Review | Sonic Racing: CrossWorlds revive rivalidade contra Mario Kart com muito estilo e qualidade
Vamos encarar os fatos. Existe um rei nos jogos de corrida de kart, e ele veste macacão azul e vermelho. Mario Kart não é apenas um jogo; é um gênero que fundamentou diversos games de corrida. E, por anos, a SEGA, com seu ouriço supersônico, tentou morder essa coroa com resultados que variavam entre o simpático (All-Stars Racing) e o razoável (Team Sonic Racing). Por muito tempo, parecia um paradoxo: o herói mais rápido dos videogames precisava mesmo de um carro? A resposta, no fundo, era sempre a mesma: sim, mas precisava de um jogo à altura.
Seis anos de silêncio após o leve tropeço de 2019 e muitos pensavam que a subsérie de corrida estava morta. Mas a SEGA tinha uma carta na manga, e ela atende pelo nome de Sonic Racing: CrossWorlds. Aqui não é apenas um retorno; é um reset que resgata a essência arcade de ouro da SEGA AM2 (sim, a equipe por trás de Daytona USA!) e adiciona recursos tão espetaculares que, pela primeira vez, a hegemonia de Mario parece, no mínimo, questionável. É um jogo que finalmente entende como manter a velocidade divertida, não apenas uma piada conceitual.
Drifting como ato de fé
A primeira coisa que salta aos olhos em CrossWorlds é a pegada técnica e pesada da pilotagem. Esqueça a sensação de "brinquedo" levíssimo de outros karts. Aqui, a influência da SEGA AM2 é inegável: a dirigibilidade busca a emoção do arcade clássico, sendo mais exigente do que o esperado. Isso pode surpreender quem vem de títulos mais acessíveis, mas confere ao jogo uma personalidade única, perfeitamente adequada para quem busca profundidade na pista. Entretanto, em modos de jogador off-line, você pode colocar uma assistência de direção para não apanhar tanto.
O coração mecânico do jogo é o drift. Não é apenas um recurso; é uma necessidade tática. As pistas, embora largas, exigem que você jogue a traseira para fora em cada curva para acumular a barra de impulso. Isso transforma a corrida em um ato muito mais ativo, quase um ritmo constante onde você precisa pensar na próxima manobra antes que ela chegue. O timing para começar e encerrar o drift para limpar a curva e sair com um boost máximo é vital – e errar significa cair de cara na barricada e, pior, despencar no pelotão.
O que reforça essa intensidade é como o jogo maneja a competição. Ao contrário de títulos onde você pode passar corridas inteiras isolado na liderança, aqui, o grupo de 12 pilotos se mantém unido. Um erro faz você cair no pelotão, mas poucas boas jogadas (e drifts precisos) o colocam de volta na disputa. Essa competição acirrada e o constante "empurra-empurra" tornam cada Grand Prix uma experiência emocionante do começo ao fim.
Apesar da excelência na pista, é preciso ser sincero sobre a curva de aprendizado. O jogo pode ser um pouco obtuso para o novato. Mario Kart é instintivo; CrossWorlds exige uma camada extra de habilidade até mesmo do jogador iniciante. Embora haja tutoriais, a combinação de drift, boosts e itens pode ser avassaladora no começo - principalmente pela ausência notória do modo história que ajudaria a aprender melhor diversos macetes e a usabilidade dos itens adquiridos durante a corrida. Para quem busca uma diversão plug and play descompromissada, essa exigência de técnica pode ser um impedimento. Contudo, para quem investe o tempo, a recompensa de dominar a velocidade é imensa.
CrossWorlds: Portais, caos e rivalidade Temática
A grande inovação que diferencia CrossWorlds de seus antecessores são os Anéis de Viagem – portais gigantes que transportam os pilotos para outros mundos no meio da corrida. A mecânica funciona de forma brilhante no modo Grand Prix: você começa em uma pista, e ao final da primeira volta, o líder escolhe para qual das duas opções todos serão catapultados na segunda volta. A transição é pura magia, mudando radicalmente o cenário, obstáculos e atalhos em questão de segundos. Sim, exatamente como visto no último jogo de Ratchet & Clank no PS5.
Esse sistema injeta uma variedade espetacular e quebra a monotonia das corridas de volta. Na terceira volta, você retorna à pista original, mas ela sofreu uma "mutação": novos boosters, caixas de itens, decorações do cenário e até caminhos completamente novos se abrem. A única desvantagem desse caos interdimensional é que, com tantas mudanças de fases, alguns circuitos perdem sua identidade, tornando a memorização das pistas (o que amamos nos clássicos) mais difícil para decorar atalhos, etc. O espetáculo visual, porém, compensa a perda. Cada pista também possui estrelas coletáveis que aumentam a sua pontuação, além do fato da velocidade também ser proporcional ao tanto de anéis que você consegue pegar no percurso. Quanto mais anéis, mais rápido fica.
Outro aceno direto aos fãs é o Sistema Rival. Ao iniciar um Grand Prix, você é atribuído a um rival temático (embora possa trocar manualmente), e o objetivo passa a ser menos vencer o campeonato e mais derrotar esse personagem específico. O rival recebe um marcador especial e o jogo garante que ele esteja sempre na sua cola, terminando em primeiro ou segundo se você não intervir. E acredite, rivalizar com Shadow enquanto controla Sonic é uma experiência enervante já que os personagens interagem com provocações e diálogos muito curtos.
O melhor desse sistema é o sabor narrativo que ele adiciona. As linhas de diálogo personalizadas para cada um dos 23 personagens base são um deleite para quem conhece o lore de Sonic – ouvir Charmy Bee chamando Shadow de idiota, por exemplo. Embora o rival na prática não seja sempre o maior desafio (a IA já é agressiva o suficiente em níveis altos), ele oferece um objetivo focado e um toque de competição pessoal que torna a experiência mais divertida e cativante. Tudo isso tem um proposito: liberar o Hyper Sonic quando terminar de derrotar todos os rivais disponíveis.
Festa do Arcade
Visualmente, CrossWorlds é um espetáculo vibrante. Os circuitos são repletos de detalhes, referências à série e designs que variam de florestas luxuriantes, desertos com tumbas, parques aquáticos, cidades gregas até cassinos gigantescos. A vivacidade visual e de design tem pouco a invejar dos concorrentes, e o uso da Unreal Engine 5 se traduz em um jogo que, no PC e nos consoles é funcional. Há sim limitação gráfica no PC, ainda mais considerando o porte para o Switch 2, menos eficaz que um Series S. Ainda assim, pelo design de produção, o jogo é bonito. Uma pena que a versão do PC não venha com framerate desbloqueado. Só vai até 60 fps em uma experiência fluída e sem gargalos.
Em termos de áudio, a trilha sonora é uma verdadeira carta de amor à saga Sonic, com remixes inesquecíveis e novas faixas que injetam pura adrenalina nas corridas. A única nota dissonante são os rugidos dos motores, que, infelizmente, são monótonos demais e quebram um pouco a imersão na velocidade. Felizmente, a riqueza da trilha sonora e os efeitos dos itens (que fazem o crossplay com Hatsune Miku, Bob Esponja e até o Creeper de Minecraft soar divertido) compensam a falta de rugido do kart.
A personalização é um buraco negro de horas gastas. Os karts são divididos em cinco categorias de estatísticas (Velocidade, Potência, Aceleração, Manuseio e Impulso), e cada peça desbloqueada – que você compra com os tickets ganhos ao jogar – modifica esses atributos. Somado a isso, temos o sistema de Gadgets: buffs passivos ou ativos que alteram radicalmente a estratégia, dando boosts mais rápidos ou mais itens bônus. Com isso, você pode fazer inúmeras builds diferentes para suas corridas online ou no modo solo. Há sim muita variedade e como as peças custam caro, você pode ficar feliz caso goste de um jogo repleto de grinding.
Esse nível de customização eleva CrossWorlds acima de muitos rivais. Embora o sistema possa ser assustador no início – nem sempre fica claro qual o impacto real das melhorias – ele incentiva a experimentação e permite que o jogador crie um kart que realmente se adapte ao seu estilo de pilotagem. É um convite direto à otimização e ao grinding, garantindo que o jogo tenha uma vida útil longa, especialmente com o suporte de crossplay e a promessa de um cronograma mensal de crossovers ambiciosos - atenção que alguns deles vão te exigir a compra do Passe de Temporada e o jogo, por si só, já custa 400 reais em terras tupiniquins.
O melhor carro que Sonic já pilotou

Não podemos evitar a comparação, mas talvez não precisemos mais escolher. Enquanto a Nintendo, com Mario Kart World, tentou inovar com um mundo aberto, a SEGA preferiu aperfeiçoar a fórmula de três voltas, aprimorando o que já sabia fazer: velocidade, drifting e espetacularidade arcade. Sonic Racing: CrossWorlds é a confirmação de que a série ainda tem muito a oferecer no gênero.
Eles conseguiram aprimorar tudo o que caracterizava a saga de corrida do ouriço e fizeram isso com a experiência de um estúdio lendário. A natureza espetacular de seus portais interdimensionais, toda a variedade proporcionada pelas transformações e o design de pistas inspirado fazem deste um dos melhores jogos de kart dos últimos anos. Ele pode ser um pouco exigente para o novato e a ausência de um modo história é sentida, mas o pacote geral é sólido.
CrossWorlds encontra seu lugar não como um "matador de Mario Kart", mas como uma alternativa de altíssima qualidade que oferece uma experiência mais técnica, mais arcade e mais direta. Para quem busca competitividade e o domínio da velocidade, este é um produto irresistível. Sonic e seus amigos estão mais uma vez correndo a toda velocidade, e desta vez o fazem no que possivelmente é o seu melhor carro.
É uma compra certa para fãs do gênero e para quem, como eu, estava esperando um retorno triunfal do ouriço ao volante.
Agradecemos à Sega pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Crítica | Uma Batalha Após a Outra dilui sátira política em divertida comédia de ação

P.T. Anderson tem praticamente a mesma idade de Christopher Nolan e, se seguir os passos do outro talentoso e bem-sucedido diretor de sua geração, tem tudo para levar um Oscar de Melhor Filme ou Melhor Direção por um título que nem de longe é seu melhor trabalho: Uma Batalha Após a Outra seria seu Oppenheimer, um prêmio individual que vale pelo “conjunto da obra” até o momento.
Partindo de uma novela do escritor consagrado Thomas Pynchon, P.T. Anderson constroi um roteiro vertiginoso que parte da crítica social em tom satírico (e que em alguns momentos desce sem medo à mera caricatura) para acabar em um filme com ação, humor ferino, trilha musical e ritmo de tirar o fôlego - porém, que para ser mais levado a sério precisaria se aprofundar em tópicos onde resvala bastante superficialmente.
Filme usa temas espinhosos em uma abordagem de entretenimento
Na trama, um grupo de revolucionários de extrema esquerda que “libertam” imigrantes ilegais através de operações paramilitares financiadas por roubo a bancos é desmantelado depois que Perfídia (Teyana Taylor) é obrigada a delatar seus companheiros - entre eles, o namorado Bob (Leonardo DiCaprio), com quem tem uma bebê recém-nascida. Perfídia entra no programa de proteção a testemunhas, mas logo foge e, mais de 15 anos depois, reativa involuntariamente a célula revolucionária adormecida que precisa fugir dos militares liderados pelo Coronel Steven Lockjaw (Sean Penn), um sociopata obcecado por pureza racial mas ao mesmo tempo atormentado por um desejo obsessivo pela própria delatora fugitiva. Quando o governo arma uma operação artificial para perseguir os antigos guerrilheiros, Bob tem que proteger a filha (agora, uma adolescente) que se torna o principal alvo da missão do Coronel.
A ambientação e os personagens constroem uma crônica ligeira do terrorismo na América durante a década de 1970, notadamente de grupos como o Weather Underground e os radicais ligados aos Panteras Negras - embora a temporalidade fique um pouco deslocada, misturando um tema bastante atual como a imigração ilegal a uma atmosfera e um tipo de preocupação que referencia o final do século XX. Na outra mão, o roteiro faz um retrato cômico do extremismo de direita ligado ao supremacismo, xenofóbico e antissemita. Tudo isso numa velocidade que deixa bem poucas lacunas para o espectador se acostumar com os personagens ou mesmo problematizar o carrossel de preocupações que o diretor faz desfilar à sua frente.
Em uma abordagem relativamente parecida ao que Ari Aster tenta fazer com Eddington, P.T. Anderson mascara a sátira social e política em um formato de gênero: o filme tem explosões, tiroteios, perseguições, muita ação física e uma edição vigorosa, que remete também ao Scorsese de Cassino, por exemplo, e ao Robert Altman de Nashville e M.A.S.H. Diferente daquele, entretanto, Anderson tem um domínio exuberante da forma cinematográfica, e mesmo quando escorrega nesse equilíbrio delicado entre política e espetáculo, o filme sofre pouco porque a narrativa se sustenta sozinha (quando em Aster, ela facilmente desmorona). No entanto, como tudo que se coloca na tela cobra seu preço, o cineasta paga o seu aqui diluindo qualquer profundidade dos tópicos que parece querer abordar, oscilando entre a caricatura banal e uma superficialidade quase irresponsável.
Quando chega ao terceiro ato, o roteiro precisa “amarrar” a trama que propôs nas duas horas anteriores e, embora a ação funcione excepcionalmente bem, a lógica mais uma vez é sacrificada, quando os personagens parecem descobrir telepaticamente aonde ir e quem encontrar, o que se torna dramaturgicamente sofrível. E, quando finalmente termina, Anderson faz uma celebração um pouco ingênua do “amor familiar” e a mentalidade revolucionária (a qual ele talvez quisesse compreender melhor ao filmar tal enredo) está reduzida a uma aventura juvenil sem maiores desdobramentos.
Ao não “pesar a mão”, Anderson reforça suas qualidade como diretor e mira o Oscar
Embora o final do filme seja bem discutível por converter temas sérios em material para o entretenimento escapista, ele reforça as apostas no Oscar porque de alguma forma “pacifica” a temática ao gosto da indústria enquanto se aproveita de uma preocupação midiática e política que replica a polarização existente na sociedade norte-americana sem, contudo, tornar-se didático ou fazer proselitismo barato.
Um dos maiores acertos de Uma Batalha Após a Outra está em excelentes escolhas de elenco. DiCaprio parece apresentar uma fusão entre o Grande Lebowski de Jeff Bridges e outros papéis que ele mesmo interpretou, aquela energia caótica e irresistível do Lobo de Wall Street que se tornou sua marca registrada; Sean Penn prova mais uma vez o ator excepcional que sempre foi e, embora sofra com a caracterização mais caricata de todo o filme, consegue dar consistência a um personagem difícil de engolir; e Benicio Del Toro confere charme e presença no papel de uma espécie de “samurai” latino que ajuda Bob em sua fuga. O esmero se estende a uma meia dúzia de coadjuvantes com atuações muito orgânicas, conforme tem sido uma das maiores qualidades de Anderson como diretor.
Não é natural ao cinema e aos filmes de modo geral oferecer discussões mais aprofundadas sobre tópicos de interesse da sociedade, a tela funcionando melhor como um catalisador provocativo de tais debates que depois se estendem em outros ambientes e formatos. Apesar disso, quando um filme como este resvala em assuntos sensíveis, se espera que sua abordagem seja a mais madura possível - e nem sempre é o que se pode ver aqui.
Em nome do entretenimento, do ritmo e mesmo da “piada”, o roteiro nem de longe chega perto de outros retratos mais consistentes da mentalidade revolucionária e de sua relação com a conformidade e o autoritarismo vigentes, como se vê, por exemplo, nas obras de Doris Lessing (e seu dificilmente superado romance “A Terrorista”) ou em “Os Demônios” de Dostoiévski. P.T. Anderson é melhor diretor cinematográfico que “comentarista” político ou social, e isto fica claro quando Uma Batalha Após a Outra funciona enormemente como espetáculo - mas bem menos como crônica da realidade.
Review | Hell is Us nos convida a investigar um mundo devastado pela guerra
Hell is Us é o novo jogo da Rogue Factor, desenvolvedora responsável por Mordheim: City of the Damned. O jogo é liderado por Jacques-Belletete, que foi responsável pelos excelentes Deus Ex: Human Revolution e sua sequência, Deus Ex: Mankind Divided.
O jogo possui elementos que lembram os soulslike, muito em voga atualmente, porém também vem com uma proposta ousada. Hell is Us tem uma proposta mais “minimalista”, não traz mapas ou minimapas, o jogador precisa se guiar através de pistas encontradas em diálogos, documentos e no cenário. Aqui analisamos como o jogo se sai na sua abordagem.
Encontre seu caminho em meio ao inferno
Hell Is Us é um jogo que desafia convenções modernas de design ao apostar em uma jogabilidade centrada na exploração orgânica e no combate tenso, sem recorrer às “muletas” mais comuns de jogos de mundo aberto, como minimapas, ou marcadores constantes na tela. Ele é, em essência, um título que pede ao jogador atenção, paciência e disposição para interpretar o ambiente, transformando a própria paisagem em guia, e não apenas em pano de fundo. Essa decisão, embora arriscada, é a base de sua identidade e define quase todos os aspectos da experiência de gameplay.
O primeiro ponto que chama atenção é a exploração. Diferente de grandes franquias que entopem a tela de indicadores, Hell Is Us exige que o jogador observe marcos geográficos, sons, luzes e até mesmo detalhes arquitetônicos para se orientar. Esse elemento pode ser comparado a jogos de sobrevivência ou a aventuras minimalistas como Shadow of the Colossus, onde o mundo comunica mais do que o próprio HUD.
A ausência mapa digital força uma imersão genuína: perder-se é parte da experiência, e o caminho errado pode render tanto frustração quanto descobertas inesperadas. Essa aposta funciona bem para quem aprecia exploração contemplativa, mas pode ser uma barreira para jogadores acostumados à praticidade dos fast travels e das missões sempre marcadas. Tudo que o jogador tem para se guiar é uma bússola e com ela e a pista certa, o jogador pode encontrar seu caminho. Apesar da ausência da marcação, as pistas definem bem o destino, como por exemplo, “siga a nordeste para encontrar a capela”.
O combate é o segundo pilar da jogabilidade, e talvez o mais divisivo. Hell Is Us utiliza um sistema de combate corpo a corpo baseado em armas tradicionais, como espadas, lanças e machados. Cada arma tem peso, cadência e alcance próprios, exigindo que o jogador aprenda não apenas os golpes, mas também os tempos de recuperação e as janelas de ataque. A inspiração em mecânicas “soulslike” é clara, mas com uma identidade menos voltada para combos complexos e mais para a leitura da situação.
Os inimigos, em especial as criaturas conhecidas como Hollow Walkers, funcionam como verdadeiros testes de paciência: não basta atacar de forma agressiva, é preciso estudar seus padrões, aproveitar aberturas e recuar quando necessário. O drone que acompanha o protagonista cumpre um papel de suporte e também auxilia em alguns ataques. A combinação certa de combos com seu auxílio pode fazer danos devastadores aos inimigos.
Apesar disso, a repetição pode se tornar um problema. O leque de inimigos, embora criativamente concebido em termos visuais e simbólicos, não apresenta a variedade necessária para manter o frescor durante toda a campanha. Muitos confrontos acabam se parecendo mais do que deveriam, e a evolução no arsenal nem sempre é suficiente para dar a sensação de progressão. Ainda assim, o peso do combate, a fisicalidade dos golpes e o risco constante de falhar conferem ao jogo um senso de intensidade que compensa parte dessa limitação. Além disso, a mecânica de parry e as variadas animações de finishes que decorrem do ataque após atordoar os inimigos são sempre satisfatórias de assistir.
Outro aspecto interessante é a integração de puzzles ambientais. Diferente de quebra-cabeças isolados ou excessivamente artificiais, Hell Is Us aposta em enigmas que se misturam ao cenário: símbolos ocultos em ruínas, diários que sugerem soluções e até mesmo a forma como certos objetos são posicionados no espaço. Resolver esses desafios não é apenas uma questão de avançar na história, mas também de compreender a lógica interna do mundo. O jogo recompensa a observação e a curiosidade, criando uma sensação de descoberta que se alinha com sua proposta de exploração sem guias.
A ausência de sistemas de navegação tradicionais se reflete também na forma como missões e objetivos são apresentados. O jogo raramente diz “vá até o ponto X”; em vez disso, ele oferece pistas narrativas e visuais que levam o jogador a montar o quebra-cabeça por conta própria. Isso significa que muitas vezes o progresso depende da interpretação: seguir a trilha de fumaça no horizonte, perceber a luz de uma tocha em meio à escuridão ou notar a mudança na vegetação podem ser as únicas indicações de que você está no caminho certo. Esse design reforça a sensação de estar realmente perdido em um mundo devastado, mas pode soar hermético para quem prefere direções claras.
No campo da mobilidade, o protagonista conta com movimentos básicos de corrida, esquiva e escalada limitada. Não há acrobacias exageradas ou parkour, o que reforça a intenção de manter o jogo mais grounded e realista. Isso também influencia na exploração: alcançar certos pontos exige atenção ao relevo, observar onde há superfícies escaláveis ou pequenas rotas alternativas. A decisão de manter a movimentação simples pode parecer restritiva, mas ela cria um contraste interessante com a vastidão do cenário — o jogador nunca se sente um super-herói, mas sim um ser humano vulnerável tentando sobreviver.
A mecânica de cura é outro ponto que merece destaque. Ao contrário dos frascos de vida instantâneos de outros jogos, Hell Is Us utiliza um sistema que exige tempo e atenção. Recuperar energia em combate não é trivial: é preciso encontrar momentos seguros para ativar o recurso, o que adiciona uma camada de estratégia e tensão. Consiste em atacar o inimigo e apertar um botão no tempo certo sem ser atingido. Muitos jogadores podem achar essa escolha punitiva, mas ela dialoga diretamente com a proposta de um jogo que valoriza cautela sobre pressa.
O ritmo de Hell Is Us também merece análise. Não é um jogo que entrega recompensas constantes ou progressões rápidas. Pelo contrário, a sensação é de lentidão deliberada, em que cada vitória é conquistada a duras penas e cada passo dado em direção ao desconhecido carrega peso. Essa cadência pode ser considerada tediosa para quem espera ação constante, mas é justamente ela que sustenta a atmosfera densa e opressora do mundo apresentado.
A interface minimalista contribui para a imersão, mas cobra um preço. Sem indicadores claros de objetivo ou até mesmo de status detalhados, o jogador depende de observar o próprio corpo do personagem, as reações visuais do ambiente e pequenos sinais de feedback. É um design corajoso, que vai contra a tendência atual de interfaces informativas e didáticas, mas que pode alienar parte do público. No entanto, para quem aceita o desafio, essa escolha gera momentos únicos, como perceber que a respiração ofegante do personagem indica o esgotamento da stamina ou que a mudança no som ambiente pode significar perigo iminente.
No que diz respeito ao equilíbrio de dificuldade, Hell Is Us busca um meio-termo. Não chega a ser tão brutal quanto um Dark Souls, mas também não é indulgente. O jogo recompensa a observação e pune a pressa. Morrer em combate é comum, mas raramente injusto; o aprendizado vem da repetição, da paciência e do refinamento das estratégias. Essa curva de aprendizado é consistente e, apesar da repetição, gera satisfação quando finalmente se domina um inimigo ou se descobre um novo caminho.
Por fim, é importante destacar que a jogabilidade de Hell Is Us não se resume a sistemas isolados, mas à maneira como todos eles se entrelaçam. A exploração sem guias, o combate meticuloso, os puzzles integrados e a ausência de convenções modernas se combinam para criar uma experiência que exige engajamento ativo do jogador. Não é um jogo que se entrega facilmente; ao contrário, ele pede dedicação e disposição para se perder, errar e tentar de novo. Para alguns, essa pode ser uma experiência frustrante; para outros, será exatamente o que torna o jogo memorável.

O Inferno somos Nós
A história de Hell Is Us é um mergulho nas camadas mais sombrias da condição humana, utilizando a guerra, o luto e a violência como eixos narrativos para construir um enredo que não apenas acompanha o protagonista, mas também interpela diretamente o jogador. Desde os primeiros minutos, percebe-se que não se trata de um jogo interessado em entregar explicações fáceis ou narrativas lineares. Pelo contrário, sua força está em provocar, em deixar lacunas, em sugerir mais do que revelar. O resultado é uma trama que mistura ficção científica, simbolismo e drama psicológico, costurando uma experiência narrativa que funciona em vários níveis.
O protagonista, Rémi, é um personagem que chega ao cenário devastado do jogo já carregando um peso pessoal considerável. O país em que ele se encontra, Hadea foi dilacerado por uma guerra civil que deixou marcas visíveis nas cidades destruídas, nas paisagens despovoadas e nos escombros que contam histórias silenciosas.
Ao mesmo tempo, há uma camada sobrenatural que se sobrepõe a esse pano de fundo: as criaturas conhecidas como Hollow Walkers, manifestações enigmáticas que não são simplesmente monstros, mas representações simbólicas de emoções humanas extremas. Elas não surgem por acaso, e cada uma guarda relação com sentimentos como luto, medo ou raiva, transformando o próprio campo de batalha em um reflexo das cicatrizes emocionais dos personagens.
Essa fusão entre guerra real e elementos sobrenaturais é um dos pontos mais fascinantes da narrativa. O jogo nunca trata os Hollow Walkers apenas como inimigos a serem derrotados; eles são metáforas corporificadas. O combate contra eles tem sempre um duplo sentido: além do desafio físico, há o enfrentamento de dilemas internos. É nesse equilíbrio que Hell Is Us constrói uma de suas maiores forças narrativas — a ideia de que a verdadeira batalha não é contra um exército rival, mas contra os fantasmas que a própria violência humana gera.
A história também se destaca pela maneira como é contada. Não há longos monólogos expositivos ou cutscenes intermináveis explicando cada detalhe. O enredo se desenrola através de fragmentos: documentos encontrados, símbolos cravados em paredes, conversas curtas com NPCs sobreviventes e até mesmo o design do ambiente. O silêncio das cidades arrasadas, por exemplo, fala mais do que qualquer diálogo.
Essa abordagem reforça a imersão, pois coloca o jogador na posição de investigador, alguém que precisa reconstruir os acontecimentos passados a partir de vestígios. É uma narrativa que respeita a inteligência de quem joga, ao invés de mastigar cada detalhe.
No centro da trama está a jornada pessoal de Rémi. Sua busca não é apenas por sobrevivência ou vitória militar, mas por autoconhecimento e reconciliação com suas próprias feridas. O jogo sugere, em diversos momentos, que ele não está apenas lutando contra forças externas, mas enfrentando traumas íntimos, perdas familiares e ressentimentos mal resolvidos.
Esse aspecto é reforçado pela presença do drone que o acompanha, que funciona não apenas como recurso de gameplay, mas também como uma espécie de testemunha silenciosa, quase um confidente. Sua relação com o drone é ambígua: ao mesmo tempo em que depende dele, Rémi parece projetar parte de sua solidão nessa companhia mecânica.
Outro ponto relevante é o tratamento da guerra. Diferente de outros jogos que exploram conflitos armados de forma glorificada ou puramente estratégica, Hell Is Us adota um tom introspectivo e crítico.
A guerra aqui não é apenas cenário, mas também uma consequência da incapacidade humana de lidar com emoções profundas. A destruição que vemos é fruto tanto da brutalidade física quanto da deterioração psicológica coletiva. Essa abordagem dá ao jogo um caráter quase filosófico: em vez de perguntar “quem vai vencer?”, ele pergunta “qual é o preço de se lutar?”. Cada ruína visitada, cada diário encontrado reforça essa reflexão, tornando a narrativa mais pesada e impactante.
Os personagens secundários contribuem para expandir essa visão. Embora não haja uma grande quantidade deles, cada encontro é significativo. Sobreviventes relatam fragmentos de suas vidas, muitas vezes marcados por perdas irreparáveis. Não são figuras que fornecem missões tradicionais, mas vozes que ajudam a compor o mosaico do sofrimento humano. Essas interações curtas e densas lembram muito o estilo literário, em que cada diálogo carrega um peso simbólico. Muitos desses personagens parecem existir não para avançar a trama central, mas para ampliar o tema do luto coletivo.
A estrutura narrativa é fragmentada, e essa fragmentação é intencional. O jogador nunca tem acesso imediato à “verdade” sobre os eventos que desencadearam o surgimento dos Hollow Walkers ou sobre a própria história pessoal de Rémi. Em vez disso, a verdade é construída em camadas, revelada aos poucos, como se fosse uma cicatriz que só pode ser compreendida quando observada de diferentes ângulos. Essa escolha pode ser frustrante para quem prefere narrativas lineares, mas é fundamental para o impacto do jogo. O objetivo não é entregar respostas claras, mas provocar questionamentos.
Um dos momentos mais marcantes da trama ocorre quando o jogador percebe que os Hollow Walkers não são apenas inimigos externos, mas reflexos internos do protagonista. Esse ponto de virada redefine a leitura de todos os encontros anteriores e dá à narrativa uma dimensão mais íntima. Não se trata mais de “derrotar monstros”, mas de aceitar, entender e talvez até perdoar partes de si mesmo.
A luta contra o luto, em especial, é central: Rémi precisa lidar com a dor da perda de pessoas próximas, e o jogo retrata isso de forma simbólica, com confrontos que funcionam como representações viscerais de seu sofrimento.
O final da história, sem entrar em spoilers específicos, não é convencional. Em vez de uma conclusão triunfante ou de uma resolução clara, o jogo opta por deixar a sensação de ambiguidade. Não há respostas fáceis, nem fechamento completo. Essa decisão pode dividir opiniões, mas está alinhada com o tom geral da narrativa: em um mundo marcado pela guerra e pelo trauma, raramente existe um “final feliz”. O que resta é o esforço de compreender, de continuar e de conviver com as cicatrizes.
Outro elemento que merece destaque é a simbologia presente em todo o enredo. Desde a paleta de cores usada nos ambientes até os nomes dos inimigos e os objetos coletados, tudo possui uma camada interpretativa. Nada é gratuito, e cada detalhe pode ser lido como metáfora.
Essa densidade simbólica faz com que a história seja aberta a múltiplas interpretações, um convite para que cada jogador construa sua própria leitura. Alguns podem ver o jogo como uma crítica direta à guerra, outros como uma jornada de autoconhecimento, outros ainda como um estudo psicológico sobre o luto. Todas essas leituras são válidas e coexistem dentro da obra.
A narrativa de Hell Is Us também dialoga com tradições literárias e artísticas. É possível identificar influências de obras de ficção científica existencial, como as de Jeff VanderMeer (Aniquilação), e até de clássicos da literatura russa, com sua insistência em retratar personagens atormentados pela culpa e pela perda. Essa intertextualidade reforça o caráter sofisticado do enredo, que não se limita à lógica do entretenimento, mas aspira a algo maior, quase artístico.
Em resumo, a história de Hell Is Us é uma experiência complexa, densa e muitas vezes desconfortável. Ela não busca agradar a todos, mas desafiar, questionar e provocar. Sua força está em transformar um jogo de ação em uma reflexão sobre a condição humana, em que os monstros não são apenas criaturas de outro mundo, mas espelhos distorcidos de nossas próprias emoções. A narrativa é fragmentada, simbólica e ambígua, mas é justamente isso que a torna marcante. Hell Is Us não entrega respostas; entrega perguntas, e talvez seja essa a maior qualidade de sua história.
Conclusão

Hell is Us traz um gameplay que inova em tempos em que os desenvolvedores tentam facilitar a todo momento a vida dos jogadores, colocando um enorme X nos objetivos. Aqui a imersão fica maior, forçando o jogador a buscar pistas, sendo o jogo uma escolha perfeita para aqueles que se divertem com essa abordagem mais investigativa. O combate também é mais dinâmico que a maioria dos outros jogos, forçando o jogador a se manter ativo e atento para conseguir sobreviver.
O jogo também traz uma história interessante e cheia de simbologias que lida com luto, família e guerra de forma bastante reflexiva e provocativa. Aqueles que gostam de obras de ficção científica com esse teor devem achar a história deste jogo um deleite. Dito isso, certamente não se trata de um jogo que vai agradar a todos, porém certamente tem o seu público entre fãs de soulslikes e sci-fi.
Esta análise foi realizada com uma cópia gentilmente cedida pelo desenvolvedor.
Crítica | Invocação do Mal 4: O Último Ritual é bom desfecho para a saga (fantasiosa) do casal Warren

Se você é um dos muitos admiradores da saga Invocação do Mal, temos em 2025 algumas boas (e uma má) notícias. Primeiro, vamos às boas.
A quarta parte da franquia que, virtualmente, encerra a história dos paranormais Ed e Lorraine Warren no cinema é um final digno para uma ideia cinematográfica altamente bem-sucedida. O filme tem sustos na medida certa, um enredo com meia dúzia de personagens dotados de alguma humanidade e, apesar do final meio apoteótico (e gratuito), dificilmente irá desapontar os fãs do gênero.
As boas notícias podem não parar por aí. O alegado “final” talvez deixe uma porta aberta para que as desventuras fantasmagóricas prossigam, no futuro, se os realizadores abandonarem de vez o princípio de partir de “histórias reais” e - quem sabe? - fizerem de dois novos e jovens personagens um casal substituto de pesquisadores da paranormalidade. O roteiro fornece essa pista numa das cenas finais. Produtores de Hollywood não podem perder tempo ou oportunidade e ninguém rasga dinheiro. Veremos.
Agora, vamos à má notícia (e talvez nem seja tão má assim). Embora isso possa partir o coração dos fãs do casal Warren, toda a sua trajetória é baseada muito mais numa alongada “contação de causos” que em evidências reais. Jornalistas, pesquisadores e mesmo autoridades religiosas encontraram poucas provas das alegações dos dois em praticamente todos os seus casos famosos. Suas “investigações” envolviam um conjunto de elementos que extrapolaram (quando não simplesmente negaram) qualquer método científico, compondo uma mistura de crendice, viés de confirmação, autossugestão e show business.
Em resumo, não vá assistir à O Último Ritual imaginando que tudo aquilo realmente aconteceu. Toda a saga funciona bem como o que ela realmente é: ficção cinematográfica do gênero horror. E é dessa forma que precisa ser analisada.
Roteiro equilibra drama e suspense em doses corretas
Na trama, Ed Warren (Patrick Wilson) e Lorraine Warren (Vera Farmiga) experimentam um final de carreira e declínio da fama como investigadores paranormais, enquanto assistem à sua filha considerar um casamento, ao mesmo tempo que parece apresentar os primeiros sinais de paranormalidade. Paralelamente, uma família de classe média baixa da Pensilvânia é atormentada por uma assombração depois de ganhar de presente um espelho antigo, que amarra o enredo de volta aos Warren décadas atrás. Mesmo sem desejar, eles acabam tendo de confrontar a perturbação demoníaca que de alguma forma envolve também a filha, até o desfecho catártico que inclui a habitual porradaria obrigatória de toda grande produção de Hollywood ultimamente.
O que se espera de um filme de horror? Se provocar medo é a principal expectativa, você tem aqui momentos bem construídos de suspense. A direção não apela a sustos falsos e, quando constrói a tensão, ela é plenamente justificada. Diferente de A Hora do Mal, por exemplo, que desconcerta a audiência por vender um “filme de investigação” e entregar uma crônica dos subúrbios (e isto está longe de ser uma qualidade), Invocação do Mal 4 promete um filme de assombração e é precisamente isso que ele entrega. Para o bem e para o mal.
Um desfecho correto para um sucesso que já deu o que tinha de dar
Não há aqui nenhuma grande invenção, mas seria pedir demais de um filme que fecha (e não inaugura) uma saga com personagens conhecidos e queridos pelo público. O roteiro corre na velocidade certa, oferece medo bem equilibrado aos dramas familiares, e mais uma vez se apoia no carisma de Wilson e Farmiga - de fato, eles são presenças bem mais “confiáveis” que os Warren originais (na dúvida, dê uma olhada neles e considere se compraria um Buick usado daquela dupla).
A eventual decepção em relação ao filme revela, na verdade, muito mais um esgotamento do modelo que um defeito do filme em si. Ao espremer ao máximo seus lançamentos de sucesso, Hollywood tira dos subgêneros um pouco além do que eles oferecem em condições naturais. Não dá para reinventar a roda a cada nova temporada de lançamentos. Que a roda esteja redondinha não parece ser de todo mau (ao menos neste caso).
Crítica | Ladrões é projeto genérico de um cineasta autoral

Um dos (muitos) motivos para que Stanley Kubrick seja, até hoje, considerado talvez o maior diretor de cinema que já existiu é a forma criteriosa ao limite da obsessão pela qual ele selecionava seus projetos, de tal modo que sua filmografia acabou sendo mais curta que seu prestígio e talento certamente teriam permitido. Por ser rigoroso demais em escolher qual filme valia a pena ser feito, Kubrick deixou poucos títulos mas manteve um padrão de qualidade quase insuperável.
Cineastas do mesmo nível que ele (Martin Scorsese, por exemplo) têm nos legado um número muito maior de produções, mas o preço a ser pago é a irregularidade. Quantos filmes realmente bons um diretor de cinema é capaz de dirigir ao longo de quatro, cinco décadas de carreira? A indústria do cinema é uma roda gigante trabalhando em escala de sete dias, 24 horas por dia, e como se sabe não pode parar. Mas até por uma questão de probabilidade, apenas uma parcela reduzida de tudo que é produzido parece fazer sentido além daquele de manter o “mercado aquecido” com novos lançamentos.
Darren Aronofsky é um diretor cuja filmografia já teria filmes bons o suficiente para que ele fosse posicionado entre os grandes de sua geração: quais outros diretores podem incluir em seu repertório produções de excepcional qualidade como Réquiem para um Sonho, O Lutador, Cisne Negro (três títulos quase unânimes) e outros polêmicos mas provocativos como Noé e Mãe!?
Porém, tal qual outros diretores respeitados como Richard Linklater (com o horroroso Assassino por Acaso) e Ethan Coen (com o constrangedor Garotas em Fuga), Aronofsky parece disposto a ceder um pouco de seu prestígio como autor e, na contramão de Kubrick, filmar qualquer coisa que aparecer para acenar à indústria e permanecer “dentro do jogo” (ainda que ao preço de fazer sua filmografia descer de nível). Já havia sido de certa forma o caso com A Baleia, mas lá, havia a excepcionalidade da atuação de Brendan Fraser, fazendo com que um drama banal ganhasse algum ar de sofisticação. Longe do que acontece com seu novo filme.
A forte impressão de que você já viu este filme antes
Ladrões é uma comédia policial (ou qualquer coisa parecida com isso) cujos elementos você já viu reunidos muitas vezes antes - senão com algum tempero especial, ao menos mais frescos na tela. Estamos lidando com criminosos sociopatas, policiais desbocadas, toda sorte de excentricidades étnicas que não ofendem ninguém (mas ainda assim, não deixam de ser irritantes), a violência vista pela lente da comicidade, um excesso de “ambientação” (que acaba soando artificial), num todo que lembra muito o cinema caricatural de Guy Ritchie e Martin McDonagh (aqui, o Shih Tzu dá lugar a um gato), todos descendentes do estilo provocativo notabilizado por Quentin Tarantino a partir da década de 1990.
Se Tarantino é um diretor ainda mais respeitado que Aronofsky, não é o caso do fanfarrão Ritchie, e é dele que este último se aproxima com Ladrões. Na trama, Hank Thompson (Austin Butler) é um ex-jogador de beisebol apaixonado pelos San Francisco Giants que tenta reconstruir sua vida após um acidente que lesionou seu joelho. Ele trabalha num bar em NYC, namora Yvonne (Zoë Kravitz) e tem a má sorte de ser vizinho de um punk maluco, a porta de entrada para Thompson se ver envolvido numa trama banal de tráfico de drogas, capangas sádicos e corrupção policial. Um pastiche de cinema noir revisitado pela enésima vez, naquele habitual tom paródico onde o cineasta parece não querer se comprometer e pode a qualquer momento piscar para a plateia, como se dissesse: “Não leve nada a sério, estou apenas fazendo seu tempo passar aqui”.
Entre tantos projetos possíveis, por que este?
O roteiro de Ladrões segue uma lógica interna tipicamente hollywoodiana: a da “perfeita amarração”, em que nada pode ficar solto, todas as perguntas precisam ser respondidas, todo gancho oferecido ao espectador não se desperdiça sem ser plenamente recompensado ao final. Essa artesania relojoeira funciona melhor quando o enredo em si guarda alguma surpresa, algum elemento novo, visto que o desfecho será mais ou menos reconhecido antes de a projeção acabar. Está longe de ser o caso aqui.
A pergunta que um filme como Ladrões provoca é: por que um diretor tão talentoso se envolveria em um projeto tão genérico, filmando um roteiro corriqueiro que não é dele, numa produção que fatalmente será esquecida em questão de meses? A resposta é possivelmente muito simples: cinema é “show business” e, como diria Woody Allen, se fosse só “show”, se chamaria “show show”. Não é todo dia que nasce um novo Stanley Kubrick, não é mesmo?
Review | The Rogue Prince of Persia reinventa a franquia no gênero roguelite
Prince of Persia é uma franquia clássica e não seria exagero nenhum que é uma das mais influentes dos videogames. Ela ficou sumida de um grande lançamento nos consoles por um bom tempo desde o Forgotten Sands de 2010 até ressurgir em janeiro do ano passado com o excelente Lost Crown de 2024. No mesmo ano, alguns meses depois The Rogue Prince of Persia surgiu com uma versão em acesso antecipado que dividiu opiniões. Recentemente ela foi oficialmente lançada e é essa nova versão que estaremos analisando aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=Y9QwyBz-FW4&ab_channel=PlayStation
Salve a Pérsia
The Rogue Prince of Persia é uma ousada reinvenção da franquia clássica, trazendo a agilidade característica do Príncipe para um formato roguelite que mescla exploração, combate dinâmico e progressão estratégica. Desenvolvido pela Evil Empire (responsável por Dead Cells) e publicado pela Ubisoft, o jogo se destaca pela jogabilidade polida e pela integração inteligente de mecânicas de movimento e combate.
Logo de início, os jogadores são apresentados a um sistema de movimento excepcionalmente fluido. O Príncipe pode escalar paredes, deslizar sob obstáculos, saltar entre plataformas e realizar acrobacias com uma naturalidade que remete aos melhores títulos de plataforma 2D. A mecânica de wall run, em particular, é tão bem implementada que se torna central na exploração e no combate, permitindo desencadear ações como saltos, mergulhos e chutes sem interrupções. Essa mobilidade é amplificada pelo sistema Vayu's Breath, que recompensa sequências de movimentos elegantes com aumento de velocidade e efeitos visuais amplificados, criando uma sensação de ritmo e fuxo que é tão prática quanto é gratificante.
No combate, o jogo oferece uma variedade de armas e ferramentas que incentivam estilos de jogo distintos. Espadas curtas favorecem a agressividade, enquanto armas pesadas como machados exigem timing preciso, mas compensam com dano devastador. Ferramentas secundárias, como arcos e equipamentos especiais, adicionam camadas táticas, permitindo ataques à distância ou controle de multidões. Duas inovações se destacam: o dash tático, que posiciona o Príncipe nas costas dos inimigos para ataques surpresa, e o chute, que atordoa adversários ou os lança em armadilhas ambientais espalhadas pelo cenário. Essas mecânicas não só ampliam as opções estratégicas, mas também incentivam a criatividade durante os combates.
A progressão é baseada em ciclos de tentativa e erro, típicos do gênero roguelite. Moedas coletadas durante as runs permitem desbloquear upgrades permanentes no hub central (Oásis), como vida adicional ou dano ampliado, reduzindo a frustração de mortes repetidas . Além disso, os medalhões funcionam como perks modificadores de gameplay, concedendo benefícios que variam de ganhos passivos de recursos até efeitos situacionais, como criar poças de resina ao chutar inimigos. A customização via combinações de medalhões (até 4 slots) adiciona profundidade, permitindo que jogadores criem sinergias únicas adaptadas ao seu estilo.
A exploração é outro ponto forte. Os biomas são gerados proceduralmente, garantindo que cada partida seja única, com inimigos, armadilhas e recompensas reposicionados a cada tentativa. A descoberta de segredos ambientais, como os poços dos sonhos (pontos de fast travel) ou cachês de Cinza (recursos para upgrades), incentiva a investigação minuciosa dos cenários. No entanto, um ponto que pode ser frustrante é a perda desses recursos a cada morte, o que exige que jogadores os depositem em altares entre zonas para evitar perder tudo. Existe um sistema de risco e recompensa que adiciona tensão, mas pode ser punitivo para iniciantes.
Apesar dos elogios, há espaço para melhorias. O skill tree é considerado básico por alguns, focando em upgrades numéricos (ex.: +vida) em vez de habilidades transformadoras . Além disso, a repetitividade pode surgir após horas de jogo, já que a variedade de inimigos e biomas é limitada na versão inicial. Controles precisam de ajustes finos, especialmente em sequências de parkour de alta precisão, onde falhas podem parecer injustas.
Em suma, The Rogue Prince of Persia é uma celebração da mobilidade e do combate estratégico. Sua jogabilidade fluidamente integrada com mecânicas de roguelite cria uma experiência viciante que honra a herança da série enquanto inova com coragem. E as inovações que a nova versão oficilalmente lançada deixa o jogo ainda mais fluido e divertido.
O que (não) mata te deixa mais forte
The Rogue Prince of Persia destaca-se não apenas por sua jogabilidade refinada, mas por uma narrativa que integra de forma inteligente a mecânica de morte e renascimento à mitologia da série. Desenvolvido pela Evil Empire, o jogo explora temas como culpa, responsabilidade e a natureza da imortalidade, tudo ambientado em um universo persa repleto de magia e perigo. A história é contada de forma não linear, com fragmentos narrativos desbloqueados progressivamente, incentivando a exploração e a repetição de ciclos sem tornar-se repetitiva.
A premissa central gira em torno do príncipe da Pérsia, que subestima os hunos e vê seu reino ser invadido por um exército sobrenatural liderado por Nogai. Derrotado em batalha, ele acorda três dias depois em um oásis, revivido por uma bola mística (presente de seu pai) que lhe concede imortalidade ilimitada. Este artefato não é apenas uma ferramenta de gameplay, mas o cerne da narrativa: cada morte e renascimento é justificada pela bola, que amarra o príncipe a um ciclo de tentativas para salvar seu reino e corrigir seus erros.
A estrutura narrativa é um dos pontos mais elogiados. Diferente de muitos roguelites, onde a história é apenas pano de fundo, The Rogue Prince of Persia faz da morte uma ferramenta narrativa. Cada partida revela novas informações sobre a invasão dos hunos, a corrupção mágica que consome a cidade e os segredos por trás da bola da imortalidade. NPCs no oásis – como o ferreiro cínico e a alquimista misteriosa – oferecem missões e diálogos que aprofundam a trama, enquanto flashbacks e visões desvendam o passado do protagonista e suas motivações.
Um elemento inovador é o sistema de "detetive", onde o jogador deve coletar pistas espalhadas pelos biomas e conectá-las para avançar na história principal. Por exemplo, encontrar um objeto específico ou interagir com um personagem secundário pode desbloquear um novo caminho narrativo, incentivando a exploração meticulosa dos cenários. Essa abordagem lembra jogos de mistério como Sherlock Holmes, mas integrada perfeitamente ao gênero roguelite.
Os temas abordados são maduros e reflexivos. A culpa do príncipe por ter falhado em proteger seu povo é palpável, e sua jornada é tanto física quanto emocional. A imortalidade oferecida pela bola é apresentada como uma maldição disfarçada de benção, pois condena o protagonista a reviver incessantemente até cumprir sua missão.
A vilania de Nogai e dos hunos, embora funcional, não é tão desenvolvida quanto poderiam ser. Os antagonistas são representados como forças destrutivas sem motivações profundas, o que é uma limitação narrativa. No entanto, a relação do príncipe com seus aliados e com seu próprio passado compensa essa fraqueza, criando conflitos emocionais ressonantes. A progressão da história é gradual e depende diretamente do desempenho do jogador. Após derrotar chefes ou completar missões específicas, novos diálogos e cutscenes são desbloqueados, revelando camadas adicionais do lore.
Em comparação com outros roguelites, como Hades, a narrativa de The Rogue Prince of Persia é mais fragmentada e menos centrada em personagens carismáticos. No entanto, sua originalidade está em como a mecânica de morrer e renascer é organicamente tecida na trama, criando uma experiência coerente e imersiva. A direção artística – inspirada em miniaturas persas e obras de Moebius – reforça o tom épico e melancólico da história .
Em resumo, The Rogue Prince of Persia eleva a narrativa de roguelites ao transformar a morte em um elemento central da jornada do herói. Sua história de culpa e redenção, aliada a uma progressão não linear inteligente, oferece uma experiência cativante que honra a herança da série enquanto inova com coragem. Agora a história está mais satisfatória do que na versão anterior, agora estando completa.
Conclusão
The Rogue Prince of Persia continua o legado da franquia fazendo uma combinação de elementos do gênero roguelite com os que já ficaram marcados na série que incluem manipulação do tempo e isso caiu como uma luva, sendo uma ótima sacada dos desenvolvedores da Evil Empire. Além disso, o jogo tem uma bela arte, combate fluido e desafios que deixam o jogador ávido por jogar mais. O título é recomendado principalmente para fãs do gênero roguelite e metroidvanias.
Review | Metal Gear Solid Delta: Snake Eater honra o legado de MGS 3 sendo 100% fiel
Tem certos jogos que a gente não joga, a gente vive. Eles marcam uma época, uma geração e ficam pra sempre na memória. Metal Gear Solid 3: Snake Eater é um desses. Na minha cabeça, ele é quase uma lenda e marcou minha pré-adolescência profundamente. Gastei horas e horas jogando e rejogando para fazer runs perfeitas e destravar os melhores trajes de camuflagem. O auge do Kojima e de tudo que a série representava: espionagem, traição, um enredo de filme e uma jogabilidade que fazia você suar frio elevando a tática da furtividade para um patamar nunca antes visto.
Aí a Konami, do nada, anuncia um remake. Metal Gear Solid Delta: Snake Eater. Confesso que a primeira reação foi um misto de esperança, alegria e medo. Como recriar essa obra-prima sem o gênio por trás dela? A sombra do Kojima paira sobre cada detalhe. O medo era de que fosse só um título mais oportunista como outros remakes legado, um jogo bonito por fora e vazio por dentro. Mas, como um fã que já passou por poucas e boas com essa série - Metal Gear Survive estou falando de você, resolvi dar uma chance. O resultado não poderia ser melhor, fazendo perdoar a oportunidade perdida de reformar a obra e trazer detalhes novos como a Capcom fez com seus Resident Evil.
https://www.youtube.com/watch?v=ajh3YHJ6baI&ab_channel=PlayStation
Enredo de Cinema
A história de Metal Gear Solid 3 é, sem dúvida, um dos maiores enredos dos videogames. E aqui, a Konami não mexeu em nada. Absolutamente nada. Os diálogos, as cutscenes, tudo está exatamente como a gente se lembra. O drama de Naked Snake, a relação com a The Boss, a trama de espionagem da Guerra Fria... a história continua poderosa, dramática e cheia de reviravoltas - algumas cômicas, outras trágicas. O contexto histórico segue importantíssimo, com o ápice da Guerra Fria entre os EUA e a URSS. Logo, apesar do jogo dar uma apresentada satisfatória, é bom ter em mente que quanto mais souber do período pós-Crise dos Mísseis, melhor será o aproveitamento da narrativa que é mesmo muito rica.
E a voz dele está de volta! Escutar o David Hayter como Snake de novo é pura nostalgia. É como reencontrar um velho amigo. A atuação dos personagens, mesmo nas cenas mais longas e com diálogos que parecem palestras, ainda é incrível. A Konami foi esperta em não tentar refazer o que já era perfeito.
Mas, como um fã que já viveu essa história, preciso ser honesto. O fator "uau" da história não existe mais. A surpresa se foi. As reviravoltas já são conhecidas. A narrativa que era revolucionária em 2004, hoje, é um clássico. A gente assiste a tudo isso com um sorriso no rosto, mas sem o frio na barriga de antes. O impacto não é mais o mesmo e nem tem como ser para os veteranos. Porém, ainda assim, admito que os momentos finais de Snake contra a The Boss seguem emocionantes e ganham um peso muito maior agora com a experiência que acompanha a idade - hoje tenho 31 e na época que joguei, tinha 13 anos.
Para quem nunca jogou, a história do Delta será uma experiência e tanto. É um conto que explora temas adultos com uma maturidade impressionante, trazendo personagens icônicos, com características próprias e um antagonista que realmente dá gosto em derrotar. Por se tratar literalmente do início de toda a história de Snake, não tem oportunidade melhor para começar a conhecer a saga que, admito, é burocrática e bastante complexa para quem decidir cair de para-quedas em um título numerado de outras gerações de consoles. A fidelidade da história e dos longos diálogos trazidos em rádio só ajudam na imersão, nada dessa apresentação foi alterado sem perder a essência do original. Aqui, a fidelidade foi uma verdadeira virtude.
KonamiA selva renascida
Se tem uma coisa que o Delta faz de forma espetacular, é a parte visual. E não tem outra palavra pra descrever: é lindo. A Unreal Engine 5 faz um trabalho de tirar o chapéu. A selva russa é viva, densa, cada folha, cada gota de chuva parece real. A lama gruda no uniforme do Snake, em seu rosto e a gente vê a textura da pele dele com o barro incruento deslizando misturado com o suor. É como ver um filme de espionagem do mais alto nível.
Mas tem uma coisa que me incomoda. Toda essa perfeição visual, em certos momentos, parece... artificial. É como se eles tivessem limpado tanto a sujeira daquele filtro sépia embaçado que o jogo perdeu um pouco daquela aspereza que a gente tanto gostava. O Snake Eater original tinha uma arte única, que beirava o expressionismo. Aqui, tudo é tão hiper-realista que, ironicamente, parece um pouco plástico. Aquela sensação de estar num mundo sujo, perigoso e desconhecido com uma cara de PS2, sumiu. Para mim, não afetou tanto o saudosismo, mas ainda assim pode incomodar veteranos.
Apesar disso, não dá pra negar a maestria técnica. A captura de movimento, as expressões faciais dos personagens... tudo é de um nível que a gente raramente vê. A Konami não economizou no motor gráfico, e isso é louvável. É um show à parte. Eu até me pego parando de jogar só pra admirar a paisagem, a luz do sol entrando na floresta e na fauna expansiva que o jogo possui.
Importante mencionar que o jogo roda liso no PC e que a UE 5 está comportada. No fim, os técnicos da Konami foram muito inteligentes em limitar o framerate a 60 FPS no máximo. Isso ajuda o buffer de novos quadros e não permite qualquer tipo de engasgo ou problema de cache de shaders do motor gráfico que costuma ser problemático. O DLSS ajuda também a manter a experiência bastante estável e acessível para PC de diversas configurações.
KonamiPura nostalgia: A jogabilidade de 20 anos atrás e a de agora
Quando você começa a jogar, a primeira coisa que bate é a sensação de familiaridade. A Konami foi religiosamente fiel à jogabilidade do original. Você ainda tem que caçar, cuidar dos ferimentos do Snake e, principalmente, usar a camuflagem para se esconder. Não tem atalhos, não tem frescura. É você e a selva. E, pra mim, isso é perfeito. Numa época em que todo jogo te pega pela mão, Delta te joga na lama e diz: se vira - ainda que haja sim tutoriais para explicar como realizar algumas tarefas. A experiência segue muito rica, com diversas oportunidades desenhadas no mapa para aproveitar do acaso e da furtividade ao eliminar inimigos.
O grande milagre e a principal razão pra eu ter gostado tanto, é a nova câmera. Sabe aquela briga eterna com a câmera no original? Aquilo era um pesadelo, principalmente na hora de mirar a arma do personagem. Agora, a câmera em terceira pessoa te segue e te dá a liberdade de um jogo moderno. É como se tivessem corrigido o único defeito grave do original. A navegação na selva se tornou fluida, intuitiva, e a experiência de se infiltrar é mais prazerosa do que nunca. Agora, também é possível mirar e andar, abandonando de vez os controles tanque que marcaram a saga por tanto tempo. Ainda assim, é importante mencionar que a melhor jogabilidade da saga segue com The Phantom Pain, uma obra-prima em termos de gameplay.
Claro, a jogabilidade ainda tem suas manias. O Snake não se move como um agente moderno, é um pouco lento e pesado, o que pode incomodar quem não está acostumado - esquece que não dá para correr aqui. As caixas de colisão em alguns lugares e as animações podem parecer um pouco datadas. Mas é justamente esse peso, essa falta de fluidez, que reforça o realismo e o desafio da missão 100% solitária de Snake. Para os puristas, também é possível jogar com o esquema clássico de controles, mas desejo toda a sorte do mundo para quem desejar se aventurar nesse modo. O que eu mais queria em um remake era um esquema moderno de controle e câmera e, felizmente, a Konami entrega tudo.
Eles também modernizaram a interface do inventário e de cura - se Snake se quebrar inteiro, terá que usar talas, bandagens, antissépticos e tudo mais para ajeitar seu personagem de morrer pelos ferimentos, o que é ótimo. Menos tempo mexendo em menu e mais tempo jogando. Os menus são intuitivos então é fácil trocar de camuflagem e armamentos com muito mais fluídez que no original. Ainda assim, uma roda de inventário seria muito bem-vinda aqui, mas infelizmente não há esse recurso de mecânica. Transitar entre menus nem sempre é divertido, mas como o ritmo do jogo é lento e sofre muitas interrupções, principalmente ao se locomover nos bolsões exploráveis das fases, não chega a afetar tão negativamente a nossa experiência.
KonamiO som da lenda
A trilha sonora do Harry Gregson-Williams é um dos maiores trabalhos da história dos games. E aqui, ela está lá, majestosa, épica, e emocionante como sempre. A música te pega e não te solta. As trilhas que tocam durante as lutas contra os chefes são de arrepiar. É a cereja do bolo de uma experiência imersiva. Só admito que a nova performance de Cynthia Harrell no tema de Snake Eater não chega nem perto da presença e marca da performance original de 2004.
Agora, o elefante na sala. A ausência de Hideo Kojima. A gente sente falta daquele toque de loucura, da quebra da quarta parede, da irreverência, dos detalhes bizarros que tornavam os jogos da série tão únicos. Delta é um remake elegante, respeitoso, mas não corre riscos. Não fosse o divórcio extremamente amargo e traumático entre Kojima e a Konami, penso em todas as possibilidades que Kojima poderia ter adicionado no remake da saga. Porém, isso só deve ser realidade em algum universo paralelo. Já fico satisfeito em ter um jogo que honra os passos do original ao máximo, sem desviar em nada do percurso, embora reconheça que a melhor oportunidade de incrementar o clássico tenha sido agora e, no fim, não tivemos.
Kept you waiting, huh?
Metal Gear Solid Delta: Snake Eater é um jogo que merece ser jogado. Para os novatos, é a oportunidade perfeita de vivenciar um dos maiores clássicos dos videogames com gráficos modernos e uma jogabilidade aprimorada. Para os veteranos, é uma viagem nostálgica, uma chance de reviver a lenda com um frescor visual que surpreende. A Konami fez a lição de casa e entregou um remake que não apenas emula o original, mas o complementa com melhorias essenciais. Não há melhor forma de experimentar a clássica história do que com Metal Gear Solid Delta.
É um jogo que não se torna lendário por si só, pois a ausência da centelha visionária de Kojima é perceptível. Mas, ao mesmo tempo, ele se estabelece como uma porta de entrada para uma nova geração, provando que a história de Naked Snake ainda é tão poderosa quanto era há vinte anos. No final, Delta é um sucesso, e uma prova de que, mesmo sem seu criador, a lenda de Metal Gear pode continuar ainda por muitas décadas. Que mais experiências inesquecíveis venham no futuro promissor que a Konami vem trilhando ao redefinir seu catálogo clássico.
Esta review foi realizada através de uma cópia gentilmente cedida pela Konami.
Crítica | Anônimo 2 entrega o que o público espera (e nada mais)
A continuação de Anônimo (de 2021), agora dirigida pelo indonésio Timo Tjahjanto - das irregulares mas sempre interessantes coletâneas V/H/S/2 e V/H/S/94 - entrega à audiência exatamente o que ela espera. Isso tem um evidente lado bom, mas também representa sua limitação. Em ajustadíssimos quase 90 minutos, estão presentes todos os elementos que levam o espectador desse tipo de produção a uma sala de cinema. Por outro lado, não se espera - tampouco se consegue - um fotograma a mais. É uma troca justa e ponto final.
Anônimo 2 é um legítimo representante do cinema de ação policial, uma longa tradição que tem suas origens reconhecidas nas produções clássicas da Warner com James Cagney, atravessa o mar até a França com Jean-Pierre Melville e desemboca em sucessos recentes como Sicário de Denis Villeneuve. Entretanto, tal gênero costuma subdividir-se em pelo menos três vertentes bem características. A primeira é a da ação realista, em que podemos inserir aquele último, e também Drive (de 2011), ou os mais antigos Fogo contra Fogo, de Michael Mann, e Operação França, de William Friedkin. A segunda é a da ação mais fantasiosa, ou “hiperrealista”, cuja maior influência são os quadrinhos e o cinema de Hong Kong, um estilo do qual a franquia John Wick é provavelmente o exemplo mais recentemente bem-sucedido. A terceira vertente, finalmente, revela-se como um pastiche da segunda, de tom paródico, autorreferente e que acrescenta uma pitada cômica ao balé de violência da vertente anterior. Um dos seus principais nomes talvez seja o de Guy Ritchie. Anônimo 2 segue esta última linha (para o bem e para o mal).
https://www.youtube.com/watch?v=TwGVQJFAwww&ab_channel=ingresso.com
Filme repete a fórmula do justiceiro de vida dupla
A trama segue um reduzido período de férias do protagonista Hutch Mansell (Bob Odenkirk), que sai com a família para um passeio a uma cidade turística decadente tentando se desviar de sua rotina de violência e subterfúgios, mas acaba caindo numa outra teia criminosa liderada pela vilã Lendina (Sharon Stone), que comanda uma rede de contrabando que passa pela localidade. Mansell leva na viagem a esposa (vivida por Connie Nielsen), um casal de filhos adolescentes e o pai amalucado (Christopher Lloyd, de De Volta para o Futuro), acabando por compor um núcleo familiar que lembra imediatamente a família do seriado Ozark, até pela ambientação e o choque cultural com os caipiras hostis. É preciso fazer justiça ao roteiro, que introduz uma parceria insuspeita de Mansell, não perde tempo com conflitos secundários e parte logo para a porradaria porque é o que a audiência está esperando.
O protagonista “anônimo” da nova franquia repete a rotina de outros anti-heróis disfarçados de homens comuns, como nas séries O Contador e O Protetor. Aqui particularmente, a identificação com o espectador é mais fácil, porque Odenkirk não é um galã como Ben Affleck (ou tampouco um “cara das ruas”, como Denzel Washington), ele parece mais “comum” e vulnerável e quando reage, por exemplo, a uma pequena agressão à filha e espanca um grupo de valentões antipáticos, provoca furor na plateia. Quem nunca sonhou ser o cara durão que pune duramente os malvados quando ninguém espera que aquilo aconteça?
Hutch Mansell é como se houvesse uma fusão precisa entre Saul Goodman e John Wick, aqui presente na ação coreografada, que deixa de lado a lógica e investe todas as suas fichas na inventividade (em detrimento da verossimilhança). A diferença está no tom da vertente: enquanto em um filme como John Wick a atmosfera é solene, até mesmo trágica, e o enredo se leva a sério o tempo todo, aqui o clima é outro: tudo (o trabalho de câmera, os diálogos, a edição) encaminha para um riso irônico, estabelecendo comunhão entre os personagens e a audiência - no fundo, todos sabem que nada do que se vê tem grande relação com a realidade. Este é um filme sobre outros filmes, enfim. Um filme de ação policial sobre outros filmes de ação policial. Não há nada exatamente errado nisso. Quentin Tarantino é um dos diretores mais bem sucedidos da história do cinema fazendo filmes sobre…outros filmes. E está tudo bem.
Uma diversão honesta mas sem ambições
A limitação de Anônimo 2 não está em sua proposta, mas sim na execução. Tudo que se vê já foi visto: a vilã psicótica (Stone), os conflitos familiares (que o filme toca com notável superficialidade), a ambientação do “mundo do crime” com imigrantes do leste europeu (e até mesmo “brasileiros”, que mais se parecem caribenhos, mas isso é outra história), etc. O personagem do pai de Mansell, por exemplo, funciona quase como um adereço de cenário. Ele é trazido pelo enredo e esquecido na estante (na verdade, numa cabana). A impressão é de que o filme tem tanto medo de perder o foco da ação paródica, da porradaria do sujeito comum contra os vilões, da violência gráfica nas lutas, que se esquece de que o espetáculo se dá na soma das partes, e não em apenas uma.
Dizer que, entretanto, Anônimo 2 irá desapontar seu público é, ademais, uma aposta de risco ainda maior. Veloz, curto, divertido e despretensioso, tem tudo para agradar os espectadores que sabem o que esperam. E que provavelmente nem querem algo muito diferente disso.
Crítica | Corra que a Polícia Vem Aí! traz nostalgia caótica à comédia em 2025
Liam Neeson é a escolha precisa e debochada como protagonista para a retomada de um estilo de comédia que fez muito sucesso na década de 1980 a partir do hoje clássico Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu - e que depois daria origem e influência a uma lista relativamente grande de títulos como o Corra que a Polícia Vem Aí! original, passando por Top Secret!:Superconfidencial, Todo Mundo em Pânico, Não é Mais um Besteirol Americano, entre outros.
O público atual talvez não esteja familiarizado com a abordagem inventada por David e Jerry Zucker e Jim Abrahams, que misturava gags visuais, texto nonsense, uma pitada de incorreção política e a atmosfera subversiva herdada dos Irmãos Marx. Portanto, resta saber como essa audiência (muito mais propensa a ter sua suscetibilidade ferida) irá reagir a uma mistura que é, ao mesmo tempo, despretensiosa e explosiva ao nível do ultraje social.
A nova versão de Corra que a Polícia Vem Aí! acerta em cheio ao fazer de Neeson o filho do personagem original celebrizado por Leslie Nielsen, embora sejam duas personas cinematográficas distintas por natureza (enquanto o primeiro é um astro de primeira grandeza do cinema de ação, o segundo sempre foi no máximo um coadjuvante dedicado até se encontrar na comédia escrachada). O balanço acertado no novo filme certamente tem a marca do produtor Seth MacFarlane, acostumado a um gênero de comédia provocativa como da animação em série Uma Família da Pesada e de longas-metragens como Ted e Um Milhão de Maneiras de Pegar na Pistola.
https://www.youtube.com/watch?v=uLguU7WLreA&ab_channel=ParamountPictures
Como retomar um estilo sem assustar o espectador atual
O novo filme corria dois riscos desde o início: o mais óbvio era o de descaracterizar o tom original para não chocar o espectador de 2025; o menos óbvio era, por outro lado, de pesar a mão, desconsiderando que o cinema (assim como a plateia, o mundo, as piadas) mudou e muda o tempo todo. Mas uma direção discreta (embora dedicada) e um roteiro sem medo de mostrar por que veio garantem passar pelo desafio merecendo uma medalha de “policial do mês” ou algo parecido.
Na trama (que, como não poderia deixar de ser, é uma estrutura básica cuja real função é permitir que o humor aconteça), Frank Drebin Jr. (Neeson) é um policial veterano com as esperadas dificuldades em se adaptar aos novos tempos em seu trato com criminosos (reais e imaginários) e a opinião pública que, diante de uma investigação que envolve o magnata da tecnologia Richard Cane (Danny Huston, de Yellowstone e Sucessão), acaba se relacionando com a irmã de uma vítima de conspiração vivida por Pamela Anderson.
Embora trate de temas bastante presentes na discussão pública da atualidade, o enredo não se aprofunda nas questões - o que é um acerto, porque o foco tem que estar necessariamente no exercício de um tipo de humor que, mesmo não tendo desaparecido, hoje é mais difícil de ser encontrado no cinema. Assistimos a uma sequência que não perde o fôlego em pouco menos de uma hora e meia de projeção: são piadas bastante visuais, diálogos que fazem referência a personagens e temas do mundo real e que demandam atenção para compreender e dar risada. Em outros momentos, as piadas vão se revelando camada por camada, num equilíbrio inteligente (embora francamente desafetado) entre refinamento formal e vulgaridade. O resultado é muito divertido e quase o oposto ao que se vê normalmente quando pensamos agora em “humor no cinema”: Corra que a Polícia Vem Aí! não se constrange em fazer piadas com filmes de ação, carros elétricos, violência policial, calças caindo e desventuras intestinais mas, por trás da grosseria colegial, há uma subversiva alternância entre a sátira (social) e a paródia (do próprio cinema) que mesmo o espectador mais mal humorado poderá reconhecer.
Quem estiver atento vai aproveitar melhor as piadas que se sucedem (e se escondem)
Quem não está familiarizado com o estilo de humor pode perder uma parcela considerável das piadas. Por exemplo: quando analisa uma cena de crime, Drebin Jr. calça meticulosamente uma luva plástica para, em seguida, comprometer a perícia usando a mão que está desprotegida para mexer nas provas. É sutil e pode passar despercebido, mas está longe de ser despropositado, evidenciando que o filme - por mais tolo e avacalhado que pareça na superfície - é resultado de uma artesania caprichada, que usa o próprio escracho para ocultar os mecanismos cênicos que estão o tempo todo em pleno funcionamento.
O mais importante, contudo, em se tratando de uma comédia, é sempre perguntar: as piadas funcionam? Os atores são engraçados? Os diálogos, provocativos? Sim: o resultado é um filme curto, divertido, com dois ou três momentos realmente hilários, provocações para todos os lados, grau nulo de proselitismo e uma boa dose de nostalgia de um tempo em que rir de si mesmo e dos amigos não produzia celeumas sociais para ninguém.
Crítica | Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda é uma comédia familiar na medida certa

Está em alta a tendência de filmes lançados há décadas receberem continuações após um longo hiato, como os casos recentes de Top Gun: Maverick (2022) e Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (2025). Esse movimento vem ganhando cada vez mais espaço, e é exatamente o que acontece agora com Sexta-Feira Muito Louca, que recebe uma sequência intitulada Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda.
Após 22 anos, o longa ganha um novo capítulo, agora dirigido por Nisha Ganatra, conhecida por seus trabalhos em séries de TV, e com roteiro assinado por Jordan Weiss. Apesar da expectativa, a sequência não traz nada realmente original — o tema da troca de corpos, afinal, já foi amplamente explorado no cinema, como nos bem-sucedidos De Repente 30 (2004) e 17 Outra Vez (2009).
A própria Disney já tentou replicar o sucesso de Sexta-Feira Muito Louca em outras produções lançadas nos anos seguintes, mas sem grande êxito. Vale lembrar que o conceito nasceu com Se Eu Fosse Minha Mãe (1976), a versão original inspirada na obra de Mary Rodgers, que deu origem à franquia.
Se na versão original de 2003 Anna (Lindsay Lohan) trocava de corpo com sua mãe, Tess (Jamie Lee Curtis), agora algo semelhante acontece: Tess Coleman, uma autora e psicóloga consagrada que está lançando um novo livro, troca de corpo com a jovem Lily (Sophia Hammons), de 15 anos. Ao mesmo tempo, Anna troca de corpo com sua própria filha, Harper (Julia Butters), também de 15 anos.
Como já mencionado, não há nada de realmente novo. A nova versão é praticamente um "copia e cola" da original, apenas atualizando para os dias de hoje a clássica história de conflitos familiares — um tema que costuma funcionar bem no cinema. Anna e Tess continuam se desentendendo, com Tess agora tendo que lidar com a rotina da neta surfista, Harper, enquanto Anna enfrenta conflitos com a filha, que repete muitas das mesmas peripécias vividas pela mãe na juventude.
É um filme sobre mulheres de temperamento forte, decididas sobre o que querem e os caminhos que desejam seguir. Por isso, o conflito dramático entre Harper e sua mãe, Anna, funciona tão bem e acrescenta emoção à trama. O elo entre mãe e filha é poderoso e é explorado com sensibilidade pela narrativa.
Por isso, é um acerto ter Nisha Ganatra à frente da direção. Com experiência em séries, a cineasta explora de forma acertada as relações familiares, que são fundamentais para a história — um elemento que já havia sido bem trabalhado no passado e que, agora, mantém sua essência.
Quanto ao humor, ele está presente, mas em doses mais contidas. Os conflitos internos das personagens e o drama pessoal de cada uma das protagonistas são mais explorados do que as situações cômicas. Claro que a história nunca perde o tom leve — até porque a ideia de troca de corpos sempre funciona bem —, mas Ganatra opta por uma abordagem mais sensível e dramática, em vez de focar exclusivamente na comédia.
Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda funciona como entretenimento. Mesmo sendo repetitivo em algumas cenas e contendo algumas piadas bobinhas, ainda assim é um filme familiar que sabe trabalhar bem as relações humanas e intrapessoais. A grande dúvida é se teremos que esperar mais 22 anos para uma próxima sequência. Tomara que não.
Uma Sexta-Feira Mais Louca Ainda (Freakier Friday, EUA – 2025)
Direção: Nisha Ganatra
Roteiro: Jordan Weiss, baseado na obra de Mary Rodgers
Elenco: Jamie Lee Curtis, Lindsay Lohan, Julia Butters, Sophia Hammons, Mark Harmon, Manny Jacinto, Maitreyi Ramakrishnan, Christina Vidal, Haley Hudson
Gênero: Comédia, Fantasia
Duração: 111 min.