Crítica | Alien: Romulus não é perfeito, mas honra os melhores filmes da franquia
Sob nova direção
"Alien: Romulus" é uma adição corajosa e cativante ao vasto e, muitas vezes, irregular legado da franquia Alien. Desde que Ridley Scott nos apresentou o terror do espaço em 1979 e James Cameron ampliou a escala com Aliens em 1986, a série tem oscilado entre tentativas de reviver a magia original e projetos que falharam em captar sua essência.
Sob a direção de Fede Álvarez, "Romulus" se destaca por tentar recuperar algo que não sentíamos desde os primeiros filmes: um terror genuíno, aliado a uma inesperada profundidade emocional. Embora o filme possa não atingir o status de clássico, ele certamente reacende a chama do medo que há tempos estava adormecida.
Álvarez, que já havia demonstrado uma afinidade especial pelo terror com Don't Breathe e sua versão de Evil Dead, mostra que entende o que torna Alien uma franquia única. Ele retorna ao que funciona: o suspense claustrofóbico e a sensação palpável de perigo iminente. Mas o que realmente se destaca em Romulus é a maneira como Álvarez infunde a narrativa com um coração pulsante.
Ele não se contenta em apenas nos assustar; ele quer que nos importemos com os personagens, algo que, em várias sequências e spin-offs anteriores, parecia secundário. É essa mistura de terror e humanidade que faz o filme funcionar tão bem.
https://www.youtube.com/watch?v=oUaEFijgn6I
Terror, mas com sensibilidade
No centro de "Romulus" está Rain Carradine, interpretada por Cailee Spaeny, uma atriz que vem se destacando por suas atuações intensas e autênticas. Rain é uma protagonista forte e complexa, mas, ao contrário de Ellen Ripley, ela não carrega o fardo de ser uma heroína icônica. Spaeny constrói sua personagem com uma vulnerabilidade que a torna profundamente humana e acessível.
A ambientação do filme, situada entre o primeiro e o segundo Alien, permite a introdução de novos elementos sem perder a conexão com o que já conhecemos. Embora o filme tenha suas referências, ele se sustenta como uma narrativa independente, centrada na luta de Rain para sobreviver em um universo que parece constantemente tentar destruí-la.
Um dos aspectos mais emocionantes do filme é a relação de Rain com seu irmão adotivo sintético, Andy, interpretado com sensibilidade por David Jonsson. Jonsson consegue capturar algo especial em Andy, um androide que luta para encontrar seu lugar em um mundo que o rejeita não apenas por sua natureza artificial, mas também por sua gagueira.
A interação entre Rain e Andy é o verdadeiro coração do filme, uma ligação que explora o que significa ser humano em um ambiente desumano. Andy, com sua inocência e dedicação, lembra personagens como Bishop em Aliens, mas com uma profundidade emocional que o torna único. Quando Andy passa por um "upgrade", a perda de sua humanidade provoca uma reflexão amarga sobre os custos da sobrevivência.
Alien: Romulus não faz feio
O elenco de apoio, composto por jovens atores como Isabela Merced, Archie Renaux, Aileen Wu e Spike Fearn, contribui para o clima de tensão e perigo. Embora esses personagens possam não ser tão desenvolvidos quanto Rain e Andy, eles desempenham bem seus papéis, ajudando a construir a atmosfera de ameaça constante. Ainda assim, é difícil não sentir que alguns deles poderiam ter recebido mais atenção para adicionar camadas à trama.
Álvarez também se destaca na criação de cenas de ação que são ao mesmo tempo inovadoras e fiéis ao espírito da franquia. Uma sequência em gravidade zero se destaca como uma das mais memoráveis da série, combinando efeitos práticos com um suspense que nos prende à cadeira.
Álvarez demonstra uma habilidade notável em aprender com os erros do passado, revitalizando conceitos que em filmes anteriores não haviam atingido seu potencial máximo. Aqui, ele consegue transformar esses conceitos em momentos de pura tensão.
"Romulus" pode não reinventar a fórmula, mas certamente a refina de uma maneira que faz jus ao legado de Alien. Spaeny e Jonsson são, sem dúvida, os destaques do filme, trazendo uma profundidade emocional que eleva a história além do simples horror espacial.
Os primeiros dois terços do filme são sólidos, mas é no terceiro ato que "Romulus" realmente brilha, entregando um clímax que, apesar de divisivo, é coerente com o restante da narrativa. O design das criaturas, um ponto crucial em qualquer filme Alien, também é um ponto alto do filme, criando imagens fortes dignas dos dois primeiros filmes da franquia.
No final, "Alien: Romulus" pode não ser o clássico que os fãs mais ardorosos esperavam, mas é um retorno digno às raízes da franquia, equilibrando com habilidade o terror e a humanidade. Fede Álvarez nos lembra por que Alien é uma das franquias mais queridas do cinema, ao mesmo tempo em que abre caminho para novas histórias que exploram as profundezas do medo e da sobrevivência no espaço.

Crítica | Armadilha mistura direção brilhante e roteiro inverossímil
A melhor palavra que caracteriza o cinema de M. Night Shyamalan é "invulgar": é fácil amar ou odiar seus filmes, mas dificilmente eles provocarão indiferença. E com "Armadilha", seu lançamento de 2024, não poderia ser diferente.
Na trama, Cooper (Josh Hartnett, brilhante) e sua filha adolescente (Ariel Donoghue) vão a um show de uma estrela da música pop (Saleka, filha do diretor) quando ele percebe uma presença excessiva de policiais ao redor. Rapidamente, Cooper se dá conta de que ambos estão no epicentro de uma armadilha montada para capturar um serial killer da Filadélfia apelidado de “The Butcher” (“O Açougueiro”).
Revelar mais do que isso traria spoilers inevitáveis, mas exporia também a grande deficiência do filme: para que a trama mova-se adiante como um relógio suíço, é preciso que a audiência aceite uma sucessão de eventos nem sempre críveis em conjunto. Tudo se encaixa perfeitamente para levar o filme aonde o diretor pretende. Vilões e mocinhos comportam-se de maneira irrealista, num balé de plots twists que tende à artificialidade.
Se o roteirista Shyamalan está disposto a comprometer totalmente a verossimilhança em nome do entretenimento, o diretor Shyamalan por outro lado exercita seu ofício de maneira singular. Poucos diretores na indústria ainda hoje se dispõem ao seu esforço formal e raríssimos usam o quadro tão bem. Acostumado à vulgarização contemporânea dos "planos fechados", o espectador atento irá perceber como, aqui, o close desempenha um papel dramático fundamental, servindo para intensificar os conflitos entre os personagens, por exemplo (e para que tal recurso funcione, o close não pode aparecer o tempo todo).
Mas nem só isso: Shyamalan sabe a importância de posicionar bem a câmera (outra raridade na indústria que acaba soando até como excentricidade) e é um dos poucos dispostos a filmar os atores olhando diretamente para a lente, num efeito arrebatador que é uma de suas marcas registradas. O resultado dessa decisão que, embora pareça banal, é bastante incomum, é permitir aos atores momentos de concentração e emoção crescente que normalmente perde-se em edições muitos entrecortadas (outro cacoete que Shyamalan sabiamente evita). Tal qual Jonathan Demme com o rosto de Jodie Foster em "O Silêncio dos Inocentes" e o próprio Shyamalan com o de Anya Taylor-Joy em "Fragmentado", os momentos em que a montagem se detém na expressividade comovente de Saleka Shyamalan correspondem a um ponto alto não só deste filme, mas como certamente de toda a safra de filmes de 2024. Filmar rostos é uma arte para poucos e Shyamalan é um deles.
Quem aprecia o trabalho do cineasta encontrará em "Armadilha" os elementos de sempre que parecem contribuir para seu prestígio duradouro dentro da indústria: roteiro elaborado e original, vilões marcantes e mocinhos(as) que provocam identificação imediata, sua generosidade com o trabalhos dos atores, além da direção elegante e do excepcional trabalho de câmera. Quem, por outro lado, irrita-se com seu estilo, com a confiança demasiada nas tramas, as reviravoltas vertiginosas e o imaginário cartunesco, quase infantilizado, também encontrará motivos para reclamar. A impressão que fica é que seu talento é também uma armadilha da qual ele talvez sequer esteja interessado em escapar, mas se optasse por uma narrativa menos rocambolesca - quem sabe - seus filmes seriam ainda melhores. Ou ao menos mais verossímeis e - portanto - mais adultos.
Armadillha (EUA, 2024)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: Josh Hartnett, Ariel Donoghue, Saleka Shyamalan
Gênero: Mistério, Crime, Suspense, Horror
Duração: 105 min
Crítica | House of the Dragon, 2ª Temporada – Um Ovo Cozido em Filler
Depois de uma primeira temporada feita – quase – toda puramente de excelência que deixou o apetite de desgosto deixado pela oitava e última temporada de GOT; parecia mesmo que House of the Dragon era um retorno refrescante à Westeros de George R. Martin que se mostrava ciente de todos os erros que condenaram a última temporada da aclamada série e possuía um material que permitiria explorar o melhor que o universo de Martin tinha para oferecer: intriga palaciana; guerra de linhagens para assumir o poder que reside no trono de ferro, e todo o amontoado de incesto, violência e putaria que poderia se encontrar no meio do que, por debaixo de seus floreios sádicos, contém uma instigante narrativa sobre poder e seu preço no cerne moral de seus personagens.
Bom, ao mesmo tempo que não há erros grotescos cometidos nessa segunda temporada, há muito que deixe a desejar pelo que fora estabelecido em seu primeiro ano, onde por mais atropelada que sua narrativa que cobria mais de 20 anos de eventos de história, conquistou um feito exemplar de apresentar uma nova leva de personagens complexos, e um fio de meada que te deixava instigado para com o que estava para acontecer de novo nesse casos de família medieval. E agora com tudo estabelecido no ponto certo da história, e com muitos momentos interessantes ainda para acontecer, a série parece atrapalhada com o que fazer com o Fogo & Sangue de Martin.
Na mesma medida que não quer se arrastar em nada – tanto que os primeiros (e melhores) episódios da temporada todos possuem um grande evento chave acontecendo e, diga-se de passagem, realizados de maneira formidável – a construção de tensão de roer as unhas tanto no assassinato de Jaehaerys quanto no duelo entre Erryk e Arryk, e toda a linha tênue amarrada liderando até a batalha de dragões que termina com a trágica e impactante morte de Rhaenys Targaryen no episódio 4; tudo parecia que estava se construindo para algo ainda maior prestes a acontecer já que os próximos episódios se basearam inteiramente na construção de antecipação da vindoura guerra entre os Green e os Black, mas acaba que não há quase absolutamente nada, e pior ainda, recicla pontos de trama já explorados e concluídos da primeira temporada.
Pois ao mesmo tempo que quer ser direta, a temporada se arrasta de maneiras tão bobas, tomados por motivos óbvios de querer esticar o máximo que conseguir de seus núcleos dramáticos, seja para cortar custos para as eventuais batalhas grandiosas que vão tomar conta do curso da guerra e serão responsáveis pelo desenlace de boa parte dos personagens, seja também para justificar uma narrativa de mais de três temporadas. E isso não fica mais claro se não na forma com que estica muitos arcos tão básicos de personagens para serem brevemente resolvidos no último episódio – o filho bastardo de Corlys; Rhaena encontrando seu papel nesse conflito prestes à trazer outra aparente aliada voadora na dança dos dragões; mas principalmente no infeliz papel relegado que dão à Daemon Targaryen.
Por um lado é até interessante ver como todo esse arco em Harrenhal assume muito da pegada surrealista bizarra bem proeminente nos livros principais da saga de Gelo e Fogo que Martin muito usa para introduzir essas vertentes de profecias que permeiam por toda a história de sua obra. Mas no momento em que isso se torna um vai e vem sem fim que se resume à cameos de rostos da primeira temporada e conclui com o mesmo exato desenvolvimento dado à Daemond na primeira temporada: descobrindo seu papel nessa história, não como o líder que suas ambições ditavam mas como um alicerce da escalada de Rhaenyra ao poder como a legítima rainha. E basicamente resumindo toda a tagarelice em volta da profecia da canção de Gelo e Fogo à um grande fan-service à Daenerys Targaryen e a longa noite que já sabemos não dar em nada.
É então aí que o showrunner Ryan Condal corrompe as próprias boas ideias por detrás dessa história no intuito de criar uma temporada filler com quase nada de novo a se dizer e meramente preparar mais terreno do que ainda está por vir de forma quase preguiçosa. Que mais valia ter concluído a temporada na cena final do sétimo episódio e teria tido MUITO mais impacto e peso do que fora construído na temporada até então, concluindo a busca incessante de Rhaenyra de mostrar força contra os Green, finalmente recorrendo ao poder antigo de sua dinastia Valiriana, e prevendo a terrível consequência que irá se advir disso futuramente; alcançando o mesmo exato propósito que o fraco e tedioso season finale serviu em nada para dizer.
É até triste ter que jogar tanta água fria nesse fogo Targaryen que continua tão cinematograficamente refinada, com exímia direção, decente roteirização de momento a momento entre os episódios e o elenco mostrando valer seu cachê – se todas as cenas em Harrenhal são meramente suportáveis é graças à Matt Smith segurando a bola ainda sendo o ator / personagem mais interessante do elenco, por mais que lidem seu desenvolvimento de maneira atrapalhada. E a pobre Emma D'Arcy ainda faz o que pode para convencer imponência e realeza com sua Rhaenyra embora muito do que ela faz aqui é ter que atuar com a cara de sofrida em conflito.
Nessa batalha os Green levam mais vantagem porque tudo envolvendo o elenco da família formou as partes mais interessantes da temporada. Tom Glynn-Carney entrega um Aegon II primeiramente dividido em atuar como um rei justo tal como o pai até deixar sua imaturidade dominar seu mínimo senso até seu trágico destino, enquanto que Ewan Mitchell como Aemond se mostra o hábil manipulador e pronto para ter as mãos sujas com sangue no olho. Enquanto que Olivia Cooke como Alicent a cada episódio se corrói em culpa vendo o que toda suas decisões afetaram sua família e a fizeram prisioneira de um caminho sem volta. Já Rhys Ifans como Otto Hightower é INEXPLICAVELMENTE desperdiçado, basicamente desaparecendo após o segundo episódio.
Parece fajuto dizer para não se preocuparem pois o próximo ano vai ser melhor, pois a própria série deveria ter justificado isso muito mais do que qualquer crítico disposto a ainda dar uma chance para o que ainda está por vir dessa história, mas só resta realmente ter esperança de que dessa vez a HBO permita que o que eles possuem aqui seja o espetáculo que é capaz de ser! Só nunca mais voltemos à Harrenhal por favor, terrível serviço de quarto, muita goteira e já basta a vida ser um marasmo.
Crítica | O Caso Asunta - Sem muitas respostas, minissérie acerta ao abordar caso real
O caso apresentado na minissérie espanhola O Caso Asunta remete ao ano de 2013, na Espanha e até hoje, não se sabe ao certo se os verdadeiros culpados são aqueles que foram presos. A dúvida envolve o casal Rosario Porto (Candela Peña) e Alfonso Basterra (Tristán Ulloa), que em 2001 adotou uma menina chinesa chamada Asunta Fong Yang.
Doze anos após a adoção, o casal chamou a polícia para relatar o desaparecimento de Yang. Inicialmente, a hipótese de sequestro foi considerada, mas com o avanço das investigações, o casal se tornou o principal suspeito e foi preso, gerando grande comoção no país na época.
Essa é mais uma produção da Netflix que faz parte do gênero True Crime, abordando crimes reais que conquistaram o público global. Por essa razão, o serviço de streaming tem se focado cada vez mais em criar conteúdos sobre o assunto.
A minissérie, criada por Ramón Campos, Gema R. Neira, Jon de la Cuesta e David Orea, faz várias suposições e apresenta diferentes pontos de vista sobre o que poderia ter acontecido com Yang. No entanto, ela não apresenta nada de irrefutável que mude a versão da polícia, que sustenta terem sido os pais adotivos os responsáveis pela morte e que os levou à prisão, mesmo sem provas contundentes apresentadas pela polícia local.
O roteiro se enrola um pouco ao tentar conceber uma tese sobre quem cometeu o crime brutal. Dá voltas e voltas sem chegar a lugar algum. Há momentos em que parece que o casal é inocente e outros em que são culpados, mas nada de novo é apresentado além do que a polícia já havia divulgado, nem tenta focar em teses ou linhas de investigação diferentes.
As pontas soltas que o roteiro apresenta sobre a investigação são fielmente retratadas conforme o que foi relatado pela polícia na época. Nesse aspecto, a minissérie acerta ao abordar a trama do ponto de vista do policial Juez Malvar (Javier Gutiérrez).
Por ser uma minissérie, é natural que O Caso Asunta se estenda além do necessário em alguns pontos. Algumas tramas secundárias são bastante irrelevantes e não acrescentam muito ao arco narrativo principal. Essas histórias paralelas vão além do necessário, diluindo o impacto da trama e desviando a atenção do mistério central, deixando a sensação de que a série poderia ser mais direta ao ponto.
O Caso Asunta (El caso Asunta, EUA, 2024)
Criadores: Ramón Campos, Jon de la Cuesta, Gema R. Neira, David Orea
Direção: Carlos Sedes, Jacobo Martínez
Roteiro: Ramón Campos, Jon de la Cuesta, Gema R. Neira, David Orea, Javier Chacártegui
Elenco Principal: Candela Peña, Tristán Ulloa, Javier Gutiérrez, María León, Carlos Blanco, Iris Wu, Tito Asorey
Duração: 40 min. (cada episódio)
https://www.youtube.com/watch?v=ve9EAJ41zhU&ab_channel=NetflixEspa%C3%B1a
Crítica | Desaparecidos na Noite esbarra em história uma batida
Surpreende e é interessante perceber como certos filmes, que se fossem lançados nos cinemas ninguém daria a mínima para assistir, mas fazem tanto sucesso na Netflix a ponto de figurarem por dias ou semanas no ranking dos mais assistidos. Aconteceu com Agente Oculto (2022) e volta a ocorrer com o fraco Desaparecidos na Noite.
Em um cenário dominado por enlatados americanos, é algo bastante raro que produções italianas figurem na lista dos mais assistidos da Netflix. No entanto, Desaparecidos na Noite, longa dirigido por Renato De Maria, conseguiu isso ao contar uma história batida: a de Pietro (Riccardo Scamarcio) e Elena (Annabelle Wallis), que estão separados e precisam se aliar para encontrar seus dois filhos, sequestrados enquanto o pai tomava conta das crianças.
O filme trabalha em cima de um tema saturado no audiovisual e, por isso mesmo, precisa ter, pelo menos, um roteiro alinhado com a proposta da narrativa, que é o de criar um mistério sobre quem sequestrou os filhos de Pietro, a motivação do vilão e o sentido de todas as situações que ocorrem com o protagonista estarem acontecendo.
Nisso, o roteiro, pelo menos inicialmente, se sai bem. Cria uma atmosfera que mostra o desespero dos pais em relação ao sequestro e um clima de vingança em que Pietro precisa enfrentar antigos fantasmas em Bari, na Itália, local onde nasceu e onde está apenas de passagem. Além disso, explora os aspectos dramáticos que cercam o crime, como o fato de precisar se aliar à sua ex-mulher e entrar em algumas enrascadas para conseguir dinheiro e pagar o resgate das crianças.
Há muitos problemas envolvendo o roteiro do longa. Um deles, que fica bastante evidente para quem já tem um olhar apurado ou pelo menos já viu muitas produções do gênero, é o fato dele ser óbvio: tudo o que se imagina acaba realmente acontecendo. Essa falta de novidade, de algo que surpreenda o público, é frustrante e torna o ato de chegar ao seu final uma tarefa árdua.
A ambientação é bem construída, com um suspense inicial bem desenvolvido, mas isso se sustenta apenas no primeiro ato. No segundo ato, essa atmosfera começa a ruir e o roteiro se enrola, deixando o suspense de lado e transformando a história em uma obra vazia de vingança. Essa mudança no curso da narrativa atrapalha o desenvolvimento e o andamento da trama, que chega ao seu terceiro ato sem força para finalizar o filme.
Desaparecidos na Noite falha ao criar muita expectativa no espectador, sugerindo que o sequestro poderia ser algo maior do que realmente foi, e acaba quebrando essa expectativa por não entregar o que deveria e por deixar questões mais relevantes de lado, sem um desenvolvimento apropriado. Infelizmente é apenas mais uma produção que está disponível na Netflix que não agrega em nada ao gênero.
Desaparecidos na Noite (Svaniti nella notte, Itália – 2024)
Direção: Renato De Maria
Roteiro: Patxi Amezcua, Alejo Flah
Elenco: Riccardo Scamarcio, Annabelle Wallis, Massimiliano Gallo
Gênero: Drama
Duração: 92 min.
Crítica | Está Tudo Bem Comigo? - Uma história sobre amor e amizade
Antes de estrelar o fracasso de público e crítica Madame Teia, Dakota Johnson havia atuado no filme Está Tudo Bem Comigo?, que teve sua primeira exibição no Festival de Sundance em 2022. O longa demorou um bocado para estrear, indo direto para o streaming Max, e acabou surpreendendo pela sua simplicidade e qualidade.
Lucy (Dakota Johnson) e Jane (Sonoya Mizuno) são duas amigas inseparáveis, saem todos os dias, conversam sobre relacionamentos e sobre os rumos da vida. Porém, tudo muda quando Jane decide se mudar devido a uma proposta de emprego melhor, deixando Lucy desorientada e sem saber como se adaptar à nova realidade.
O roteiro de Lauren Pomerantz não se limita apenas à amizade entre as duas e aos problemas decorrentes da decisão de Jane de se mudar para Londres. Ele também aborda uma questão existencial que Lucy precisa enfrentar: a descoberta e aceitação de sua sexualidade aos 30 anos. Este dilema é central para a trama, e sua amizade quase platônica serve como uma válvula de escape para que Lucy se descubra e enfrente seus próprios dramas.
O fato de se assumir aos 30 anos é algo que as produções audiovisuais raramente abordam, geralmente focando mais em dilemas adolescentes do que em situações existenciais de jovens adultos. Está Tudo Bem Comigo? trata esse tema de maneira sensível e no tom certo. O sentido dramático que o roteiro segue, ao mostrar Lucy se dando conta e admitindo pela primeira vez que sente atração por mulheres, é desenvolvido de forma delicada e emocionalmente envolvente.
O que torna o longa da dupla Stephanie Allynne e Tig Notaro irregular é o fato de focar grande parte da trama no laço de amizade entre Lucy e Jane, deixando de lado outras ligações e, assim, prejudicando a jornada de autodescoberta de Lucy. O ponto alto está no sentimento de Lucy de se encontrar e saber o que deseja para o futuro em sua vida pessoal e em suas relações amorosas.
Está Tudo Bem Comigo? é um filme que trata não apenas da amizade entre duas mulheres, suas brigas e o desgaste natural por se conhecerem há muito tempo, mas também aborda sentimentos reprimidos de maneira sensível e emocionante, provocando diversas sensações no espectador. A moral do longa é clara: sempre seja você mesmo, não importa o que os outros vão pensar.
Está Tudo Bem Comigo? (Am I OK?, EUA – 2022)
Direção: Stephanie Allynne, Tig Notaro
Roteiro: Lauren Pomerantz
Elenco: Dakota Johnson, Sonoya Mizuno, Jermaine Fowler, Kiersey Clemons
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Duração: 86 min.
https://www.youtube.com/watch?v=b80FbdimIHs&t=2s&ab_channel=Max
Crítica | Deadpool & Wolverine é um festival de fan service!
Quando o lendário acordo que resultou na compra da Fox pela Disney foi finalizado há alguns anos atrás, só uma coisa importava para os fãs de quadrinhos: e os X-Men? Por duas décadas compondo uma franquia de altos e baixo ao longo dos anos 2000, os personagens encontraram um novo boom em 2016 quando Ryan Reynolds encontrou raio engarrafado com seu cômico Deadpool, que revitalizou não apenas o tom da franquia, mas também de todo o subgênero de quadrinhos.
Quando a tinta do acordo Disney e Fox seca, a única certeza e garantia era a de que veríamos o Mercenário Falastrão novamente; e, dessa vez, interagindo com as valiosas propriedades do MCU de Kevin Feige, que oferece em Deadpool & Wolverine a primeira produção para maiores de 17 anos da franquia. E, de quebra, trazendo de volta da aposentadoria o grande rosto da saga X-Men, com Hugh Jackman apanhando as garras de adamantium mais uma vez - mesmo depois de ter literalmente estrelado um filme cujo grande intuito era matar o personagem, com o premiado Logan.
Com a Marvel Studios enfim batendo em uma parede criativa com sua infinitude de tramas, personagens e realidades, Deadpool & Wolverine surge como uma espécie de correção de curso. Através do próprio discurso ácido e metalinguístico do protagonista de Reynolds, a saga tenta voltar alguns passos e tentar se concentrar apenas em personagens; abertamente criticando as investidas em multiverses e realidades alternativas.
É tudo feito com muito bom humor e piadas sagazes, de praxe como Reynolds e seus roteiristas colegas, Rhett Reese e Paul Wernick, vêm entregando desde o filme original. Ironicamente, é justamente na crítica ao multiverse que Deadpool & Wolverine encontra sua maior limitação: o excesso de referências e dependência excessiva em piadas de nostalgia e legado. Em outros termos, Deadpool & Wolverine é um grande e saboroso fan service para o cinema de quadrinhos da Fox dos anos 2000 (e até além), que garante participações surpreendentes e divertidas - e que por si só, já garantem a curiosidade.
Porém, pouco sobra além disso. A dinâmica de Reynolds com o sempre excelente Hugh Jackman é divertida e derivativa de clássicos como 48 Horas e Fuga à Meia Noite (o buddy cop ácido feito de forma certa), mas fica a constante sensação de ser um filme perdido em suas intenções. Não parece haver uma história forte e que justifique trazer esses personagens mais uma vez (além do claro interesse mercadológico). A despedida de Jackman em Logan foi emocionante e digna, mas nada em Deadpool & Wolverine (nem o belo traje amarelo ou máscara embaraçosa) parece compensar esse pequeno delito cinematográfico.
Infelizmente, o vazio temático e emocional acaba refletindo na direção de Shawn Levy. Diretor muito competente de obras como Gigantes de Aço e a trilogia Uma Noite no Museu, Levy faz o básico em um trabalho que parece mais confortável em filmes originais do Disney+ do que épicos cinematográficos que a saga mutante já foi capaz de atingir no passado. Com exceção de uma ou outra cena de ação inspirada (apoiada por uma escolha musical certeira), não é um trabalho dos mais brilhantes - e que ainda peca pela fotografia bem apagada de George Richmond.
Mas no fim, parafraseando o próprio protagonista de Reynolds, Deadpool & Wolverine deve entregar exatamente o que os fãs querem. É um banquete de referências, participações e infinitas piadas internas com o estado atual do gênero e a decadência da finada Fox. Uma experiencia ocasionalmente divertida e que decola pelo carisma dos astros, mas que parece vazia e esquecível em todo o resto.
Deadpool & Wolverine (EUA, 2024)
Direção: Shawn Levy
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick, Ryan Reynolds, Shawn Levy e Zeb Wells
Elenco: Ryan Reynolds, Hugh Jackman, Emma Corrin, Matthew McFayden, Morena Baccarin, Aaron Stanford, Leslie Uggams
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 127 min.
Crítica | O Banho do Diabo - Perturbador de tão real
The Devil's Bath, ou em uma tradução livre para o português, O Banho do Diabo, não deve figurar na lista dos melhores filmes de terror do ano, mas deveria. O longa de folk horror, dirigido e co-roteirizado pela dupla Severin Fiala e Veronika Franz, os mesmos por trás de O Chalé (2019) e Boa Noite, Mamãe (2014), apresenta várias mensagens bastante relevantes nos dias atuais com uma protagonista cheia de camadas.
A trama conta a história de Agnes (Anja Plaschg), em possivelmente uma das grandes performances femininas do ano. Ela é uma mulher que vive no século XVIII um casamento infeliz com seu recém-marido e precisa ainda lidar com os mandos e desmandos da mãe dele. Um sentimento de vazio toma conta da protagonista e a leva à depressão. O roteiro apresenta como esse estado depressivo toma conta de Agnes aos poucos.
Agnes dedica seus dias a orações, pedindo para ter um filho, e trabalha arduamente, mas não encontra prazer nos afazeres domésticos. Ela vive andando de um lado para o outro na floresta, em busca de um sentido para sua vida. O fato de ter na reza sua válvula de escape não a ajuda, e a ausência de uma “ajuda” divina só faz com que ela caia cada vez mais na escuridão da solidão.
A construção da história tem um ritmo lento, quase parado, e isso é um fato que não dá para ser ignorado. No entanto, não é algo entediante que cansa o espectador, pois o longa cria uma curiosidade em entender as causas que levaram Agnes a sofrer e quais são suas motivações para praticar um ato hediondo e chocante no ato final.
Inspirada em fatos reais, a produção tem um valor dramático ao retratar o passado e o sofrimento que as mulheres viveram no período, bem como os artifícios que encontravam para se libertarem dessa aflição, o que as levava a praticar crimes e buscar o perdão de Deus. Há um paralelo com os dias atuais, visto que o sofrimento psicológico da protagonista reflete a realidade de muitas mulheres hoje em dia.
Na época em que a história se passa, a depressão era uma doença estigmatizada e pouco conhecida, e seus malefícios não eram compreendidos. Isso é o que torna O Banho do Diabo mais interessante, pois sua trama foge do terror convencional e entra na esfera do horror psicológico, retratando como a enfermidade afeta a protagonista. É sem dúvida um dos grandes filmes do ano.
O Banho do Diabo (Des Teufels Bad, Áustria – 2024)
Direção: Severin Fiala, Veronika Franz
Roteiro: Severin Fiala, Veronika Franz
Elenco: Anja Plaschg, Maria Hofstätter, David Scheid
Gênero: Drama, História, Terror
Duração: 121 min.
https://www.youtube.com/watch?v=PaGMdANhmrw&ab_channel=Shudder
Crítica | Exhuma é um dos filmes mais surpreendentes do ano
Que a qualidade do cinema sul-coreano é alta, isso ninguém duvida. Os gêneros nos quais eles se destacam são o drama, suspense e o terror. Neste último, encontra-se Exhuma, uma produção que foi líder de bilheteria na Coreia do Sul por várias semanas consecutivas.
A história, que conta com a direção e o roteiro de Jang Jae-hyun, não é assustadora, mas possui um ar sombrio e uma densidade no ambiente que conferem um tom de horror à trama. Seu primeiro ato já é uma demonstração disso, quando os quatro xamãs encaram aquele morro que traz uma sepultura em seu topo.
O longa lembra bastante O Lamento, obra de Na Hong-jin, que, embora não fosse inspirado em um conto popular coreano específico, trazia elementos tradicionais do folclore do país asiático. Exhuma faz o mesmo, indo de encontro com o horror popular e tradicional da Coreia do Sul.
A obra de Jae-hyun é uma das maiores surpresas do ano, até porque inicialmente não se espera muito do filme, que se desenvolve em um ritmo lento até que o verdadeiro horror se manifesta, transformando o suspense em um intenso e assombroso terror.
O roteiro trabalha as crenças e superstições locais de modo eficiente, trazendo um mistério acerca do túmulo que serve para aumentar a tensão e a curiosidade sobre o que há de tão maligno naquele lugar. Jae-hyun Jang trabalha de forma competente o horror, que se manifesta e mostra ao público como o passado ainda reflete no presente do país.
Essa é a mensagem escondida na obra. Além da tradição e do folclore regional, ela mostra como a Coreia do Sul encara os acontecimentos históricos, como a invasão japonesa entre 1592 e 1598 e a anexação da Coreia pelo Japão em 1910. A geração atual não parece demonstrar muito interesse por esses eventos, e o longa vem para relembrar esses momentos e mostrar que esses fantasmas do passado ainda assombram o país.
Exhuma apresenta um dos monstros mais legais de filmes de terror vistos nos últimos anos, com um semblante maligno e sombrio. Surge a figura de um ser sobrenatural que se manifesta justamente desse peso do passado. É, sem dúvida, um dos filmes mais surpreendentes do ano e que deve ser visto com paciência pelo espectador.
Exhuma (Pamyo, Coreia do Sul – 2024)
Direção: Jang Jae-hyun
Roteiro: Jang Jae-hyun
Elenco: Kim Go-eun, Lee Do-hyun, Choi Min-sik, Yoo Hae-jin, Hong Seo-jun
Gênero: Terror, Mistério, Suspense
Duração: 134 min.
https://www.youtube.com/watch?v=H2O193v3jkM&ab_channel=RottenTomatoesIndie
Crítica | Alerta de Risco - Um filme de ação genérico e vazio
Às vezes a Netflix acerta e, com alguma frequência, erra. Neste último caso que se encaixa o filme Alerta de Risco, longa dirigido por Mouly Surya, que tinha como principal atrativo o retorno da atriz Jessica Alba em um longa produzido para um público de massa.
Jessica Alba tem uma vasta filmografia, já trabalhou com grandes diretores e participou de várias produções, mas ficou mais conhecida por seus papéis nos dois filmes de O Quarteto Fantástico, de Tim Story, e pela divertida comédia romântica Ligeiramente Grávidos. No entanto, seu último papel relevante em longas foi em Sin City: A Dama Fatal, de 2014, e desde então não fez mais nada de relevante no audiovisual.
Em Alerta de Risco, Alba interpreta Parker, uma soldado que retorna para casa devido à morte de seu pai em uma mina e passa a suspeitar que a morte não foi nem acidental nem suicídio, então começa uma minuciosa investigação.
O roteiro, que teve a participação de três roteiristas, não passa de pura bobagem. É um thriller de vingança batido em que a protagonista retorna à cidade natal após um longo período longe e precisa reencontrar e lidar com pessoas com quem não tem muita afinidade nem amizade.
É um filme bastante vazio, com uma história clichê de vingança e personagens completamente sem essência. A própria protagonista não tem carisma nem uma história de vida relevante que possa conectá-la ao espectador. O mesmo pode ser dito dos personagens secundários, que são irrelevantes e nada atraentes.
As cenas de ação se limitam a enfrentamentos entre a protagonista e os vilões, com lutas pessimamente coreografadas e sequências de ação genéricas. Nem as cenas de perseguição e tiroteio se salvam; são tão fracas que não impressionam o público em nada.
De uma ideia batida surgiu esse fraquíssimo Alerta de Risco. Não se sabe ao certo por que a Netflix investe tanto em produções genéricas e ruins. Este thriller de vingança deixa bastante a desejar e desperdiça o tempo do espectador.
Alerta de Risco (Trigger Warning, EUA – 2024)
Direção: Mouly Surya
Roteiro: John Brancato, Josh Olson, Halley Wegryn Gross
Elenco: Jessica Alba, Mark Webber, Anthony Michael Hall, Alejandro de Hoyos, Tone Bell, Jake Weary, Gabriel Basso, Kaiwi Lyman
Gênero: Ação, Policial, Suspense
Duração: 96 min.
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