Crítica | Mickey 17 mistura crítica social e ficção científica sob o olhar de Bong Joon Ho
Entre os diretores de cinema sul coreanos que alcançaram maior projeção nas últimas décadas (representantes da era de ouro do cinema do país), Bong Joon Ho não só é aquele que garantiu um lugar de maior destaque na indústria, como também é o que parece mais bem ter compreendido a noção de espetáculo que se exige de grandes produções que possam alcançar a base do público espectador.
Diferente do falecido Kim Ki-duk (e seu estilo espiritualizado e mais “oriental”), de Lee Chang-dong (cheio de meios-tons e ambiguidades jamais resolvidas), de Park Chan-wook (violento e graficamente exuberante) e de Hong Sang-soo (minimalista e algo “bressoniano”), o cinema de Bong Joon transita entre gêneros e aposta num olhar mais caricatural, quase burlesco, sobre temas sociais.
Se observarmos a carreira de Bong Joon, é possível diferenciar dois tipos de filmes: aqueles em que o cineasta parece deter-se nos meandros da sociedade sul coreana através de uma observação mais intimista (casos de Parasita, Mother: A Busca pela Verdade e Memórias de um Assassino) e aqueles em que ele se abre para o mercado internacional e pratica um cinema mais de gênero (como em O Hospedeiro, Expresso do Amanhã e Okja). Apesar disso, seu estilo está sempre presente e tende inevitavelmente à sátira. Para infelicidade do público, Mickey 17 pertence ao segundo grupo de filmes, bem menos interessante e original que o primeiro.
Ficção científica tenta manter o tom em meio a uma sucessão de cenas cômicas
Na trama futurista, Mickey Barnes (Robert Pattinson) e Timo (Steven Yeun) são dois sócios num empreendimento de doces na Terra que terminam por se endividar junto a um perigoso criminoso. Com medo de serem mortos e sem dinheiro para saldar a dívida, ambos se aventuram numa viagem espacial patrocinada pelo magnata e político derrotado Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), que por sua vez pretende iniciar uma colonização fora do planeta com pretensões religiosas (que na verdade jamais ficam claras pelo roteiro). Mickey opta por assumir a função de “dispensável”, um funcionário descartável que é seguidamente clonado para nascer e servir a experiências médicas até renascer num novo corpo mantendo sua psique (talvez nem tanto…) e memórias. Conforme a história avança e os exploradores planetários são confrontados com uma estranha espécie animal no novo planeta, a experiência com Mickey sai de controle e ele se vê às voltas com duas personalidades conflitantes e vivendo paralelamente.
Se num filme como Parasita, seu grande sucesso, a trama se sobrepõe ao registro quase cartunesco dos personagens e a absurdidade das situações, em Mickey 17 o caráter gratuito e cabotino na encenação ajuda o filme a despencar, especialmente num epílogo alongado que enfileira dois ou três falsos desfechos - desapontando seguidamente o público em cada um deles. O enredo morre e renasce como seu protagonista, e cada novo ciclo parece menos interessante que o anterior.
Realizador de sucesso, Bong Joon conta com o melhor da indústria a sua disposição e, embora ambientação e efeitos estejam no nível (esperado, diga-se de passagem) da pura excelência, é o elenco bem escolhido que segura o filme. Pattinson hoje é um ator bastante versátil; Ruffalo praticamente repete o histrionismo de seu personagem em Pobres Criaturas (mas o efeito cômico continua funcionando); Toni Collette é uma atriz rotineiramente maravilhosa; e Naomi Ackie modula melhor seus trejeitos que em Pisque Duas Vezes, apresentando uma performance cativante na tela.
Um filme, contudo, é um todo de significado, e não apenas um conjunto específico de boas atuações. Mickey 17 tem extrema dificuldade em manter viva a sátira, a trama e o desenrolar por intermináveis duas horas e 17 minutos. Caso fosse ligeiramente menos pretensioso em sua grandiloquente mistura de interesses e gêneros (comédia, Sci-Fi, crônica social, visão distópica do futuro, filme de gângster) e se aprofundasse em um ou dois interesses no máximo, o resultado seria mais leve e reflexivo. Como em toda adaptação literária (aqui, da obra de Edward Ashton), o filme ganha a vantagem de contar com material dramático além do que um filme necessita (podendo optar pelas melhores partes e cortar tudo que é supérfluo), mas hesitar em escolher o que é realmente importante (como parece ser aqui o caso) trabalha contra o enredo e o resultado pesa na tela.
Crítica social sobrevive à ação desenfreada e gratuita do epílogo
Como acontecera anteriormente em O Hospedeiro e Okja - nos quais o cineasta voltava sua mordacidade para a indústria química e a alimentícia, respectivamente - , em Mickey 17 o alvo de Bong Joon é a ciência médica e seu arsenal interminável de horrores instrumentalizados (tendo aqui por alvo o indefeso Barnes). O olhar do cineasta para a profunda desumanização envolvida na industrialização da vida humana e na relação desta com outras espécies é o ponto digno do filme, que peca como espetáculo para se manter de pé como crítica social.
Mickey 17 está longe de ser um grande filme, funcionando ora como comédia, ora como crítica social, sem contudo se decidir muito bem entre um e outro (um equilíbrio que o diretor encontrou com o Parasita, embora também lá ele não estivesse a salvo de uma tendência irrefreável a pesar a mão na encenação). Mas nada funciona tão mal quanto o clímax de coloração épica e que pouco se comunica com o tom espontâneo do restante do filme, um conjunto de tentativas dramatúrgicas algo desconexas de um realizador talentoso e bem-sucedido
https://www.youtube.com/watch?v=bmPWuSYajyo
Crítica | Um Completo Desconhecido faz retrato à altura de um gênio da música
Com Um Completo Desconhecido, projeto que quase foi abandonado por causa da pandemia e dos problemas de agenda decorrentes, não é exagero dizer que James Mangold cria um novo patamar mais elevado para as cinebiografias de músicos famosos. Ele já havia feito um excelente trabalho com Johnny & June, de 2005, mas lá, diferente daqui, o ponto central não era exatamente a obra do artista - no caso, Johnny Cash, que também é personagem no novo filme - mas sim o drama pessoal. Na biografia de Bob Dylan e fazendo jus ao título, o interesse passa prioritariamente pelo artista, ou mais especificamente, por sua arte, ficando todo o resto em segundo plano. Inclusive o enigma em torno do protagonista, quem realmente é ele, qual sua origem, quais suas motivações: todas essas indagações dissipam-se numa névoa sonora de inumeráveis matizes que representa seu cancioneiro.
A maior qualidade do filme de Mangold é, em certa medida, também sua talvez única limitação: ao apostar todas as fichas na música de Dylan, e particularmente na fase que vai do anonimato à consolidação, o filme deixa de lado a criação cinematográfica mais particular, de modo que toda a narrativa é conduzida - de forma hábil e elegante, é preciso dizer - pela evolução do cantor e compositor. Então, a direção parece ora intimidada, ora desinteressada, em criar momentos com algum frescor que diferencia os filmes “bons” daqueles “realmente bons”, e Um Completo Desconhecido está em algum lugar entre o primeiro e o segundo grupo.
Dylan expõe involuntariamente o lado reacionário de uma revolução
Na trama, o novato Bob Dylan (Timothée Chalamet) chega a Nova York procurando a lenda do folk Woody Guthrie (Scoot McNairy), cuja saúde debilitada aprisionou a um leito de hospital em Nova Jersey. Guthrie não consegue falar, então é auxiliado pelo também cantor e ativista Pete Seeger (Edward Norton), que rapidamente enxerga as qualidades do jovem compositor e o coloca no circuito da música de protesto com raízes rurais que naquele momento (início da década de 1960) está ganhando interesse popular e atraindo atenção das gravadoras.
Dylan logo se envolve com Sylvie Russo (Elle Fanning), uma artista plástica aspirante, enquanto vê sua carreira e vida amorosa cruzar - entre altos e baixos - com as de Joan Baez (Monica Barbaro), que então já é uma jovem cantora de sucesso. A escalada de Dylan para uma fama repentina (mas também dolorosa) levará o artista a empreender sua própria revolução pessoal dentro da revolução coletiva, quando ele pretende utilizar instrumentos elétricos em seu novo trabalho, mas encontra resistência por parte da comunidade musical e dos ativistas mais tradicionais.
Embora a trama esteja bem delineada desde o início e o ponto de vista de um Dylan calado e reflexivo permaneça sustentando a ação, é a névoa mágica das canções do cantor que conduz o filme, como se a mão do compositor convidasse a plateia a sua viagem intimista por corredores de criatividade e mistério que nem o próprio protagonista consegue explicar. A magia de seus versos, a voz que parece deslocada e, ao mesmo tempo, confere a eles uma sonoridade única, a atitude despreocupada mas, também, conturbada como reflexo de uma época de confrontação social, tudo isso está lá, ajudando a dar uma cara cinematográfica para a lenda que tão bem foi explorada no extraordinário documentário de Martin Scorsese, No Direction Home, de 2005.
Interesse do filme é maior na música que no cinema em si
Se em Johnny & June, os conflitos e tragédias de Johnny Cash ganham relevo e até mesmo se sobrepõem à obra musical, aqui Mangold faz uma opção clara por deixar que as canções de Dylan ditem o ritmo, conectando-se quase diretamente uma após outra, de modo que estamos diante de um drama musical cuja coreografia é a psicologia discreta e secundária dos personagens. O triângulo amoroso que se forma entre o artista, Baez e Russo, por exemplo, é tratado com discrição pelo enredo, assim como os conflitos latentes de Dylan com outros músicos da época. O diretor não quer que nada desvie atenção do espectador da obra de Dylan e isso, como se sabe, cobra seu preço - mas tal preço é pago pela grandeza musical a qual a produção presta tributo.
Transitando por uma vibrante (embora não sobressalente) ambientação dos anos 1960, o elenco se destaca a partir de uma construção minuciosa e brilhante de Chalamet que deveria estar sendo mais reconhecida do que, de fato, está. O ator não brilha sozinho, porque Norton, Fanning e Barbaro também se destacam, constituindo um conjunto rico e cheio de carisma para os personagens escolhidos.
Um Completo Desconhecido é um filme excepcionalmente produzido e interpretado, apresentado por uma direção consistente (embora tímida) e que seguramente dá um passo adiante de outras biografias musicais, como Bohemian Rhapsody (2018), Rocketman (2019) ou Elvis (2022) - ironicamente filmes que trabalham mais o espetáculo cinematográfico e que diluem a obra do artista numa dramatização mais tradicional. Talvez seja impossível fazer um filme perfeito que nada mais é que um retrato em outro meio da perfeição musical de Dylan (existe cópia para a perfeição?). Então, talvez fosse mesmo impossível fazer um filme melhor que este. O resultado é mais do que suficiente.
https://www.youtube.com/watch?v=Ttf3qmxGOhE
Crítica | A Garota da Agulha é um drama com cara de thriller

Magnus von Horn não é um cineasta conhecido do grande público e ainda não figura entre os grandes diretores suecos da atualidade, como Ruben Östlund e Daniel Espinosa.
Em A Garota da Agulha, Magnus nos dá uma amostra de como seu cinema só melhora a cada nova produção. Em Suor (2020), o diretor sueco já havia feito um trabalho interessante ao abordar o mundo dos influenciadores fitness. Agora, à frente do longa dinamarquês Indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, conta uma história que chocou Copenhague em 1919.
Baseado em fatos reais
A trama se passa no período pós-Primeira Guerra Mundial, quando grande parte da Europa estava enfrentando dificuldades econômicas e a Dinamarca passava por um período de instabilidade na economia, com crise na indústria local.
Karoline (Vic Carmen Sonne) é uma operária que aguarda o retorno de seu marido da guerra. Sem dinheiro, ela é expulsa de sua moradia por falta de pagamento. Para piorar, envolve-se com um homem rico que a engravida, a abandona e, além disso, a faz perder o emprego.
Nesse cenário, Karoline faz amizade com Dagmar (Trine Dyrholm), uma mulher conhecida pelos moradores locais por encontrar famílias dispostas a adotar os bebês de mães que não querem criar os filhos.
A princípio, a produção parece contar a vida de Karoline e, de fato, isso acontece, mas o que Magnus realmente quer nos mostrar é como Dagmar era uma assassina cruel, e isso é apresentado sob a perspectiva de Karoline.
O choque causado quando nos são reveladas as reais intenções de Dagmar se torna a cereja do bolo de uma narrativa que começa com o sonho de Karoline de se casar com um homem rico e mudar de vida, mas termina em um pesadelo, à medida que a própria Karoline, e depois a sociedade dinamarquesa, fazem descobertas sombrias sobre os acontecimentos.
O longa é baseado na vida de Dagmar Johanne Amalie Overbye, uma das maiores assassinas em série da Dinamarca. Entre 1913 e 1920, ela matou várias crianças entregues por mães que acreditaram em sua palavra sobre a adoção dos bebês e a promessa de que teriam uma vida melhor.
Realidade monocromática
O filme soa quase como um conto de horror, no qual Karoline se encontra na pobreza, grávida, abandonada por um homem e sem dinheiro, isso em uma época em que o feminismo ainda não havia ganhado força. Esse é um dos principais acertos do roteiro escrito por Magnus em colaboração com Line Langebek Knudsen.
Karoline desiste do marido ao ver o que aconteceu com seu rosto durante a guerra e não quer mais ser sua esposa; ela deseja liberdade e quer ficar sozinha, embora acabe se arrependendo momentaneamente dessa decisão mais adiante.
É perturbadora a forma como Magnus retrata Copenhague, um lugar marcado pela sujeira e pobreza, e o tom em preto e branco, criado pelo diretor de fotografia Michał Dymek, contribui para intensificar a atmosfera sombria da narrativa.
A Garota da Agulha é uma melancólica obra que retrata a realidade de uma época. Não é apenas um filme sobre uma assassina em série, mas também uma história sobre mulheres que tomam decisões que impactam suas vidas e a de terceiros como um todo. No caso de Karoline, isso envolve sua filha. O ato final é de partir o coração, é como se o espectador recebesse um golpe brutal.
Memórias de um Caracol (Memoir of a Snail, Austrália – 2024)
Direção: Adam Elliot
Roteiro: Adam Elliot
Elenco: Jacki Weaver, Sarah Snook, Charlotte Belsey, Agnes Davison, Mason Litsos, Daniel Agdag, Eric Bana
Gênero: Animação, Drama
Duração: 95 min.
Crítica | Memórias de um Caracol é uma melancólica metáfora

Inserir temas adultos e complexos em animações é algo bem comum. Em Divertida Mente 2 o assunto era as angústias e emoções dos adolescentes, em Homem-Aranha: No Aranhaverso a questão da identidade era retratada de forma inteligente. O mesmo ocorre no existencial Memórias de um Caracol.
A animação dirigida e roteirizada por Adam Elliot, o mesmo responsável pelo curta-metragem de animação Harvie Krumpet (vencedor do Oscar em 2003) e por Mary e Max - Uma Amizade (2009). O roteiro traduz os sentimentos que passam por dois garotos que nasceram em uma sociedade em que sentem não estarem inseridos.
Adam é um conhecedor da arte de fazer animações de qualidade e Memoir of a Snail (título original) é apenas mais uma de suas grandes produções, com a diferença de não contar com um roteiro tão qualificado quanto algumas de suas obras anteriores.
A trama conta a história de Grace, que é irmã gêmea de Gilbert. Os dois se tornam órfãos a partir do momento que são separados, com cada um indo parar em um ponto oposto da Austrália, perdendo a conexão que havia entre eles como gêmeos.
Não dá para definir a animação como algo leve, pois, de início, já nos é mostrado que não se trata de uma história feliz, mas sim de uma obra que trabalha temas complexos, como superação e solidão, de maneira direta e não tão "fofinha" como costumamos assistir neste tipo de produção.
Memórias de um Caracol foi filmado utilizando a técnica de stop-motion, algo que impressiona e ajuda a dar maior beleza visual à narrativa. Adam erra em alguns pontos, como o uso de uma narração monótona e chata, além de contar com um ritmo maçante, fatos que certamente farão o espectador dar algumas piscadas e possivelmente até dormir ao longo da trama.
Memórias de um Caracol (Memoir of a Snail, Austrália – 2024)
Direção: Adam Elliot
Roteiro: Adam Elliot
Elenco: Jacki Weaver, Sarah Snook, Charlotte Belsey, Agnes Davison, Mason Litsos, Daniel Agdag, Eric Bana
Gênero: Animação, Drama
Duração: 95 min.
Review | Ninja Gaiden 2 Black é o remake que todos fãs pediam, mas não da forma que queriam
A saga de Ninja Gaiden 2 é nada menos que icônica para todos os que vivenciaram esse grande momento do hack n’ slash em seu lançamento original em 2008. Foi um dos maiores títulos exclusivos do Xbox 360 por anos, além de se tornar um título lendário ao apresentar um combate tão visceral, frenético e violento, conseguindo fazer frente à God of War, maior expoente do gênero até então.
Como a conservação de jogos exclusivos ainda é um debate complexo, Ninja Gaiden 2, em sua forma original, ainda segue exclusivo dos sistemas Xbox, sendo impossível de jogar em qualquer outro lugar. É uma relíquia nem tão perdida assim já que anos depois, a Koei Tecmo remasterizou a trilogia com a versão Sigma - que por sua vez já foi remasterizada recentemente.
Com o Sigma lançado para o PlayStation 3, a versão trazia conteúdo extra, mudanças de mecânicas e desenho de fase, mas ao mesmo tempo eliminava a sanguinolência e carnificina do original, além de reduzir o número de inimigos simultâneos no combate. Por isso, quando Ninja Gaiden 2 Black foi anunciado e lançado ao mesmo tempo, muita gente exclamou de alegria, pensando que se tratava de um remake digno do original, mas na verdade a história é um pouco mais complexa.
https://www.youtube.com/watch?v=CYS60ObbyZo
Nostalgia em pauta
Ninja Gaiden 2 Black na verdade é um remake feito na Unreal Engine 5 da versão de Ninja Gaiden 2 Sigma, mas adicionando de volta toda a violência que marcou gerações, além de inúmeras melhorias de qualidade de vida. A história acompanha Ryu Hayabusa, o lendário Dragão Ninja, em sua jornada muito desconexa ao redor do mundo para impedir que a satanista Elizabét consiga trazer o arquidemônio supremo de volta à atividade ao mesmo tempo que conta com a ajuda da agente americana Sonya.
Falar da narrativa do jogo é praticamente uma enorme perda de tempo, pois ela é extremamente simples, repleta de furos bizarros, além de trazer saltos entre locais diferentes ao redor do mundo que fazem pouco ou nenhum sentido. Serve apenas para diversificar as fases conceituais que eram clássicas em games mais antigos que se valiam do design do nível para apresentar novidades como armas e inimigos.
Se tratando da versão Sigma totalmente repaginada, nota-se a ausência completa dos puzzles que ainda existiam no original, mas isso não chega a afetar negativamente a experiência. O que gera uma fadiga é a escolha de mitigar a dificuldade ao apresentar inimigos menos agressivos com maior barra de vida em menor quantidade - ao contrário de trazer inimigos agressivos de pouca vida aos montes como era no clássico.
As três fases adicionais com as personagens Rachel, Ayane e Momiji quebram o ritmo do jogo que já apresenta um certo desgaste em seu ritmo por conta da repetição e falta de novidades no terço final. Além disso, o jogo não traz consigo o modo de New Game+ que certamente afeta seu valor final ao longo do tempo.
Entretanto, ter a oportunidade de rejogar ou até mesmo de conhecer Ninja Gaiden 2 não deve ser esnobada ou minimizada. Ter enfim uma versão definitiva da obra em toda sua gloriosa sanguinolência e sem sofrer censuras para agradar o dito “público moderno” é uma verdadeira conquista.
O jogo nunca foi visualmente tão lindo com texturas atuais, iluminação totalmente retrabalhada, além da adição de diversas características para a direção de arte icônica do game. As diferenças já são notadas desde a primeira fase nos arranha-céus de Tóquio até o final do jogo dentro do Monte Fuji - aqui, o combate já dá uma verdadeira cansada, mesmo com a experimentação de diversas armas e upgrades realizados na loja do Muramasa.
Apesar do rigor técnico do jogo ser positivo e o game funcionar bem depois dos patches de lançamento, há alguns problemas muito particulares à versão de PC que valem o aviso e que certamente prejudicaram minha experiência.
A primeira coisa a ser feita é desativar o ray tracing que faz pouca ou nenhuma diferença a um custo massivo de performance. Além disso, para quem já possui placas RTX 40, é uma boa ideia desligar o frame generation que aumenta a latência do controle de um modo muito inconveniente sem conseguir alavancar os frames de forma significativa. Além disso, o jogo exagera no slider de nitidez para o DLSS, tornando tudo muito desagradável de ser visto - então zere a nitidez por completo para ter uma experiência visual mais polida.
Ainda nisso, há um monte de efeitos de pós-processamento que incomodam como o motion blur mais feio da história recente, vinhetas, aberração cromática, bloom, entre outras coisas. Depois de desativar tudo isso, aí sim deu para notar o quão belo é o jogo, apesar do visual de seus personagens ser tão artificial que confere uma aparência de cartum para eles, principalmente para Sonya e Muramasa.
Há outros bugs bizarros envolvendo a hitbox de alguns chefes, um que encadeia combos de algumas armas em paridade com o FPS, além da batalha de primeiro estágio do chefe final ser uma verdadeira chatice - mas isso é demérito do jogo mesmo na versão original. Mas nada disso chega realmente a ser um impeditivo para concluir a história do jogo que continua dificílimo como sempre foi.
A experiência sonora também não é marcante, mas traz as mesmas músicas genéricas e funcionais do original, além das faixas de voz relativamente remasterizadas. Para mim, a melhor correção envolveu a seção de plataforma da Torre do Relógio - era um verdadeiro pesadelo prosseguir nesse segmento, dar de cara no chão e recomeçar tudo de novo.

Definitivo, mas ainda não ideal
Ninja Gaiden 2 Black é provavelmente o mais próximo que os fãs vão conseguir de um remake do icônico game de 2008. Muito provavelmente o código fonte do original esteja perdido e, por isso, a versão retrabalhada tenha sido a Sigma. Ainda se trata de um título muito divertido de uma época cujo principal objetivo de um game era entreter com ação ininterrupta, fases marcantes, arsenal divertido, exagero e violência. Tempos que certamente não voltam mais.
Então, ter o prazer de jogar mais uma vez Ninja Gaiden 2 com tantas melhorias visuais certamente foi uma experiência muito válida, mas eu não sei se depositaria tanto dinheiro no valor proposto de lançamento. Como o game está disponível no Game Pass para Xbox e PC, não há proposta melhor e, agora, há muito espaço para mods melhorarem ainda mais o título para aproximá-lo das propostas do original. Certamente vale o seu tempo, mas saiba onde investir os reais da sua carteira, afinal trata-se de um jogo curto sem o fator de replay primordial.
Crítica | O Brutalista celebra a forma cinematográfica debruçado no pesadelo do século XX
Ao se deparar pela primeira vez com as imagens de O Brutalista, um clássico do cinema imediatamente vem à mente: Vontade Indômita, a saga de Howard Roark, personagem criado pela filósofa Ayn Rand e protagonista do romance que deu origem ao filme homônimo de King Vidor. Há ao menos um breve momento em que os dois filmes cruzam-se diretamente: quando László Tóth (Adrien Brody) recusa um trabalho porque, caso o aceitasse, estaria “trabalhando para outra pessoa” - e provavelmente não para “si mesmo”.
É o tipo de diálogo que encarna a personalidade do arquiteto Roark, um espírito livre que se mantém fiel a poucos e inquebrantáveis princípios (por exemplo, o de jamais trabalhar de graça, o que o tornaria um escravo, em sua visão de mundo). Os dois filmes se iniciam praticamente no mesmo momento histórico, também (o final da dṕecada de 1940).
Embora a paixão de Roark e Tóth se assemelhem em dimensão, suas naturezas são provavelmente opostas: enquanto a jornada do personagem vivido por Gary Cooper no filme de Vidor é uma jornada de encantamento, a de Tóth caminha em sentido oposto - tudo em O Brutalista leva a um profundo desencanto, seja ele ocasionado pela mesquinhez humana dos personagens, seja por tragédias ou fracassos provocados.
Nesse sentido, o épico de mais de três horas dirigido por Brady Corbet lembra menos a adaptação de Rand e muito mais o cinema de P.T.Anderson em sua fase “kubrickiana” (que é ligeiramente diferente daquela que se inspira mais em Altman e Scorsese), a de grandes filmes como Sangue Negro e O Mestre - ainda que aparentemente Corbet se incomode com a comparação.
A semelhança de O Brutalista com O Mestre, por exemplo, não se limita ao caráter errático dos personagens, mas também ao aspecto formal da obra: tanto Anderson quanto Corbet parecem nutrir interesse profundo pelo que o cinema tem de organicamente essencial, então ambos apostam na textura de grandes formatos ou da cinematografia anamórfica - em cada caso, tais escolhas reforçam o caráter invulgar das obras, acentuando um olhar pessoal (ora nostálgico, pela escolha da película, ora profundamente moderno, pela moralidade ambígua da trama) de cada cineasta.
Se tanto Sangue Negro quanto O Mestre jogam com a perspectiva faustiana em suas tramas, aqui não poderia ser muito diferente. O titereiro sedutor ganha corpo na interpretação de Guy Pearce, a despeito de sua atuação ir além do que o roteiro propõe para o personagem (e esta parece ser uma das fraquezas do enredo, conforme veremos mais adiante).
Se nos filmes de Anderson, o jogo entre sedutor e seduzido se confunde num reflexo entre espelhos enganador (nas relações entre Daniel Plainview e Paul Sunday, no primeiro, e entre Lancaster Dodd e Freddie Quell, no segundo), em O Brutalista não há muita dúvida de quem (tenta) corromper e de quem é (ou não) corrompido.
https://www.youtube.com/watch?v=TfoYKoHB5_A&t=3s
Enredo percorre décadas da vida dos personagens
Na trama, Tóth é um arquiteto austro-húngaro que imigra para a América após escapar da perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial, deixando para trás uma carreira como arquiteto modernista, a esposa “Elizabeth” (Felicity Jones) e uma sobrinha. Na Pensilvânia, ele é hospedado pelo parente radicado Attila (Alessandro Nivola) e sua esposa, que têm uma pequena fábrica de móveis. Logo envolvido injustamente numa intriga familiar e prejudicado por uma encomenda não paga pelo milionário Van Buren (Pearce), Tóth é obrigado a virar um trabalhador braçal na construção (nos moldes de Roarke em Vontade Indômita).
Mas seu declínio é interrompido quando Van Buren reconhece seu talento e realizações na época europeia, e o hospeda em sua mansão para que ele construa uma faraônica obra comunitária que envolverá diferentes interesses e disputas comerciais, sindicais e religiosas, além da latente desconfiança por causa da origem do arquiteto. Mais tarde, Elizabeth consegue entrar nos Estados Unidos acompanhada da sobrinha, e um frágil núcleo familiar se forma novamente, mas agora Tóth já carrega novas feridas que se somam às da época da sobrevivência diante da perseguição nazista.
Como épico de desencanto, acompanharemos do ponto de vista do protagonista um retrato sem aparas da nova realidade encontrada pelos imigrantes, que têm suas vidas salvas enquanto o desafio de conviver com traumas e o choque cultural que se apresenta dia a dia. O caminho escolhido por Corbet está longe de ser o do melodrama; ele prefere meios-tons e palavras não ditas, mantendo um leve clima de incômodo que paira sobre os personagens mas só atinge o ápice na sequência ambientada na Itália - como se magicamente o pesadelo retornasse quando o protagonista também retorna ao Velho Continente.
Alguns acharão a cena de violência um pouco descontextualizada e de fato ela representa talvez a maior fraqueza do filme (ao lado de uma certa frieza que se mantém pela projeção toda): nenhum dos conflitos propostos pelo roteiro parece suficientemente explorado, seja aquele entre o casal de imigrantes, entre o mecenas e o artista, e mesmo o drama íntimo deste permanece obscuro (ou seria mais justo dizer, “superficial”) até o epílogo, quando o enredo dota a representação estética elaborada pelo arquiteto de um significado humanista comovente. E aí o filme acaba abruptamente, apesar das quase quatro horas que se passaram e não jogaram luz suficiente sequer no protagonista, que num raro momento ensaia nutrir uma “paixão revolucionária” pela qual o roteiro pouco se interessa em seu desenrolar.
A cena de maior brilho (e que até por causa da opacidade de outros momentos, ganha relevo) é a confrontação entre uma Elizabeth que finalmente “se ergue” e um Van Buren acuado, sentado e diminuído diante de família e amigos. Um excelente momento de Felicity Jones, que o resto do tempo rivaliza na tela com o quase sempre excepcional trabalho de Brody, um ator melhor para atuar do que para escolher papeis (e este ótimo é talvez uma exceção em sua filmografia recente). Aqui, ele tem a oportunidade de explorar um caminho iniciado em O Pianista, e não seria delirante considerar que o personagem do filme de Polanski seria o personagem deste se tivesse fugido para a América, com os mesmos traumas e o desafio de adaptação.
Elenco é destaque, mas está longe de ser o único
Filmado cuidadosamente e até para caber em seu orçamento (modesto para e o gênero e para sua própria ambição), a direção faz escolha meticulosas e austeras, como na cena de abertura, que nas mãos de um cineasta menos compenetrado talvez custasse a verba do filme todo, mas Courbet consegue resolver o problema com luz e sombra e uma Estátua da Liberdade de cabeça para baixo (uma escolha genial, há de se reconhecer).
Sem se preocupar com notas altas de emoção ou momentos de intensidade na trama, seu forte é a ambientação (o que também é uma característica do cinema de P.T.Anderson). Courbet despreza o clímax, preferindo manter o filme num ritmo discreto, constante em notas sutis, pequenas agressões e estados emocionais de perturbação reprimida.
O Brutalista é um filme bastante longo: tem mais de três horas e meia, embora 15 minutos sejam de intervalo na tela - o que aumenta a duração mas oferecem um respiro proveitoso e bem posicionado dentro do enredo. Diferente de Anora, por exemplo, que é “alongado” - ou seja, uma história que fatalmente se contaria em 90 minutos se arrasta para quase duas horas e meia (o que tampouco elimina outras qualidades do filme de Sean S. Baker).
O Brutalista não tem tempos mortos ou grandes digressões, apenas ”muita coisa” acontece e o tempo que o filme leva para contar tudo isso acaba sendo justificado. Tal qual Emilia Pérez, por outro lado, O Brutalista é sui generis demais para ser ignorado, especialmente quando admitimos que o cinema hoje é dominado pela abordagem naturalista de câmera no ombro e enquadramentos fechados que faz tantos filmes se parecerem uns com os outros. Uma celebração comedida da paixão pelo cinema que se debruça na História como pesadelo do qual raramente se desperta.
Crítica | Bridget Jones: Louca pelo Garoto adiciona pouco a uma fórmula que funcionou melhor no século passado
A nostalgia de Bridget Jones: Louca pelo Garoto, que remete à época de ouro das comédias românticas, acaba por expor o esquematismo da fórmula, a qual, repetida à exaustão e num momento onde prevalecem cinismo e desconfiança em vez de romantismo, serve apenas como escapismo leve e que é esquecido meia hora depois que a projeção acaba.
Durante toda a década de 1990, uma sucessão de estrondosos sucessos do subgênero não só construiu uma nova tradição, como provavelmente arruinou toda uma geração de jovens que aprenderam nas telas a ansiar por relacionamentos irreais de alta elaboração sentimental, encontros fortuitos que terminam por gerar famílias, inadequados que se revelam mestres na cama, encontros e desencontros intermináveis e toda uma vida amorosa aparentemente sonorizada por canções pop espertas.
Essa idealização em torno dos relacionamentos amorosos sempre pareceu muito mais interessante na tela do que na vida real, especialmente por causa de roteiros originais que souberam transitar entre o cinismo e a diversão e astros e estrelas que deram roupagem a conflitos que, incorporados por elencos menos interessantes, soariam ridículos. Foi o tempo de filmes realmente exemplares, tais como Quatro Casamentos e um Funeral (1994), Uma Linda Mulher (1990), O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), Jerry Maguire (1996), entre outros.
Nenhum dos filmes anteriores da “franquia” Bridget Jones (de 2001, 2004 e 2016) sequer chegou perto da qualidade, da graça ou do atrevimento desses verdadeiros clássicos do gênero, notadamente pelo fato de que a personagem-título é uma figura chorosa, sempre prestes a desmanchar na tela, escorregando entre lágrimas de poltrona em poltrona.
Na nova trama, Bridget Jones (vivida por uma Renée Zellweger ainda repleta das caras e bocas que fizeram sua fama) vive a pressão de criar dois filhos sozinha, após uma tragédia ter abalado a família (e tornado todo o primeiro ato do filme agourento demais para uma comédia). Instigada pelo círculo familiar, ela decide voltar a trabalhar como produtora de TV, ao mesmo tempo que conhece um garoto bem mais jovem (Roxter McDuff) que servirá como estopim para as habituais mitificações que o cinema da indústria costuma dar aos relacionamentos amorosos. Nem tudo sai como esperado, mas mesmo assim Bridget encontra consolo num educador da escola de seus filhos (vivido pelo infeliz Chiwetel Ejiofor, um excelente ator que se esforça aqui com o pouco que lhe é oferecido), um tipo desajeitado mas que rapidamente revelará encantos desconhecidos - por exemplo quando tira a camisa gratuitamente.
https://www.youtube.com/watch?v=AZr9lYz12jw&t=1s
Filme reforça mitologia do gênero sem apresentar nada de novo
O filme novo funciona como um verdadeiro compilado de lugares-comuns e situações que se precipitam e diante das quais resta pouco a surpreender a audiência: esquematicamente, há dois interesses românticos para a protagonista (um dos dois irá malograr para que o outro tenha êxito), que ao mesmo tempo se propõe um novo desafio profissional (o qual também inevitavelmente incluirá copos de papelão com café fervente e correrias em ambientes de escritório). Não podem faltar os coadjuvantes desbocados, um tipo característico a ser ridicularizado (no caso, um cinquentão de camisa polo), crianças com perspicácia acima da média, uma antagonista arrogante (a qual o roteiro nem se dá ao trabalho de desenvolver) e por aí vai.
Embora seja difícil compreender como uma significativa parte do público possa ainda hoje se deixar envolver por uma narrativa tão pré-esquematizada, cujo desfecho é tão óbvio e cujo desenrolar envolve meia dúzia de cenas igualmente previsíveis (a câmera lenta, o pôr do sol, a dança em família, a indiscrição pública, etc.), o filme teima em funcionar em sua ambição medíocre e robotizada (embora a metragem seja de ultrajantes 124 minutos).
Elenco tem pouco destaque porque o roteiro não ajuda
Hugh Grant funciona hoje como um selo de garantia para qualquer produção. O ator conseguiu construir uma persona cinematográfica muito poderosa, embora não lhe falte versatilidade (como vimos recentemente em Herege). São dele os raros e melhores momentos de autoironia num filme que, de resto, parece deslocado no tempo, um compilado de ideias e situações já vistas em outras ocasiões, com diálogos mais afiados e mordazes - o que não é o caso aqui.
Entretanto, seria enganoso fingir que Bridget Jones: Louca pelo Garoto não funciona para seu público e não cumpre seu papel. Há um passatempo minimamente saboroso em pensar que ainda estamos no final do século passado, que as pessoas não se tornaram patologicamente antissociais e desconfiadas de estranhos e que a convivência em comunidade ainda pode parecer um amistoso acampamento de final de semana. A forma que o filme assume soa tão corriqueira que deve haver um conforto discreto em intimamente não esperar surpresas. Para uma audiência que, muitas vezes, entende o inusitado cinematográfico como uma “ofensa” (como no caso do altamente provocativo e impossível de qualificar Emilia Pérez), a mediocridade e a patetice de Jones guardam lá seu valor.
Crítica | Conclave - Um jogo de intrigas e poder

Dizer que Conclave é um filme religioso não é um erro, mas ele não trata exclusivamente da Igreja Católica. O foco está no processo de votação para a escolha de um novo Papa e nas maquinações construídas nos bastidores para que um candidato seja escolhido.
Ou seja, Conclave aborda em sua trama mais a questão política do que propriamente a religiosa, e percebe-se isso quando o Cardeal Lawrence (interpretado de forma magistral por Ralph Fiennes) começa a conversar sobre a sucessão com o Cardeal Bellini (Stanley Tucci), que é o favorito para ser o próximo pontífice.
Alguns irão chamar o longa de progressista por apresentar personagens que buscam transformar a Igreja por meio de questões sociais e econômicas que vão além das práticas atuais. Essas questões estão, de fato, inseridas no roteiro adaptado de forma inteligente por Peter Straughan, a partir do livro homônimo de Robert Harris.
Para filmar esta história de ambição e poder, nada melhor do que um diretor que goste de tramas desse gênero. Desta forma, Edward Berger, vencedor do Oscar de Melhor Diretor em 2023 por Nada de Novo no Front, é uma escolha acertada.

Jogos de Intrigas
O roteiro apresenta diversas críticas à Igreja, retratando um ambiente onde os cardeais reunidos para a votação estão carregados de pecados e parecem ter esquecido seu verdadeiro papel na sociedade.
Os religiosos são mostrados fumando, preocupando-se mais em sentar à mesa para comer do que em rezar, entre outras "fraquezas" que reforçam ainda mais o tom crítico do filme.
Uma trama obscura sobre os bastidores da Igreja não poderia deixar de ter antagonistas — neste caso, figuras que parecem querer levar a instituição de volta ao passado, como o preconceituoso Tedesco.
As intrigas que surgem durante o período em que os cardeais estão confinados, bem como o próprio processo de votação, retratam uma Igreja composta por indivíduos movidos por ambições. O cardeal Lawrence, por exemplo, nunca declara explicitamente seu desejo de se tornar o próximo Papa, mas suas ações para desmascarar concorrentes deixam claro seu interesse pelo cargo.
Conclave não é apenas um filme sobre a sucessão papal. Ele possui múltiplas camadas, e a direção de Berger, em contraste com as imagens da Capela Sistina e o vermelho intenso das túnicas dos cardeais, cria grandes momentos. São esses pequenos detalhes que tornam essa história repleta de reviravoltas em um dos grandes filmes do ano.
Conclave (idem, EUA – 2024)
Direção: Edward Berger
Roteiro: Peter Straughan, adaptado do livro de Robert Harris
Elenco: Ralph Fiennes, Jacek Koman, Lucian Msamati, Stanley Tucci, John Lithgow, Isabella Rossellini, Sergio Castellitto, Carlos Diehz
Gênero: Drama, Thriller
Duração: 120 min.
Review | Marvel's Spider-Man 2 é lindo no PC, mas vem com problemas técnicos
Marvel 's Spider-Man 2 saiu para PC recentemente. Em geral, como aqueles que jogaram no PS5 sabem, se trata de um bom jogo que aprimora alguns aspectos dos lançamentos anteriores do cabeça de teia nos videogames. Mas, infelizmente, o port da Nixxes sofre com problemas técnicos relativamente graves já que alguns chegam até mesmo a congelar o PC do usuário. Como a PlayStation tem uma tradição de trazer bons ports, é importante salientar que se trata de uma exceção à regra e, ainda assim, o jogo está em um melhor estado que o do lançamento de The Last of Us para PC, por exemplo.
Embora Marvel 's Spider-Man 2 mantenha toda a qualidade visual e a fidelidade à narrativa que marcaram o título no PlayStation, a adaptação para PC tem enfrentado críticas severas por problemas técnicos. Mesmo jogadores com hardware de ponta relatam uma experiência abaixo do esperado.
https://www.youtube.com/watch?v=HdzlOQoG8TE
Problemas no paraíso
Sempre considerei estes jogos do Homem-Aranha de mundo aberto muito relaxantes, é uma experiência um tanto terapêutica se balançar por Nova York em teias assim como o super-heroi, sonho de muitas crianças, eu inclusive. No entanto, essa experiência acaba sendo bastante frustrada por crashes e bugs quando jogamos no PC da maneira que o jogo se apresenta agora em seu lançamento.
Eu raramente consigo passar de uma hora com o jogo ininterrupto. Sempre acontecia um crash para atrapalhar a experiência. Mesmo em PCs que atendem – e até superam – as especificações recomendadas, o jogo apresenta crashes constantes. Há relatos de que o jogo sequer permite avançar do menu principal em algumas ocasiões.
Acontecem também muitos stutters, às vezes chegando a congelar por alguns momentos. Meu PC tem configuração intermediária, mas há relatos que em sistemas com configurações robustas (como com uma RTX 4070 SUPER e um Ryzen 7 5700X), os jogadores constataram uma média de 45–60 FPS, com variações abruptas que comprometem a fluidez da experiência.
Além dos problemas de performance, há relatos de erros nas cinemáticas – desde falhas de sincronização de áudio até personagens apresentando bugs visuais, o que prejudica a imersão na narrativa.
O que ajuda é desativar recursos avançados, como o ray tracing, sendo a única maneira de reduzir os crashes, o que evidencia uma otimização insatisfatória para o PC. Caso queira uma experiência com altas taxas de quadro em 4k talvez apenas a 4090 e as novas placas superiores da série 50 da NVIDIA deem conta. No entanto, mesmo usuários dessas placas de ponta apontam problemas. Isso configura um problema de software que talvez seja corrigido no futuro.
Em outro sistema de testes, munido de uma 4090, os problemas também são perceptíveis. Mesmo com alguns ajustes nas configurações, o jogo não conseguiu atingir mais de 100 fps mesmo com a geração de frames ativa em 4K. Para conseguir alta fidelidade gráfica mais o melhor do ray tracing aperfeiçoado, o jeito foi implementar manualmente o DLSS 4 e ativar o REbar. Assim, muitos problemas de engasgos, altas quedas de frames e crashes foram mitigados, além de atingir uma estabilidade de 90 fps em 4K.
Nota-se também a falta de algumas poucas texturas de efeitos e alguma falha esquisita na oclusão ambiental que ainda é inferior às versões do PS5 - o que é bastante bizarro já que o jogo, em geral, é um upgrade notório da versão original de console, trazendo texturas muito superiores e efeitos ray tracing de última geração. É raro a Nixxes lançar algum produto com esses problemas, então lamento bastante.

Retorno dos Homens-Aranha
Em geral, a jogabilidade é bem satisfatória. O jogo traz diversas melhorias em relação aos anteriores. Agora é possível controlar dois Homens-Aranha, Peter Parker e Miles Morales. Eles possuem algumas diferenças entre si em relação às habilidades. No início Peter possui habilidades em que utiliza o gadget especial das patas metálicas de Aranha e mais tarde, ele ganha habilidades relacionadas ao simbionte. Miles por sua vez possui habilidades elétricas do seu “veneno”.
O combate também está mais variado em possibilidades. Enquanto que no primeiro jogo da Insomniac era possível apenas se esquivar dos ataques, aqui também temos um sistema de parry que adiciona mais dinamicidade nos embates.
Além disso, enquanto só podíamos contar com os gadgets para auxiliar nos combates e apenas uma habilidade especial que vai sendo preenchida com o tempo, neste jogo temos quatro, aliás 5 se contarmos com a habilidade especial que ativamos ao apertar R3 e L3 combinados. No caso de Peter, ele entra em uma espécie de modo berserker com o simbionte, já Miles faz a eletricidade do veneno explodir, causando grande dano.
As mecânicas de navegação também tem novos elementos que a deixam ainda melhor do que nos jogos anteriores. Temos agora uma espécie de wingsuit que nos faz planar sobre a cidade, às vezes dando uma impressão de que estamos voando por Nova York e além de nos sentirmos como o Homem-Aranha, também temos uma leve pitada de Superman por causa disso (ou qualquer outro heroi voador). Há também o slingshot, em que Miles e Peter posicionam as teias de modo a lançá-las como um estilingue. A sensação de fazer isso é sempre bem satisfatória.
As áreas acessíveis de Nova York também tiveram adições. Enquanto que nos jogos anteriores tínhamos apenas Manhattan para explorar, agora também temos outras partes como Astoria, Little Odessa e Queens. Cada um dos bairros tem atividades secundárias que complementam o jogo e adicionam mais algumas horas de diversão para além do conteúdo principal.

Enfrente sua sombra em Spider-Man 2
Neste jogo temos a presença de duas figuras ilustres do universo do Aranha que ainda não tinham dado as caras nos jogos da Insomniac: Kraven e Venom. Esses dois vilões proporcionaram algumas das melhores histórias do Homem Aranha nos quadrinhos e quem sabe seja possível dizer que figuram entre as melhores da Marvel em geral. A presença desses dois personagens então contribui imensamente para a história do jogo.
A Insomniac tomou algumas liberdades para trazer novas versões dos personagens. Kraven nos quadrinhos é uma espécie de Rambo combinado com Predador, em que ele gosta de caçar sozinho suas presas, sempre buscando se provar como o melhor caçador e sua principal presa geralmente é o Homem-Aranha, o desafio que ele considera ideal.
Neste jogo, Kraven também gosta de caçar presas poderosas, mas possui um exército inteiro para auxiliá-lo. O caçador está doente e morrendo, mas não deseja ser morto por uma doença e está ansioso para conhecer alguém que possa derrotá-lo em um combate até a morte. Alguns desses elementos são tirados de um dos maiores arcos dos quadrinhos, “A Última Caçada de Kraven”.
Venom é outro vilão icônico, que tem origem no alienígena parasita simbionte. Quando o simbionte está presente na história, podemos ter certeza que algum personagem vai enfrentar seu eu sombrio, geralmente o próprio heroi. Este é um tema psicológico que sempre achei um tanto interessante. O Homem-Aranha sempre foi poderoso, com o simbionte ficando ainda mais e ele acaba deixando isso subir à cabeça, alterando seu comportamento para pior, Peter começa a tratar as pessoas com desdém. Claro que existe alguma influência externa do alienígena, mas também revela um lado do Aranha que ele preferia manter escondido.
A Insomniac criou um Venom um tanto diferente dessa vez. Ele tem menos fraquezas, se resumindo a apenas sons de altas frequências e está muito mais forte. O hospedeiro também é um personagem que geralmente não é associado ao alienígena, o melhor amigo de Peter Parker, Harry Osborn. No jogo, Harry possui uma doença incurável e o único jeito que seu pai, Norman, encontra para salvá-lo é colocando o ser alienígena em seu próprio filho.
Miles possui um antagonismo interessante, com Martin Li, o Sr. Negativo, que matou seu pai no primeiro jogo da série da Insomniac. Miles está em um dilema onde busca vingança e pode ser corrompido por isso, enquanto o vilão se arrepende e busca a redenção pelos seus atos. Ambas as representações das situações dos personagens abrem precedentes para uma discussão interessante.
A história tem partes bem interessantes, mas também tem alguns diálogos esquisitos e questionáveis. Por vezes entra em assuntos que tentam levar a frente uma agenda política da esquerda americana que não faz a história ficar mais interessante para a maioria do público que procura jogar esse jogo e interessa apenas uma pequena minoria. E como já diz o ditado, quem procura agradar todo mundo, acaba não agradando ninguém.
Conclusão
Já faz algum tempo que sabemos que Marvel 's Spider-Man 2 é um bom jogo que traz elementos bem interessantes no gameplay e na narrativa. Mas infelizmente como port para PC o jogo decepciona com uma série de bugs, travamentos e crashes que deixam a experiência que deveria ser boa e relaxante, em uma frustração completa. Eu recomendaria esperar um patch que corrija a maior parte dos problemas.
Agradecemos à PlayStation pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Crítica | Sing Sing tem em Colman Domingo seu principal trunfo

Não se espera nada de Sing Sing quando começamos a assisti-lo, mas, após a apresentação dos personagens e o conhecimento da rotina dos homens presos que fazem parte de um grupo de teatro, acabamos mudando de ideia e mergulhamos de vez na trama.
A história do grupo de prisioneiros da penitenciária conhecida pelo nome de Sing Sing narra o desenvolvimento de um programa com o objetivo de reduzir a reincidência criminal, utilizando o poder transformador da arte na vida dos detentos.
Não é à toa que o longa, dirigido por Greg Kwedar e coescrito por ele em conjunto com Clint Bentley, foi indicado na categoria de Melhor Roteiro Adaptado no Oscar 2025.
O roteiro é baseado no artigo da Esquire escrito por John H. Richardson, que abordava o programa conhecido como Rehabilitation Through the Arts (RTA), que leva arte e cultura até as prisões.

Baseado em fatos reais
No filme, não há menção a esse programa, que comprovadamente tem gerado resultados nos EUA, nem é mencionado que tudo começou na penitenciária de Sing Sing, em 1996 — e isso não é necessário para que a trama seja compreendida.
A obra, por si só, é autoexplicativa. Mesmo sem essas informações, conseguimos compreender perfeitamente as motivações e os objetivos que levam aqueles homens a participarem do grupo de teatro.
Algo inteligente que o roteiro faz e que, possivelmente, passa despercebido durante a trama, mas é bastante elogiável, é o fato de a produção não apenas ser baseada em fatos reais, como também trazer essa realidade para dentro do elenco.
Um exemplo disso pode ser visto em John Divine G. Whitfield (Colman Domingo) e "Divine Eye", sendo este último, por sinal, interpretando a si mesmo — Clarence Maclin, ainda jovem, na época em que atuou em Hamlet. Domingo também interpreta uma versão complexa de seu companheiro, que surge para participar do grupo de teatro como um homem cheio de traumas.
O mesmo acontece com parte do elenco, composto por ex-membros do programa da RTA, que, agora atores no longa, trazem consigo suas próprias experiências e dramas pessoais, o que ajuda a aprofundar a trama e criar um laço emocional com o público.
A mensagem da produção não poderia ser mais óbvia e clara: a de levar redenção por meio da arte, no caso, através do teatro. A ideia de resignificar um indivíduo utilizando métodos como a arte já foi explorada em Um Sonho de Liberdade (1994), e, que aparece com menos força em Sing Sing.
Seu roteiro tem algumas irregularidades, como o fato de ter diálogos longos e excessivos e, por se passar inteiramente em um presídio, a atmosfera acaba cansando por não trazer algo novo, além da aparição de novos personagens.
Seu ritmo também é um problema: é lento, e o primeiro ato é tão monótono que praticamente perde a conexão com o espectador, sendo restabelecida apenas no último ato, quando o fator emocional surge.
O fato de Sing Sing contar com destaques individuais, como o de Colman Domingo – que está vivendo um ótimo momento na carreira – contribui para que a obra conquiste o merecido destaque.
Sing Sing (idem, EUA – 2024)
Direção: Greg Kwedar
Roteiro: Greg Kwedar e Clint Bentley. Adaptado do artigo de John H. Richardson
Elenco: Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San Jose, Paul Raci
Gênero: Drama
Duração: 107 min.