz nada de novo para o debate, apenas reproduz o discurso de outros filmes, como Matrix (1999) e O Exterminador do Futuro (1984).
Um dos grandes desperdícios em relação ao elenco é Jennifer Lopez – até porque a atriz passa grande parte do filme praticamente interagindo sozinha. Sua personagem é chatíssima e tem diálogos péssimos, a ponto de fazer o espectador torcer para que as inteligências artificiais vençam. Ela passa parte da história dentro de uma máquina de combate conversando com uma IA ao estilo HAL 9000 de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968).
Essa é uma ficção científica que tinha tudo para dar certo, principalmente pela referência às IAs, um bom tema, mas que é pessimamente explorado. Além disso, é uma história chata de acompanhar, e isso não tem a ver com o fato de ser parada, e sim por ser uma narrativa óbvia que perde mais tempo com conversas vazias do que com discussões racionais.
Atlas tinha tudo para ser um grande filme, mas erra ao tentar abordar vários temas sem se aprofundar em nenhum e ao se tornar essencialmente um grande amontoado de referências de várias produções de ficção científica. Esse excesso de referências acabou mais atrapalhando do que ajudando a obra. É triste ver que a Netflix desperdiçou mais uma oportunidade de promover um debate significativo.
Atlas (idem, EUA – 2024)
Direção: Brad Peyton
Roteiro: Leo Sardarian, Aron Eli Coleite
Elenco: Jennifer Lopez, Simu Liu, Sterling K. Brown, Gregory James Cohan, Mark Strong, Lana Parrilla, Abraham Popoola
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Duração: 118 min
https://www.youtube.com/watch?v=KEbFBusYrsw&ab_channel=NetflixBrasil
Crítica | Às Vezes Quero Sumir - Um retrato fiel do isolamento contemporâneo
Ficando em seu canto, mantendo distância dos colegas de trabalho e falando o mínimo possível, essa é a vida da solitária Fran (Daisy Ridley), que passa os dias trancada em casa, deitada e praticamente sem fazer nada de muito relevante nos seus fins de semana.
O longa da diretora Rachel Lambert reflete de forma inteligente e melancólica como a depressão age na vida de uma pessoa. Fran é apresentada como uma mulher introvertida que faz de tudo para evitar a interação social, tanto com seus colegas de trabalho, em festas, ou até mesmo com alguém com quem possa se relacionar de forma mais íntima.
Essa barreira criada por Fran é apenas um mecanismo de defesa que ela acredita ser uma maneira de viver em seu mundo de solidão. Ela pensa em morrer em vários momentos, em cenas onde aparece deitada ou imersa em galhos de árvore, em cenas belamente filmadas pela diretora, que dimensionam como Fran está profundamente presa nesse mundo.
O roteiro em momento algum apresenta a protagonista como uma suicida; pelo contrário, ela sente uma atração pela morte, mas seu pensamento está mais voltado para a questão do isolamento do que pelo ato em si. O fato de Fran se isolar tanto física quanto mentalmente, e sempre em lugares inóspitos, demonstra o que mais atrai na personagem: o silêncio. Tal elemento é mostrado com muita delicadeza por Lambert e se faz presente em grande parte da história, nos primeiros vinte minutos não se ouve a voz de Fran.
Fran tem um sentimento de autoisolamento, mas também percebe-se que há um desejo de conexão, tanto que os momentos em que interage com outras pessoas acontecem após muito esforço. Quando parece estar no caminho de se relacionar com Robert, um novo funcionário que vive puxando papo com ela, Fran se sabota e cria mais barreiras para evitar o contato.
Filmado durante a pandemia da COVID-19, fica bem claro que o filme captou a essência do isolamento social causado pelo coronavírus. Houve a necessidade de se isolar da sociedade, e assim, a narrativa reflete uma sociedade que está cada vez mais isolada em seu próprio mundo.
Às Vezes Quero Sumir traz uma bela performance de Daisy Ridley, possivelmente a melhor de sua carreira. Interpretando uma personagem complexa e cheia de dramas, Daisy demonstra ser uma atriz capaz de brilhar em produções desse gênero, mostrando que pode se afastar de seu papel na franquia Star Wars e explorar de vez novos caminhos no cinema.
Às Vezes Quero Sumir (Sometimes I Think About Dying, EUA – 2023)
Direção: Rachel Lambert
Roteiro: Stefanie Abel Horowitz, Kevin Armento, Katy Wright-Mead
Elenco: Marisa Daisy Ridley, Dave Merheje, Parvesh Cheena, Marcia Deboniste
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Duração: 94 min
https://www.youtube.com/watch?v=0yKuVDsyrcY&ab_channel=ONEMediaCoverage
Crítica | Back to Black - A cinebiografia que Amy Winehouse não precisava
A pobreza criativa de Hollywood não se limita a remakes e reboots, mas também se estende às cinebiografias vazias que pouco contribuem para contar as histórias de grandes façanhas esportivas, de políticos que marcaram época ou de astros da cultura pop. Back to Black é um desses filmes, que narra muito mal a vida de Amy Winehouse.
Lançado em 2006, o álbum Back to Black rapidamente se tornou um enorme sucesso de público e crítica, alçando a carreira da cantora, que recebeu vários prêmios Grammy por sua performance. O longa retrata momentos importantes da carreira de Amy, tanto os maus quanto os bons.
A produção erra mais do que acerta, e isso fica claro ao apresentar de forma fragmentada como os vícios e obsessões da cantora a prejudicaram e a levaram ao fundo do poço, mas sem o aprofundamento que a trama demandava. Parece até uma versão malfeita de Bohemian Rhapsody (2018), e vale lembrar que a cinebiografia de Freddie Mercury também possui vários erros narrativos.
O vício de Amy em crack e os diversos abusos de álcool são retratados na trama, lembrando o que a cinebiografia de Elton John, Rocketman (2019), mostrou. No entanto, o problema está na forma como essas situações são apresentadas. Há cortes temporais rápidos que engolem fatos importantes de sua vida. Não fica claro quando ela se envolveu com drogas; é mostrado apenas que seu namorado Blake a apresentou aos pesados entorpecentes e depois já surge usando a droga.
O roteiro de Matt Greenhalgh é problemático em vários aspectos. Ele perde a oportunidade de explorar a fundo a cultura londrina e seu bairro Camden Town, que influenciaram o estilo musical de Amy, assim como também falha em desenvolver adequadamente a relação da cantora com seu pai e, principalmente, sua relação com Blake.
A diretora Sam Taylor-Johnson retrata a relação com Blake como problemática, mas pelo que dá a entender no filme, essa complicação é mais culpa da cantora do que de Blake, o que, segundo relatos da época, é um enorme equívoco. Sam quis dar uma visão diferente para a conturbada história de amor entre Amy e Blake e, ao fazer isso, transformou o amor da cantora em uma obsessão que lembra a stalker Martha de Bebê Rena.
O próprio elenco tem altos e baixos. Enquanto Marisa Abela interpreta uma Amy Winehouse caricata, preocupando-se mais em reproduzir os trejeitos e a voz da artista do que em atuar, Jack O'Connell entrega uma performance digna como um Blake malandro, apesar de seu caminho ser mal definido pelo roteiro. Seu arco chama muito mais a atenção dentro da relação caótica do que as cenas dramáticas de Amy.
Back to Black tinha todos os elementos para ser uma excelente cinebiografia, dada a riqueza do material a ser explorado. Desde a ascensão de Amy até seu desenvolvimento como cantora e, subsequentemente, sua trágica queda, culminando em sua morte em 2011 por abuso de álcool. Entretanto, o filme não conseguiu transmitir emoção ao público, nem mesmo nas cenas em que a artista abusa de drogas nem em seu desfecho fatal. Essa falta de conexão entre o filme e o público é precisamente o que uma cinebiografia de Amy Winehouse não deveria ter, algo que é bem triste.
Back to Black (idem, EUA – 2024)
Direção: Sam Taylor-Johnson
Roteiro: Matt Greenhalgh
Elenco: Marisa Abela, Eddie Marsan, Jack O'Connell, Lesley Manville, Juliet Cowan, Sam Buchanan, Pete Lee-Wilson
Gênero: Biografia, Drama, Musical
Duração: 122 min
https://www.youtube.com/watch?v=jd8xw47ZPzc&ab_channel=UniversalPicturesBrasil
Crítica | Bebê Rena é tão perturbador que lembra um filme de terror
Não é de hoje que a Netflix vem melhorando o nível de suas produções, tanto séries quanto filmes. Às vezes há escorregões, como na fraca aventura fantasiosa The Witcher, mas quando se trata de dramas, o padrão é de outro nível. Produções como Inacreditável (2019) e agora a impactante Bebê Rena são grandes demonstrações de onde o serviço de streaming pode chegar.
A minissérie da Netflix foi adaptada da peça de Richard Gadd, que surpreendeu tanto o público quanto a crítica com sua narrativa realista e seu roteiro que beira o surreal. Gadd adaptou algo que aconteceu em sua vida, o que o traumatizou profundamente, transformando essa experiência em Baby Reindeer (nome original).
A história narra a traumática experiência que Gadd teve ao ser perseguido implacavelmente por uma mulher chamada Martha. O primeiro encontro entre os dois foi em um pub onde o ator trabalhava na época. A partir do momento em que ele se mostrou educado, ela passou a enviar mensagens para seu e-mail noite após noite, e a situação piorou quando ela começou a persegui-lo e após descobrir o número de seu telefone e passar a atormentá-lo.
A história de uma Stalker
Nos dois primeiros episódios da minissérie, parece que será apenas mais uma obra sobre uma stalker que persegue Donny Dunn (personagem interpretado por Gadd), tornando a vida do homem um inferno. Diferente de You, em que o stalker é apresentado como um cara legal e de bom coração para depois matar suas vítimas de forma cruel, em Bebê Rena, a perseguidora é apresentada desde o início como uma stalker obsessiva, não se escondendo a real natureza de Martha em nenhum momento.
A rápida evolução do roteiro transforma um simples gesto de simpatia de Gadd em um caso de assédio, no qual Donny, um homem com uma vida repleta de traumas e que em alguns momentos parece ser passivo ao ato praticado por Martha, faz com que a trama mude rapidamente de um drama inicial para uma enorme e pesada história de terror.
O jeito que Richard Gadd escolheu para contar a história funciona muito bem, mostrando os eventos que transformaram a vida de Donny em um caos e mesclando com as frases reais de Martha, enviadas sucessivamente para seu endereço eletrônico. A frase "enviado do meu iPhone" quase se tornou um slogan dos episódios e rapidamente se fixou na mente dos espectadores.
A partir do momento em que Martha vai se tornando cada vez mais obsessiva e violenta, e Donny desenvolve um instinto autodestrutivo, uma atmosfera sombria é criada, levando a trama para um caminho que se assemelha mais a um filme de terror do que a um drama. Muito provavelmente, esse foi um dos fatores que fizeram da minissérie o sucesso que ela se tornou.
Donny tenta ser um comediante a qualquer preço, desenvolvendo uma certa obsessão pela fama e fazendo qualquer coisa para alcançá-la. Ele utiliza objetos sem vida em suas fracassadas apresentações, até que encontra em Martha uma espécie de válvula de escape para seus shows.
Martha é uma verdadeira contramão ao que o comediante quer para sua vida, interpretada de maneira magnífica por Jessica Gunning. Ela expressa de forma convincente e intimidadora uma mulher que também busca algo de maneira obsessiva, mostrando-se o elemento certo para a história. Sem ela, a produção não seria a mesma.
Nesse conto cruel e realista em que o sucesso a qualquer preço é o tema central, o resultado final é o que menos importa. Se Donny ficou famoso ou não é irrelevante. O que o espectador realmente quer saber é como Donny lidou com aquela situação e quais foram os desdobramentos para sua vida. A minissérie é para maiores de 18 anos e, por motivos óbvios, é necessário que o público esteja preparado para o show perturbador que virá pela frente.
Bebê Rena (Baby Reindeer, UK – 2024)
Showrunner: Richard Gadd
Direção: Weronika Tofilska, Josephine Bornebusch
Elenco: Richard Gadd, Jessica Gunning, Nava Mau, Michael Wildman, Danny Kirrane, Nina Sosanya, Shalom Brune-Franklin, Tom Goodman-Hill
Episódios: 7
Duração: aprox. 30 min. cada episódio
https://www.youtube.com/watch?v=eafm1gB6SCM&ab_channel=Netflix
Crítica | Imaculada - A repetitiva história da fé Corrompida
Pode-se dizer com certa veracidade que Sydney Sweeney é uma das queridinhas de Hollywood no momento. A atriz, que protagoniza Imaculada e que ganhou destaque em Euphoria, recentemente esteve em Madame Teia, que foi um fracasso de crítica, e no romance divertido Todos Menos Você, desponta como uma artista cada vez mais favorita dos estúdios para trabalhar em certas produções.
Imaculada é dirigido por Michael Mohan, que já trabalhou com Sweeney em Observadores (2021), e é uma produção que faz parte do subgênero Nunsploitation, no qual apresenta freiras envolvidas em atividades sexuais ou em transgressões religiosas. Como se sabe, este é um subgênero em alta, muito disso devido à aparição do demônio Valak em Invocação do Mal 2. Os produtores descobriram que este é um nicho a ser explorado.
O longa acompanha a irmã Cecilia, que se muda para um convento isolado na região rural da Itália, onde trata de freiras com problemas de saúde. Após sinistros acontecimentos no local, como o suicídio de uma freira e a gravidez de Cecilia, a trama adquire um ar de horror. A ideia de fazer com que Cecilia fique grávida é um dos grandes clichês de filmes do gênero, especialmente por ocorrer sem contato sexual, sugerindo seu envolvimento com forças obscuras.
Fica bastante claro que o roteiro de Andrew Lobel utiliza como referência principal para o arco narrativo da protagonista o clássico O Bebê de Rosemary (1968). Não é a primeira vez que essa ideia é executada no cinema e nem será a última. A diferença é que o roteiro recorre a uma ideia já batida e não apresenta nada de novo para tornar sua história mais vibrante e tensa.
Por ter um tempo de execução curto, de apenas 89 minutos, a trama não aprofunda em nada a vida da protagonista. Isso faz com que seja difícil entender por que ela foi escolhida para gerar a criança misteriosa, fato que só é revelado no ato final de maneira óbvia e frustrante.
Em alguns longas, as referências podem atrapalhar mais do que ajudar, servindo mais para mascarar a pobreza narrativa do que para construir algo original e relevante. No caso de Imaculada, isso não acontece. Mesmo com o excesso das referências a filmes como O Bebê de Rosemary e Suspiria, essas referências transformam a produção em uma cópia descarada, em vez de permitir que a obra encontre seu próprio caminho.
Como um todo, o roteiro traz bons momentos de suspense e tensão, especialmente quando a irmã Cecilia busca respostas para suas várias perguntas sobre a congregação. No entanto, a estrutura narrativa não consegue manter o foco no suspense por muito tempo, devido à previsibilidade da trama. O personagem de Álvaro Morte, Padre Sal Tedeschi, é um acerto para a história, mas infelizmente é relegado a um papel secundário e sem grande destaque.
Imaculada é intrigante e repleto de retóricas que servem para gerar discussões, como a cena do suicídio da freira e os abusos dentro de conventos ou outras instituições religiosas. O diferencial desta obra em relação a outras de terror é que a qualidade do roteiro e a direção de Mohan se destacam em algumas situações. Dependendo do desempenho nas bilheterias, é bem provável que tenha continuações, pois há bastante material para isso.
Imaculada (Immaculate, EUA – 2024)
Direção: Michael Mohan
Roteiro: Andrew Lobel
Elenco: Sydney Sweeney, Álvaro MorteSimona Tabasco, Benedetta Porcaroli, Giorgio Colangeli, Dora Romano
Gênero: Terror
Duração: 90 min.
https://www.youtube.com/watch?v=BmMxOOArvGY&ab_channel=DiamondFilmsBrasil
Crítica | O Clã - A história da família argentina que sequestrava e matava
Uma das ditaduras mais violentas da América Latina ocorreu na Argentina nos anos 60 e 70, com vários relatos de crimes cometidos pelos militares, como tortura e assassinatos. Por isso, é natural que o tema esteja frequentemente presente no cinema dos hermanos. Em O Clã, a ditadura é mencionada, mas os desdobramentos da narrativa não estão relacionados ao período sombrio.
Na mesma proporção em que a história é intrigante, também se mostra assustadora. O Clã, produzido em 2015 e dirigido e co-roteirizado por Pablo Trapero, cineasta conhecido por obras como Abutres (2010) e Elefante Branco (2012), aborda uma dessas histórias sombrias que ocorreram no período pós-queda da ditadura na Argentina.
A trama acompanha a família Puccio, em que o pai Arquímedes Puccio (interpretado por Guillermo Francella), com a ajuda de seus dois filhos e alguns amigos, sequestra membros de famílias ricas, visando compensações financeiras. Com frequência, mesmo após receber o resgate, ele mata os sequestrados, revelando o quão perverso era o patriarca.
Adaptada de uma história real, a produção apresenta de maneira acertada Arquimedes e as relações com seus familiares, deixando claro quem é quem e qual a função de cada um naquele esquema sombrio. O patriarca era funcionário do SIDE (Sistema de Inteligência Nacional), conhecido órgão de espionagem argentino, e residia em Buenos Aires. Arquimedes e seus filhos foram presos em 1985, o que gerou comoção na época quando a história veio à público.
Com um roteiro brutal e profundo, que contou com a participação de Pablo Trapero, o filme chama a atenção por mostrar como a família agia de modo sádico e cruel. Os reféns ficavam na residência dos Puccios, onde se encontravam, além dos dois filhos de Arquimedes, seu filho mais novo, suas duas filhas e sua esposa. O tom de normalidade que Trapero passa ao público, como se nada estivesse acontecendo naquele ambiente, impressiona e choca.
Entre planos sequência belamente executados e a forma como filma a rotina perturbadora que os membros da família enfrentam, é um dos pontos altos da direção de Trapero, mostrando por que ele é um dos grandes nomes do cinema argentino atual. Outro elogio ao filme está no fato do roteiro não se limitar apenas aos assassinatos, mas também explorar aspectos mais profundos da história familiar. Não é à toa que Trapero recebeu o Leão de Prata em Veneza pela sua direção.
O Clã é uma ótima opção para cinéfilos argentinos que apreciam narrativas bem construídas e visualmente impactantes. A tensão que se constrói ao longo da trama faz com que a produção seja elevada ao nível de um suspense de primeira. Um filme imperdível e que merece ser apreciado por um público maior. É sem dúvida um grande filme que precisa ser descoberto pelo público.
O Clã (El Clan, Argentina – 2015)
Direção: Pablo Trapero
Roteiro: Julian Loyola, Esteban Student, Pablo Trapero
Elenco: Guillermo Francella, Gastón Cocchiarale, Peter Lanzani, Stefanía Koessl, Miguel Ángel Lembo, Franco Masini, Antonia Bengoechea, Lili Popovich, Giselle Motta
Gênero: Biografia, Policial, Drama
Duração: 108 min
https://www.youtube.com/watch?v=B1H6ZyWOgLk&ab_channel=20thCenturyStudiosBrasil
Crítica | Névoa Prateada - Uma reflexiva história de amor
Há um quê de obra biográfica em Névoa Prateada, filme dirigido e roteirizado por Sacha Polak, que conta a história de Franky (Vicky Knight), encontrando em Florence (Esme Creed-Miles) um amor e carinho que não tinha em sua vida até então. Franky carrega em seu corpo cicatrizes de queimaduras que sofreu na infância e culpa seu pai, que não vê há anos, pelo acidente.
Silver Haze (nome original) não é uma cinebiografia, mas quase poderia ser considerada uma. Franky é a representação da atriz que a interpreta, Vicky Knight, que sofreu queimaduras quando criança em um PUB e transformou essas cicatrizes em uma marca pessoal. O mesmo acontece com Franky, a protagonista do filme, que faz com que esse acontecimento a torne mais forte, transformando-a em uma pessoa madura e consciente da crueldade da vida.
Franky é enfermeira, assim como Knight já foi em um momento de sua vida, e se apaixona por uma paciente problemática que tenta tirar a própria vida. O estabelecimento do romance entre Franky e Florence é bem construído e desenvolvido, começando com uma pequena chama e se tornando uma paixão ardente.
Florence é a típica personagem que não se encontra na vida e vive quebrando vínculos que foram estabelecidos. Mesmo que haja amor nessa relação, a tendência é de a personagem deixar tudo de lado e seguir em frente. Não chega a ser uma mulher rebelde, mas sim alguém com problemas pessoais não muito claros.
Sacha Polak filma de forma inteligente e graciosa as relações entre Franky e Florence, assim como entre Franky e sua família. As cenas em que ela é expulsa de casa por seu irmão e sua mãe, ao descobrirem seu envolvimento com Florence, e aquelas em que são espancadas no ônibus trazem o sentimento de realidade que o longa demanda
Névoa Prateada está longe de ser um filme espetacular, mas tem seus bons momentos e é louvável o esforço da diretora em criar uma história de amor contemporânea e apresentando os seus percalços. Claro que falta um aprofundamento maior na relação entre o casal e com alguns personagens, mas isso não é algo que atrapalhe seu andamento. É uma boa pedida para quem curte histórias dramáticas.
Névoa Prateada (Silver Haze, Holanda – 2023)
Direção: Sacha Polak
Roteiro: Sacha Polak
Elenco: Vicky Knight, Esme Creed-Miles, Charlotte Knight, Archie Brigden
Gênero: Drama
Duração: 102 min
https://www.youtube.com/watch?v=C4RFX2jzvBQ&ab_channel=BFI
Crítica | Desespero Profundo - Um filme de tubarão que deu errado
A nota de 32% no Rotten Tomatoes, site agregador de críticas e notas de filmes e séries, já é um indício de que algo não saiu como esperado em Desespero Profundo, produção que mescla os subgêneros de filmes catástrofes com os de tubarões mortais que ameaçam os personagens.
É um filão que vem sendo explorado há anos por Hollywood, o dos tubarões, por isso mesmo, já é um subgênero que se mostra saturado. Mesmo que às vezes algumas obras se sobressaiam, sendo boas ou ruins, como a bizarra franquia Sharknado e o divertido Megatubarão (2018). Enquanto isso, os filmes catastróficos com aviões geralmente se prendem ao drama dos sobreviventes, como foi visto recentemente no ótimo A Sociedade da Neve (2023).
O que é presenciado em Desespero Profundo é uma tentativa de fazer uma produção assustadora com toques dramáticos, mas o tiro acabou saindo pela culatra, com o resultado sendo o oposto esperado. Além de ser excessivamente clichê, falta alma para o seu roteiro, que é completamente sem graça e não tenta em nenhum momento dar o sentimento de que algo diferente seria feito, tornando sua história óbvia e boba.
A trama já começa com aquele momento em que várias pessoas que não se conhecem embarcam em uma viagem de avião, que tinha tudo para ser maravilhosa, mas um desastre aéreo ocorre e a aeronave cai no Oceano Pacífico. Para piorar, há um tubarão que os persegue e os impede de sair do avião.
Sim, isso mesmo! A aeronave, que está na profundidade do Pacífico, é invadida por um tubarão. Isso não faz o menor sentido. Porém, é mais plausível do que o fato de uma bolha de ar ter se formado dentro do avião e, pasmem, com alguns sobreviventes ainda se encontrando vivos no fundo do mar. Um show de bizarrice que o diretor Claudio Fäh não explica em momento algum o porquê dele ter feito tais escolhas.
Tirando essas peculiaridades, que são a parte principal do arco dramático dos personagens, pois precisam sobreviver à pressão do fundo do mar e ao tubarão, o longa tem um ritmo maçante, para não dizer chato mesmo. Nem os ataques ridículos do tubarão conseguem despertar o espectador em caso de pegar no sono.
Diálogos irritantes, personagens forçados e sem química, e atuações desastrosas, todas essas coisas que matam qualquer filme, são encontradas em demasia na produção e só atrapalham ainda mais a dinâmica de uma obra que, por si só, já é confusa e mal desenvolvida.
Fazer um filme de catástrofe com tubarões não é tarefa fácil, especialmente em um cenário audiovisual onde o animal já foi retratado de diversas formas e atacando de modos diferentes. Nem sempre é possível acertar, mas também é possível, com frequência, produzir algo decente, o que Desespero Profundo não conseguiu alcançar.
Desespero Profundo (No Way Up, EUA – 2024)
Direção: Claudio Fäh
Roteiro: Andy Mayson
Elenco: Colm Meaney, Will Attenborough, Jeremias Amoore, Sophie McIntosh, Phyllis Logan, Grace Nettle
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Duração: 92 min
https://www.youtube.com/watch?v=CxLYmenuYbs&t=1s&ab_channel=DiamondFilmsBrasil