Crítica | A Era do Gelo: O Big Bang
Após o retorno mitológico da turma de Procurando Nemo aos cinemas, também neste ano tivemos a volta da trupe Sid, Manny e Diego para as telonas. Porém, desde 2002, muita coisa mudou. Mesmo apresentando um encantador primeiro filme do qual carrego memorias afetivas queridas, não consigo negar que a saga foi perdendo notória qualidade, apesar do sopro de alívio que foi A Era do Gelo 3 após o péssimo segundo filme. As coisas saíram de seu rumo de vez com Carlos Saldanha fugindo do núcleo criativo. A Era do Gelo 4, mesmo divertido, era mais um exemplar de obra fraca e rapidamente esquecível. Este novo A Era do Gelo: O Big Bang não colabora muito para elevar a franquia para a qualidade de seu primeiro filme.
Scrat, em suas peregrinações rotineiras para encontrar o encaixe perfeito para sua noz, acaba ativando um disco voador congelado em um iceberg. Preso dentro da nave, o esquilo parte para o espaço. Sem saber controlar o dispositivo de modo apropriado, entra em colisão com diversos asteroides. Nisso, infelizmente, o maior de todos eles entra em rota de colisão com a Terra. Observando o gigantesco meteoro, Manny, Sid, Diego, Vovó, Crash, Eddie, Ellie, Shira, Amora, Julian e Buck partem para tentar resolver o problema que pode levar toda a vida no planeta para a extinção. Além dessa ameaça astronômica, Manny e Ellie são obrigados a lidar e conviver com seu genro e convencer Ellie a não se separar de sua família após o casamento com Julian. Fora isso, um bando de dino-aves persegue Buck atrapalhando o progresso do grupo até seu destino final.
O pessoal da Blue Sky realmente está raspando o tacho com o roteiro deste A Era do Gelo. Absurdamente simples, o texto foi escrito por quatro pessoas – um número bastante alto considerando a fraca qualidade de sua história. Apesar da ideia de mandar Scrat ao espaço parecer absurda, ao menos há uma boa justificativa disso dentro do primeiro filme. Em determinado momento, Manny, Sid, Diego e o bebê entram em uma caverna congelada onde se deparam com dinossauros congelados e também uma nave alienígena. Logo, dentro do escopo maior, sim, mesmo que absurda, a ideia já tinha rendido uma boa piada há quatorze anos.
Agora, a partir de um esquete de trinta segundos, se fez um longa de noventa e quatro minutos. Como é de se esperar, a história é verdadeiramente raquítica na qual é devidamente difícil manter o interesse com o que se passa na tela, apesar de algumas boas e poucas piadas inteligentes. A narrativa, mesmo se baseando no absurdo, não cativa muito bem simplesmente por um singelo motivo que faz toda a diferença: os personagens estão perdendo sua essência.
Isso é algo muito grave para uma franquia de cinco filmes até então. É como se víssemos o ogro Shrek virar algo muito distinto do que ele é. Manny não é mais tão ranzinza, Sid não serve para muita coisa além de encaixar muitas piadas anacrônicas que envolvem sites de relacionamento ou outras referências pop contemporâneas aos anos 2010. Com Diego, talvez tenhamos o núcleo mais empobrecido do longa inteiro. Os roteiristas não trabalham com interesse nele, o transformam em um personagem apêndice que não contribui em nada para a narrativa. Nem mesmo com a namorada Shira, tigresa vinda do filme anterior, há um algum trabalho inspirado ou diálogos que mostrem um pouco mais do namoro dos dois. A dupla rende apenas uma boa piada no fim inteiro.
Aliás, de personagens verdadeiramente úteis para a aventura temos apenas Manny e Buck – muito mais afetado e histérico do que o visto em A Era do Gelo 3 – já que se comportam como os líderes do grupo guiando o resto dos bichos para a montanha que, segundo uma profecia clichê gravada em rocha, pode ser a solução para salvar o mundo. O retorno de Buck, a carismática doninha domadora de dinossauros, já é um peso a mais na quantidade gigantesca de personagens que esse longa possui. Mesmo com ele, as boas ideias não dão as caras, já que o intuito do personagem é apenas ser caricato pela graça da caricatura. Graças a essa reinserção de Buck, ainda surgem mais três personagens que cumprem o papel desnecessário de antagonistas. Nem mesmo o design das dino-aves conseguem salvar os novos personagens já que são bastante semelhantes com os raptores vistos em O Bom Dinossauro.
Também não há carisma ao redor da família de répteis voadores já que seu plano maléfico de dominação global é deveras estúpido – algo que até mesmo os roteiristas tentam elaborar piadas, mas que acabam soando como desperdício de tempo de tela.
Como a jornada até a montanha por si só não consegue fugir do marasmo – é impressionante a falta de habilidade dos escritores em conseguirem tornar o gênero generoso dos road movies em algo tão enfadonho – eles inventam um drama clichê e preguiçoso com Manny, Ellie, Amora e Gavin. É algo tão batido e reciclado que remonta diretamente às piadas vindas com a relação nada amistosa entre genro bobão e sogro vigilante mal-humorado já vista na trilogia Entrando Numa Fria. Partidas de esportes que refletem disputas de egos, situações desesperadoras para desencorajar a noiva a se afastar da família, a prevaricação pré-casamento, a conquista da confiança, entre outros clichês tão notórios do gênero estão presentes nesta subtrama nada divertida.
Ainda insistindo em Gavin e Manny, os roteiristas falham em realmente criar um momento dramático apostando em algum diálogo mais denso ou até mesmo com Manny, Ellie e Amora. No fim, a inserção do personagem surfista/skatista de Gavin é totalmente gratuita, nada inspirada, forçando um conflito bobo que não consegue mover a emoção do espectador.
Não satisfeitos com o “drama” do casamento de Amora, a ameaça do meteorito e as trapalhadas das dino-aves antagonistas, os escritores ainda insistem em concentrar mais dois núcleos no filme. De tempos em tempos, acompanhamos o ponto de vista de Scrat fazendo suas trapalhadas no espaço. Felizmente, as passagens são divertidas conseguindo fazer o humor do filme brilhar um pouco. Porém, é importante frisar que os esquetes cômicos que o esquilo concentra sempre são baseadas no slapstick, a comédia que vem do sofrimento físico de outrem. A verdade é que o talento da equipe em trabalhar com Scrat remonta ao magnífico legado de Chuck Jones com os Looney Tunes, principalmente na dupla Pernalonga e Patolino. Logo, quem aprecia esse humor, certamente será recompensado pelas novas piadas.
Como a história que acompanha o núcleo na Terra é tão raquítica – praticamente só a personagem da avó de Sid salva o filme, o esquilo astronauta acaba ganhando muito mais tempo em tela. Entretanto, a partir do momento que isto é notado, é difícil ignorar o sentimento de vergonha alheia, afinal um filme com tantos personagens apostar tanto em um esquilo silencioso é um sinal mais do que claro de que essa franquia já não tem mais nada a dizer.
Já mais próximo ao fim do filme, temos enfim a apresentação de Brooke, a preguiça fêmea que vive numa caverna de cristais “zen”, apaixonada por Sid. Aqui, finalmente há a apresentação de uma boa ideia, mesmo que ela seja cliché e remonte à Cocoon, porém, por total falta de habilidade, o núcleo também se torna desinteressante e péssimo em questão de minutos. Tudo isso ocorre após a apresentação de um personagem irritante chamado Shangri-Lhama. Novamente uma ideia que também nos faz recordar, no decorrer da exibição, de filmes melhores. No caso, Zootopia.
Mesmo que Shangri-lhama seja chatíssimo, felizmente, sua participação é curta. O difícil é aturar a dupla histérica constituída por Crash e Eddie ao longo de quatro filmes. Os gambás realmente foram concebidos para não evoluírem em nada mesmo com tantas obras. As piadas são as mesmas, sempre baseadas em escatologias, trocadilhos fracos e slapstick comedy totalmente desprovido de inspiração.
Na direção do longa, a dupla Mike Thurmeier e Galen T. Chu, ao menos conseguem levar o filme adiante sem muita dificuldade. Não chegamos de fato a ficar cansados assistindo à esse novo A Era do Gelo. Ele consegue até mesmo ser um pouquinho divertido. Mas assim como o quarteto de roteiristas, a dupla custa a mostrar domínio inspirado com a câmera ou através de enquadramentos inteligentes.
Tirando um ótimo plano sequência durante a cantoria para reapresentar Buck aos espectadores, os diretores se limitam a mimetizar o que Carlos Saldanha já havia feito nos filmes anteriores. Ou seja, uso intenso de inserções musicais, slow motion, ótima decupagem para descrever a ação e planos simples de timing cômico correto para desenvolver as piadas. Ou seja, na técnica, mesmo que pouco surpreendente, o trabalho é corretíssimo e até apostam em algumas coreografias musicais interessantes.
Na tecnologia da animação, há aqui mais um exemplar surpreendente de avanço tecnológico. Seja na física que afeta o cenário durante a chuva de meteoros, na pelugem dos bichos, na exuberante vegetação, nos cristais translúcidos, no uso impressionante do efeito tridimensional e até mesmo nas próprias animações fluidíssimas dos animais.
Esse fator da animação ser tão bem-feita é primordial para que a comédia corporal dê certo. Os destaques ficam nos personagens que mais dependem desse humor como Scrat, Sid, Crash, Eddie e Buck. São favorecidos também pela game sempre espetacular que a Blue Sky apresenta nas expressões faciais para seus animais antropomorfizados.
Assim como a qualidade dos filmes A Era do Gelo cai gradativamente a cada sequência, o mesmo acontece com a dublagem brasileira. Não digo do desempenho dos dubladores que sempre fazem um trabalho bom, mas sim da localização do texto. Esse filme é, de longe, um dos que mais conta com a presença de gírias. É uma quantidade realmente absurda a ponto de empobrecer a língua portuguesa já que, por exemplo, os personagens nunca dizem que precisam “sair” ou “fugir” de um lugar, mas sempre “vazar”. Além de outras frases que já tem data de validade como “Tá tranquilo, tá favorável” ou outra besteira do tipo.
A Era do Gelo: O Big Bang remove toda as dúvidas que os fãs da franquia poderiam ter: a série está atingindo o fundo do poço. Entretanto, é óbvio que não se trata de um longa insuportável. Assistir à animação é fácil, até mesmo agradável – tirando a cena que apresenta o Shangri-Lhama. Mas vejo que ao contrário de outras franquias de empresas concorrentes, A Era do Gelo foi se infantilizando cada vez mais, adquirindo retratos ainda mais superficiais apostando em humor preguiçoso. Como é um longa bastante colorido, bem realizado tecnicamente e, por vezes, divertido, a obra tem um público seleto muito jovem, o das crianças que ainda estão na primeira infância. Caso seja um pouco mais velho, fica o aviso: é bem provável que não se divirta tanto quanto as criancinhas que estejam na sala de exibição.
Sinceramente, uma pena ver um desenho tão carismático e cheio de potencial se contentar com tão pouco.
Review | Dark Souls 2
A continuação de uma das séries mais aclamadas do gênero finalmente estava de volta para as mãos daqueles que amam um bom desafio, Dark Souls 2, lançado em 2014 para todas as plataformas despertou e chamou a atenção daqueles que nunca haviam jogado ou que já acompanhavam a saga Souls. Porém Dark Souls 2 teve inúmeros problemas com sua base de fãs, julgando ter sido um jogo fraco e exagerado comparado aos seus antecessores e também pela perda do diretor Hidetaka Miyazaki responsável pela criação dos últimos títulos da franquia e que, naquele momento, estava trabalhando em Bloodborne, exclusivo para Playstation 4
Em Dark Souls 2 somos apresentados a uma nova região chamado Drangleic. A trama se situa após vários anos depois dos eventos anteriores do primeiro jogo, porém, com objetivos similares e até mesmo na história do game antecessor: ser o escolhido para trazer luz ou trevas ao mundo. Nisso, infelizmente o segundo game acabou encarado como uma grande cópia, já que a história, quase que inteira, fora reciclada.
As mudanças de interface e dos menus dentro de Dark Souls 2 ficaram muito mais nítidas e fáceis para se navegar com explicações melhores sobre o personagem, itens, armaduras e também sobre os atributos para montar e evoluir seu char. Com essas atualizações, selecionar itens no inventário ficou muito mais intuitivo, assim como configurar corretamente os pontos de habilidade de seu personagem.
A jogabilidade de Dark Souls 2 ficou bem diferente em relação ao primeiro jogo da franquia onde tínhamos um ritmo bem mais lento em seus ataques e principalmente nas esquivas como rolar ou avançar. Aqui, tudo é muito mais rápido e dinâmico podendo assim atacar e desviar de um inimigo qualquer com maior precisão. Também vale ressaltar a criação de um novo estilo de combate chamado ”modo instância” no qual é possível usar sua arma principal normalmente, mas com a força e dano de duas armas ao mesmo tempo – muito útil para matar chefes e inimigos mais resistentes.
Os gráficos de Dark Souls 2 estão realmente bonitos e isso é um excelente ponto para esse jogo. Logo de início, ao chegar no primeiro ponto principal da região de Drangleic, somos presenteados com a beleza de Majula e seu pôr do sol fantástico. Mais para frente podemos ver o castelo de Drangleic em uma tempestade toda detalhada com seus desenhos brancos. De fato, o poder gráfico que o game contém é incrível e merece seu devido valor, não só nos cenários, mas como também nas armaduras, reflexos, detalhes das armas e nos chefes presentes no jogo.
E por falar em chefes, Dark Souls 2 tem uma enorme variedade deles. Encontrados ao redor da região de Drangleic, são ao todo 41 chefes contando juntos com as 3 DLCs lançadas para o jogo. Muitos deles não são difíceis de serem vencidos, o que acabou abalando negativamente os fãs. A dificuldade praticamente sumiu e desses 41 chefes provavelmente apenas três são realmente complicados de se vencer. Vale ressaltar também a ajuda de players ou dos próprios NPCs que estão à espera para serem invocados e lhe ajudar nas batalhas que forem necessárias.
Uma outra mudança incômoda de Dark Souls 2 é a forma de penalidade quando o personagem principal morre. Nos títulos anteriores, o personagem principal perdia sua humanidade e se tornava uma espécie de morto-vivo tendo seus ataques um pouco mais enfraquecidos e perdendo diretamente 50% de sua vida e das almas que o jogador tinha coletado ao decorrer do jogo. A única forma de voltar a ser um humano novamente era coletar o item ”humanidade” e ativá-la nas fogueiras espalhadas pelo mundo.
Já em Dark Souls 2 a penalidade é bem menos rígida, fazendo seu personagem ser um morto-vivo porem perdendo em 10%, gradativamente, a cada morte e não alterando sua força de combate, para voltar a ser humano basta usar o item “Efige Humana” em qualquer local que o personagem estiver. Facilitando ainda mais a vida do jogador, mesmo que seu personagem não tenha ou encontre esse item, existe um santuário que ao rezar automaticamente lhe faz voltar a ser humano. Ser hollow nesse jogo se torna praticamente um modo offline apenas te impedindo de sumonar aliados e não colocando nenhum tipo de problema para o jogador solucionar e continuar sua aventura.
A “Estus Flask” item comum para se recuperar vida também teve uma mudança extremamente radical e passou a ser bem menos usada em Dark Souls 2 sendo substituída quase de imediato pelo item “joia da vida” que pode ser adquirido comprando de um NPC em Majula lhe dando um estoque ilimitado de regeneração de vida e dificultando bem mais as chances de você morrer.
Não podemos encerrar sem comentar das 3 DLCs que se encontram no jogo. Todas dão uma boa vida extra e um verdadeiro desafio ao game. Em cada uma delas existe um item especifico para ser resgatado que são as antigas “coroas” dos reis caídos. Felizmente, as DLCs contam com chefes difíceis de se combater – o visual deles é fantástico,valendo a pena cada segundo de prestígio às expansões. A trilha musical é incrível! Confere um clima épico e perfeito para o combate. Na verdade, a melhor coisa que Dark Souls 2 possui, são as suas incríveis DLCs.
Dark Souls 2 sem dúvida é de fato um jogo que tem sua beleza e merece ser jogado e apreciado sim, mas as mudanças radicais que o jogo sofreu afastou muito dos fãs que adoravam a dificuldade e desafios que a série Souls trazia. As dlcs e seus gráficos fortes foram a grande salvação para que o jogo não fosse por água abaixo. Concluo com as palavras do próprio Hidetaka Miyazaki, supervisor do game: “Dark Souls 2 é um jogo incompleto”.
Review | Dark Souls
No momento que pronunciamos as palavras Dark Souls, sabemos que estamos falando de uma franquia gigantesca e com um enorme público de jogadores que gostam de encarar um bom desafio. Mas Dark Souls tem muito mais a oferecer do que apenas dificuldade e monstros gigantescos.
Dark Souls foi lançado em 2011 para Playstation 3, Xbox 360 e no Steam com o desenvolvimento da From Software e da Bandai. A From Software é responsável por toda a saga Souls desde seu primeiro jogo Demon´s Souls. Mas qual seria a grande sacada para trazer um sucesso a esse tipo de game? Ou o que exatamente atraiu o público a isso? Bom, existem muitos tipos de resposta, mas talvez a mais coerente seria a sua forma de homenagear as gerações passadas onde o jogador deveria pensar, descobrir e se esforçar por ele mesmo para conseguir vencer desafios e evoluir seu personagem sozinho. Nada de tutoriais avançados ou coisas que facilitariam o desempenho do jogador no mundo de Dark Souls, e por falar em mundo é aqui que realmente começamos a ter um carinho especial do jogo.
Podemos iniciar pela sua rica e vasta história que é mostrada e contada de uma forma diferente. Aqui cada item que é coletado e cada conversa com NPCs revelam curiosidades da história ou até mesmo do que o jogador deve fazer para chegar em algum objetivo novo. Cada item, NPC, cada mínimo detalhe é explicado do porquê de estar naquele local e o porquê de ser útil para tal evento no jogo. Também é importante lembrar que cada decisão que o jogador tomar acaba afetando a história e o seu progresso, como criar novos aliados ou inimigos, receber recompensas importantes ou perder itens de extremo valor no caminho, logo Dark Souls é um jogo que lhe obriga a pensar antes de tomar alguma decisão fazendo um caminho mais fácil ou mais difícil.
O gameplay é bem fluido e corresponde perfeitamente os comandos dados nas horas exatas, talvez uma pequena dificuldade inicial acabe sendo um problema já que a quantidade de botões e ações que o jogo tem são diversas. Atacar, desviar, defender e até mesmo refletir golpes podem ser usados usando apenas os gatilhos do controle.
Existem inúmeras armas, armaduras e magias no mundo do jogo. Todas muito úteis dependendo da vocação e do modo que o jogador pretende criar seu personagem. Armaduras pesadas e espadas especiais podem ser muito úteis para um personagem mais parrudo e com uma força absurda, porém com dificuldade em correr e em rolar para desviar de inimigos. Já personagens mais leves usam armaduras simples e espadas focadas em destreza podendo dar golpes múltiplos e rápidos, além de poder desviar com maior facilidade, porém o personagem terá pouca resistência e será capaz de morrer com 2 ou 3 golpes. Depende de o jogador usar as vantagens e vencer as desvantagens que o personagem montado terá e isso é uma estratégia importante para avançar no jogo: saber os limites do personagem.
A exploração é um ponto muito importante em Dark Souls. Coletar Almas, equipamentos, anéis, tudo isso será de grande ajuda para montar e evoluir seu personagem principal de uma maneira mais rápida e assim obter vantagens sobre chefes mais fortes. Também vale ressaltar que graças a essa exploração podemos achar itens que podem ser dados para os diversos ferreiros no jogo, ajudando a evoluir equipamentos para níveis absurdos de força, defesa e até elementos para sua arma.
As áreas que o jogador explora em Dark Souls são muito bonitas e bem elaboradas. Montanhas, calabouços, castelos, todos tem uma beleza única com inimigos que complementam o cenário. A arte e a exploração se tornam muito mais elegantes e divertidas graças ao trabalho bem feito dos cenários. O design dos inimigos e chefes são incríveis e únicas, como gárgulas de armaduras, golens de fogo, etc. O detalhe e o cuidado de cada parte de armadura e jeito de agir é impressionante e muito bem-feitas.
Falando em chefes é aqui que a franquia começa a mostrar sua verdadeira identidade de dificuldade. De fato, os chefes são realmente difíceis de se vencer, porém todos tem uma fraqueza e uma consequência por seus ataques, logo Dark Souls não é um jogo onde o jogador deve se desesperar e sim saber usar suas ações com atenção assim criando um sistema de “ação e punição”, vencer um desses chefes é sempre gratificante e empolgante dando uma maior vontade de se afundar nesse grande jogo.
Almas e humanidades são itens importantes e cruciais para progredir, graças as almas podemos evoluir a arvore de habilidades de nosso personagem deixando ele mais resistente ou com forças e velocidades melhores para o combate. Já as humanidades fazem seu personagem voltar a ser “humano” assim liberando o modo multiplayer. Pvps são usados invadindo mundos ou colocando “sinais” para que outros jogadores possam invadir seu mundo. Já o modo co-op é feito para aqueles jogadores com dificuldades de enfrentar alguns chefes e precisam de uma ajuda de algum amigo ou algum desconhecido que esteja de boa vontade.
A trilha sonora do game é ouvida em alguns momentos, normalmente o jogo se passa em um grande silencio em meio de sua aventura, porém a trilha cresce quando enfrentamos os chefes épicos e únicos fazendo aquele momento ser incrivelmente espetacular. Um desses exemplos é o Golem Ghou acertando a flecha em um dragão.
Dark Souls é um jogo difícil tanto de falar como escrever, existem diversas e diversas coisas que só ele pode oferecer: builds únicas ou mescladas para cada personagem, sistema de NG+ para cada conclusão do jogo, finais alternativos. Tudo isso para prender e dar mais vida extra ao jogo. Se você gosta de um bom desafio e de um jogo que testará suas habilidades e, principalmente, paciência, pode ter certeza que Dark Souls é a escolha certa Mesmo que demore uma eternidade para finalizá-lo.
Crítica | Batman - O Cavaleiro das Trevas (1986)
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Lançada em 1986, escrita e desenhada por Frank Miller, esta que é considerada por muitos a melhor história do Homem Morcego – Batman: O Cavaleiro das Trevas, juntamente com a Graphic Novel Watchmen, de Alan Moore, representa um marco de uma nova era nos quadrinhos. Dividida em 4 capítulos, com uma narrativa difícil de se descrever os elogios que lhe cabem, trata-se, sem dúvida, da maior inspiração para o personagem atualmente, inclusive no cinema.
Em 2005 tivemos Batman Begins, de Christopher Nolan protagonizado por Christian Bale. O filme, diferente dos anteriores, apresentava uma proposta mais sombria e realista em cima deste universo buscando humanizar o protagonista. Três anos depois, é lançada a continuação irretocável, The Dark Knight, que elevou essas características a um novo patamar. Não é só no nome que essa última obra é influenciada pela HQ, mas também na profundidade da jornada.
“Enquanto isso, em minhas entranhas, uma criatura rosna e diz do que preciso.”
Bruce Wayne, então com 55 anos de idade, está aposentado há 10 anos de sua vida de vigilante noturno. Já mais maduro, o bilionário se encontra amargurado devido ao seu passado obscuro. Em sua Batcaverna, o uniforme colorido de Jason Todd fica encostado como uma moldura na parede. O local, inutilizado, coberto de teias de aranhas e poeira, demonstra a falta de cuidado pelo proprietário junto com sua inatividade, e contrasta muito bem com a promessa de se aposentar.
No entanto, no fundo de sua alma, o seu alter-ego luta para se libertar. Através de um roteiro impecável, Miller apresenta uma bela sequência de quadros transmitindo essa guerra interior. A dor da morte de seus pais, a principal razão do almejo de Bruce por Justiça, volta à tona em seus pensamentos, enquanto é humilhado. Interessante notar como o autor associa de maneira clara a impotência infantil de Bruce junto a sua fragilidade adulta. Se ele buscou justiça após a morte de seus pais, por que agora esconder-se depois da morte de Robin?
Enquanto isso, uma ameaça surge na cidade de Gotham. A gangue Mutante comete uma série de atentados de violência e o líder do grupo promete tomar o controle de todo o espaço, representando a oportunidade ideal para Bruce voltar ao trabalho. Duas-Caras aparece de volta à mídia após 12 anos sendo tratado no Asilo Arkham. Aparentemente são, seu médico, Dr Bartholomew Wolper, lhe dá um atestado certificando que Harvey Dent está apto para retornar a sociedade. O Coringa também marca presença, em um caso parecido com o de Dent. Com o retorno do Homem Morcego, o palhaço desperta de sua neurose e começa a tramar mais uma vez. Apesar de ambos terem propósitos e caminhos diferentes dentro da trama, no final de suas participações, demonstram aquilo que realmente são. Loucos. Psicóticos. Monstros.
Os coadjuvantes na trama funcionam perfeitamente bem, não abrindo margem para críticas aqui. James Gordon está mais próximo de sua aposentadoria, porém esta é antecipada devido aos acontecimentos na cidade fazendo com que ele seja demitido do cargo de Comissário de Polícia. Obrigado a carregar todo o peso de culpa ao caos, é substituído pela jovem e comprometida Ellen Yindel. Entrando e já prometendo o que seu antecessor não conseguiu, Ellen em alguns momentos lembra muito o próprio Comissário. Em uma fala, até mesmo Batman admite que a policial remete aos tempos onde tudo começou e Jim o tinha como vilão. O resultado disso é gratificante. Mais desenvolvimento humano para Gordon, além de continuarmos a ter ótimos quadros de perseguição ao protagonista.
Selina Kyle também aparece, porém sem muita relevância, apenas dando motivo à caçada de Bruce ao Coringa. A novidade mais que especial e bem vinda é, sem dúvidas, Carrie Kelley, a primeira Robin feminina das histórias da DC. Após ser salva por Batman de um ataque da gangue Mutante, Carrie, inspirada pelo heroísmo do herói, decide incorporar o uniforme de Robin. Ela é um exemplo perfeito de sidekick: engraçada, carismática e fiel ao seu ‘mentor’. A química entre ambos funciona e o relacionamento é devidamente explorado.
“Batman é uma ameça à sociedade!”
Diz o Dr. Bartholomew Wolper em mais uma de suas entrevistas. Ao decorrer da história, Miller impressiona-nos com uma reflexão, que soa bastante atual, sobre a sociedade em que vivemos. Entra-se aqui em um assunto mais social e polêmico, discutido sem nenhum temor, demonstrando de forma explícita a ignorância de terceiros. Wolper é um exemplo perfeito dos chamados ‘pensadores’ e ‘intelectuais’. Como já disse anteriormente, no final de cada participação do Coringa e Harvey Dent ambos demonstram aquilo que são e nunca deixaram de ser. E é assim que Miller faz cair por terra a teoria de que a culpa nunca é do agressor, mas, sim, de quem o combate. O terceiro capítulo é um espetáculo. Durante uma entrevista com o palhaço criminoso, este usa sua aparente simpatia para parecer reeducado. Tudo, no fim, não passava de uma piada. A bomba no teatro matando todos, inclusive seu maior defensor, o Dr. Bartholomew, é a cutucada esperta na ferida, a genialidade da crítica que flerta com o absurdo mas não com o exagero.
Além das questões sociais e éticas discutidas, temos as questões políticas da época. Lembre-se que em 1986 a Guerra Fria ainda era presente e nesta década, a corrida armamentista foi reativada. O pânico de uma guerra nuclear era constante. A ilha de Corto Maltese sofre um estado de rebelião: enquanto os Estados Unidos defendem o governo local, a URSS apoia os rebeldes soviéticos. É nesse cenário que o Homem de Aço surge. Encarregado de proteger o Ocidente, Superman vai até o pequeno país e elimina qualquer presença soviética no local. Em contrapartida, do oriente é enviado uma ogiva nuclear de destruição em massa.
O míssil se aproxima, as pessoas entram em pânico. Caos. Superman consegue desviar a arma, fazendo com que seja explodida em um deserto, gerando um pulso eletromagnético que causa um blecaute em todo o continente. A última vez que fiquei tão boquiaberto em um cenário apocalíptico, foi lendo A Guerra dos Mundos, de H.G Wells. Além da visão mostrada nos noticiários, Miller nos coloca dentro da situação, usando o olhar de James Gordon na cena. Batman, usando de sua inteligência, aproveita a situação e une o que sobrou da Gangue Mutante junto com os Filhos do Batman, criando um grupo com o propósito de organizar a cidade. Com isso, Gotham torna-se a cidade mais segura do país. Genial. E é aqui que temos a gota d’água para o confronto mais épico das histórias em quadrinhos. Constrangido com o fato de Gotham estar segura, o presidente dos Estados Unidos decide prender de vez Batman. Superman tenta dialogar com Bruce, sabendo que uma luta entre eles culminaria em morte. Oliver Queen surge em cena, sem um dos braços, dando conselhos ao velho amigo – e pedindo um pedaço de Clark.
Antes de comentar o embate épico, não posso deixar de mencionar a maravilhosa reflexão de Miller a respeito do planeta, a qual complementa o quadro caótico. Uma poesia com desenhos profundos interpretativos, que não temo em dizer, já valem a HQ inteira. O amor pelo Superman ao nosso planeta, sua tristeza representada através de uma aparência física decrépita devido o poder da explosão nuclear. As palavras cuidadosamente escolhidas trazem mais um ataque social exposto por Miller: Seres humanos, os peritos em estragar aquilo que não lhes pertence.
O Beco do Crime. Onde Batman nasceu, onde Batman morrerá. Usando suas invenções tecnológicas, Bruce vai de encontro a Clark sem medo algum. Logo no início, a diferença entre ambos é clara. O primeiro, um homem cheio de artifícios para enfrentar o segundo, um deus capaz de carregar tanques de guerra com os próprios braços sem o mínimo esforço. Esse é o ponto. Batman é calculista, inteligente… A força bruta não é capaz de derrotá-lo facilmente, assim a batalha dura por um bom tempo, sem deixar de ser justa. Oliver Queen tira sua casca ao atirar uma flecha de kryptonita no Homem de Aço, dando uma vantagem ótima ao aliado. É aqui o auge do confronto. O monólogo incessante de Bruce é interrompido devido a um ataque cardíaco. Uma cena linda é desenhada, o amor de Clark por seu amigo, aparentemente morto, é presente.
“O relógio deu meia-noite”
A respeito da arte de Miller, em colaboração com Klaus Janson, o letrista John Costanza e o colorista Lynn Varley, trata-se talvez do ponto mais controverso de minha experiência lendo esta HQ. Os traços exibidos chegam a parecer rabiscos inacabados, como se não tivesse um certo profissionalismo por parte do autor. Mas é preciso entender: não há problema algum nisso. Para ser mais claro, tudo não passa de proposta. Somos apresentados a uma cidade completamente auto-destrutiva. As questões políticas, a crescente onda de crime e corrupção alinham-se muito bem com as cores escuras e o visual sujo da HQ. Esse diálogo artístico também se manifesta na briga psicológica interior de Bruce. Possuindo quadros verdadeiramente icônicos, a arte, que foge do convencional, oferece uma versão única do ambiente e de cada personagem.
Novamente, sou obrigado a mencionar outra adaptação cinematográfica: Batman Vs Superman, filme lançado em março deste ano. Quem assistiu a película posteriormente a leitura de The Dark Knight Returns, certamente lembrou-se instantaneamente dos desenhos de Miller nos minutos iniciais. A cena da morte dos Wayne é perfeita em sua fidelidade: as cores escuras no cenário, posicionamento dos personagens em cena, a câmera focada no colar de Martha, a reação de Bruce com os acontecimentos… Miller contribuindo para a 7ª Arte e a mesma retribuindo com um lindo “obrigado”. O Batman do filme de Snyder também tem forte inspiração na HQ: mais bruto, emotivo e violento mas sem perder o estigma de detetive. A luta contra Superman também é alvo de adaptação de Snyder, com alguns enquadramentos idênticos aos traços de Miller.
Com uma arte simbólica, uma escrita ácida genial e extremamente relevante que exibe uma forte crítica social e não tem medo de se aprofundar em questões ousadas e em seus personagens e suas trajetórias, a HQ perpetuará eternamente como um clássico. Além de revolucionar os quadrinhos, dando início a uma nova era, teve indiscutível importância no recente aflorar do Universo DC nos cinemas. No final, a característica mais marcante do Cavaleiro das Trevas prevalece: o preparo. E desta vez, com roteiro e sem roteirismo.
“Anos… pra treinar, estudar e planejar… Aqui, na interminável caverna, longe dos despojos de um justiceiro cujo tempo já passou. Aqui tem início… um exército… pra trazer sentido ao mundo infectado por algo pior do que ladrões e assassinos. Vai ser uma boa vida. Boa mesmo. “
Escrito por Kevin Castro
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Crítica | Procurando Dory - Inesquecível história do esquecimento
É com plena certeza que afirmo que Procurando Nemo foi o filme que eu mais vi nos cinemas em toda a minha vida. Eu adorava a grandiosa jornada de Marlin e Dory pelos sete mares repletos de perigos a fim de encontrar seu filho perdido. Claro que mesmo contando uma história relativamente simples, só fui encontrar os verdadeiros brilhos da obra depois de certa idade. Ainda é um marco tecnológico e narrativo para a Pixar. Foi a primeira vez que a equipe abordou temas muito complicados como a morte, a deficiência e a depressão os moldando de modo leve e aprazível, repleto de carisma e fofura.
Com a compra da Pixar por parte da Disney, a política interna da empresa se alterou. Antes levando apenas projetos originais – com exceção de Toy Story 2¸ o prisma de negócios mudou com Carros 2 e Universidade Monstros indicando até mesmo uma crise criativa após uma leva significativa de filme razoáveis com exceção de Toy Story 3 e Divertida Mente. Agora, depois de treze anos, finalmente a produtora lança a tão aguardada sequência de Procurando Nemo. Mas Procurando Dory se aproxima mais da era de ouro do consagrado estúdio ou cai na safra chamada disneylizada da Pixar? Digamos que é um misto (quase) perfeito desses dois mundos.
Dory agora vive no recife com Marlin e Nemo, ocasionalmente ajudando o professor Raia como sua assistente. Porém, após alguns sonhos esquisitos, ela se dá conta de que sua família está desaparecida. Em um súbito momento de loucura, a peixinha se lança a cruzar o mar aberto tentando encontrar sua família. A partir de um fragmento de memória, ela se recorda que eles vivem em um instituto de vida marinha em Morro Bay. Tentando convencer Dory a ficar no recife, Marlin e Nemo acabam partindo com ela para uma nova aventura que revelará uma jornada relativamente curta, mas muito complicada graças a diversos encontros e desencontros.
Procurando Dory é um filme importante para quem esperou tanto tempo por ele, mas certamente é mais importante para Andrew Stanton. Após a recepção fria da crítica e do fracasso monumental de bilheteria de John Carter, o diretor/roteirista se afastou das telas por quase quatro anos retornando agora com a sequência de Procurando Nemo. Novamente, assim como no original, seu trabalho é excelente na construção de seus personagens principais.
A escolha de Dory é bastante curiosa, afinal não é fácil construir uma narrativa baseada em personagens com problemas de memória – que dirá uma história voltada para as crianças. Felizmente, estamos falando da Pixar, estúdio mestre em simplificar o complexo. O modo que Stanton opta para reconstruir a memória de Dory não foge aos clichês de filmes baseados nesse tipo de personagens como Amnésia ou A Identidade Bourne.
Dory se recorda de sua família e infância a partir de frases importantes ou imagens fortes nos jogando diretamente para um ligeiro flashback – te afirmo que não são poucos. O manejo técnico de Stanton é tão gracioso que o uso recorrente dessa característica não chega a incomodar, mas sim ajuda a remontar com competência o passado da protagonista até o fim do filme, literalmente.
Ao contrário de Procurando Nemo, um grandioso filme repleto de drama melancólico, Stanton opta mais na verve cômica inerente à personagem. Assim cada filme tem sua própria atmosfera distinta e apropriada para seus protagonistas. E garanto a vocês, o trabalho é divertidíssimo. De longe, um dos filmes mais engraçados da Pixar ao lado de Divertida Mente e Monstros S.A.
Como era de se esperar, muitas coisas são espelhadas do antecessor. Stanton recria situações do primeiro filme com frequência – algo que pode te provocar nostalgia ou desapontamento. Isso vai desde o começo dramático, à algumas emboscadas de outros peixes e até mesmo a reviravolta principal do filme. Muitos personagens novos também sofrem dessa repetição que os transformam em misturas ou versões do “universo paralelo” de cada um deles.
Por exemplo, Hank, o polvo que auxilia Dory a se movimentar entre as exibições do instituto marinho é bastante parecido com Gil. Um pouco mais cínico e ácido acompanhado de uma motivação que só se diferencia por ser exatamente a oposta do peixe do filme anterior – enquanto Gil ansiava para voltar ao mar, o molusco antissocial faz de tudo para entrar em cativeiro. Entretanto, por mais surpreendente que pareça, Hank é um dos personagens mais interessantes e legais do filme.
Como Stanton explora mais a fundo uma narrativa carente de antagonista, Hank “preenche” esse espaço, mais se assemelhando mais como um anti-herói do que um vilão propriamente dito. Já que sempre contracena com Dory, as suas cenas são impagáveis justamente por conta do roteirista trabalhar tão bem os dois personagens antagônicos em diálogos enérgicos. Dory, sempre sonhadora, otimista e alegre enquanto Hank permanece rabugento, irritadiço e impaciente. Uma dicotomia manjada, mas encantadora.
Os outros novos personagens, Destiny e Bailey são meramente coadjuvantes cumprindo a tabela de carisma deixada pela ausência do tubarão Bruce – nem todos os peixes do clássico retornam aqui. Talvez o único revés que o longa comporta, além da repetição de temas e situações, é o trabalho com Marlin e Nemo. Diante dessa quantidade enorme de personagens, a narrativa dividida entre os pontos de vista de Dory e Marlin acaba prejudicada, já que os peixes palhaço ganham pouco espaço na sequência. Muito disso se deve a interação nem tão interessante entre pai e filho, mas há certo trabalho de desenvolvimento de personagem para Marlin.
Mas há muito mais do que os olhos podem ver aqui em Dory. Stanton insere o drama rotineiro de busca assim como frisa as características psicológicas conturbadas de seus personagens. Repare que diversos personagens buscam algo ou alguém: Dory busca seus pais, Nemo e Marlin buscam Dory, Hank busca uma vida confortável e livre de perigos no cativeiro, Bailey tenta resgatar seu sonar há muito tempo perdido que por sua vez complementará a deficiência visual da simpática tubarão baleia Destiny.
Não só isso, assim como em Nemo, quase que totalmente todos os peixes comportam características de mazelas psicológicas: Dory tem seu problema de perda de memória recente, além de ser marcada por episódios maníacos – Stanton pende para o drama do “Alzheimer” nas cenas mais densas no drama, Marlin é inseguro ainda resguardando certa melancolia em episódios depressivos e Hank, apático de personalidade paranoica, além de outros personagens maníacos possessivos ou psicóticos que dão as caras no longa.
Fora os distúrbios psiquiátricos, Stanton também delineia as dificuldades sobre a deficiência física seja com Destiny e sua visão comprometida, com Bailey e seu sonar defeituoso e até mesmo com Nemo, embora com o pequeno peixe-palhaço nada é frisado como no primeiro longa. Porém, ao contrário de trabalhá-los com uma narrativa expansiva como a de Nemo, ele prefere inserir Dory como uma personagem aglutinadora que une tudo e todos. O discurso inteiro evoca união, companheirismo, laços de amizade e, acima de tudo, lança aos céus a importância da família – inclusive com simbologias visuais emocionantes. Aliás, importância esta que o diretor vem trabalhando desde Nemo. O laço familiar de Dory com seus pais, Hank, Marlin e Nemo é a força maior desse longa.
A técnica apresentada por Stanton e sua equipe em Procurando Nemo foi um marco visual tecnológico. Até hoje, o longa é belo com animações e texturas que não envelhecem. Diante disso, a equipe tecnológica da Pixar recebeu um desafio monstruoso ao atualizar efeitos atemporais. E conseguiram, com alguma margem de refinamento, sim. A verdade é que o trabalho gráfico de Nemo e Dory são bastante similares alterando ou aperfeiçoando algumas coisas. O mais evidente é o trabalho espetacular que fizeram com a animação do polvo Hank. Seja nas expressões cínicas sempre reforçadas pelas sobrancelhas, pelo movimento independente de seus tentáculos, no rastro de gosma deixado por ele enquanto se movimenta, no brilho dos olhos expressivos cheios de alma, na contração de suas ventosas e até mesmo na estonteante habilidade de camuflagem. É nele onde a tecnologia mais brilha.
De resto, as diferenças mais se concentram no uso de profundidade de campo que agora está muito maior aproveitando detalhes em terceiro plano renderizados com precisão. Até mesmo a iluminação dinâmica com feixes de luz e luzes cáusticas – as altas luzes que brilham na areia e que se movimentam com as ondas, estão muito mais definidas e naturais. De resto, efeitos de física na areia, espirros d’água, texturas de detalhadas de escamas e dégradés nos peixes também foram um pouco aprimorados.
O diretor movimenta muito mais sua câmera do que havia feito no filme anterior, trabalha com breves planos sequência, além de manter os sempre majestosos enquadramentos que marcaram o primeiro filme capturando toda a beleza marítima e subaquática. Assim como em Nemo, Stanton usa a paleta de cores com muito afinco assim como a mudança na visibilidade e cor das águas nas quais os peixes nadam conforme o filme avança – todas refletindo o emocional ou reforçando a atmosfera da cena.
A melhor metáfora visual, porém, ocorre durante o ponto crucial da narrativa para Dory quando ela enfrenta um grande perigo: esquecer de tudo que havia feito até então. O diretor usa enquadramentos simples, de câmera parada, elaborando planos e contraplanos apostando no vazio e no sombrio.
Quando coloca Dory perto do limiar do enquadramento, decidindo se parte para o mar aberto ou retorna para a costa com algas, Stanton nos implica todo a apreensão e sentimento de perigo que a personagem possa enfrentar caso faça a escolha errada. O mar aberto de água turva sem nenhum elemento físico é a representação perfeita do vazio do esquecimento enquanto as algas, ainda que sombrias, firmam raízes para a segurança. É de uma linha sutil de linguagem que acompanha a obra inteira.
É através dessa técnica que o diretor também elabora mensagens ecológicas sutis, belas e, mais importante, nada panfletárias. Com características de cenário, de elementos que os peixes trombam durante a jornada, ele faz seus avisos sobre poluição dos mares e implicações de animais em cativeiro. O mote de seu filme é repetido muitas vezes pela voz de Marília Gabriela (Sigourney Weaver na versão original). O clímax disso tudo se dá em uma bela sequência em slow motion ao som da clássica What a Wonderful World de Louis Armstrong.
Depois, ainda se preocupando com seus personagens e oferecendo um fim muito digno para esta fábula, consegue unir toda a história de Marlin e Dory de modo cíclico no cenário do paredão – local que mais incutia medo no traumatizado peixe-palhaço, mas a partir de circunstâncias muito mais serenas e seguras do que era mostrado no primeiro filme. Um final realmente belo.
Apesar de ser um filme mais próximo dos padrões Disney, Procurando Dory tem muito do espírito que fez a Pixar brilhar por tantos anos e se consagrar nas artes. As boas ideias, a comédia, o espírito que cativa tanto adultos como crianças, a belíssima trilha musical de Thomas Newman, as boas ideias de Andrew Stanton, os personagens carismáticos estão lá, além do ótimo trabalho da dublagem brasileira. No entanto, Dory é muito mais do que apenas isso. Suas profundas mensagens definem que a Pixar nos trouxe uma inesquecível história sobre o esquecimento.