Review | Armored Core VI Fires of Rubicon traz síntese de ação quase perfeita
A franquia Armored Core é uma série de jogos de ação e simulação de mechas desenvolvida pela FromSoftware. O primeiro jogo da série foi lançado em 1997 para PlayStation e desde então a franquia já conta com mais de 14 títulos lançados para diversas plataformas.
Os jogos da série Armored Core se passam em um futuro distópico onde a humanidade vive em um mundo pós-apocalíptico. Nesse mundo, os mechas, chamados de Armored Core, são a principal forma de poder militar.
As histórias dos jogos Armored Core são geralmente sombrias e complexas, explorando temas como a guerra, o controle governamental e o papel da tecnologia na sociedade. Agora em 2023, após um hiato de uma década, a FromSoftware lançou o mais recente título da série, Armored Core VI, que, felizmente, pudemos conferir e elaborar uma análise sobre ele.
Os incêndios de Ibis
Quem se acostumou com tantos jogos que a FromSoftware lançou nos últimos anos pode facilmente ficar surpreso pela abordagem narrativa muito mais direta que a vista em grandes sucessos como Elden Ring, Sekiro e Dark Souls. No caso, apesar de ainda remeter um formato bem característico da era do PlayStation 2 com Metal Gear Solid 3, a história de Armored Core VI pode surpreender os desavisados.
Nela, controlamos um piloto mercenário batizado como 621 que logo consegue se infiltrar em Rubicon, planeta em que toda a aventura acontece. Lá, uma guerra entre enormes corporações é travada para deter a maior exploração possível de Coral, uma forma de energia revolucionária que funciona como catalisador do desenvolvimento da sociedade humana, além da própria biologia da raça.
Conquistando o codinome Corvo, o mercenário luta para ganhar espaço através de muitas lutas pilotando seu mecha massivo de quatro andares de altura. Entretanto, conforme mais ganha espaço através de seus trabalhos pérfidos, Corvo acaba descobrindo segredos há muito enterrados em Rubicon, entendendo mais sobre a natureza perigosa do Coral e a quantidade de conspirações que o envolvem.
A história de Armored Core VI impressiona por tratar de bons temas relativamente densos, mas possui uma apresentação que é capaz de espantar muitos jogadores com extrema facilidade, principalmente porque requer bastante atenção. Ainda que conte com algumas cinemáticas caprichadas exibindo o belíssimo mecha customizado do jogador, o grosso da história é narrado através de conversas de rádio entre contratantes e o seu operador, o experiente Walter.
A estrutura narrativa também não ajuda, já que ao longo das quase 60 missões que o jogo conta, sempre temos um briefing explicando o objetivo, um breve monólogo do operador, algumas frases soltas durante o nível para então, na conclusão, termos um diálogo entre Walter e alguma corporação contratante. Ao longo da campanha, o jogador vai interagir com as corporações, uma força de resistência rubiconiana e também uma trupe de sucateiros anarquistas. Todas elas têm motivações bastante claras variando o nível de interesse que conseguem despertar no jogador, mas em geral, a história é bastante boa.
Existem surpresas com segredos interessantes, além da participação de personagens secundários que acabam cativando seja pelo arquétipo descolado como o de Ferrugem ou pela vilania tosca de Lesma. São personagens que têm potencial de marcar a aventura e fazer até mesmo que o jogador se importe com a história, mas, novamente, a questão da apresentação é bastante datada - e isso pouco importa para o jogador veterano da franquia, óbvio, mas é um detalhe que pode incomodar novatos.
Uma pena também que o potencial que a história demonstra, principalmente envolvendo a questão rubiconiana com uma força de libertação e também os motivos escusos dos sucateiros nunca serem explorados a fundo, trazendo mais detalhes de personagens repletos de potencial como Ayre e Carla. Porém, é bem legal que a desenvolvedora permite traçar finais diferentes, incluindo um final secreto que só é liberado após a terceira jogatina da campanha - a depender das suas escolhas.
Fervor, velocidade e tiros
Ao contrário do que muita gente propagandeia, Armored Core VI não é um soulslike tanto que pouco tem a ver com o gênero. Como a FromSoftware sempre teve gosto pela dificuldade, trata-se sim de um jogo difícil, mas muito abaixo do patamar de dificuldade apresentado em outros jogos como Sekiro e Dark Souls. Eu, que sou péssimo em soulslikes em geral, consegui terminar o game com tranquilidade, ainda que alguns chefes exibam curvas de dificuldade muito súbitas que tornam a experiência bem frustrante.
Dividido por fases, com mapas de tamanho médio que trazem porções generosas de inimigos, Armored Core VI é uma experiência que visa ensinar o jogador a testar builds diferentes do que abordagens estratégicas diferentes. Sim, ainda é importante saber telegrafar os movimentos dos chefes, mas a maior diferença está mesmo na build do mecha que nós podemos customizar.
Ao longo da campanha, diversas partes como cabeça, tronco, braços, pernas, propulsores, baterias e diversas armas são desbloqueadas, permitindo que o jogador venda e compre peças para mudar o mecha como quiser. Em geral, como os inimigos possuem uma barra de estafa (stagger), é fácil optar por uma build de tanque com mais de 10 mil pontos de vida e duas metralhadoras gatling em cada braço. Só nessa abordagem, diversos encontros e até mesmo chefes se tornam muito mais fáceis de encarar.
Claro que com a ação frenética do jogo, a mecânica da esquiva é muito encorajada, mas com uma build pesada, a ação fica mais difícil. Então todo robô que o jogador planejar terá um pró e um contra específico para situações que irá encarar durante as fases. O jogo fornece sempre três recuperações de vida até o jogador reencontrar um novo estoque, além de checkpoints relativamente bem distribuídos nas fases.
A satisfação do tiroteio é mesmo enorme pela velocidade rápida do combate, muito mais frenético que o visto em Sekiro. E apesar de não contar com muita variedade em termos de golpes, a ação não cansa justamente por isso, chegando a lembrar também, pelo menos para mim, a diversão de metralhar robôs nos jogos dos Transformers que marcaram época no Xbox 360.
Existem sim montagens de armas diferentes, além de contarmos com mais duas opções anexas nos ombros de disparos lentos e poderosos. Conforme o jogo progride, há a abertura da Arena que se torna um modo obrigatório para adquirir uma moeda específica que aprimora habilidades do mecha como dano e também um golpe especial que pode fazer toda a diferença em batalhas apertadas. Na Arena, o jogador é convidado a enfrentar alguns chefes já derrotados para aprimorar técnicas e ganhar os tokens de aprimoramento.
Então, sim, existe grinding de fases e de desafios em Armored Core VI e isso faz parte integral da experiência. Com isso, o jogador consegue aprimorar o mecha e ter mais facilidade para superar os desafios - ainda que alguns chefes, mais uma vez, sejam muito apelões, principalmente os que usam o Coral como fonte de energia.
O design sonoro do jogo é espetacular, como já é tradição da FromSoftware, e o visual não deixa a desejar. Ainda que os gráficos não surpreendam pela beleza, o que enche os olhos são dois elementos: a desenho de produção de diversos locais de Rubicon como as profundezas e cidades abandonadas - há toda aquela atmosfera decrépita clássica dos jogos da desenvolvedora, além de todo o trabalho apaixonado aplicado nos mechas.
O jogador pode passar horas criando colorações distintas e adesivos extremamente personalizados para enfeitar os robôs, além das peças pré-moldadas trazerem designs de profissionais envolvidos em produções prestigiadas como Neon Genesis Evangelion e Gundam, apesar de inspirações vistas em Transformers também sejam notadas no design de alguns oponentes que encontramos no caminho.
O design dos locais impressionam também pelo senso de escala muito bem aplicado, com cidades massivas e referências visuais imensas ornando os céus e os horizontes das fases, dignas de quadros de artes decadentes de industrialização massiva e predatória, com túneis, ventilações, escadas e tubulações por todos os lados. O ocre e os cinzas se misturam com a vida pulsante do Coral, avermelhado e disseminado nos cenários mais belos do jogo.
Um mecha para chamar de seu
Armored Core VI Fires of Rubicon é um jogo excelente, sem a menor sombra de dúvidas. A história é sim boa, mas que infelizmente não traz mais detalhes para aprofundar mais o potencial de temas importantes que toca, principalmente sobre a predação da humanidade sobre qualquer meio ambiente, seja alienígena ou não. O jogo é uma excelente porta de entrada para a franquia, funcionando muito bem sozinho em sua narrativa.
O ritmo de jogo, sempre desafiador, é uma síntese praticamente perfeita de ação que apenas peca por curvas de dificuldade injustas em algumas fases (incluindo o já infame tutorial), além do sempre fantasmagórico grinding para melhorar alguns aspectos do mecha, brilhante customizável em um sistema simples e muito acessível. Ainda que contando com uma apresentação anacrônica, o game pode sim te cativar, mas saiba bem o que esperar já que se trata, em termos de game design, muitas vezes como uma experiência retrô - e nem mesmo por isso, deixa de ser espetacular.
Agradecemos à Bandai Namco pela cópia gentilmente cedida para a análise.
Review | Atlas Fallen traz mitologia interessante, mas falha em aprofundar seus diferenciais
A Deck13 conseguiu bastante prestígio ao realizar dois jogos soulslike em cenários futuristas. The Surge e sua sequência quebraram a bolha e se tornaram títulos relevantes ao trazer um olhar fresco sobre o subgênero que estava oferecendo uma mesmice temática decepcionante com fantasias medievais clichês.
Após os trabalhos de sucesso, o estúdio decidiu encarar um novo desafio ao realizar um jogo de “mundo aberto” trazendo amplas áreas para exploração com desafios diferentes espalhados em uma porção de atividades. Após anos de trabalho, o resultado saiu como um título AA da Focus Entertainment: Atlas Fallen. Apesar de ter um bom potencial, o game sofre com alguns problemas de direção e design.
Areia para todos os lados
Você é um ou uma inominável no reino de Bastegar. Escravizados, com fome e doentes, os inomináveis são os responsáveis em vasculhar as areias das enormes dunas do mundo para conseguir essência, uma força mágica vital que alimenta o deus que comanda tudo: o implacável Thelos. Nesse cenário inóspito, ainda há o perigo adicional dos Calibãs, criaturas mágicas de areia extremamente agressivas que atacam ao menor sinal de proximidade.
Porém, em um acidente inesperado, o inominável acaba encontrando uma misteriosa manopla que possui uma força sobrenatural. Podendo finalmente mudar o paradigma cruel deste mundo, o protagonista consegue lutar contra os Calibãs e ser uma esperança de um povo escravizado. Entretanto, a manopla guarda segredos sobre sua misteriosa fonte de poder e isso também levará o protagonista em rota de colisão aos interesses do deus facínora Thelos.
A história de Atlas Fallen é, no mínimo, interessante. O cenário inóspito e repleto de areia esconde um mundo devastado por corrupção e violência, além de trazer um sistema de castas um pouco mais refinado. Enquanto guarda algumas surpresas sobre a manopla mágica e também a relação do artefato com a história do local e seus habitantes, a narrativa do jogo sofre pela superficialidade.
Nosso protagonista é um personagem criado pelo próprio jogador, com algumas opções razoáveis de customização, mas o mais importante, justamente criar um relacionamento profundo com o mundo amaldiçoado de Atlas, inexiste. Logo, o protagonista é apenas um avatar do jogador, aprendendo coisas novas ou raramente oferecendo um detalhe mais intrincado sobre a mitologia do jogo.
Essa parte fica para o personagem da manopla que, bom, fala e interage com o protagonista a todo momento - exatamente da mesma forma que já vimos em Forspoken, em uma bizarra coincidência. Os diálogos, porém, são bastante singelos e raramente oferecem uma conexão mais profunda sobre a simbiose da manopla com o portador. Falta imaginação no texto do jogo.
Com poucas surpresas e profundidade na história principal, não é surpresa encontrar que as narrativas paralelas das missões secundárias sejam também bastante rasas e pouco interessantes para motivar o jogador a cumprir esses objetivos. Com exceção de Arif, nenhum outro personagem consegue se destacar e as poucas histórias não engajam como tentar inocentar um ladrão ou colocar flores no túmulo de um filho perdido de uma senhorinha.
Uma pena que mesmo diante de quase uma década após o lançamento de The Witcher 3 que mudou totalmente o paradigma da indústria sobre missões secundárias, ainda temos exemplos ruins. O fato é que Atlas Fallen é claramente pensado para jovens e crianças pré-adolescentes que talvez não tenham conhecido outras histórias distópicas. Nessa mesma toada de deuses perversos, temos histórias bem mais completas como God of War e Tyranny, por exemplo.
Não ajuda também o ritmo da história sempre acabar travado por decisões arbitrárias de design. Seja na mudança de mapas ou para avançar um ato narrativo, o jogador é obrigado a encontrar sempre 3 peças importantes espalhadas pelo mundo para conseguir aprimorar a manopla. Com os aprimoramentos, a jogabilidade ganha novidades com habilidades novas que permitem maior movimentação ou superar obstáculos antes intransponíveis.
É um conceito bastante básico de game design que já envelheceu bastante, datado até mesmo da geração do Xbox 360 e que simplesmente não orna para jogadores que já experimentaram esses truques para dilatar o jogo que, aliás, não dura nem mesmo 7 horas para encerrar sua história principal. Logo, para completar todos os desafios, não é exagero estimar 12 ou 15 horas para os 100%.
A apresentação da história também se trata de outro problema notável. Para poupar recursos, o jogo possui uma quantidade ínfima de cinemáticas apresentando diversos pontos narrativos importantes através dos clássicos diálogos de RPG com o jogador escolhendo as frases que deseja falar ao personagem. Porém, não há mesmo nem o contraplano exibindo as reações ou falas do protagonista - também para baratear o projeto e evitar gastos com animação de lábios (alguns NPCs usam máscaras e lenços na região da boca para poupar o trabalho dos animadores).
Logo, a maior parte da mitologia é apresentada através de desenhos animados em slideshows. A arte é bonita, mas a impressão incômoda que persiste é que o trabalho poderia ter sido mais caprichado.
Inspiração nos clássicos de outra década
Atlas Fallen traz em sua jogabilidade inspirações nítidas em Shadow of the Colossus, Darksiders e também Monster Hunter. Isso afeta diretamente o combate do jogo que demora um tempo considerável até o jogador conseguir ser mais ligeiro e letal contra os diversos titãs de areia que encontramos no caminho.
Todo o sistema de nivelamento de poder se baseia do nível 1 ao 11, mas com o status imbuídos nas armaduras. O jogo encoraja que, conforme a história avance, o jogador precise trocar de armaduras com nível base maior para poder aprimorá-la mais um pouco. Somente no último mapa é possível comprar uma armadura muito bem balanceada que traz ótimo dano e defesa. Se tratando de um jogo da Deck13, é esperado que o nível de desafio seja bastante expressivo e realmente o é.
É preciso ficar atento aos padrões de golpes dos inimigos colossais para encontrar janelas para aplicar golpes. Porém, como o combate é muito influenciado por Monster Hunter, é preciso ter paciência, pois as batalhas demoram bastante. Quando seu personagem é fraco, tudo fica ainda mais complicado, incentivando o jogador a fugir destes encontros. O problema é que o loot das criaturas traz uma moeda que é necessária para aprimorar as armaduras e outros atributos.
O combate possui um sistema inovador que oferece maior dano em proporção à maior vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, a barra de ímpeto é preenchida em três porções, oferecendo habilidades passivas importantes e também a possibilidade de acionar magias e golpes especiais. O mais poderoso deles é o pulverizar que consome todo o ímpeto acumulado.
O sistema é ótimo para agilizar o combate, além de provar que o balanceamento da magia de cura é calculada corretamente. O jogador vai encontrar diversas Pedras de Essência ao longo da campanha e cada uma delas pode ser aprimorada para se tornarem mais poderosas. Recomendo que o jogador se atente bastante nessa mecânica que irá facilitar muito o combate que é bastante desafiador nas horas iniciais.
Fora isso, há a navegação que é relativamente facilitada através da mecânica de surfe nas areias. O mundo de Atlas Fallen possui diversos puzzles ambientais que trabalham com as habilidades do protagonista. Há desafios de velocidade, torres para destruir, chefes mais difíceis, baús secretos, etc. São atividades básicas que felizmente não se tornam morosas, mas também não trazem nenhuma novidade.
O visual do jogo havia sido alardeado por muitos jornalistas, afinal se tratava de um título criado na Unreal Engine 5. Na verdade, o jogo não é feito na UE 5 e, se for (não há menção alguma da engine nos créditos e na abertura do título), é um dos games mais irregulares visualmente para a nova geração, afinal diversos outros títulos como God of War Ragnarok e até mesmo Uncharted 4 conseguem ser mais impressionantes em termos de gráfico. É preciso reconhecer, porém, muito capricho nos efeitos das armas (três no total) e da areia.
No trabalho sonoro, há diferenças brutais a depender do Calibã enfrentado. No caso dos pequenos e no que é similar a um caranguejo, infelizmente temos um exemplo de trabalho sonoro bastante aquém do esperado, com efeitos sonoros destoantes e repetitivos.
As animações faciais são medíocres e existem problemas de carregamentos de texturas - nada muito grave. O jogo não sofre com bugs pesados de progressão, mas conta com diversas paredes invisíveis - algo que é sempre muito irritante na exploração de um jogo de mundo aberto. Em toda a jogatina, só me ocorreu um crash na sete horas que joguei. Fora isso, o game está funcional no PC e parece ser bem otimizado - um milagre considerando o estado atual de grandes lançamentos na plataforma.
O apego pela nostalgia
Felizmente a Focus Entertainment é uma distribuidora que entende muito bem o nicho de precificação de seus jogos. Nos PCs, o título é vendido no lançamento por R$ 180. É um preço relativamente ok, mas considerando que temos uma história bastante simples e uma jogabilidade que vai sintonizar muito bem a depender do estilo do jogador, é recomendado dar uma segurada nas expectativas e aguardar uma promoção.
Em geral, Atlas Fallen é um game com potencial de conseguir criar uma franquia que pode muito bem ser aprimorada no futuro, mas que em sua estreia, peca pela simplicidade em diversos fatores, principalmente na narrativa. Também é uma pena a demora do combate se tornar divertido e ressoar com o jogador, já praticamente minutos antes do confronto contra o chefe final. Ainda assim, a depender do preço, vale a pena conferir o novo trabalho da Deck 13.
Agradecemos a Focus Entertainment pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Review | God of War Ragnarok entrega o prometido, mas peca por excessos
Texto sem spoilers
Uma das maiores surpresas da história recente do PlayStation foi o anúncio impactante do soft reboot da franquia God of War com o já considerado clássico game de 2018. A narrativa cinematográfica, aliada a uma excelente proposta de jogo com acontecimentos e personagens inesquecíveis ajudou a tornar a marca ainda mais querida pelos fãs.
O nível atingido fora tão alto na aventura de Kratos e seu filho Atreus que qualquer sequência encontraria dificuldades brutais para surpreender e elevar o prestígio do jogo. Logo, a antecipação por God of War Ragnarok, ouso dizer, foi ainda maior que a de God of War III que encerrou a trilogia original com louvor.
Diante disso, com o lançamento do jogo no último dia 9, dediquei trinta horas no título para realmente me convencer de que a obra conseguiria superar o jogo anterior. A resposta é que não. Para mim, o game de 2018 ainda é superior em elementos importantes, mas Ragnarok consegue refinar ainda mais certas características de gameplay.
Guerra de sussurros
O Fimbulwinter atinge os Nove Reinos. Após Kratos e Atreus iniciarem o preâmbulo ao Ragnarok, literalmente o fim do mundo, chega a vez de lidarem com o peso das consequências de seus atos. Anos se passaram desde então e Atreus está mais afoito do que nunca para compreender ao certo quem é Loki, sua identidade que descobriu nos painéis proféticos de Jotunheim.
Entretanto, sabendo da iminência do Ragnarok e do que ele significa para toda a humanidade, Odin se movimenta para selar um acordo com Kratos. A paz é oferecida pela mesma mão que traz um Thor ressentido pela morte dos filhos. A negociação é de poucas palavras e então Atreus acredita que a solução é encontrar Tyr, o deus nórdico da guerra.
Não é nenhum absurdo dizer que a narrativa de God of War Ragnarok é boa, mas não chega perto da elegância e simplicidade da jornada vista em 2018 com Kratos e Atreus viajando pelos reinos na busca do pico mais alto para espalhar as cinzas de Faye. A Sony enfiou o pé no orçamento com dizeres claros de “quanto mais, melhor” sendo que, na maioria das vezes, “menos, é mais”.
Como prometido, o jogo realmente finaliza a jornada de Kratos pela mitologia nórdica e isso tem um custo alto: ao mesmo tempo que a história é recheada de eventos e personagens, ela também se torna burocrática em um segundo ato inchado resolvendo tudo em um clímax paradoxal: ao mesmo tempo bombástico e pífio.
Muito da narrativa foi mantida sob segredo pela Sony e claramente isso pode pegar o jogador desavisado de surpresa que sonha em uma narrativa verdadeiramente única. Não é o caso que temos aqui. Toda a jornada de Kratos e Atreus reserva apenas uma verdadeira reviravolta chocante e, em maioria, envolve uma eterna andança pela busca de macguffins diferentes que compreendem a história inteira. Logo, o ritmo do jogo sofre e muito com isso, principalmente em uma barriga interminável de quase duas horas para apresentar Angrboda.
Assim, a lembrança muito incômoda de Star Wars: A Ascensão Skywalker me veio à cabeça conforme a trama se desenrolava sem ter avanços significativos. Até mesmo em certo ponto, os personagens falam que a busca por certo item foi completamente infrutífera. Logo, os roteiristas tem plena noção que estão enchendo muita linguiça. Os diálogos também sofrem por conta disso, significativamente.
A lembrança da Disney não acontece somente por conta de Star Wars, mas também da Marvel. Os diálogos que carecem da profundidade e impacto do anterior, agora contam com uma infinidade de piadas e momentos cômicos para quebrar a tensão que raramente vem. Mesmo que toda a história cerque uma corrida contra o tempo para evitar um destino certo e desastroso, não há qualquer senso de urgência, ainda que tenhamos vislumbres de alguns efeitos indigestos nos reinos visitados por causa do Fimbulwinter.
Como não há espaço para entrar em muitos detalhes, em suma, a história do jogo é boa e finaliza muito bem a jornada e desenvolvimento de Kratos até então, mas não posso dizer o mesmo para diversos outros personagens, principalmente Atreus, Thor e Tyr. Por sinal, as histórias menores, disponibilizadas em side quests, conseguem entregar conteúdo mais relevante para os personagens, principalmente a Mimir.
Matar ou morrer
A reformulação do combate que vimos em 2018 foi fenomenal e havia pouco espaço para ser aprimorado aqui, mas é notório que a equipe conseguiu refinar um sistema que já podia ser considerado perfeito. Com as Lâminas do Caos e o Machado Leviatã disponíveis desde o começo da jornada, incrementos de efeitos elementais que surgem com a combinação de L1 + Triângulo é sensacional.
Os segundos necessários para ativar o efeito, oferecem uma bela escolha de recompensa/risco ao jogador que pode encontrar verdadeiros desafios de vez em quando com uma variedade grande de inimigos. A ausência de chefes de fase do jogo anterior também foi corrigida e agora temos diversos encontros divertidos, ainda que nem tão memoráveis. O destaque fica para embates geniais contra o panteão nórdico, envolvendo uma luta de alto nível com Thor nos minutos iniciais do jogo.
O sistema de RPG adotado pela franquia se manteve praticamente inalterado. As armaduras de Kratos continuam oferecendo alguns efeitos importantes nos status do jogo que podem fazer o jogador investir em builds diferentes, mas graças ao sistema de aprimoramento de equipamento, é difícil abandonar conjuntos consolidados por armaduras novas no decorrer do jogo.
O sistema de runas permaneceu o mesmo, assim como a função das flechas mágicas de Atreus para resolver puzzles. Aliás, há uma boa variedade de quebra-cabeças ao longo do jogo, sendo alguns totalmente exclusivos para os reinos que visitamos durante a jornada. Por conta de termos uma dilatação do tempo de jogo, muitas vezes fazemos o mesmo quebra-cabeça diversas vezes, o que torna a experiência maçante em algum tempo.
Assim como no game anterior, há aspectos de metroidvania no mapa do jogo, encorajando o jogador a revisitar reinos e cenários após adquirir habilidades importantes que destravam áreas sem acesso até então. Por sinal, quando surgir uma missão paralela para seguir um cachorro, recomendo que a façam, pois ela libera um território gigantesco de Vanaheim repleto de conteúdo de qualidade.
Apuro artístico
Se o jogo de 2018 envelheceu muito bem e ainda impressiona visualmente, o novo Ragnarok traz uma estética mais aprimorada. Na versão jogada, para PS5, é um deleite aos olhos, tão belo quanto o já elogiado Horizon: Forbidden West. Com os nove reinos disponíveis para o jogador pela primeira vez, a equipe artística, ainda que recicle alguns cenários de Midgard, traz elementos muito particulares para cada mundo explorado.
O melhor de tudo é que em, ao menos, quatro deles temos um mapa semi aberto repleto de colecionáveis, baús e missões paralelas. Neles, a linearidade não fica tão evidente, mas nos demais reinos, a linearidade é presente e causa certo estranhamento. O destaque fica para os grandes territórios tanto de Midgard quanto de Vanaheim que possui até mesmo um sistema de ciclo de dia e noite que altera caminhos no mapa.
Ainda sendo uma experiência altamente cinematográfica, a proposta de usar um plano sequência para trazer a história toda continua eficaz. A direção de câmera e da encenação dos atores dentro do espaço das cinemáticas é primorosa. Todo o elenco entrega com perfeição, mas o destaque ainda permanece com Christopher Judge e seu Kratos nada menos que perfeito.
Apesar da direção de Eric Williams pesar a mão em diversos momentos a fim de verter lágrimas do jogador, alguns deles conseguem de fato ser emocionantes. Ironicamente, é justo quando a direção opta por caminhos mais simples e bem silenciosos como o momento muito especial que encerra o jogo - este já se tornou um dos meus favoritos.
Como se trata de um jogo para duas gerações, ainda não tivemos o gosto de um verdadeiro exclusivo extraindo todo o poderio gráfico possível do PS5, mas o caminho é bastante promissor.
Enfim, God of War Ragnarok encerra bem a saga nórdica de Kratos, mas o resultado final ainda é um pouco decepcionante diante do potencial que a história trazia. O que podia ser aprimorado, foi, e as falhas são perceptíveis para qualquer pessoa ver.
Não foram poucas as vezes que me senti muito incomodado com o ritmo bizarro da história, assim como o exagero na dose de piadinhas sem graça, mas o saldo geral é positivo. O jogo diverte e traz conteúdo o suficiente para superar 30 generosas horas de jogatina. Agora a questão é ver se o salgado preço de lançamento vale realmente a pena.
Review | Scorn é uma excelente obra de arte, mas um jogo apenas bom
Anunciado em 2014, muita gente já tinha esquecido completamente que Scorn existia até ser ressuscitado durante a apresentação da Microsoft no meio deste ano. Quando ressurgiu, ainda confirmando exclusividade às plataformas da Microsoft, o mais surpreendente foi o game ter enfim ganhado uma data.
Por mais incrível que pareça, de fato Scorn conseguiu ser finalizado e lançado agora em 14 de outubro. Como já era esperado desde os pequenos trechos que revelavam um pouco mais do misterioso game, o título é extremamente nichado, mirando não só nos amantes de um bom game de quebra-cabeças, mas também para apreciadores do movimento artístico biomecânico cujo principal nome é do artista plástico suíço H.R. Giger.
Para que quem não conhece, Giger foi o responsável por auxiliar o design criativo de Alien - O Oitavo Passageiro, conferindo toda atmosfera inebriante de terror do Space Jockey e do visual final do alien xenomorfo que persegue Ripley e os outros astronautas. Além da produção de Scorn se afundar profundamente no estilo de Giger, há algumas influências notáveis do polonês surrealista Zdzisław Beksiński.
Jogado no mundo
Desde a sua concepção, a proposta de Scorn era ser algo realmente único. A equipe criativa do jogo comandado pelo diretor Ljubomir Peklar tinha como objetivo fazer um jogo cuja estética fosse avassaladora, sem focar em narrativa escrita, orientar objetivos ao jogador, disponibilizar mapas ou qualquer mecânica tão comum a tantos jogos.
De fato, o jogador é literalmente jogado em um mundo alienígena decadente e hostil, com tecnologias bizarras e interações com objetos que acabam por machucar fisicamente o protagonista sem nome - a internet o batizou de Scornguy e será assim que vou me referir a ele ao longo do texto.
Embora haja essa martelação da ideia que o game não tenha uma narrativa, se trata de um marketing falso. O game tem sim uma narrativa, mas ela é vestigial. Toda a arte, design e mecânica do jogo conta uma história de uma civilização que mudou radicalmente seu foco de progresso e evolução. Como a estética é o fator primordial do jogo e que ajuda a explicar o motivo de 8 anos de desenvolvimento, o game na verdade se torna uma obra de arte interativa.
Obviamente não entro no mérito de diversos jogos serem obras de arte concretas, mas Scorn se sobressai e se destaca como uma obra de arte por trazer uma experiência completamente aberta à própria interpretação do jogador. Como qualquer teoria pode ser canônica devido a completa falta de contexto, o jogo não encontra limites sobre seu objeto de estudo, afinal tudo está justificado na imaginação do jogador.
Os temas que o jogo explora paulatinamente ao longo de seus cinco atos são claros: concepção, nascimento, sexualidade e morte. Com temas que por si só são complexos na nossa filosofia humana, é particularmente incrível captar tantos trechos que podem ser interpretados do modo alienígena sobre uma sociedade completamente diferente da nossa, mas que compartilha algumas características o suficiente para o jogador conseguir encontrar alguma identificação.
Então, é possível mergulhar em um mar de ideias e conspirar diferentes teorias bizarras que levaram essa civilização interessante à ruína, assim como compreender o papel do Scornguy no meio disso tudo e sua motivação em tentar com tanto afinco chegar a um local arrojado, um palacete gótico biomecânico, no final do jogo. Embora a conclusão da história seja, no mínimo, decepcionante, a experiência é sim enriquecedora.
O jogo feio mais lindo que existe
A estética de Scorn certamente não é para os fracos. Os traços erotizados de Giger permeiam em praticamente todos os grandes cenários que visitamos ao longo do jogo - que é sim bastante linear. Logo, se prepare para ver vulvas e falos adoidado em diversos adornos arquitetônicos até culminar em monumentos explicitamente sexuais no final da aventura amaldiçoada.
Como 90% da proeminência artística é mesmo gigeriana, os corredores, salões e câmaras que visitamos são compostos por ossos como vértebras, costelas e fêmures recheados de texturas notórias de intestinos. É tudo tão pegajoso, abjeto e sombrio que os gamers mais sinestésicos conseguiram ter a impressão de sentir o cheiro pútrido dos locais que visitamos. Fora o detalhe do gore de desmembramentos que surgem em momentos mais impactantes do jogo.
Aliás, caso tenha tripofobia, é uma ótima ideia passar longe de Scorn, já que o jogo traz estações de recarga de munição e vida totalmente inspiradas nesse padrão perturbador. Então, até o momento, já sabemos o que torna Scorn único, mas isso não faz dele um jogo excelente ou até mesmo divertido.
Extremamente curto, beirando apenas quatro horas de duração, é uma boa ideia que o jogo seja breve, pois ele se desgasta rapidamente. A primeiro momento, o que mais pode irritar é a alta dificuldade dos quebra-cabeças. Logo no começo do jogo, um dos mais difíceis é apresentado e, para piorar, se o jogador errar a ordem necessária para completá-lo, acaba travando o puzzle e sendo obrigado a recarregar o save.
Nisso, já se descobre um dos defeitos de qualidade de vida do jogo. Com base na filosofia hardcore de games limitados à hardware inferiores dos anos 1980 e 1990, Scorn adota um sistema de checkpoints simplesmente abissal, muitas vezes obrigando o jogador a reviver níveis inteiros para retornar ao ponto que estava. Não ajuda o fato que a dificuldade do game seja punitiva também nos combates.
O jogo também se comporta como um FPS e ao longo da história, nos deparamos com quatro armas. Uma pistola de pressão, uma pistola, uma shotgun e um lança-granadas (este último apresentado tão tardiamente no jogo que se torna um adorno chique - aliás, conte as balas, pois é impossível encontrar mais munição para essa arma). Com dano praticamente risível, o jogador se torna presa fácil para algumas das criaturas bizarras que nos deparamos nos níveis.
Então morrer em situações de combate, principalmente por falta de munição, é algo costumeiro. O melhor a se fazer é mesmo evitar confronto sempre que possível e concluir os quebra-cabeças para progredir. Aliás, embora tenhamos ao menos três puzzles infernais de difíceis, o game design do jogo não foge do padrão clássico de “faça três coisas para ir para a próxima área” e isso se repete bastante ao longo das curtas horas.
No fim, dado o preço do jogo, Scorn é uma experiência tão nichada, ainda que extremamente bela e provocante, que a sua compra independente não se justifica. Não existe fator replay no jogo, tirando duas opções de como resolver parte de um quebra-cabeça no primeiro ato. Porém, como ele está no Game Pass para Xbox Series e também para PC em preço de assinatura, vale sim a pena dar uma conferida e ver se é um jogo que dialoga com você.
Não fosse seu poderio estético sublime, uma narrativa repleta de mistérios fascinantes e também o fato de ser um dos melhores exemplos das artes inspiradas por Giger, Scorn seria um jogo com muito menos apelo do que conquistou agora. Sendo o primeiro jogo concluído deste estúdio, há um futuro bem promissor a frente que pode trazer experiências um pouco mais refinadas. Aliás, o jogo é um excelente candidato para receber compatibilidade ao VR.
Review | Starfield consegue ser o primeiro grande exclusivo do Xbox Series
O drama da família Xbox com a ausência de grandes exclusivos assombra a marca desde os áureos anos do 360 que teve destaque com a trilogia Gears of War, os primeiros Forza Horizon e dois importantes capítulos de Halo.
Entretanto, desde sempre os fãs da marca reclamavam à Microsoft que havia uma ausência notória de IPs incríveis que a Sony distribuía ao montes com o Playstation através de sucessos massivos como God of War, Uncharted e The Last of Us.
Embora o Xbox Series já tenha recebido uma dose generosa de exclusivos, nenhum deles contou com a antecipação insana que atingiu Starfield, anunciado há cinco anos em uma época que ninguém sonhava que a Bethesda seria um estúdio próprio da Microsoft.
Sabendo que investimentos levam muito tempo e planejamento para dar retorno, é possível afirmar com facilidade que Starfield fez toda essa espera para valer a pena para a Microsoft e também para os fãs do Xbox. Eu mesmo tendo bastante experiência com o histórico da Bethesda e das promessas insanas de Todd Howard, não caí no hype do jogo e, honestamente, essa exceção à regra me fez ter uma experiência mais prazerosa com o título que não, não revoluciona o mercado, mas certamente é uma evolução notória da Bethesda como desenvolvedora de jogos após o lançamento desastroso de Fallout 76.
A vastidão do Espaço e além
Sendo um RPG sandbox colossal, o primeiro sentimento que Starfield dá ao jogador é de um temor com ansiedade de tão avassalador que parece o escopo do jogo. A jornada começa de um modo estranhamente lento para uma aventura original da Bethesda.
Nós somos um mineiro sem nome trabalhando em uma escavação que acaba por esbarrar em um elemento estranho e mais alienígena do que o comum, um totem misterioso de metal. Ao extrair a peça, uma experiência extrassensorial ocorre e o jogador acaba recrutado por uma facção conhecida como Constelação.
A facção é focada em explorar a vastidão do espaço, em desbravar novas fronteiras das galáxias mapeadas e retomar o sentido de descoberta há muito perdido, já que a humanidade já conquistou o espaço há pelo menos dois séculos antes dos acontecimentos da história.
Recrutado e com alguns parceiros de viagem, o jogador é convidado a explorar diversos mundos para encontrar mais artefatos que, juntos, podem revelar um provável primeiro contato alienígena senciente revelando que a humanidade não está tão sozinha assim na vastidão do espaço.
É curioso como os RPGs da Bethesda geralmente trazem histórias mais interessantes em missões paralelas do que as que envolvem o arco principal. Com Starfield, a característica se mantém. Mas isso não é demérito algum, por sinal, as histórias em geral são muito boas.
Um dos fatos mais impressionantes do jogo é o fato do trabalho da desenvolvedora criar um universo novo do zero, constituindo uma mitologia bastante completa e crível, com fatos históricos relevantes desde a saída da humanidade da Terra até o momento presente da história do jogo. É um trabalho excepcional que facilmente rivaliza com o texto da Bioware na época da criação de Mass Effect.
São diversas facções que existem em Starfield e cada uma delas tem uma miríade muito generosa de missões com boas histórias que vão desde ameaças biológicas universais à espionagem corporativa digna de Cyberpunk 2077. No começo, como afirmei, assusta, mas conforme o jogador investe tempo para absorver esse universo, é fácil se maravilhar com a originalidade do trabalho - pelo menos na parte da mitologia.
Há elementos religiosos, políticos, militares, culturais e ideológicos em cena, mostrando que a humanidade, mesmo unida com um propósito, sempre vai procurar a divisão e a guerra. A Bethesda faz um excelente trabalho em mostrar como a mitologia se expande através das facções refletindo neuroses por controle ou a liberdade plena.
O que é curioso, para mal, é que o jogo faz muito juízo de valor através dos companheiros e alguns NPCs caso o jogador opte por um caminho moralmente cinza ou até mesmo maléfico - algo bem esquisito para um RPG de alta imersão. É também uma pena que as histórias, em boa parte delas, sejam bastante previsíveis em suas reviravoltas, além da falta de carisma de boa parte dos companheiros.
Barrett, Vasco, Andreja e Sarah Morgan conseguem atiçar a curiosidade do jogador, mas ainda assim outros personagens como Sam Coe e sua filha, Matteo, Walter Stroud falham em serem interessantes. Em geral, o trabalho é bom e há sim paixão envolvida, mas com certeza poderíamos ter mais personalidade em outros rostos que encontramos pelo caminho.
O que, aliás, me leva a um fato. Mesmo que a Bethesda tenha atualizado enfim a Creation Engine rendendo objetos, cenários e vistas extremamente belas, ela segue uma porcaria no design de personagens e pior ainda para as animações faciais que são sim terríveis e parecem ainda pertencer à geração do Xbox 360. Aliás, muito me espanta a escolha de enquadramentos para os diálogos com os NPCs com todos eles olhando diretamente para o jogador, centralizados, quebrando a quarta parede.
Também é igualmente decepcionante ainda não contar com uma história pregressa rica para o protagonista - alguns elementos de história podem ser escolhidos nas opções de customização do personagem (aliás o contexto para apresentar a mecânica é bastante orgânica e bem encaixada na narrativa).
Outro fato que pode ser desconcertante é que Starfield talvez seja o jogo mais lento em ritmo narrativo que eu tenha experimentado desde Red Dead Redemption 2, exigindo umas boas três ou quatro horas até a história principal engatar marcha e fluir. As missões secundárias, sejam de facções ou não, já são mais rápidas e contam com personagens, ironicamente, mais memoráveis que os companheiros de aventura.
Mil mecânicas e mais uma
Assim como a história e o sistema de missões de Starfield parece avassalador, o mesmo acontece com as mecânicas de jogo. São muitas, mas muitas mesmo e boa parte delas não contam com um mísero tutorial então se prepare para ficar perdido em diversas coisas como os primeiros digihacks que terá que fazer, assim como as mecânicas tardias de construção de naves e postos exteriores que podem ser construídos em diversos planetas.
Quem caiu no canto da sereia de Todd Howard, porém, vai se decepcionar feio com o jogo, já que ele, em si, não se trata mesmo de uma aventura de exploração espacial como No Man 's Sky. É um jogo que deve ser abordado pela experiência narrativa. Quem quiser brincar de explorar, claro que terá muito o que fazer, mas se trata de um elemento bastante superficial do que era esperado.
Não é possível explorar os planetas livremente e muito menos o espaço. Entrar e sair da atmosfera de planetas também estão fora de questão, o que realmente é uma pena. Para se transportar rapidamente pelo universo, ironicamente, o jogador terá que lidar com inúmeras telas de carregamento por causa das viagens rápidas - felizmente os loadings são muito ligeiros, levando poucos segundos para carregar o próximo cenário.
A exploração de planetas envolve sempre a escolha do jogador em determinar um local de pouso. Através de algumas características determinadas para o planeta, o jogo alinha um cenário criado proceduralmente com alguns pontos de interesse, fauna e flora para o jogador procurar e explorar. Cada cenário conta de 8 a 4 km quadrados e, já que até mesmo correr em Starfield é uma mecânica, acredite que são espaços mais que suficientes já que toda a exploração se dá à pé. Sim, é bastante enfadonho e a situação piora com o fato que os cenários procedurais tendem a se repetir depois de algum tempo investindo nessa atividade. Me espanta também a notória ausência de veículos para acelerar a exploração no planeta, já que é impossível pilotar a nave no espaço criado pelo jogo, infelizmente.
Logo, a exploração só se torna necessária para encontrar recursos que serão exigidos pelo sistema de criação, seja para fazer peças de nave, bases, modificações de armas, trajes, etc. Logo há sim um grinding para conseguir melhores peças. O crafting e outras características de nave e digihacks estão relacionados também às árvores de habilidade.
Com todas trazendo artes muito bacanas na interface, o jogador poderá investir em cinco pontos diferentes trazendo cada um deles quatro andares de habilidades diferentes. Além disso, cada habilidade pode ser aprimorada após o jogador conseguir cumprir certo desafio que desbloqueia o progresso. É um fato sim interessante, mas que pode deteriorar a experiência conforme o jogo avança, exigindo que o jogador dedique mais horas em atividades repetitivas para conseguir aprimorar uma determinada habilidade. Ainda assim, sem dúvidas se trata de uma evolução divertida do que as vistas em outros projetos do estúdio.
Há muitos elementos de imersão também. Diversos planetas possuem características distintas que podem aplicar condições de status para o jogador que poderá ficar doente de diferentes formas, seja com tosse (que vai arruinar suas abordagens stealth) envenenamento ou até mesmo hipotermia. Os status podem ser removidos com remédios. O problema é justamente encontrar o remédio certo.
Em cidades polo como Nova Atlântida, Akila e Neon, o jogador consegue encontrar mercados, mas é preciso prestar atenção nas sinaleiras já que não existe nenhum mapa relativamente detalhado no jogo inteiro - algo que considero uma falha, já que é possível ficar perdido até encontrar o que está procurando. Há um sistema de pontos de interesse que podem auxiliar a exploração e é bastante importante ter o scanner em mãos para facilitar a navegação em cidades densas. Ele também oferece alguns atalhos bem vindos de viagem rápida.
Felizmente a navegação no espaço é um pouco mais tranquila, ainda que depois de um tempo seja feita através de menus e com viagem rápida. Porém, no começo, as mecânicas de navegação são bem boas, com um sistema de distribuição de energia bem inteligente permitindo que o jogador se adeque a qualquer adversidade imprevista. Seja apostar no aumento do poder de fogo da artilharia ou fortalecer escudos e aumentar a velocidade dos motores. O combate das naves também é divertido, mas acaba envelhecendo rápido, além do espaço nunca realmente obedecer o nível recomendado para inimigos que podemos encontrar.
Ainda assim, não é problema, já que a péssima inteligência artificial segue o padrão dos outros jogos da Bethesda. Os inimigos dificilmente traçam qualquer estratégia, sempre partindo direto para o confronto, metendo tiro enquanto estão expostos. Então a abordagem do jogador é sempre lascar uma tempestade de balas nos oponentes com o arsenal muito expansivo que o jogo oferece. A IA dos companheiros também segue ruim, inclusive com eles comprometendo qualquer tentativa de stealth em missões que exigem que você não seja detectado.
O combate é sim bastante divertido, mas poderia ser mais caprichado. Não há um sistema bom de coberturas também, mas pelo menos tudo funciona bem tanto na jogabilidade em primeira quanto em terceira pessoa. Eu geralmente gosto da visão em terceira pessoa, ainda mais aqui que é possível ver o belo trabalho de design para os uniformes, trajes, propulsores e capacetes espaciais.
As armas, apesar de termos diversos tipos, infelizmente não são elaboradas de forma a permitir que o jogador seja incentivado a trocá-las em combate para se livrar facilmente de determinados tipos de inimigos. Logo, é mais fácil se ater a uma arma automática com alto índice de dano e ser feliz.
Outra mecânica que também não se torna um pesadelo para o jogador é a capacidade de inventário que é muito reduzida. Após pegar alguns poucos kilos, o personagem se torna pesado e passa a não conseguir correr com eficiência e impossibilitado de realizar viagens rápidas - e, acredite, ter esse status negativo durante uma exploração em um planeta deserto com a nave a alguns km de distância é motivo para chorar e decidir quais itens terão de ser abandonados - aliás, fica o elogio para todos o trabalho dedicado na modelagem de itens, todos únicos e muito bonitos, que preenchem diversos cenários densos. Logo, recomendo que o jogador invista muitos pontos de habilidade para aprimorar a força física do personagem para conseguir carregar mais carga.
Mais um ponto que não posso deixar passar batido é a trilha musical soberba do jogo que com certeza deve ser escolhida como a melhor do ano no Video Game Awards - disputando em igualdade com as músicas de Baldur’s Gate 3. O trabalho do compositor Inon Zur consegue ser original enquanto também traz homenagens musicais a John Williams e Hans Zimmer, conseguindo encaixar temas que abraçam todo o romantismo de compositores como Tchaikovsky e Strauss com a modernidade de batizas de sintetizadores tiradas diretamente de O Exterminador do Futuro. É algo realmente espetacular que marcará uma geração inteira - assim como aconteceu com as músicas de Skyrim.
A expectativa foi para o espaço
Starfield, como amplamente apontado na análise, está longe de ser uma obra perfeita, mas isso também não quer dizer que seja um jogo medíocre. Na verdade, levando em conta todo o catálogo do Xbox Series em seus exclusivos, Starfield se destaca pela originalidade e diversão ao trazer boas histórias, um combate que diverte e uma exploração razoável que possui espaço para ser aprimorada nas futuras expansões. Aliás, é também o lançamento com menos bugs bizarros que já vimos nos jogos da desenvolvedora.
Para quem ansiava ferozmente e caiu no papo de Todd Howard, fica a lição: nunca se deve levar as promessas da Bethesda tão à sério assim porque, no fim, a expectativa exagerada acaba comprometendo a experiência final do jogo - qualquer produto sempre será melhor na sua imaginação do que na realidade. Fico feliz de ter aprendido a minha lição na época de Fallout 3, o que, agora, 15 anos depois, acabou me permitindo ter uma experiência bastante divertida e recompensadora. Então fica sim a minha recomendação, principalmente para os assinantes do Game Pass. Agora é hora de voltar a explorar a vastidão do espaço e descobrir quais outras grandes surpresas me restam em Starfield e seu escopo massivo.
Agradecemos à Bethesda pela cópia gentilmente cedida para a análise.
Review | Assassin’s Creed Mirage é um ótimo ponto de partida para novos fãs da saga
Os apelos dos fãs para que Assassin’s Creed retomasse às origens já acontecem há um bom tempo, mas os pedidos ficaram tão reforçados após o lançamento de Valhalla em 2020 que a Ubisoft não teve muita alternativa além de atender os desejos dos fãs. Assim, uma grande DLC prevista para o jogo traria a história de Basim, o mestre assassino que auxília Eivor durante a imensa aventura.
Porém, em algum ponto do desenvolvimento, a matriz autorizou a Ubisoft Bordeaux a desenvolver um título completo, ainda que em menor escopo, resultando nesse experimento bastante intrigante de Assassin's Creed Mirage, lançado há poucos dias. Ainda que seja uma aventura muito mais enxuta, beirando somente as 15 horas de duração, Mirage se trata de um retorno muito valioso à fórmula que consagrou a franquia.
A origem de um assassino
Ainda que esteja muito longe de contar a melhor história da saga, Assassin’s Creed Mirage se benefícia de trazer uma narrativa enxuta que não protela seu desenvolvimento. Nela, acompanhamos a história de Basim desde os seus dias como ladrão comum de rua vivendo apenas com sua companheira de golpes Nehal.
Seu maior sonho é ser notado pelos Ocultos, justiceiros sociais que vão dar origem ao Credo dos Assassinos. Em um roubo mal sucedido ao califa de Bagdá, Basim acaba se envolvendo com os Ocultos ao conhecer a mestre assassina Roshan que se torna a sua mentora. Deixando todo o seu passado para trás, Basim inicia uma nova vida na qual terá que seguir dogmas nunca antes explorados que vão de encontro diretamente a cinco figuras ocultas poderosas que controlam a Ordem dos Anciões no território.
Como apontado anterior, Mirage falha em contar uma história substancial para a saga que vem sofrendo tropeços narrativos desde Origins que, particularmente, considero uma das melhores histórias, assim como o carismático protagonista Bayek. Muito provavelmente por limitações de orçamento, o game simplesmente não reserva tempo para explorar mais a figura de Basim, principalmente no desenvolvimento do personagem.
Ele é assombrado por um Djinn, conferindo algo místico à narrativa, além de ter certa resistência em seguir os dogmas perpetrados por Roshan que tenta o manipular o tempo todo. Apresentando essas boas ideias, porém, o roteiro falha em desenvolver os conceitos e tornar Basim um pouco mais interessante - o personagem é carismático, mas é bastante esquecível por raramente possuir vontades próprias sendo um protagonista passivo na maioria da história.
Somente no final do jogo que há algumas reviravoltas intensas que, pela velocidade abrupta, atropela bastante o entendimento do jogador, principalmente em relação a Nehal e a hierarquia que Roshan também tem que seguir. Aliás, toda a relação entre mestra e aprendiz é muito superficial, nunca rendendo um momento genuíno de afeto entre os personagens. De longe, o rol de personagens de Mirage é um dos mais fracos, possuindo muitos elementos desinteressantes.
O jogo não segue uma narrativa linear, apostando no formato de Valhalla em conferir liberdade para os jogadores explorarem capítulos livremente - todos representados por cada chefe Ancião até liberar o grande líder no quinto capítulo. Logo, fica mais difícil tornar a experiência coesa, já que os coadjuvantes somem e nunca mais reaparecem em outros arcos.
Enfim, se for pela narrativa, Mirage não vai valer muito a pena, mas felizmente a fraca história é compensada em diversos outros pontos positivos.
Jogos de assassinos
Demorou e demorou muito, mas finalmente Assassin’s Creed voltou a ser Assassin’s Creed. Por mais que Origins seja um excelente jogo que agregou muito bem o formato de RPG à saga, ele foi a origem para a Ubisoft se desviar muito da receita que tornava a franquia tão única e distinta das outras.
Então ao ver Mirage enfim cumprindo as longas promessas do estúdio em se ater ao formato clássico ao mesmo tempo que conferia uma repaginada nas mecânicas, admito que foi um alívio. Aqui, o jogador após terminar a introdução, tem a total liberdade de escolher determinados alvos para iniciar um arco. Em cada um deles, Basim precisa investigar pistas que vão revelar a identidade do alvo mascarado.
O design das missões funciona com uma cadência saudável. Como o jogo é curto, repetir algumas tarefas não chega a exaurir o jogador como acontecia com Valhalla e suas 50 ou mais horas para encerrar a narrativa. Fora isso, os desenvolvedores exploram boas homenagens com algumas missões para seguir alvos - que eram muito irritantes em outros jogos, mas com todas bem curtas e com trajetos inspirados.
A desenvolvedora também procura pegar inspiração em Hitman e também de Unity ao usar diferentes abordagens para completar missões, mas com uma maior ênfase no uso de disfarces para infiltrar áreas restritas. O jogo foi inteiramente pensado para ser experimentado com a abordagem stealth para se infiltrar em bases e acampamentos e chegar próximo ao alvo e concluir o assassinato.
Caso o jogador decida partir para o confronto direto, é bem provável que seja morto rapidamente, já que Basim não é um lutador exemplar - ainda que a mecânica de parry seja boa para se livrar de diversos guardinhas - uma pena que a variedade de inimigos seja uma das menores de toda a saga.
Para aprimorar a experiência e garantir a diversão do jogador, contamos com uma árvore de habilidades que trazem aprimoramentos que mudam a dinâmica do jogo e facilitam a vida de assassinato, além de contarmos com cinco ferramentas bastante úteis como as facas de arremesso, bombas, distrações de barulho, bomba de fumaça (sempre poderosa e útil) e uma zarabatana.
Ou seja, a variedade de abordagens é mais que suficiente e satisfatória. Mirage sabe bem equilibrar a dose para nunca esgotar a diversão do jogo. O mesmo acontece com as torres de sincronização e com o retorno de lojas para aplicar melhorias em armas e transmogrifação em roupas. O jogo também resgata o nível de notoriedade que era presente na trilogia de Ezio Auditore. Toda a cidade de Bagdá é reativa às ações do jogador então é preciso tomar cuidado ao matar alguns inimigos e se certificar de não ser notado.
Para diminuir a notoriedade mais rapidamente, podemos rasgar pôsteres de procurado e também pagar um poeta para limpar a sua imagem diante o público. Aliás, com eles e outras facções como mercenários, são pagos com tokens de favores que o jogador recebe em algumas missões e também ao furtar transeuntes - por sinal, a mecânica de furtos é bem divertida o que ajuda bastante ao progredir no jogo com esses furtos sorrateiros.
A cidade redonda
Mantendo o alto padrão artístico e design visual da saga, Mirage cumpre muito bem no quesito visual. A cidade redonda de Bagdá e seus arredores são fascinantes, apesar do restante do mundo aberto ser bastante vazio trazendo apenas um deserto menos interativo que o de Origins - pelo menos dá para explorar montado em camelos o que nunca deixa de ser divertido.
Dito que a cidade teria o mesmo tamanho de Paris, posso afirmar categoricamente que não é verdade. Bagdá é menor, mas possui uma densidade significativa de prédios e construções, a tornando muito divertida para realizar as manobras de parkour e ficar distante do solo o maior tempo possível.
Aliás, desde Unity que não tínhamos uma ênfase tão intensa em parkour como acontece aqui. Ainda assim, Unity segue o líder como melhor experiência nesse quesito, já que as animações de Mirage ainda são recicladas de Origins que não foram pensadas para essa exploração.
Ainda que seja visualmente bonito e ter uma distinção clara entre a Cidade Redonda e os demais distritos de Bagdá (esses menos diferenciados entre si), Mirage já demonstra a idade da Anvil com NPCs que seguem limitados, pop-ins muito expressivos e também demora no carregamento de algumas texturas.
Fora isso, por padrão, o jogo aplica o insuportável filtro visual de aberração cromática que deixa o visual bastante borrado, enfeiando o jogo. Até agora, não é possível desativar o filtro, mas é possível que isso seja corrigido em patch. No PC, há um problema bastante grave que não foi resolvido com o patch do Dia 1. Mesmo com um i5 12600K e uma RTX 4090, o jogo sofre com travamentos visuais frequentes nos quais os FPS vão a 0 e então voltam a ser renderizados.
Trata-se de uma falha técnica muito irritante mesmo e que precisa ser resolvida o mais rápido possível. Nas outras plataformas, não vi relatos apontando o mesmo problema. Mesmo diante desse problema grave, o jogo está sim bem otimizado, além de contar com FSR 2, DLSS 2 e o XeSS da Intel aprimorando os FPS de todas as placas de vídeo possíveis.
Outro ponto que merece muito destaque é a trilha musical de Mirage que realmente é ótima trazendo faixas que têm potencial de se tornarem icônicas em toda a saga. O tema principal e o da tela de pausa, em particular, são meus favoritos. O departamento de dublagem - digo da original em inglês, também mantém o bom trabalho de sotaques trazendo entonações árabes bem pontudas, além de expressões características do Iraque.
Nem tudo é Miragem
É satisfatório ver que a Ubisoft enfim atendeu os apelos dos fãs com Assassin’s Creed Mirage. Uma pena, porém, que por ser relegado a um jogo AA de alto nível, nitidamente há falta de orçamento para trazer mais atividades e locais para o jogador explorar. Então eu apenas torço para que Red, o próximo título AAA da franquia, não jogue fora o experimento tão válido que foi feito em Mirage.
A Ubisoft Bordeaux conseguiu fazer um ótimo trabalho que provou mais uma vez que a fórmula da saga era mesmo visionária e que mesmo após 15 anos de existência, continua divertindo, desde que seja bem dosada. Que enfim o estúdio entenda de uma vez por todas que menos é mais. Para quem embarcou na franquia a partir de Origins e tem preguiça de testar os outros títulos por serem “datados”,
Mirage é o ponto perfeito para entender porque tantos jogadores afirmam que “Assassin’s Creed morreu no Black Flag” - o que, obviamente, é um baita exagero.
Review | Marvel’s Spider-Man 2 torna, enfim, PlayStation 5 uma compra obrigatória
Depois de 2014, os fãs do Cabeça-de-Teia se viram em uma bela enrascada com o futuro incerto da franquia mais amada da Marvel. Após anos de lançamentos medíocres sob o selo da Activision - com um breve respiro com games roteirizados por Dan Slott, a marca do Homem-Aranha tinha minguado nos games. Porém, sem novidades por três anos, em 2017 a Sony, aproveitando deter os direitos audiovisuais do personagem, o consagrou com um belíssimo título exclusivo produzido pela Insomniac: Marvel’s Spider-Man, chegando somente em 2018.
Agora, cinco anos após o lançamento do jogo original que teve direito a um excelente derivado e também uma bem-vinda remasterização, finalmente inaugura de vez o PlayStation 5 que ganha seu primeiro verdadeiro exclusivo de peso com Marvel’s Spider-Man 2. Cercado por enormes expectativas e também um sarrafo altíssimo estabelecido pelo primeiro jogo, é um verdadeiro deleite afirmar que a sequência consegue aprimorar praticamente todos os campos do original, menos em um quesito bem importante.
Uma história de luto
Como já sabemos, os grandes exclusivos PlayStation gostam de experimentar intensamente com narrativas cinematográficas de qualidade. Logo, não é exagero dizer que o jogo original trouxe uma das melhores histórias audiovisuais com o Teioso desde então. Felizmente, sua sequência consegue entregar bons elementos, mas com uma dose considerável de probleminhas.
A aventura é iniciada poucos meses após os eventos de Marvel’s Spider-Man: Miles Morales, com Peter Parker já tendo treinado boas doses de heroísmo e truques aracnídeos com Miles. Em seu primeiro dia de trabalho na escola de ensino médio onde Miles estuda, Peter mais uma vez se vê dividido em conciliar uma rotina normal com o peso do manto do Aranha, afinal, do nada, o Homem-Areia ataca Manhattan com uma agressividade inédita.
Após uma grande batalha, Peter e Miles descobrem que algo perturba o Homem-Areia além do normal, que anuncia que a cidade se tornará um campo de caça em breve. Enquanto os dois se empenham em entender a ameaça que virá sob a trupe militarizada de Kraven, o caçador, Peter tem a chance de recomeçar uma nova vida profissional quando Harry Osborn retorna de seu tratamento misterioso relembrando tempos mais fáceis da vida de ambos.
Enquanto isso, Miles ainda lida com a perda de seu pai pelo ataque terrorista do Senhor Negativo e também com a pressão de fazer uma boa redação para entrar na faculdade de engenharia musical que tanto sonha, além de conciliar seu tempo de paquera com Hailey, a artista deficiente auditiva do Harlem.
Como muito bem alardeado e até mesmo entregue em trailers, a trama de Spider-Man 2 vai muito além do que a sinopse da primeira hora pode oferecer. A narrativa escrita por Nick Folkman e Rob Forman busca lidar com inspirações pesadas das fases de Michelinie, McFarlane e DeMatteis que resultam em pontos-chaves da história do jogo: o nascimento de Venom e a última caçada de Kraven.
Porém, mesmo que o material de inspiração seja de altíssima qualidade, principalmente pela história de Kraven que DeMatteis escreveu que eu recomendo ao máximo para quem nunca leu, a narrativa repleta de potencial acaba surpreendendo mais por surpresas de fanservice do que por méritos da própria escrita. Sim, a história é redonda e se complementa bem, o arco narrativo de Miles é bastante eficaz e há um bom segmento de DR entre Peter Parker e Mary Jane, porém as fundações da problemática do vindouro terceiro jogo fazem pouco ou nenhum sentido.
Os roteiristas tocam em temas pesados envolvendo a filosofia da não-letalidade dos heróis, do luto da morte e da culpa que Peter carrega ao colecionar cadáveres das pessoas que ama, principalmente da tia May. Mas tudo é pincelado com uma sutileza tímida irritante para evitar a todo custo uma classificação etária mais madura - o que “prejudicaria” a base de vendas do jogo.
Logo, sabendo que existe essa claríssima mão pesada de produtores no desenho da história, temos diversos revéses inesperados ao lidar justo com o uniforme negro do simbionte que sempre traz problemáticas de violência e temas muito densos por explorar a fundo o que Peter pensa, mas que retraí ao máximo. O problema é tão evidente que chega a prejudicar o ritmo do jogo.
Todos os eventos que envolvem o uniforme negro são muito ligeiros, apesar de trazer segmentos memoráveis, mas que deveriam ser melhor cadenciados - note o quão rápido a influência do simbionte molda o comportamento de Peter. Para piorar, não há tempo o suficiente para estabelecer melhor Kraven e sua motivação que fica nas entrelinhas - acredite, o personagem tem um lore tão interessante quanto de Octopus ou Duende Verde nas HQs.
É triste que Kraven seja um vilão fraco quando tem uma performance tão boa do ator Jim Pirri, repleto de olhares vidrados, insanos e obcecados. O mesmo ocorre com Venom e a relação do simbionte com Peter Parker e também com Miles. Há elementos legais para explorar, mas que novamente não são desenvolvidos. O surgimento do vilão, aliás, é muito previsível e a pressa em encerrar a narrativa também prejudica todo o potencial que o orbita. Em questão de minutos, Venom se torna uma ameaça global.
Como a campanha possui a mesma quantidade de horas do primeiro jogo, é bem provável que o desenvolvimento narrativo também tenha sido prejudicado pela escolha de termos dois protagonistas jogáveis. Com 15 a 20 horas de duração, o jogo deveria ter ao menos 30 horas para tudo ser melhor distribuído e explorado, mas infelizmente não é o que acontece.
Embora todos esses problemas de potencial não atingido recaiam na narrativa, é inegável que os roteiristas conhecem bastante o material que trabalham, apresentando soluções com surpresas bem-vindas, além da nova e inédita identidade de Venom trazer riscos ainda mais pessoais para Peter. É curioso porém que eles são mais competentes em trabalhar Miles Morales que Peter Parker, a ponto do pupilo parecer um Homem-Aranha melhor preparado que o original - o que também causa estranhamento, já que em momento algum Miles acaba se precipitando ou fazendo alguma besteira que comprometa uma missão de ambos.
Aprimorando fundações sólidas
Apesar do desafio parecer quase impossível, a Insomniac conseguiu se superar mais uma vez em todos os termos técnicos possíveis que haviam sido estabelecidos nos jogos anteriores. A começar pelo visual: em todos os modos, o ray tracing é ativado e isso se trata de uma escolha artística bastante importante pois a iluminação dinâmica é uma das tecnologias que torna Spider-Man 2 um manjar para os olhos atingindo níveis de fotorrealismo assustadores.
Isso ocorre principalmente em fases de portas fechadas, com ambientes internos riquíssimos em detalhes como a mansão onde a trupe de Kraven se hospeda ou no zoológico abandonado que Mary Jane visita. O ray tracing se prova um diferencial muito bem-vindo principalmente no comportamento da luz refletindo no oceano que se torna mais realista desta vez.
Os novos locais para exploração também trazem mais espaços para o jogador descobrir atividades secundárias com parte do Brooklyn, Queens e Coney Island - aqui, há um parque de diversões maravilhoso que torna as noites do jogo ainda mais belas. Por conta da expansão do mapa, o jogador terá que cruzar o East River por diversas vezes e, felizmente, a locomoção com os Aranhas está ainda melhor graças às Asas de Teia.
A novidade permite que Peter e Miles possam planar por uma boa distância e, caso encontrem correntes de ar e exaustores de máquinas de ar-condicionado, a velocidade é ainda maior. A adição acaba mudando as regras do jogo em termos de usar as teias como principal método para viajar pelo mapa - elas também ganham pontos de impulso de estilingues com os Aranha usando a si mesmos como projéteis para viajar rápido.
Não satisfeita em revolucionar a velocidade de processamento de dados, a Insomniac também apresenta um conceito de viagem rápida praticamente instantânea que, felizmente, é desbloqueável conforme o jogador investe seu tempo em atividades secundárias em diversos dos bairros de Nova Iorque. Além de atividades extras como bases de inimigos e outros elementos desenvolvidos especificamente para cada personagem, também existem missões secundárias que trazem narrativas interessantes para Miles e Peter, resgatando alguns rostos conhecidos.
Em termos de mecânica, o jogo continua muito aditivo com seu combate que está ainda mais aprimorado. Cada personagem possui uma árvore de habilidades, além de outra conjunta que aprimora outros elementos. A de Miles é focada nos poderes de bioeletricidade enquanto as de Peter trazem novos golpes violentos do simbionte, além de outros de aprimoramentos tecnológicos que ele criou para o traje - claramente as habilidades alienígenas são muito mais interessantes.
O jogo também possui atalhos inteligentes para o jogador ativar as habilidades especiais, bem como o uso de dispositivos que não estão mais atrelados aos trajes dos personagens. Agora são somente quatro dispositivos à disposição enquanto os trajes, muito diversificados, também contam com estilos com quatro esquemas de cores distintas. Aliás, fica aqui o elogio da atenção da direção do jogo em fazer uma variação do uniforme negro para um traje mais agressivo conforme Peter continua usando o simbionte. É uma atenção aos detalhes realmente digna de nota.
Outros aprimoramentos de vida, dano, velocidade de locomoção e também dos dispositivos ficam em setores distintos do menu que continua muito funcional e belo com uma UX praticamente perfeita. Os detalhes também oferecem uma experiência bastante rica com o DualSense com recursos sonoros e outros do feedback háptico que torna a experiência de jogo muito mais imersiva, principalmente no combate com cada soco e finalização reverberando intensamente no controle.
O destaque fica principalmente para o Modo Onda, ativado com R3 + L3, no qual Peter libera o potencial do simbionte com ataques pesados e muito violentos, fazendo o controle literalmente urrar alguns grunhidos sinistros.
Por fim, uma outra boa novidade do gameplay é que, apesar de ter escutado uma parcela dos fãs, a Insomniac manteve algumas sessões de jogo com Mary Jane - por volta de 4 segmentos. Felizmente, eles são muito menos insossos já que agora ela conta com uma arma taser que consegue disparar fluído de teia, tornando a experiência bem mais ativa mesmo que sejam segmentos furtivos.
Por sinal, é uma pena que existam poucas fases de infiltração de bases em relação ao original, ainda mais quando os desenvolvedores se preocuparam em criar a novidade das linhas de teia que tornam o espaço muito mais livre para os Aranhas poderem se movimentar nas teias e encurralar inimigos distraídos.
Assim como os outros dois jogos, Spider-Man 2 também tem uma acuidade cinematográfica invejosa trazendo enquadramentos belíssimos, assim como movimentações de câmera muito fluidas que servem para mostrar o poder do PS5 - uma delas em especial mostra Miles atravessando quilômetros de Manhattan após levar um soco do Homem-Areia para então se lançar novamente para a batalha em questão de segundos. Não foram poucas as vezes que tirei algumas capturas de tela de tão acertadas que eram as coreografias das lutas, iluminação e câmera. Há tempos que o cinema não consegue acompanhar a qualidade da ação que muitos jogos, principalmente os da PlayStation, tem mostrado em tela.
A jornada que vale o equilíbrio
Não há dúvidas que Marvel’s Spider-Man 2 é uma joia brilhante no catálogo do PlayStation. Ainda a anos de ser lançado no PC, o jogo é totalmente obrigatório para os fãs do personagem e para qualquer um que precisava de um ligeiro incentivo para adquirir um PS5. A verdade é que o console está carente de grandes blockbusters exclusivos e torço muito para que este seja apenas o primeiro de muitos que consigam justificar a compra do console.
É um jogo que consegue aprimorar o trabalho exemplar da Insomniac em seu original em praticamente tudo, menos, infelizmente, na narrativa que por ser tão repleta de potencial, decepciona por nunca ousar sair de sua zona de segurança - coisa que o primeiro jogo conseguiu fazer com primor. Ainda assim, se trata de uma experiência única, muito imersiva que proporciona diversão e prazer por horas a fio. Simplesmente fantástico.
Agradecemos o apoio da PlayStation Brasil em ceder uma cópia para a realização desta análise.
Review | Like a Dragon Gaiden traz Kiryu de volta aos holofotes da saga em aventura sensacional
A Ryu Ga Gotoku tem feito seu nome há décadas, desde 2005 com o lançamento do primeiro jogo Yakuza trazendo a história do já icônico personagem Kazuma Kiryu. Ao longo de sete jogos, Kiryu foi um protagonista digno de qualquer anime/mangá de qualidade, trazendo uma força de vontade inexorável e habilidades de combate praticamente lendárias.
Em 2020, porém, um movimento impressionante da Sega acabou renomeando a franquia para Like a Dragon, além de trazer uma mudança completa no jogo de ação que adotaria uma abordagem de combate por turnos, além de trazer um novo protagonista. Após anos sem novidades, o estúdio trouxe Kiryu de volta aos holofotes em uma aventura que serve para fazer uma ponte entre Yakuza: Like a Dragon e Like a Dragon: Infinite Wealth com Like a Dragon: The Man Who Erased His Name.
O homem sem nome
Após os eventos de Yakuza 6, Kazuma Kiryu decide desistir de sua vida para proteger aqueles que mais ama. Diante disso, com a ajuda de uma nova facção chamada Daidoji, atuando como um agente especial em missões moralmente questionáveis sob a alcunha de Joryu.
Entretanto, não demora muito para seus antigos rivais da Aliança Omi começarem a buscá-lo ativamente, sem acreditar na história de sua morte forjada. Sem opção, Kiryu decide viajar para Sotenbori onde uma bizarra caçada tem início. Contando apenas com a jovem Akame, uma facilitadora de contratos do submundo da cidade, Kiryu começa a trabalhar em uma solução que consiga manter seu disfarce e deixar aqueles que ama fora de perigo.
Assim como todas as outras histórias da saga, o elemento dramático continua bastante firme, com reviravoltas exageradas e bons diálogos antes dos personagens caírem na pancadaria, exatamente como um anime shounen clássico como Naruto, Bleach ou Dragon Ball. Como se trata da oitava aventura com Kiryu, é bastante indicado que o jogador ao menos tenha noção dos eventos traumáticos que ocorrem em Yakuza 6 - outro excelente jogo.
Dessa forma, o jogador tirará melhor proveito da história, além de reconhecer algumas participações muito especiais de outros personagens icônicos. Ter jogado Yakuza: Like a Dragon também é uma boa ideia já que a história acaba cruzando eventos mostrados na aventura de Ichiban em 2020.
Ao contrário de outros grandes jogos da saga, Like a Dragon Gaiden traz uma história mais enxuta, sendo claramente um jogo que deve ser encarado como um derivado da franquia. Há limitações notórias de orçamento, principalmente no trabalho com a dublagem que é mais limitado por aqui - várias missões secundárias não recebem diálogos falados, apenas escritos (o que já é um vício da saga há um tempo).
O mesmo ocorre com os mapas que são reciclados de outros jogos - Sotenbori já estava pronta desde Yakuza Kiwami 2, assim como Yokohama que aparece brevemente na história. O que temos de áreas novas é o cenário do Coliseu, um enorme navio de conteineres que serve como fonte de entretenimento para figuras ricaças e perigosas da elite japonesa.
Enquanto não posso falar muito da história do jogo justamente por não estragar as surpresas espalhadas em uma campanha mais curta, é válido elogiar o trabalho sempre muito criativo do Ryo Ga Gotoku em jogar Kiryu em situações completamente novas, trazendo temáticas inéditas e conflitos que evoluem conforme o personagem cresce.
O mesmo pode ser dito com a facilidade de criar novos personagens interessantes como Akame e Hanawa, os novos parceiros de Kiryu. O mesmo ocorre com a rivalidade na figura carismática de Shishido e no carisma inegável do antagonista Nishitani III, extremamente excêntrico que chega a se tornar uma figura que remete a Pagan Min de Far Cry 4, mas com muito mais presença de cena.
Como os fãs esperam, é muito difícil ficar decepcionado com a ótima narrativa de Like a Dragon Gaiden, embora as limitações de orçamento acabem prejudicando o ritmo da narrativa por um motivo bastante específico.
Conteúdo forçado
Era inevitável que diversas concessões teriam de ser feitas para Like a Dragon Gaiden sair do papel, afinal o jogo foi desenvolvido ao mesmo tempo que Like a Dragon Ishin! e o novo capítulo principal da saga com Infinite Wealth. Diante disso, com menos recursos e tempo de produção, o game é notoriamente mais curto, mas não somente isso: ele também tem bastante conteúdo filler que se torna parte da experiência principal.
Quem conhece a franquia sabe que as missões secundárias sempre são muito bem escritas, trazendo histórias até mesmo inusitadas. Aqui, acontece o mesmo, com diversas delas ressoando com o passado de Kiryu até então, formando praticamente uma enorme carta de amor ao personagem e sua jornada.
O problema é que isso acaba prejudicando bastante o ritmo da história principal, colocando barrigas na jornada que poderiam estar justamente como conteúdo secundário, afinal elas são missões secundárias. Como cada uma trata de uma história em si, nada tem a ver com o progresso da trama principal e isso acaba prejudicando o jogo e escancarando a limitação de orçamento e tempo de produção.
Todo esse conteúdo é disponibilizado através das missões da Akame que conta com eventos aleatórios em Sotenbori, além de outras mais elaboradas que trazem maior ganho de experiência. Com esses pontos e também do dinheiro recebido das missões, é possível aumentar o nível das habilidades do protagonista do mesmo modo que ocorria em Yakuza 6.
Aqui as árvores de habilidades se dividem entre recursos básicos como dano, vida e barra especial - chamada de cólera, além de trazer novos golpes para os estilos de luta do personagem. A maior novidade do jogo é o modo Agente que traz um estilo muito rápido e preciso de luta, além de apresentar alguns gadgets de “agente especial”, incluindo um cordão extremamente útil para pegar objetos que servem como armas no cenário, drones e cigarros explosivos, além de um jato de propulsão nos sapatos de Kiryu.
O outro estilo traz o combate clássico de luta de rua, firmado nos tempos de Yakuza do personagem. Aqui os golpes são mais lentos, mas mais poderosos, sendo ideal em lutas contra um único adversário enquanto o Agente é ideal para lutar contra vários inimigos de uma só vez.
A fluidez do combate continua excelente, além de mandar os inimigos pelos ares após um murro muito bem dado ser extremamente divertido - ainda mais pelas físicas de ragdoll aplicada em oponentes desacordados.
Outra marca registrada dos games Like a Dragon são os minijogos e atividades secundárias e Gaiden possui uma infinidade deles. Desde jogos de apostas como blackjack e poker no território fascinante do Coliseu e seus castelos, até karaokê, dardos, sinuca, encontros românticos com hostess de bares e, claro, o autorama - a maior paixão de Kiryu. É um conteúdo que já estava pronto e foi muito bem-vindo na nova iteração da saga.
Não é possível afirmar que o jogo está mais bonito já que é feito na mesma engine dos outros três títulos recentes da saga que permanece visualmente lindos. A maior novidade é mesmo trazer de volta o combate em tempo real e lembrar dos tempos em que a saga se comportava como um brawler de rua aproveitando algumas inspirações na saga GTA.
O clássico para os fãs
Por mais que Yakuza: Like a Dragon seja excelente e conte também com um protagonista ótimo na figura de Ichiban, não dá para negar que os fãs estavam com saudade do bom e velho Kiryu, sua personalidade estoica e o estilo de combate em tempo real. Felizmente, Like a Dragon Gaiden entrega tudo isso e muito mais. Mesmo pelo preço cheio e considerando que é uma aventura mais enxuta, minha recomendação permanece positiva. Não existe a franquia sem Kazuma Kiryu. Like a Dragon Gaiden é mais uma iteração obrigatória para todos os fãs da franquia.
Crítica | Jorge da Capadócia - Épico nacional mistura novela da Record, Game of Thrones e axé music
Verdadeiro “tour de force” de seu realizador, Alexandre Machafer (diretor e protagonista do filme), “Jorge da Capadócia” é uma produção singular dentro da cinematografia nacional, uma vez que não foi realizado nem com verba pública, nem por algum canal de TV ou plataforma de streaming.
O roteiro (de Matheus Souza, o mesmo do sensível “Eduardo e Mônica”) parte da história de Jorge da Capadócia, também conhecido como São Jorge, soldado romano nascido no século III, na região da Capadócia (atual Turquia). Jorge converteu-se ao cristianismo e, devido à sua fé, enfrentou perseguições sob o imperador Diocleciano. Após sua execução em 23 de abril de 303, São Jorge se tornou um dos santos mais venerados no cristianismo, especialmente como patrono da Inglaterra e de Portugal. Sua história inspirou diversas tradições culturais e religiosas ao redor do mundo e envolve ainda a lenda do dragão.
Conforme se pode imaginar, a proeza de Machafer não é das menores: fazer um épico, de forma independente, dirigindo e estrelando, num gênero com pouca tradição no Brasil, filmando na Turquia, tendo por tema um personagem relacionado à religiosidade popular, ou seja, na contramão da crítica de cinema (predominantemente materialista).
Enquanto aposta no realismo, o filme se sai relativamente bem: as cenas de tortura, por exemplo, conseguem provocar impacto mesmo com a habitual banalidade que a violência adquiriu no meio audiovisual atual. Seria mais fácil, simples e inteligente caprichar nesse registro, aproveitando-se das impressionantes locações turcas utilizadas. Em vez de resolver problemas que tal aposta realista apresenta (por exemplo, o sotaque carregado do elenco, que se sobressai e faz o filme lembrar uma novela da Record ambientada nos dias de hoje), a direção se propõe a um salto ainda maior quando introduz a figura mítica do dragão, um número reduzido de cenas escuras em CGI que simplesmente não encaixam com o resto do filme e não acrescentam nada ao produto final.
O resultado final é uma salada desequilibrada, que ora pretende lembrar “Gladiador”, ora rivalizar com “Game of Thrones”, mas que termina oscilando entre o cinema de temática cristã, a dramaturgia da Record (da qual o filme herda alguns defeitos além do sotaque, como o visual excessivamente “arrumadinho” dos guerreiros, que parecem ter saído da barbearia cinco minutos depois de se envolverem numa “batalha sangrenta”), e encerra com uma canção-tema ao estilo “axé music”, o que reforça a atmosfera nonsense e desarticulada da produção, numa confusão bastante incômoda de tons (entre o excessivamente “solene” e o relaxadamente “popular”).
Muitos irão defender “Jorge da Capadócia” pelo seu evidente esforço de produção; mas, convenhamos, de “Plano 9 do Espaço Sideral” a “Oppenheimer”, esforço é um elemento indispensável a qualquer realização cinematográfica - e não nos parece sequer que “falta de orçamento” seja um problema para Machafer. Todo filme é o resultado e a soma de trabalho em equipe, recursos e a incrível energia humana envolvida. Aqui, maior que o “esforço de realização” foi a pretensão do filme, tentando matar uma dúzia de dragões ao mesmo tempo e terminando ainda mais machucado que seu personagem-título.
Jorge da Capadócia (Jorge da Capadócia, Brasil - 2024)
Direção: Alexandre Machafer
Roteiro: Matheus Souza
Elenco: Alexandre Machafer, Roberto Bomtempo, Ricardo Soares
Gênero: Ação, Drama, Histórico
Duração: 119 min
Crítica | Letícia - Filme estrelado por Sophia Abrahão tropeça em sua própria despretensão
Reconhecida rotineiramente por sua tradição “sociológica” de cinema, a filmografia nacional tem se aventurado cada vez mais pelo que se convenciona chamar na indústria de “cinema de gênero”, notadamente pela demanda existente nas plataformas de streaming por “conteúdo nacional” renovado dia a dia.
Enquanto o cinema brasileiro de comédia, terror e policial tem ocupado mais esse espaço, “Letícia” (dirigido por Cristiano Vieira, de “A Cisterna”) aventura-se por outro terreno: o do drama de mistério. Na trama, Sophia Abrahão (uma presença sempre luminosa na tela) interpreta Letícia, uma garota intrigante que atravessa o caminho do empresário Gustavo (Bernardo Felinto, mais reconhecido como comediante de teatro), um conquistador incorrigível que se torna obcecado pela natureza fugidia da personagem-título.
Ao longo de menos de uma hora e meia, o enredo tenta transitar entre o romance e o mistério, enquanto equilibra muito mal uma subtrama política que acaba sobrepujada pelo drama central e mal explicada até seu desfecho. O que poderia ser mais um filme comum de gênero (no qual tantas outras cinematografias fornecem produtos novos anualmente ao mercado exibidor e plataformas por assinatura), um passatempo relativamente descompromissado, perde-se numa teia mal-ajambrada de personagens secundários e situações estapafúrdias.
Para ficar em uma delas, ainda no início do filme: Gustavo está obstinadamente à procura de Letícia (da qual ainda não sabe muita coisa) e vê uma garota parecida com ela, de máscara (estamos em 2022), no meio da rua. Ele corre até ela (e até aí, tudo bem). Quando a aborda, a garota (que não é Letícia) simplesmente se volta para ele e, sem dizer palavra, retira a máscara (para mostrar a ele e ao público que não se trata da mulher que ele procurava). O roteiro propõe uma situação que poderia resultar numa cena de conflito (Gustavo poderia arrancar a máscara ele mesmo, perseguir a garota, persuadi-la a exibir o rosto, travar com ela um diálogo provocativo) mas a “resolve” de uma forma absurda, apenas para finalizar uma situação.
Este é apenas um exemplo onde o filme consegue sair pior que a encomenda e queimar o “arroz e feijão” que estava disposto a servir, desperdiçando Sophia (que se esforça o quanto pode mas não consegue salvar o filme sozinha) e a produção que não parece ser das menores (muitas locações diferentes, um elenco relativamente extenso, etc.), oscilando entre o risível (as cenas com a mãe de Gustavo não se saem muito melhores que aquela com a garota mascarada) e a pura banalidade (por que motivo Gustavo arruma um nova aventura amorosa quase no final do filme?).
O roteiro tem tantos problemas que uma trama que deveria ser relativamente simples torna-se confusa. No final, o segredo de polichinelo de Letícia não sustenta força alguma pois a história já se diluiu em passagens precariamente encenadas e conflitos secundários que não têm interesse suficiente para ajudar a sustentar o enredo como um todo (como a hostilidade inexplicável entre Gustavo e seu melhor amigo, dono de um bar, que nasce gratuitamente e morre de inanição dramática). É a última tentativa de tornar o filme “relevante”, quando teria bastado alguma coerência interna dentro do gênero - “façanha” modesta na qual um filme brasileiro semelhante, “Confia em Mim” (2014), dirigido por Michel Tikhomiroff, se sai melhor.
O “ponto positivo” de “Letícia” é lembrar a todos nós como é difícil servir um prato aparentemente simples: um filme despretensioso de gênero, desses que o streaming despeja quase que semanalmente às dezenas e que mantém o mercado cinematográfico aquecido (ainda que, muitas vezes, sem brilho ou novidade). Mera despretensão não garante filme algum e Sophia Abrahão sofre com esse duro aprendizado na tela.
Letícia (Letícia, Brasil - 2023)
Direção: Cristiano Vieira
Roteiro: Cristiano Vieira, César Cavalcante, Ana Portela
Elenco: Sophia Abrahão, Bernardo Felinto, Letícia Tomazella
Gênero: Drama, Romance, Mistério
Duração: 80 min