Crítica | Thunderbolts* consegue renovar sua própria fórmula sem deixar de lado as expectativas do público
Filmes de super-heroi correspondem hoje a um gênero cinematográfico que já pode ser entendido à parte, tendo se tornado tão amplo em termos de alcance de público e relevância no mercado que não faz sentido classificá-lo mais como um subgênero de ação ou fantasia. Se por um lado isso dota todo um grupo de filmes de uma relevância particular, por outro cria determinados padrões que se repetem (muitas vezes de maneira enfadonha) mas precisam ser considerados toda vez que um título novo é lançado.
Na contramão de uma tendência de repetição rigorosa de temas e convenções, Thunderbolts* aparece em 2025 como uma leitura relativamente vigorosa para situações e personagens que, se não são exatamente conhecidos pela maior parte do público, propõem por outro lado uma abordagem mais humana e “dramatúrgica” do Universo Marvel, sem afastar os fãs mais fieis.
A nova produção se insere no MCU como uma resposta à necessidade de renovação de suas grandes equipes, após o encerramento do arco dos Vingadores originais. Com anti-heróis falhos e complexos, o filme promete questionar a noção tradicional de heroísmo, oferecendo um olhar mais cínico — e talvez mais humano — sobre o que significa salvar o mundo.
https://www.youtube.com/watch?v=K1vsrRTgW44&ab_channel=MarvelBrasil
Renovar os filmes sem deixar os fãs órfãos
"Thunderbolts" marca um novo momento para o Universo Cinematográfico da Marvel (MCU), reunindo personagens que transitam entre o heroísmo e a vilania. O longa, dirigido por Jake Schreier, aposta em figuras que já foram apresentadas em filmes e séries anteriores, agora reunidas para uma missão que exige habilidades menos ortodoxas e mais disposição para operar fora dos limites convencionais.
O grupo é liderado por Yelena Belova (Florence Pugh), que foi introduzida em Viúva Negra (2021) como a irmã adotiva de Natasha Romanoff. Yelena combina habilidades de espiã mortal com um humor sarcástico que a torna uma das personagens mais carismáticas da fase recente da Marvel. Ao seu lado está o Soldado Invernal, Bucky Barnes (Sebastian Stan), um veterano do MCU que passou de vilão controlado pela Hidra a aliado dos Vingadores.
Outro membro importante é John Walker, o Agente Americano (Wyatt Russell), apresentado em Falcão e o Soldado Invernal (2021). Walker é um supersoldado com histórico controverso, visto como uma versão falha do Capitão América original. Ele traz para os Thunderbolts uma abordagem mais agressiva e impulsiva das missões. Completam a equipe Fantasma (Hannah John-Kamen), que estreou em Homem-Formiga e a Vespa (2018) com sua habilidade de intangibilidade e um passado trágico; Treinador (Olga Kurylenko, irreconhecível), especialista em imitar estilos de combate que apareceu em Viúva Negra; e Guardião Vermelho (David Harbour), o super-soldado soviético e figura paterna disfuncional para Yelena.
Diferente dos Vingadores, os Thunderbolts não são idealizados como exemplos de virtude. Eles operam sob ordens da Condessa Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), uma figura misteriosa que já vinha sendo construída como uma espécie de "Nick Fury" das sombras desde suas aparições em outras produções. A reunião desses personagens sugere uma Marvel mais disposta a explorar zonas cinzentas de moralidade, em que as missões podem envolver manipulação, espionagem e violência sem tanta preocupação com a imagem pública.
Jake Schreier, o diretor de Thunderbolts, é um nome menos conhecido do grande público, mas carrega no currículo uma trajetória marcada por projetos que combinam sensibilidade dramática e ritmo ágil. Ele dirigiu filmes como Cidades de Papel (2015) e trabalhou em episódios da série Beef (2023), elogiada por seu olhar intimista e imprevisível sobre conflitos humanos. Sua escolha para comandar o projeto indica que a Marvel busca dar ao filme um tom mais sombrio e emocional, diferente do espetáculo grandioso e colorido que caracterizou fases anteriores do estúdio. Schreier é visto como alguém capaz de equilibrar cenas de ação com desenvolvimento de personagens, algo crucial para uma equipe tão marcada por traumas e ambivalência moral.
Para o Marvel Studios, Thunderbolts representa uma aposta estratégica em meio a um cenário de desgaste da fórmula tradicional de super-herois. Com o sucesso de produções que exploram tons mais adultos e anti-heroicos, como Coringa (2019) e The Boys, a Marvel espera que o filme atraia tanto o público tradicional quanto espectadores em busca de narrativas menos idealizadas. Internamente, Thunderbolts é tratado como uma peça-chave para expandir a diversidade de tons do MCU, preparando o terreno para fases futuras mais arriscadas e maduras. O estúdio também enxerga na formação dessa nova equipe uma oportunidade de renovar o sentimento de "saga coletiva", essencial para manter o envolvimento dos fãs após o encerramento da saga do Infinito.
Bons personagens com boas escolhas de atores
O balanço achado por Schreier entre ação, drama e humor se apresenta aqui bastante eficiente, não pesando a mão para nenhum dos lados. A parte dos efeitos visuais - que normalmente acaba por se sobressair tanto que o roteiro se perde num segundo plano difuso - é bem integrada à narrativa; as piadas não são tão exageradas a ponto de soarem artificiais (como em Deadpool & Wolverine); e o elenco se mostra um acerto, especialmente em relação a Pugh (que tem uma personalidade mais bem conectada à personagem que Scarlett Johansson) e Louis-Dreyfus (carismática desde sempre). Até mesmo a inevitável “cena pós-créditos” não parece aqui a habitual perda de tempo, sendo impactante e compensando a espera.
Sem revolucionar o gênero, mas mantendo-se fiel ao padrão e equilibrando elementos na medida certa, Thunderbolts* é uma aposta acertada do estúdio e que antecipa mais qualidade (e menos repetição) para os próximos filmes do universo.
Review | The Elder Scrolls IV: Oblivion Remastered traz proposta única que honra legado da Bethesda
Para uma infinidade de jogadores, The Elder Scrolls IV: Oblivion foi a experiência definitiva de RPGs de mundo aberto ao experimentarem o título pela primeira vez em 2006. Eu, ainda novo e sem possuir consoles, pulei essa geração e só fui ter contato com a franquia em 2011 com Skyrim que conseguiu replicar a fascinação pela saga para uma outra geração de gamers.
Por mais que anos depois eu tenha tentado jogar Oblivion, a idade funcional e gráfica do jogo não me atraíram tanto quanto o de seu sucessor e acabei deixando o título de lado, mas a curiosidade sempre se manteve, afinal há um status tremendo dentro do gênero do RPG que é sensação até hoje.
Agora em 2025, de modo totalmente inesperado, a Bethesda e a Xbox lançam a remasterização completa de Oblivion, trazendo avanços gráficos espetaculares da Unreal Engine 5 e algumas modernizações de controles que eram bastante necessárias. O resultado? Simplesmente único.
https://www.youtube.com/watch?v=wFJ3PZuAjK4&ab_channel=BethesdaSoftworks
Hora de salvar Tamriel de novo
Em termos de narrativa, há um consenso claro que a história principal de Oblivion é a mais fraca quando comparada à de Morrowind e Skyrim, ainda assim, há muito para ser visto e ser surpreendido. O jogo apresenta seu herói protagonista preso nas masmorras da Cidade Imperial de Cyrodiil, até ser surpreendido pelo próprio imperador Uriel Septim VII que o reconhece por conta de sonhos premonitórios.
Acompanhando o imperador nos esgotos da cidade, o jogador testemunha o assassinato de Uriel que não deixa herdeiros legítimos para a sucessão do trono, desfazendo um pacto de proteção à Tamriel e permitindo que os portais de Oblivion comece a pipocar por todo o mundo, trazendo consigo demônios (Daedras) e destruição.
Para impedir o fim do mundo, o heroi terá que encontrar o filho ilegítimo de Uriel e conduzí-lo ao trono para garantir que a paz reine novamente em Tamriel. Conseguindo sustentar a narrativa inteira, as quests, já obviamente datadas de concepção, envolvem o jogador realizar muitas buscas e, depois, mais buscas ainda. Felizmente, o mundo de Cyrodiil é bastante convidativo e repleto de narrativas bizarras para o jogador se distrair por uma infinidade de horas.
Já nos minutos iniciais, nota-se que a Virtuos, estúdio responsável pelo remaster, conseguiu retrabalhar muitos elementos originais, mas sempre tentando preservar a essência bizarra do jogo original. O criador de personagem já é o primeiro exemplo disso, conseguindo criar as maiores atrocidades possíveis, bem como, pela primeira vez, entregar um resultado razoável para o avatar do jogador.
Esse padrão de entrega é mantido ao longo do jogo inteiro e tem um motivo bastante inteligente para acontecer. Por algum milagre de codificação, a Virtuos conseguiu fazer o remaster funcionar sob duas engines: a original Creation que a Bethesda usa até hoje em outros games para a lógica do jogo e, por cima, a UE 5 para modernizar o visual do título.
Então, de fato, é mesmo o Oblivion original que somos convidados a jogar, só que com uma carroceria completamente nova e atual. A decisão é acertada por preservar todas as maluquices da Creation no gerenciamento de NPCs e na sua completa imprevisibilidade da IA, resultando em momentos muito engraçados ao longo do jogo.
Há um carinho pelos bugs tradicionais que só a Bethesda podia oferecer e de fato eles permanecem aqui. As mudanças na jogabilidade são sutis e às vezes, podem causar estranhamento pelo fato de ser um título de 2006 que estamos jogando. Por exemplo, a densidade populacional das cidades é razoável, mas muito longe de qualquer padrão da indústria atual, bem como a inteligência artificial dos inimigos que só disparam em direção à morte certa. O mesmo ocorre com o game design que é repleto de missões envolvendo buscar três itens ou alguma variação disso para conseguir progredir na história. É datado e cansativo para os padrões de hoje, mas com certeza existem fãs desse formato.
Até mesmo as gravações originais dos diálogos foram preservadas, incluindo a do meme histórico da NPC que pede para refazer a linha de texto. São detalhes que os desenvolvedores sabiam que os fãs iriam apreciar e, de fato, isso aconteceu, já que o remaster se tornou um fenômeno mundial já acumulando mais de 4 milhões de jogadores, incluindo quase 200 mil jogadores simultâneos na Steam.

Renovado e preservado
A Virtuos realmente conseguiu resultados expressivos diante de tantos remasters recentes que deixaram a desejar em muitos níveis, como, por exemplo, o da trilogia original de GTA. Novas animações foram trabalhadas, até mesmo conseguindo aplicar uma física de reação à dano nos NPCs inimigos. Claro, o combate é muito simples e nada parecido com o resultado obtido hoje em jogos como Avowed, mas está melhor que no jogo original que era basicamente jogar a espada de um lado para o outro.
A iluminação foi inteiramente retrabalhada, aproveitando ao máximo o Lúmen da UE 5, assim como os efeitos ray tracing - menos nos reflexos que estão com problemas sérios no SSR. Luz e sombras reagem a tempo real em masmorras, no lançamento de feitiços brilhantes e no tremeluzir das chamas das tochas.
O sentimento de imersão é alto por conta desse trabalho fantástico de luzes e sombras, mesmo que haja um excesso no uso de filtros sépia que tornam a paleta, outrora vibrante, um tanto monocromática nas paisagens agora amarronzadas. Todas as texturas também receberam um vasto upgrade, não só nos NPCs que também trazem animações faciais e sincronização labial, mas nos inimigos, itens diversos, armas e armaduras.
O único ponto um tanto esquisito é a animação de correr, de resto, tudo funciona como deve. Entretanto, é uma pena que a Virtuos não tenha feito algumas alterações de qualidade de vida que eram muito necessárias, como o sistema de progressão horroroso do jogo que te pune conforme você sobe de nível.
Todos os inimigos são equivalentes ao seu nível, então nunca há uma sensação de progresso, além de alguns dos oponentes mais fáceis sumirem do mapa depois de uma quantidade considerável de progresso. Em algumas horas, de fácil, o jogo começa a ser um verdadeiro desafio de sobrevivência – e isso, obviamente, é muito piorado no nível mais difícil do jogo que exagera também na quantia exuberante de vida de todos inimigos, até mesmo do rato.
Claro, há sim mods para resolver isso, mas para os jogadores de Xbox e PS5, o desafio será permanente até a Virtuos decidir resolver isso em um patch. Outro ponto que mostra também certo anacronismo do jogo é a quantidade massiva de telas de carregamento. Sendo essa uma limitação da Creation a ponto de afetar até mesmo Starfield, último RPG da Bethesda, é compreensível que o estúdio do remaster não tenha conseguido resolver o problema, mas ainda assim é um elemento cansativo. Felizmente, agora é possível colocar alguns pontos de atributo ao dormir para subir de nível. Dessa vez, todos são muito mais claros sobre o efeito que eles têm na jogatina.
Como já se espera quando a presença da Unreal 5 é notada, é evidente que Oblivion Remastered se trata de um jogo bastante exigente para apresentar seu potencial gráfico ao máximo. Não é possível jogar tudo na culpa da “má otimização” nesse caso, já que a Unreal 5 já ficou conhecida por ser problemática após diversos jogos sofrerem nas mãos da engine repleta de problemas de travamentos e engasgos.
Ainda que aqui não haja tantos problemas de travamentos, o frametime é bastante irregular, causando uma flutuação nítida nos FPS, mas felizmente há DLSS e geradores de frames para mitigar os problemas enfrentados. Também encontrei alguns crashes envolvendo a Unreal, mas nada que fosse realmente muito preocupante.
Logo, se não quer se estressar com problemas de otimização ou fazer muitos ajustes no PC, a versão tradicionalmente recomendada para o jogo é a de PlayStation 5 Pro, ainda que também tenha problemas técnicos.
Para uma nova geração de jogadores
Não está fácil tanto ser um consumidor quanto um fornecedor quando se trata do mercado gamer. Uma enxurrada de títulos disputam o dinheiro do jogador que se vê obrigado a pagar custos ainda maiores para garantir algumas boas horas de entretenimento. Chegando a um preço mais razoável que o da maioria, The Elder Scrolls IV: Oblivion é uma oportunidade perfeita para revisitar ou descobrir um clássico praticamente refeito.
O jogo está mais bonito do que nunca, seu combate está próximo à experiência de Skyrim, há inúmeras quests para se realizar, além de descobrir uma das melhores DLCs da história da Bethesda: a expansão Shivering Isles, de longe a melhor coisa do título. Então, de fato não há nada aqui que seja um mal negócio.
Em um lance de marketing genial, a Bethesda conseguiu relembrar as pessoas de que é mesmo um estúdio relevante que já entregou as maiores joias a figurar na coroa da história da indústria. O lançamento se trata de um bom alívio na credibilidade do estúdio que só vem apanhando desde Starfield que sofreu na mão das críticas dos jogadores - não por ser ruim, mas apenas medíocre segundo as reclamações.
Com essa oportunidade, Cyrodiil se trata de um destino praticamente obrigatório para jogadores novatos e veteranos. Mais uma vez é hora de dedicar centenas de horas explorando os mistérios e surpresas de Tamriel.
Agradecemos à Bethesda pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Crítica | O Contador 2 é filme de ação competente e despretensioso
Sem oferecer nada de novo ou se arriscar demais para não assustar um tipo fiel de público, “O Contador 2” dá conta do recado de oferecer diversão confortável por duas horas repetindo uma fórmula narrativa conhecida e bem-sucedida e cujo modelo original talvez seja o de James Bond: o filme do “mystery man”, o (anti)heroi solitário que trabalha na beirada da clandestinidade e que demonstra habilidades excepcionais. John Wick e Equalizer também fazem parte dessa tradição e cada um deles apresenta uma relativa infalibilidade que - quando é eventualmente quebrada - provoca uma reação emocional forte na audiência. Mas não é o caso aqui.
Na trama, Christian Wolff (Ben Affleck) ajuda a funcionária do tesouro Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson) a solucionar o crime envolvendo seu ex-chefe Ray King (J.K.Simmons), vítima de uma quadrilha que atua explorando mão de obra de imigrantes ilegais que entram nos Estados Unidos pela fronteira texana. Wolff usa suas habilidades conhecidas do primeiro filme, contando agora com o apoio decisivo do irmão Braxton (Jon Bernthal), que tem sua própria maneira de resolver conflitos.
https://www.youtube.com/watch?v=wFE8rFrWMek&ab_channel=WarnerBros.PicturesBrasil
Um filme de ação sem vergonha de ser simples na concepção
Um dos principais méritos do filme é não se exceder em pretensões: estamos diante de uma diversão certeira na forma de um filme de ação, com perseguições, luta corporal, tiroteio, algum suspense e vilões inescrupulosos, embora a produção invista pouco neles, preferindo se concentrar mais nos personagens “do bem”. O que talvez seja, também, um elemento de limitação para o roteiro, que tem de dar conta de um número excessivo de coadjuvantes, o que não ajuda na identificação com qualquer deles.
O alívio cômico aparece na forma do irmão briguento e idiossincrático, cuja apresentação muito alongada traz à tona outro problema de O Contador 2: a edição perde um tempo precioso com cenas que, se cortadas, fariam pouca diferença na trama. A ideia é forçar simpatia do público mas sobras sempre pesam na tela, e aqui não é diferente: com 20 minutos a menos - e não é difícil imaginar onde ele poderia ser menor - o filme seria mais ágil e recompensador; afinal, estamos diante de um filme de ação, onde menos (falatório) costuma ser mais.
Ben Affleck parece cansado no papel, mas isso não atrapalha - na verdade, ajuda a construir o protagonista, que tem dificuldades de relacionamento e tenta arrumar uma namorada (conflito do qual o roteiro também abre mão com relativa impaciência e que poderia ser mais trabalhado). Como em Operação Papai Noel, J.K.Simmons tem pouco o que fazer aqui, funcionando mais como um acréscimo de prestígio ao elenco da produção. Addai-Robbinson, por sua vez, não compete com o carisma de Anna Kendrick do primeiro filme. Esse conjunto faz com que Jon Bernthal se sobressaia mais uma vez, ainda que por exclusão.
Talvez o maior mérito de O Contador 2 esteja na simplicidade com que retoma a premissa original sem tentar alçar um voo muito alto (o que a própria premissa dificilmente permitiria). A fórmula que se repete com certa monotonia (as brigas em que o público já sabe que, de alguma maneira, o protagonista sempre levará vantagem, o que elimina qualquer suspense pelo desfecho, mas que oferece ao espectador o conforto disfarçado de repetição) faz com que toda a expectativa da audiência seja em como cada situação será desenvolvida, pois dificilmente ela surpreenderá no final. Este é um dos motivos que fizeram o final da jornada de Daniel Craig como James Bond ultrajar muitos fãs, mas por outro lado reafirma a superioridade dramatúrgica da franquia 007 sobre outras (como esta, que parece estar longe de ser encerrada).
Longa deixa porta aberta para retomar os personagens em outra produção
O cinema de gênero trabalha com expectativas pré-determinadas e tanto quem faz um filme como quem assiste sabe o que esperar do outro lado: quem produz precisa lidar com a fórmula do produto (que, no final das contas, é o que atraiu aquela audiência em particular) e quem senta na sala de cinema aceita “surpresas”, mas nem tanto (volte ao 007), de modo que estamos diante de um jogo de cartas marcadas e que dificilmente poderia sair do lugar-comum sem frustrar seu público.
“O Contador 2” é um filme honesto e bem realizado naquilo que se propõe: sem muitos malabarismos na ação, sem exageros de tom no drama, uma diversão despreocupada que mantém o público desperto na sala de cinema e - como não corre tantos riscos - deixa a porta aberta para um terceiro filme sem grandes crises de consciência artística.
Crítica | Pecadores é mistura cansativa que funciona melhor sendo ouvida que assistida
Quem assiste a um trailer de Pecadores, o novo filme escrito e dirigido por Ryan Coogler (de Pantera Negra), parece estar diante de um terror com foco na ação e nos efeitos visuais. Nada mais distante da realidade. O longa em seus intermináveis 137 minutos é uma mistura de gêneros com um balanço bastante problemático, que segue por um caminho dramático e de crônica de costumes por mais da metade da projeção para, quase no final, lembrar-se de que a embalagem prometia um produto diferente. Mas aí já é tarde demais.
O roteiro parece ter saído do Chat GPT se alguém tivesse feito a seguinte instrução: “misture Um Drink no Inferno de Robert Rodriguez numa ambientação à Na Época do Ragtime de Milos Forman e adapte tudo isso para a audiência de 2025”. O resultado - como dificilmente seria diferente - é uma maionese de gêneros que tenta compensar a bagunça dramatúrgica com uma ambientação muito rica do sul dos Estados Unidos no início do século XX sob a potência sonora de uma trilha exuberante de blues e world music. Como Coogler não é Rodriguez (e muito menos Milos Forman), o que deveria ser um filme de terror com um pano de fundo socialmente “relevante” acaba resultando num todo fragmentado e cujas partes comunicam-se muito mal entre si.
https://www.youtube.com/watch?v=e9kwQahD8YY
Um enredo que mistura elementos em excesso para lidar num mesmo filme
Na trama, os irmãos gêmeos Smoke e Stack (Michael B. Jordan) voltam para o interior da Louisiana cheios de dinheiro no bolso após uma temporada em Chicago. Seu plano é abrir um bar com autêntico blues ao vivo. Eles compram um casarão abandonado e, quase num passe de mágica, estão prontos para a noite de inauguração. Mas algumas pontas soltas do passado, a ameaça velada da Ku Klux Klan e uma presença sobrenatural totalmente estranha ao enredo irão tornar seu sonho rapidamente num pesadelo difícil de superar.
Até a metade do roteiro, é difícil suspeitar que se trata de um filme de fantasia - como o trailer sugere falsamente. Estamos diante de uma exposição lenta, arrastada e sem uma só pausa nos diálogos, na qual se apresenta um número exagerado de personagens que o filme terá de dar conta até o final. É difícil simpatizar com muitos deles da forma que passam pela tela, um emaranhado corrido em que a identificação torna-se quase impossível.
Porém, acredite: esta é a melhor parte do filme, que é muito bem produzido, oferece uma trilha musical empolgante e uma reconstituição de época bastante vívida. Você parece transportado para o sul em cores vivas. Mas isto é um drama realista, ou até mesmo um drama musical. E não é o que foi “vendido”. É preciso voltar ao sobrenatural, introduzir vilões chupadores de sangue que façam algum sentido. E esse sentido acaba numa forçação de barra, diálogos expositivos e flash-backs que atrapalham a montagem.
O roteiro atabalhoado e expositivo não dá conta de todos esses elementos, mas a “visão” do diretor se expande ainda mais: é preciso fazer um comentário social, e resolver a trama, e carregar de sentimentalidades os personagens. Um exagero em que nada se sobressai - exceto a produção vultosa que funciona como embalagem para um produto sem forma definida, inconsistente. Diferente do filme de Rodriguez, por exemplo, que era puro escapismo, a pretensão de Coogler é grande demais para seus braços curtos abraçarem de uma vez só.
O sucesso é quase obra do acaso, mas os erros do filme são visíveis na tela
Como bom filme da Hollywood de 2025, é preciso compensar a ruindade dramatúrgica com truques visuais, barulho e uma edição atordoante, de modo que o espectador mais atento não se perca em divagações. Para ajudar (ou atrapalhar) ainda mais, o enredo demora uns 20 minutos para finalizar, com desfechos falsos que irritam ainda mais a audiência exigente.
Além de um notável desperdício de recursos, o filme dá pouca chance para coadjuvantes talentosos, como a excelente (e de carreira pouco aproveitada ainda) Lola Kirke (de Garota Exemplar), perdida entre um grupo de vilões que estão mais confusos que o diretor em dar algum sentido para tantos elementos estranhos supostamente funcionando em conjunto.
Claro que nada disso tem muita importância para o “negócio do cinema” e o público pode eventualmente mergulhar de cabeça nesta jornada estapafúrdia (como prova o recente sucesso de Um Filme Minecraft). Como arte, entretanto, sobra pouco de Pecadores: alguns números musicais bem coreografados, a sonoridade impactante e um Michael B. Jordan que saiu de Creed, mas que continua levando Creed dentro de si. E - para complicar o que já estava complicado - aqui em dose dupla.
Review | Prince of Persia: The Lost Crown impressiona no Android e iOS provando que os mobiles são plataformas repletas de potencial
A franquia Prince of Persia é sinônimo de grandes aventuras e desafiadoras jornadas, e com a chegada de The Lost Crown nos dispositivos móveis, os fãs da série têm a oportunidade de vivenciar essa experiência diretamente nas telas de seus smartphones. A transição do jogo dos consoles e PCs para o Android e iOS tem gerado muitas expectativas, especialmente sobre como o título, com sua jogabilidade imersiva e gráficos de qualidade, se comportará em dispositivos móveis.
https://www.youtube.com/watch?v=YdUZdo1Yf8A
A jornada de Sargon e a narrativa fiel aos consoles
A história de Prince of Persia: The Lost Crown se mantém fiel à versão original, levando os jogadores para a mítica Pérsia, onde o protagonista, Sargon, um guerreiro de elite, embarca em uma missão para resgatar o príncipe Ghassan, sequestrado por sua antiga mestra, Anahita. A trama é rica em elementos da mitologia persa, envolvendo lendas, deuses e distorções temporais que acrescentam uma profundidade única à narrativa.
Sargon, ao longo da aventura, ganha o carinho do jogador, enfrentando inimigos poderosos e desafios traiçoeiros enquanto tenta salvar seu príncipe. A história, com suas reviravoltas, é bem construída, mas com uma duração de aproximadamente 16 horas, poderia ter se estendido um pouco mais para proporcionar uma experiência ainda mais completa.
Um dos maiores desafios ao levar um jogo de console ou PC para os dispositivos móveis é garantir que a jogabilidade se mantenha fluida e envolvente. Em Prince of Persia: The Lost Crown, a equipe de desenvolvimento fez um trabalho excepcional ao adaptar a experiência para as telas de toque, garantindo que o ritmo do jogo não fosse prejudicado pela limitação do controle físico.
O título mantém os elementos clássicos de plataforma, ação e aventura, mas com ajustes que tornam a jogabilidade ainda mais acessível no celular. A principal mudança foi a adição de comandos adaptáveis à tela de toque, com áreas de controle personalizáveis, e o suporte completo para controles externos. Além disso, a inclusão de funções de automação, como o Auto-Potion, Auto-Parry e Auto-Hit, permite uma jogabilidade mais fluida, especialmente em momentos mais intensos de combate - que, querendo ou não, tornam o jogo um tanto mais fácil para jogadores menos experientes. Há botões dedicados para a ação de pulo, derrapada, combate e disparo. Outros botões vão surgindo na tela conforme a história progride e Sargon ganha mais habilidades.
O jogo também apresenta a opção de reduzir a velocidade para 75% para quem preferir um ritmo mais lento, além da possibilidade de jogar a 60 fps, proporcionando uma experiência mais fluida e esteticamente agradável, especialmente em displays menores.

Gráficos Iimpressionantes, mesmo no celular
Apesar das limitações dos dispositivos móveis, Prince of Persia: The Lost Crown mantém os gráficos vibrantes e detalhados, com cenários deslumbrantes que fazem jus à atmosfera única da Pérsia mitológica. A otimização para telas menores foi cuidadosamente feita, e o jogo se adapta bem a diferentes proporções de tela, cobrindo a área disponível e oferecendo uma interface intuitiva.
No entanto, um ponto de atenção está na falta de um seletor de qualidade gráfica, o que pode impactar a performance em dispositivos com hardware mais modesto - é dito que o jogo se adapta automaticamente às configurações de hardware dos celulares, no caso do nosso teste, foi feito no S23+. Mesmo com essa pequena limitação, o jogo impressiona pela qualidade visual, principalmente em dispositivos com displays AMOLED.
No que diz respeito à performance, Prince of Persia: The Lost Crown se saiu bem na maioria dos testes, rodando de forma estável em dispositivos de última geração, como o OnePlus 11 e o iPhone 15 Pro Max, com taxas de 60 fps consistentes. O jogo é otimizado para baterias, consumindo menos energia, mesmo durante longas sessões de jogo. No entanto, alguns jogadores relataram falhas ocasionais, como quedas de desempenho e crashes, especialmente após batalhas contra chefes, algo que, embora não seja comum, pode prejudicar a experiência. Na nossa jornada, apenas dois crashes aconteceram, mas nada que fosse extremamente grave.
Em termos de acessibilidade, The Lost Crown oferece uma série de recursos para tornar o jogo mais amigável para uma ampla gama de jogadores. As opções de automatização e os controles personalizáveis permitem que jogadores com diferentes habilidades encontrem a configuração que melhor se adapta ao seu estilo de jogo. Isso é especialmente importante para os jogadores casuais, que podem se beneficiar da possibilidade de ajustar a dificuldade e a velocidade do jogo.
A Missão de Sargon chega com sucesso aos celulares
Prince of Persia: The Lost Crown faz uma transição impressionante para os dispositivos móveis, mantendo a essência da franquia e oferecendo uma experiência rica e imersiva, mesmo em telas menores. A narrativa envolvente, os gráficos de alta qualidade e a jogabilidade refinada garantem que o título seja uma ótima opção para quem busca uma experiência mais épica no celular.
Entretanto, como em qualquer adaptação, existem alguns desafios. A ausência de um seletor de qualidade gráfica pode afetar o desempenho em dispositivos mais simples, e as falhas ocasionais podem frustrar quem espera uma experiência completamente estável. Ainda assim, os ajustes no controle e os recursos de acessibilidade fazem com que o jogo seja agradável e acessível para uma ampla gama de jogadores.
Se você é fã da franquia e adora uma boa aventura, Prince of Persia: The Lost Crown vale a pena ser conferido. Mesmo com alguns desafios técnicos, a adaptação para o celular é bem-sucedida e oferece uma experiência rica, vibrante e viciante que poderá manter você imerso na Pérsia por muitas horas.
Agradecemos à Ubisoft pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Review | The Last of Us Part II Remastered no PC é oportunidade imperdível para se apaixonar por uma das maiores franquias PlayStation
O lançamento de The Last of Us Part I no PC foi bastante traumático para os consumidores e também para a PlayStation. Em março de 2023, acompanhado da série da HBO, o jogo foi lançado em estado técnico bastante precário sofrendo com uso exagerado de CPU e má otimização dos gráficos. Até mesmo hoje, apesar de muito melhor condicionado que no lançamento, o título enfrenta críticas pelo estado técnico.
Logo, havia um temor claro que a sequência, The Last of Us Part II Remastered, sofresse do mesmíssimo mal do remake original no PC, afinal, muitos presumiram que a Iron Galaxy teria realizado o port por motivos contratuais. Felizmente, para a surpresa de muitos, a Nixxes foi responsável em trazer o grande game ao PC e o entregou com uma qualidade de lançamento significativamente superior ao lançamento de 2023.
https://www.youtube.com/watch?v=Tg1oRHd5zlw
Recursos de montão no fim do mundo
Como de costume, as maiores vantagens do PC em relação às versões do PlayStation 5 são as novidades integradas para melhor apresentação. Apesar de não trazer recursos exclusivos como ray tracing e texturas aprimoradas, The Last of Us Part II Remastered conta com os recursos de DLSS 3, FSR 3 e XeSS, também entregando o recurso de geração de quadros para conferir maior fluidez no frametime do jogo.
Ao contrário do jogo anterior, a Nixxes aqui consegue entregar uma performance bastante aceitável para PCs mid-end munidos de uma RTX 3080 e processadores simples como o AMD 5600x entregando 60fps estáveis na maior parte do tempo no preset gráfico mais alto com DLSS em qualidade em 4K. Isso no lançamento da Parte 1 em 2023 era praticamente impossível, sendo que até uma 4070Ti mal conseguia manter quadros acima de 80 fps com DLSS em qualidade.
Ou seja, problemas de otimização não afetaram o jogo que roda bem em PCs intermediários apresentando uma experiência visual equivalente ou melhor a do PlayStation 5. Quem já conhece o jogo, sabe que um trecho apenas poderia apresentar problemas ou queda de performance e, assim como esperado, de fato isso ocorre.
Logo no começo do nível de Seattle com a Ellie, explorando o bolsão de mapa aberto, a performance sofre significativamente, oscilando entre 80 a 104 fps em uma 4090, DLSS equilibrado e com frame gen 2x. Sendo uma área complexa, é compreensível a queda de performance que até mesmo chega a gerar alguns breves congelamentos. Não se sabe quanto tempo a Nixxes teve para preparar o port, mas há espaço para melhorias futuras. Depois, quando o jogo assume uma postura 100% linear, os quadros ficam muito mais estáveis, assim como o jogo como um todo.
Aliás, falando em congelamentos e engasgos no framerate, é curioso que a Nixxes decidiu fazer uma compilação assíncrona de shaders (sombreadores), divergindo da decisão da Iron Galaxy para o remake do original - nele, a compilação de shaders ocorria na inicialização do jogo, chegando a durar até meia hora de processamento para finalizar a tarefa.
Por conta disso, não há muita demora para jogar The Last of Us Part II Remastered no PC, mas ao mesmo tempo, os engasgos por compilação de shaders simultâneos à jogatina são notados e um pouco frequentes. Não é algo que vá acabar com sua diversão, mas pode ocasionar em alguns sustos e prejudicar a gameplay em dificuldades mais altas.
Talvez, em futuros updates, a Nixxes consiga mitigar os problemas. Fora isso, há raros problemas de texturas que parecem não carregar direito ou que sofrem com bugs. Na minha experiência com o jogo, não vi nenhum crash ocorrer - o que já é ótimo.

Refinamentos finos
Já tem algum tempo que a PlayStation visa garantir que a versão de PC não destoe graficamente em excesso das versões do PS5. Com The Last of Us Part II Remastered isso acontece mais uma vez. Não espere que as texturas do jogo tenham sido retrabalhadas porque, de fato, não foram, assim como a iluminação.
Os aprimoramentos visuais são muito sutis focando em sombras mais suaves em modelos e cenário, melhor definição de luzes rebatidas e maior nível de detalhes renderizados à distância. Deixa o visual do jogo muito mais estável e praticamente sem qualquer pop-in perceptível, além de deixar os horizontes já muito bonitos ainda melhores.
Mas é algo que você só irá notar se comparar as versões lado a lado - assim como o uso do DLAA que mitiga muitos artefatos visuais em folhagens e cabelo.
Os maiores destaques ficam mesmo na possibilidade de jogar o game a fps altos, na renderização ultrawide cinematográfica e brincar com as muitas opções de presets gráficos que a Nixxes sempre dispõe em seus ports. De resto, a experiência será muito similar à vista no PS5. Mas não duvido que em breve algum modder se dê o trabalho de fazer um upgrade sério nas texturas e iluminação global do jogo. Só o tempo dirá.

Visceral e polêmico como sempre
Já tive a oportunidade de analisar The Last of Us Part II Remastered no PlayStation 5 que você pode ler aqui - incluindo a novidade do modo roguelike Sem Volta que nessa versão traz mais dois novos personagens. Repetir pela terceira vez meus pensamentos sobre o jogo é uma tarefa inglória, afinal o foco é falar mesmo da versão de PC que é sim excelente, passando longe da polêmica recente envolvendo o lançamento complicado de Marvel’s Spider-Man 2.
The Last of Us Part II Remastered ainda é uma experiência única, nada no mercado é similar ao que o jogo te propõe no papel de jogador. Amando ou odiando, é um game histórico que merece ser jogado em sua integralidade. A jogabilidade é muito gostosa, o level design continua soberbo mesmo após tantos anos e os momentos assustadores seguem cumprindo a atmosfera densa do jogo. A história é uma questão de gosto.
Admito que na época do lançamento original no PS4 não foi uma experiência agradável, mas foi um jogo que me impactou por dias. Anos depois, revisitando no Remastered, entendi melhor sua proposta e aprendi a aproveitar mais meu tempo com uma Ellie trágica e uma Abby em redenção. Há falhas na lógica do argumento na mensagem final do jogo que continuará dividindo por décadas a fio, mas ainda assim se trata de uma baita obra de arte.
Agradecemos à PlayStation Brasil pela cópia generosamente cedida para a realização desta análise.
Crítica | Um Filme Minecraft tenta agradar o público comum e os fãs do jogo, mas não faz nada muito bem
Carregando o peso de representar a versão cinematográfica de uma marca extremamente bem-sucedida no mercado de jogos, Um Filme Minecraft chega agora aos cinemas em uma mistura levemente caótica entre uma comédia pastelão e um “vídeo-demonstrativo” das qualidades do universo Minecraft conhecido por seus fãs.
Lançado em 2011 pela Mojang, Minecraft revolucionou os jogos “sandbox” - onde a liberdade dos jogadores é bastante ampla - com sua mecânica de construção e exploração em mundo aberto. Criado por Markus "Notch" Persson, o jogo permite aos jogadores coletar recursos, construir estruturas e sobreviver a ameaças em um ambiente gerado matematicamente. Seu visual pixelado e liberdade criativa cativaram milhões, tornando-se um fenômeno global. Em 2014, a Microsoft adquiriu a Mojang por US$ 2,5 bilhões, expandindo ainda mais a franquia.
O fato é que o sucesso estrondoso do Barbie de Greta Gerwig consolidou a certeza (eventualmente duvidosa) de que é possível adaptar “qualquer coisa” para uma forma cinematográfica e tirar disso algo que mesmo remotamente possa ser chamado de “filme”. Não será surpresa caso nos próximos anos a indústria expanda o conceito e passe a adaptar (sic) produtos como detergentes e chocolates como versões narrativas de duas horas de duração.
O mais preciso seria encontrar um novo nome para um produto como Um Filme Minecraft, um híbrido entre o que seria um filme em seu sentido tradicional e um conjunto de “demandas” de mercado visando a um público específico, que vai ao cinema menos interessado numa obra de arte (sic) e mais em tirar a prova se o filme é fiel a princípios de um universo que pouco (ou nada) tem a ver com cinema.
A pergunta que rapidamente aparece num caso como este é: o “filme” resultante dessa operação (financeira) funciona também para quem - como audiência comum - compra um ingresso e quer assistir a um “filme” propriamente dito?
O complicado equilíbrio entre comédia e ação de videogame
O diretor escolhido para resolver esse “problema” foi o talentoso (embora de carreira esparsa) Jared Hess, mais conhecido pelo novo clássico da comédia Napoleon Dynamite, um filme bastante original em seu olhar arguto sobre as manias e tipos do subúrbio norte-americano - além de tornar conhecidos atores de talento como Jon Heder e Jon Gries (atualmente na terceira temporada de The White Lotus e de alguma forma conservando o olhar oblíquo do Tio Rico de Napoleon).
Hess trouxe de outro filme seu (o também divertido Nacho Libre) o eterno cabotino Jack Black, que aqui interpreta Steve, um apaixonado por explorações que eventualmente penetra o universo Minecraft e estabelece uma ponte entre o mundo de fantasia e o real. Neste último, acompanhamos a desventura de Garrett (Jason Mamoa), uma subcelebridade dos anos 1980 que vive de compras em leilão enquanto tenta manter sua loja de videogames aberta. Ele eventualmente adquire um artefato mágico que pertencera a Steve e, acompanhado por três outros desajustados, é conduzido ao universo Minecraft, de onde tentarão retornar para casa - não sem antes enfrentar uma série de perigos e desafios que compõe o imaginário do próprio jogo.
O que temos então é o seguinte: de um lado, Hess tenta fazer o que sabe de melhor (o retrato de personagens desajustados, para os quais dedica um olhar que vai do cinismo ao afeto num equilíbrio que é, ao mesmo tempo, divertido e levemente perturbador); de outro, ele precisa abranger uma infinidade de regras, referências e toda a mitologia que diz respeito ao jogo Minecraft - e que é, para quem não entrou na sala de cinema como um aficionado, uma baboseira que pouco ajuda o desenrolar da trama.
Filme se esforça em envolver o público que não conhece o jogo original
O problema da “moldura” (que o filme até mesmo assume num prólogo explicativo e atabalhoado) se exemplifica no personagem de Jennifer Coolidge, a vice-diretora do colégio que parece uma peça defeituosa do universo, estabelecendo uma subtrama que tenta (sem grande sucesso) integrar o lado “jogo” ao lado “filme” e que termina como uma peça sobressalente, quase esquecida.
Se apostasse mais no universo de Jared Hess (que se materializa, por exemplo, na hilariante sequência do foguete no começo da trama) e menos em ilustrar qualidades do jogo Minecraft, o resultado final seria melhor como cinema propriamente dito. Mas aí certamente frustraria a comunidade Minecraft, com as inevitáveis consequências em termos de marketing. Logo, o que resta ao diretor é aceitar a correria e eventualmente pingar um pouco de seu estilo na dinâmica entre os personagens.
Como uma diversão ligeira, Um Filme Minecraft acerta na duração curta, no bom elenco e no caráter um pouco caótico na condução da trama estapafúrdia. Como cinema, seria bem melhor se não tivesse todo um “contrato cheio de cláusulas” a atender. Mas exigir isso seria exigir uma total reformulação da indústria do entretenimento tal qual ela se apresenta em 2025. E isso seria pedir demais de um filme cujo diretor é famoso por uma comédia tão descompromissada (mas ao mesmo tempo, tão criativa) quanto Napoleon Dynamite.
https://www.youtube.com/watch?v=EVKYAAES6JQ
Review | The First Berserker: Khazan consegue ser muito mais que um mero expoente do 'soulslike'
Nos últimos anos, o gênero Soulslike tem se expandido exponencialmente, atraindo desenvolvedores de diversas origens para tentar decifrar a fórmula de sucesso da FromSoftware. The First Berserker: Khazan se junta a esse seleto grupo de jogos inspirados pela brutalidade e precisão de títulos como Dark Souls, Bloodborne e mais recentemente Lies of P.
Mas será que ele consegue se destacar em meio à multidão ou é apenas mais um clone que tenta emular o brilho da FromSoft sem sucesso? A resposta, felizmente, não é tão simples. Khazan brilha em alguns aspectos cruciais, principalmente no combate visceral e no design de chefes desafiadores, mas também tropeça em outros, como a repetição de inimigos e a estrutura de progressão. Vamos explorar cada um desses pontos em detalhes.
https://www.youtube.com/watch?v=tNH0fkDKCaQ&ab_channel=IGN
A estética e a ambientação: um anime gótico brutal
Desde os primeiros momentos, The First Berserker: Khazan deixa claro que não pretende seguir o estilo gótico europeu tradicional dos Soulsborne. Em vez disso, o jogo aposta em uma estética anime de metal gótico, que mistura elementos de fantasia sombria com um visual estilizado em cel shading. Isso cria uma identidade visual única que pode não agradar a todos, mas certamente diferencia o jogo de seus concorrentes. Imagine a brutalidade de Conan, o Bárbaro, misturada com o visual vibrante de Code Vein e você terá uma ideia do que esperar.
A história de The First Berserker: Khazan segue o general Khazan, um guerreiro injustamente acusado de traição e condenado a um exílio brutal. O enredo mescla vingança e redenção com uma abordagem mais direta do que é comum em jogos Soulslike. Ao contrário da sutileza encontrada nos títulos da FromSoftware, aqui temos uma narrativa mais explícita e estruturada, que se apoia em cenas de corte e diálogos para contar sua história. Isso pode ser positivo para jogadores que preferem mais clareza narrativa, mas pode não agradar aqueles que apreciam o mistério e as lacunas interpretativas tão comuns ao gênero.
No entanto, apesar de sua tentativa de aprofundamento, a trama e os personagens não são particularmente memoráveis, mas engajam até o final do jogo pelo interesse em ver o final da jornada de Khazan. NPCs tendem a ser genéricos, funcionando mais como distribuidores de missões e recursos do que como figuras que despertam empatia ou curiosidade.
O combate: visceral, técnico e punitivo
Se há um aspecto onde Khazan realmente brilha, é no combate. A mecânica é fluida, brutal e recompensadora, exigindo que o jogador aprenda os padrões de ataque dos inimigos e responda com precisão. O jogo incentiva um estilo agressivo de luta, favorecendo esquivas e contra-ataques cronometrados para maximizar o dano. Esse sistema cria um ritmo dinâmico, onde o jogador está sempre pressionado a encontrar janelas para atacar sem comprometer sua barra de resistência que é que define seu êxito em embates complexos.
O jogo apresenta três tipos principais de armas: espadas de empunhadura dupla, uma grande espada pesada e uma lança. Embora o número de categorias seja relativamente baixo, cada uma delas tem variações significativas que mudam seu estilo de jogo. Além disso, a árvore de habilidades permite que o jogador redefina seus pontos de experiência sem penalidade, o que incentiva a experimentação e a adaptação para diferentes chefes e inimigos.
A resistência é um elemento central no combate, não apenas para o jogador, mas também para os inimigos. Chefes possuem barras de resistência que, ao serem esgotadas, os deixam vulneráveis a ataques brutais. Isso adiciona uma camada estratégica ao combate, onde o jogador precisa balancear ataque e defesa para maximizar dano.
As lutas contra chefes são o grande destaque do jogo, com inimigos multifásicos que exigem aprendizado e adaptação. Felizmente, o jogo oferece um sistema de recompensas que distribui pequenas quantidades de experiência e recursos a cada tentativa fracassada, incentivando a persistência sem tornar a frustração excessiva e te deixando um pouco mais forte para aguentar as surras frenéticas.

Design de inimigos e chefes: brilhante, mas repetitivo
O jogo se sai excepcionalmente bem no design de chefes. Cada um deles é uma ameaça formidável, muitas vezes possuindo múltiplas fases, ataques elementais devastadores e padrões que exigem múltiplas tentativas para serem totalmente compreendidos.
Infelizmente, o mesmo não pode ser dito dos inimigos comuns. Embora eles sejam satisfatórios de enfrentar, o jogo falha em oferecer uma variedade significativa de adversários com padrões óbvios, embora alguns se escondam muito naturalmente no cenário, provocando boas emboscadas. Muitos inimigos são reutilizados de forma excessiva e, em alguns casos, variantes de chefes aparecem como inimigos comuns mais à frente no jogo. Isso acaba diluindo o impacto das lutas e tornando o jogo um pouco previsível após um certo ponto.
Estrutura e progressão: uma faca de dois gumes
A área central do jogo, chamada The Crevice, funciona como um hub que conecta os diferentes ambientes do mundo. Essa estrutura lembra a Firelink Shrine de Dark Souls ou o Nexus de Demon's Souls, mas sem o mesmo nível de profundidade ou interconectividade. O jogo segue uma progressão mais linear, sem muitas oportunidades de exploração significativa, o que pode decepcionar alguns fãs do gênero - é muito similar ao sistema de fases de Nioh, mas melhor apresentado, com certeza.
Um dos elementos mais controversos do jogo é o sistema de invocações. Assim como em Elden Ring, Khazan permite que os jogadores convoquem um Espírito de Assistência para ajudá-los nas batalhas mais difíceis. No entanto, para fortalecer esse aliado, o jogador precisa farmar um recurso específico, o que pode tornar a experiência frustrante para aqueles que não querem repetir lutas opcionais apenas para conseguir reforços.

O desafio: um jogo para masoquistas
The First Berserker: Khazan é implacável. Os níveis regulares não são particularmente difíceis, mas os chefes representam desafios extremos que testam a paciência e a resistência do jogador. O segundo chefe já apresenta múltiplas fases e ataques devastadores, e a dificuldade só aumenta a partir daí. A forma como o jogo implementa sua curva de aprendizado exige dedicação e insistência, o que pode afastar jogadores casuais - felizmente há um nível de dificuldade mais fácil, mas não espere que a experiência seja um passeio no parque.
Ao contrário de outros Soulslikes que oferecem picos de dificuldade pontuais, Khazan adota um padrão de "estegossauro de dificuldade" – em outras palavras, a progressão do jogo é cheia de altos e baixos, com picos de desafio inesperados que forçam o jogador a se adaptar constantemente. Isso torna a experiência empolgante, mas também pode ser frustrante para aqueles que não têm tempo para se dedicar a um processo de tentativa e erro constante, ainda mais nas horas iniciais do jogo.
Conclusão: vale a pena?
The First Berserker: Khazan não é apenas mais um clone de Soulslike. Ele pega emprestado muitas ideias da FromSoftware e de outros sucessos do gênero, mas também introduz mecânicas próprias que o tornam uma experiência única. O combate é excepcional, o design de chefes é memorável e a estética gótica-anime dá ao jogo uma identidade marcante. No entanto, ele também sofre com a repetição de inimigos, um sistema de progressão que pode se tornar cansativo e uma história que, apesar de mais direta, não consegue ser tão envolvente quanto poderia.
Se você é fã de Soulslikes e está em busca de um desafio brutal com mecânicas refinadas, The First Berserker: Khazan é uma excelente escolha. No entanto, se você não tem paciência para enfrentar chefes repetidamente ou prefere experiências mais equilibradas, talvez seja melhor pensar duas vezes antes de mergulhar nesse mundo implacável. De qualquer forma, é um jogo que mostra como o gênero está evoluindo e se diversificando, provando que há espaço para mais do que apenas os gigantes da FromSoftware.
Agradecemos a cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Crítica | Meu Nome é Maria faz retrato sem sensacionalismo da atriz vítima de um ataque brutal em filmagem
Assim como o nacional vencedor do Oscar Ainda Estou Aqui, Meu Nome é Maria é o tipo de filme difícil de ser ignorado. Ambos partem de um relato verídico e ultrajante: o rapto seguido de assassinato de um dissidente político, no primeiro caso, e a agressão sexual de uma atriz recém-saída da adolescência durante a filmagem de um clássico do cinema no segundo.
Partir de histórias reais para construir enredos tem sido um expediente cada dia mais usado pela indústria como uma espécie de “carimbo” de respeitabilidade, o que, como se sabe, praticamente força a comunidade e a imprensa especializada a se debruçar sobre a produção - como se ignorá-la fosse ignorar também um tópico social importante. Na era das redes sociais, em que tudo é motivo de mobilização pública, filmes com personagens reais têm furado a fila e passado na frente de argumentos originalmente ficcionais.
Tanto no caso do filme brasileiro, quanto aqui, as produções têm sustentação cinematográfica que vai além do mero registro de um fato real, o que é fundamental para que o filme não se reduza a um panfleto ou mesmo a um documentário encenado. O que não invalida o fato de que o principal plot de Meu Nome é Maria permaneça como um dos mais ultrajantes abusos cometidos contra uma atriz em set de filmagem de uma produção “respeitável” e “artística”.
https://www.youtube.com/watch?v=kIdFPkHBFGA&ab_channel=Imovision
Bertolucci era um dos mais festejados cineastas da época
A trama acompanha o início precoce, um auge ligeiro e a alongada decadência de Maria Schneider (Anamaria Vartolomei), a adolescente filha de um ator francês que, ao ser expulsa de casa por uma mãe ciumenta, se vê obrigada a tentar carreira na indústria cinematográfica. Não demora muito para que a protagonista tenha, aos 19 anos, a grande chance de contracenar com Marlon Brando (Matt Dillon) no novo filme do então prestigiado diretor italiano Bernardo Bertolucci (Giuseppe Maggio), à época já festejado como militante comunista em obras como O Conformista e A Estratégia da Aranha.
Numa das cenas de O Último Tango em Paris, Maria é surpreendida por Brando com um ataque sexual totalmente desleal, combinado entre ele e Bertolucci para conferir “maior realismo” à encenação. Aquele momento é determinante na vida da jovem, que fica injustamente marcada como atriz pornográfica, é julgada em seu país e fora dele, e entra numa espiral de autodestruição e drogas por não conseguir se recuperar do trauma.
Para o público de 2025, acostumado a cancelamentos motivados por meras publicações em rede social, soa absolutamente irreal que um estupro tenha sido durante tanto tempo reconhecido silenciosamente pela indústria, de modo que Bertolucci tenha durante décadas continuado uma carreira laureada e lucrativa como se nada tivesse acontecido. Não é, no entanto, um caso isolado: a “história das filmagens” (um ramo dentro da história do cinema mais ampla) tem sido um contínuo laboratório de abusos consentidos dentro do jogo de poder largamente tolerado pela própria comunidade cinematográfica, que enxerga na figura do diretor de cinema um semideus com carta branca para manipular pessoas e recursos conforme sua vontade em nome da liberdade artística. Foram décadas seguidas de violência não apenas contra mulheres, mas também contra técnicos de escala inferior, animais, crianças, recursos naturais, uma herança incômoda que ainda hoje não teve seu balanço bem compreendido nem tampouco reparado.
Filme faz um retrato delicado da alma ferida de Schneider
É reconfortante de algum modo reconhecer que, se o filme de Bertolucci resiste como obra de arte apesar de seu infame procedimento - e que de modo algum é apagado como violência pela qualidade do filme - a trajetória de Maria Schneider é um retrato também bastante honesto e bem conduzido pela diretora Jessica Palud (que por acaso - ou não - trabalhou com o cineasta italiano em Os Sonhadores). Anamaria Vartolomei é uma atriz excelente (conforme já havia demonstrado em O Conde de Monte Cristo e no difícil de engolir Mickey 17) e Dillon está discreto mas convincente como um Brando fatalista que, aparentemente levado por indiferença e egoísmo, embarca na agressão sugerida por Bertolucci como um guardinha de campo de concentração que “cumpre ordens”. Nunca é demais lembrar que estamos falando de dois ícones da contracultura, do progressismo e da revolução dos costumes da década de 1960…
Válido como registro de uma evento revoltante, mas também comovente como filme sem apelar ao sensacionalismo, Meu Nome é Maria presta um discreto tributo a Maria Schneider, que provavelmente não tivesse precisado passar pelo que passou com Bertolucci e teria sido um ser humano mais feliz - mesmo em sua carreira - se só tivesse filmado, depois, com Antonioni e Rivette, por exemplo. Há males que vêm para mal mesmo, e O Último Tango em Paris foi um mal terrível para aquela jovem atriz.
Crítica | Branca de Neve faz releitura modesta do desenho animado de 1937
Rever um dos maiores clássicos de sua história foi um desafio para a Disney ao converter Branca de Neve e os Sete Anões, de 1937, num live action adaptado ao gosto e expectativas do público de 2025. A proeza foi iniciada de maneira atabalhoada, e desde o princípio a questão do elenco causou polêmica.
A primeira decisão a ser tomada seria o que fazer com os “sete anões”, uma vez que a declaração egoísta de Peter Dinklage - desestimulando que sete outros atores como ele pudessem ter a oportunidade de mostrar seu talento numa grande produção - imediatamente colocou o estúdio numa saia justa. A decisão de converter os personagens originais em criaturas puramente fantasiosas limitou toda a interação da protagonista com atores reais em uma parcela significativa da projeção. Se ela cantasse e dançasse em meio a outros sete atores humanos, o resultado teria sido mais interessante que cantar e dançar para uma simulação matemática? A resposta parece óbvia se continuarmos vendo no gênero humano a melhor expressão do talento artístico. Ponto negativo logo de saída.
A segunda decisão sobre o elenco seria quem escalar nos dois papeis principais e, mais uma vez, a decisão dos produtores revelou-se bastante problemática: era preciso dosar com inteligência a “batalha de carismas” entre Branca de Neve e a Rainha Má. Quem conhece o enredo original sabe que a segunda inveja a primeira, mas isso faz sentido na tela com Gal Gadot invejando Rachel Zegler? Sem entrar no mérito de um concurso de beleza, a ideia não funciona - a ponto de o filme ter que “esconder” Gadot a maior parte do tempo, porque sempre que ambas dividem a tela a questão retorna e o cinema não costuma dar margem a dúvidas nesse sentido. Poderia Zegler ao menos vencer um concurso de simpatia diante de Gadot? Não parece ser este, tampouco, o caso, de modo que o problema na escalação errada vai dominar a projeção por quase 100 minutos.
Comparação óbvia com Wicked não ajuda o filme
A trama de Branca de Neve é uma das mais bem reconhecidas da história do cinema e permanece por quase 100 anos no imaginário da audiência. Branca de Neve (Rachel Zegler) é a princesa convertida em prisioneira em seu próprio reino depois que a Rainha Má (Gal Gadot) conspira para assassinar o rei e dar sumiço na própria, o que não acontece porque o responsável pelo seu assassinato permite que ela fuja. Sozinha na floresta, Branca acaba por interagir com um grupo de rebeldes que se esconde do exército da Rainha Má, além de se hospedar na casa dos “anões” que trabalham numa mina.
Se o desenho animado tem pontos altos dos quais é difícil se esquecer (a cena da maçã envenenada, por exemplo), o filme opta por reconfigurar a trama, alternando números musicais com um conflito mais localizado - por exemplo, na subtrama romântica entre Branca e o rebelde pelo qual ela se apaixona (Andrew Burnap). Se a floresta era um espaço sombrio no original de 1937, aqui os perigos parecem diluídos numa atmosfera mais para Robin Hood, “opressores contra oprimidos” e humor despreocupado.
A comparação mais óbvia e imediata para Branca de Neves é com o também musical de fantasia (e também releitura de um cânone de Hollywood) Wicked, e tal comparação é muito desfavorável ao filme dirigido por Marc Webb (de (500) Dias com Ela, entre outros). Enquanto Wicked tem números musicais arrebatadores, uma integração bem mais natural entre atores reais e CGI e uma trama onde os conflitos são bem explorados, Branca de Neve parece transitar o tempo todo entre um filme infantil e uma releitura “amadurecida” para as infantilidades da história original, de modo que em momento algum o espectador está bem posicionado diante da tela: nem a contraposição entre a princesa e a madrasta prevalece, nem o ambiente de “fantasia pura” representado pelos “anões”, ficando o enredo pendurado entre ser uma coisa e outra, acabando por não ser exatamente coisa alguma.
A releitura não passa vergonha, mas dificilmente se equipara ao filme original
É difícil ignorar que o conflito central da história original e que desencadeia a crise de inveja da Rainha contra Branca simplesmente não funciona aqui. Se Zegler fosse substituída por Ariana Grande, por exemplo, a despretensão e simpatia da protagonista diluiriam a exuberância de Gadot, mas não é o caso: Rachel é uma atriz que, tal qual Zendaya, parece contrariada em cena o tempo todo. Se no caso de Zendaya esse “temperamento” - ou, para sermos mais claros, a cara de que alguém “roubou seu biscoito” - acaba contribuindo para os personagens que ela escolhe interpretar, aqui o prejuízo é evidente porque Branca deveria ser uma presença encantadora, o que dificilmente acontece. Enquanto, por outro lado, Gadot acaba parecendo mais simpática mesmo quando faz coisas terríveis, e isso conduz a trama a uma problemática suspensão de descrença - e a escalação de Burnap não ajuda.
Nada disso significa que o filme não tenha suas qualidades: é ligeiro, bem editado e não se perde em divagações. Embora toque temas sensíveis, nenhum deles predomina de modo a tirar atenção da história original, que permanece acontecendo, embora sem o brilho e os pontos altos tão marcantes do desenho original. O clímax está provavelmente na cena em que a rainha se transforma em bruxa (como, de fato, era o caso no filme de 1937), em que os efeitos visuais casam exemplarmente com a atuação de Gadot. Este é um indício do que poderia ter sido o filme se a produção houvesse optado por escalar sete atores para os papeis dos “anões” e como seria mais interessante assistir a sete presenças humanas com as inumeráveis possibilidades de vozes e expressões (ainda que aprimoradas pelos efeitos visuais).
Com a maior parte das polêmicas fora da tela e antes de o filme ser lançado, Branca de Neve é uma releitura sem brilho (mas também sem vexame) de uma das histórias mais exemplares da velha Hollywood, adaptada cuidadosamente para a nova Hollywood - que aparentemente também se rendeu a um beijo (roubado) tímido do “príncipe”, sem ofender a plateia nem tampouco entusiasmá-la. Vale levar as crianças para ver a versão nova no cinema - e imediatamente rever a antiga (e assustadora, e fascinante, e insuperada) versão de 1937.