Review | Call of Duty: Black Ops 6 mantém tradição de excelência da Treyarch
Acompanho Call of Duty desde 2003. Vivi para ver seus momentos mais gloriosos e os mais polêmicos, além dos anos que a franquia sofreu com uma intensa crise de identidade após a trilogia original de Modern Warfare.
Naquela época, havia um consenso entre os gamers sobre os desenvolvedores da saga: no rodízio de estúdios, era sempre a Infinity Ward que levava a melhor, mas a mudança de paradigma estava por vir quando a Treyarch enfim inaugurou sua própria saga de ouro com Black Ops. Com exceção do 4, todas as iterações foram elogiadas assumindo destaque.
Agora, em um momento que a Infinity Ward sofre com as represálias do lançamento desastroso de Modern Warfare 3 no ano passado, a Treyarch mostra seu trabalho, desenvolvido ao longo de quatro anos, com Black Ops 6 trazendo um pacote muito completo para todos os gamers.
https://www.youtube.com/watch?v=oyZY_BiTmd8&t=1s
007 americano
Começando pela campanha, um dos motivos que muitos jogadores são atraídos para a franquia (incluindo eu), o novo game apresenta uma das melhores e mais interessantes até agora, elevando ainda mais o game design inovador visto em Cold War.
Dessa vez, o jogador encarna o silencioso Case, que após uma operação desastrosa no Kuwait, acaba em maus lençois com a CIA que se recusa a investigar um novo grupo terrorista denominado Pantheon. Em seu time de agentes rebeldes, está o favorito dos fãs Woods e o novo personagem Marshall, capitão da turma.
Outros grandes nomes como Adler também fazem parte ativa da história que possui bons personagens em geral. Sem o apoio da CIA, os agentes ficam por conta própria para descobrir quem está por trás do Pantheon até encontrar ameaças que podem ruir os Estados Unidos.
Se comportando como uma história de espionagem de ação, a nova campanha mistura com perfeição os melhores elementos de 007 e Missão: Impossível, adicionando sequências de Bayhem em pontos chave de set pieces. Logo, o ritmo do jogo varia bastante, indo de thriller para tiroteios desenfreados em questão de minutos.
A cada grande missão, o jogador retorna para o quartel general do grupo, uma mansão na Bulgária que guarda segredos da KGB como salas secretas e mais. Assim como em Cold War, o jogador pode conversar com os personagens e escolher opções de diálogos, além de também incrementar algumas reformas que destravam bancadas de armamentos, perks e atributos físicos - tudo isso é desbloqueado encontrando dinheiro nas fases do jogo.
A Treyarch investiu pesado em tempo de desenvolvimento nos pontos que foram testados em Cold War. Agora, diversas missões são mais abertas e podem ter progresso através de diferentes ações do jogador, oferecendo mais incentivo de rejogabilidade, além de abordagens stealth ou de confronto direto. Algumas delas, em especial a do Iraque, oferecem mapas abertos vastos que colocam qualquer coisa do gênero apresentado em Modern Warfare 3 no chinelo.
Nessa missão mencionada, há dezenas de objetivos secundários a cumprir, levando a recompensas muito bem-vindas e momentos especiais da campanha, com level design diferenciado e recursos distintos para lidar com os inimigos. Já na campanha, é possível sentir como o tiroteio é satisfatório, com diversas armas respondendo com suas particularidades, além dos muitos dispositivos que o jogador conta, muito além das granadas e flashbangs - os carrinhos explosivos de controle remoto estão de volta!
Apesar de contar com muitas conveniências narrativas, a história de Black Ops 6 é interessante, divertida e intensa. Não diria que é melhor que a de Cold War, mas apresenta alguns dos níveis mais ousados que a franquia já viu - em termos de esquisitice mesmo, algo que sempre fez parte do DNA dessa saga.
Entretanto, pegando justamente uma época intensa de conflito no Oriente Médio nos anos 90, com figuras altamente controversas como Saddam Hussein, é curioso notar como a história raramente tece algum comentário social ou histórico sobre os eventos reais que fazem parte da trama.
Não é de hoje que Call of Duty está ficando cada vez mais comportado, apresentando inimigos fictícios ou histórias dignas de Hollywood, mas é decepcionante que a ousadia esteja ficando para trás a cada novo título - vide a ridícula fase de terrorismo em Modern Warfare 3.
Outro ponto a se considerar é que a engine atual de COD está mostrando sua idade, sofrendo com animações faciais mais complexas e texturas mais rudimentares para a geração atual. Veremos se a Activision manterá os lançamentos para o PS4 e Xbox One em 2025, pois já existe sim certo comprometimento gráfico. Também vale mencionar o quão irritante é o launcher da franquia no PC, sofrendo com crashes e reinicializações constantes até finalmente te deixar jogar - fora isso, o aspecto técnico do jogo está excelente como de costume.

Reformas frenéticas
Admito que nunca fui um jogador muito focado aos modos multiplayer. Seja de qualquer jogo que ofereça essa opção, sempre fico satisfeito com as campanhas. Parte disso também se deve ao fato de eu não querer ser humilhado por crianças de nove anos que passam horas jogando e se aperfeiçoando nos modos. Todos sabemos que Call of Duty é um favorito extremamente popular e aqui não é diferente.
A maior novidade do multiplayer de Black Ops 6 é o Omnimovement que permite o jogador deslizar livremente para todos os lados. Acabou que a liberdade de movimento deu tão certo que todo mundo fica deslizando pelos mapas, com a bunda colada no chão, o que leva ao vício de manter a mira para baixo para apagar os oponentes durante as partidas de qualquer modo.
Os 16 mapas originais disponibilizados são interessantes e bonitos, mas é difícil que algum deles se torne tão icônico quanto Nuke Town que já foi lançado em uma versão refeita. Os mapas tendem a ser menores, forçando contato rápido entre os jogadores, embora as zonas de respawn sejam um problema criticado por muitos jogadores no momento.
Por estar no começo, há poucas opções de skins para operadores, sendo que há uma integração interessante com o modo Zumbis para destravar mais opções para os jogadores. Aliás, o modo Zumbis está presente com dois mapas expansivos bem divertidos para jogar cooperativamente, mas admito que sinto saudades das épocas mais simples dos mapas diminutos das casas decrépitas com o jogador precisando reformar as janelas e sobreviver o maior tempo possível.
Para quem gosta do multiplayer de COD desde Modern Warfare, com certeza vai apreciar as novidades e o ritmo de jogo em Black Ops 6. Fora isso, o grinding de progressão continua satisfatório e rápido, com boas recompensas para cada arma em diversos cosméticos interessantes. Há muito conteúdo para investir tempo aqui, sem dúvidas.
Tradição e frescor de ideias
Call of Duty: Black Ops 6 certamente é um dos pontos mais altos da franquia, principalmente por conta da campanha inventiva, intensa e, por incrível que pareça, consideravelmente longa, beirando as dez horas de duração. Fora isso, a campanha apresenta uma das melhores trilhas musicais de toda a franquia, deixando as sequências de ação ainda mais intensas.
Com muito conteúdo adicional, modo Zumbis e um multiplayer robusto que deve se manter como o melhor disponível no gênero, é evidente que se trata de uma ótima compra, principalmente aos fãs. O fato é que a Microsoft fez uma compra muito certeira com a Activision e disponibilizar o jogo no Game Pass por um custo bem acessível foi uma oferta daquelas impossíveis de recusar.
No fim, todos ganharam. Os jogadores e a empresa que viu o lançamento mais popular da franquia até agora.
Agradecemos a Activision pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Review | Sonic x Shadow Generations entrega mais um ótimo jogo do Ouriço repleto de nostalgia
O novo Sonic x Shadow: Generations trata de um remaster do clássico Sonic Generations de 2011, adicionando novos níveis onde jogamos com o Shadow, com seus poderes e movimentos característicos que são diferentes dos do ouriço azul. Será que a Sega trouxe mais uma pérola que quebra a maldição dos jogos de Sonic?
https://www.youtube.com/watch?v=CDmVayEU76w
Gerações!
Sonic Generations foi um excelente jogo do ouriço azul, esse título é relembrado até hoje como um dos melhores de toda a franquia. O diferencial dele é que ele combina o gameplay dos jogos mais recentes da franquia, com suas pistas de corrida que dão uma ótima sensação de velocidade e o gameplay dos antigos jogos 2D lançados no Sega Genesis.
É necessário terminar cada fase em 2 atos, uma com o Sonic antigo e outra com o Sonic moderno. Nas fases com o Sonic clássico, é pura nostalgia desde o gameplay até os cenários e a música. Você controla Sonic em estilo side scroller e os controles são os que já conhecemos dos primeiros jogos.
Sonic pode se curvar em uma bola, pegando impulso para ficar mais veloz e destruir os inimigos em seu caminho quando fica assim. Ao longo do percurso você coleta as moedas que podem ser perdidas a um toque das criaturas. Quando isso acontece, você tem um limite de tempo para coletar todas as moedas que pode. No final do percurso, as moedas que coletou e o tempo que levou para terminar a fase influenciarão na sua nota.
Já na parte moderna, Sonic percorre uma pista e a regra é parecida com a que temos no modo clássico, terminar o percurso no menor tempo e com a maior quantidade de moedas garante a melhor nota. Porém aqui o Sonic pega impulso a mais quando bate nos inimigos, possui um comado de boost que quando acionado garante maior velocidade, pode deslizar e tem vários outros comandos que não são possíveis com o Sonic clássico.
Todos os cenários são muito bem feitos, com um visual que remete aos clássicos renderizados em 3D e nessa nova versão remasterizados. A trilha sonora também remete aos jogos anteriores e é um deleite ouvi-la enquanto jogamos.
A novidade aqui fica por conta do gameplay de Shadow. Shadow Generations não perde tempo em mostrar sua criatividade com vários momentos marcantes. A primeira fase tem alguns fractais que parecem com as dimensões alternativas que vemos em outros jogos como Ratchet e Clank.
A verdadeira razão para você querer jogar Sonic X Shadow Generations é a campanha totalmente nova, cheia de reimaginações criativas das fases do Shadow de suas aparições anteriores na série Sonic. A campanha de cinco horas do Shadow é separada da história de Generations, mas acontece de uma maneira similar, com cada fase tendo uma parte em 2D e outra em 3D.
As fases do Shadow têm todo o apelo de ritmo acelerado que você esperaria ao jogar como Sonic, semelhante ao que acontece quando novos caminhos se abrem ao rejogar uma fase depois que Sonic ganha a habilidade de Dash de Luz. Shadow começa com uma habilidade semelhante chamada Chaos Dash e, em seguida, é possível abrir ainda mais caminhos ao retornar às fases com habilidades novas como as Asas da Perdição, que permite voar distâncias curtas e pular seções inteiras dos níveis, fazendo com que eles sejam jogados de maneira diferente. Ou seja, há um fator de rejogabilidade.
A habilidade de Controle do Caos do Shadow também cria momentos fantásticos em que ele faz coisas como congelar o tempo para destruir um míssil voando em sua direção em uma animação espetacular. E, diferente das fases 2D do Sonic que são jogadas de uma forma semelhante aos jogos do Sonic clássico, sem ataque de mira ou medidor de boost, o Shadow mantém todas as suas habilidades em suas seções 2D, fazendo com que elas sejam tão rápidas quanto suas fases 3D.
Além das fases principais, existem várias fases de desafio com objetivos como destruir alvos suficientes antes de alcançar o objetivo ou terminar um nível cheio de perigos com apenas um anel para desbloquear chefes e o próximo conjunto de fases. É semelhante a Sonic Generations, com a diferença principal de que você precisa completar todos os desafios para adquirir as chaves necessárias, em vez de apenas uma.
As campanhas combinadas, possuem o número total de fases superior a 150, incluindo fases tradicionais, de desafio e de chefe. Isso levaria até mesmo um fã ávido de Sonic cerca de 15 a 20 horas para completar. E para aqueles que procuram desafios ainda maiores, completar a campanha do Shadow desbloqueará uma nova opção que aumenta a dificuldade dos chefes e níveis de desafio ao rejogá-los.

Sonic e Shadow retornam!
Sonic Generations toca na nostalgia de décadas de fãs de Sonic, que, apesar dos pesares mostraram seu amor pelo veloz ouriço azul. A história, embora em grande parte supérflua, é uma homenagem aos jogos Sonic do passado. Os dois ouriços lutam contra uma força desconhecida que tenta destruir o próprio tempo. Eles revivem as memórias um do outro, acelerando através de fases icônicas diferentes jogos da franquia. É quase como se a SEGA tivesse reiniciado toda a franquia e te atualizado sobre 20 anos de ouriço com um único jogo.
Neste jogo, estão presentes algumas novas histórias que se entrelaçam de maneira criativa entre os jogos em que Shadow aparece, ligando-as a grandes momentos que vimos em jogos anteriores, como o duelo entre Sonic e Shadow em Sonic Adventure 2. Há também novas cenas que preenchem o passado de Shadow, reunindo-o com amigos e inimigos, e oferecendo mais contexto para suas histórias em jogos como Shadow the Hedgehog e Sonic Adventure 2.
Assim como a campanha do Sonic, a do Shadow é composta por reimaginações divertidas de algumas de suas melhores fases em jogos anteriores da série Sonic. Temos novas versões de níveis como Radical Highway, Rail Canyon e Space Colony Ark, e cada fase está repleta de rotas criativas que fazem bom uso das habilidades antigas e novas do Shadow.
Conclusão
Este é um dos melhores jogos de toda franquia Sonic, não há dúvidas quanto a isso. Para qualquer fã dos jogos do ouriço azul, este é recomendadíssimo, com seu apelo nostálgico aos clássicos e também com sua roupagem moderna. Este é também um ótimo ponto de entrada para novos fãs. Sem dúvida mais um ótimo jogo.
Agradecemos a Sega pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Crítica | Abdução em Manhattan expõe um caso duvidoso enquanto aposta no espetáculo
A nova minissérie documental da Netflix, Abdução em Manhattan, sofre do mesmo mal costumeiro que ataca a produção das grandes plataformas e que tem origem no conceito ao estilo History Channel: a abordagem de temas da realidade tem que ser tão ”fantástica”, "interessante" ou “misteriosa” que o espectador acaba com mais dúvidas do que antes de começar a assistir, de modo que a coisa toda realimenta a cultura de crendice e falsa ciência que se espalha pelas redes sociais.
Ainda assim, se o espectador assistir atentamente aos três episódios que compõem a atração, irá perceber (quase por conta própria, uma vez que a direção investe na fantasia acima da realidade) a fragilidade geral do caso, a pobreza de suas alegadas evidências e o espírito sectário que predomina no meio ufológico.
Linda Napolitano: a testemunha de sua própria abdução
Estamos em 1989, ou seja, o auge da cultura ufológica no século XX. Filmes sobre alienígenas e discos voadores são uma rotina e qualquer pessoa que acompanhe minimamente o noticiário e a produção de cinema está bastante familiarizada com os temas que povoam a mente dos aficionados.
É nesse contexto que Linda Napolitano, uma mulher na casa dos 40 anos, alega publicamente ter sido abduzida de seu apartamento em Nova York, num evento supostamente presenciado por duas dezenas de testemunhas durante um blecaute na Ilha de Manhattan.
Como acontece em praticamente todos os relatos de contato alienígena, as primeiras impressões são atordoantes e é nelas que se resume o noticiário: informações superficiais fornecidas por ufólogos diretamente envolvidos com as testemunhas e que filtram criteriosamente o tipo de revelação que acaba sendo disseminada. Sempre que, entretanto, as perguntas se aprofundam e as evidências são analisadas com minúcia, os casos revelam-se diferentes do que pareciam ser inicialmente, e quase todos caem também por terra nessa etapa.
Com o caso de Linda Napolitano, não é muito diferente: as principais evidências que sustentam sua história são precárias. Suas “testemunhas” são confusas ou simplesmente anônimas, não podendo ser checadas. Algumas provas foram deliberadamente forjadas, como a minissérie mostra em relação a uma carta com assinatura falsificada. E mesmo a radiografia apresentada por Linda é facilmente adulterável, conforme a cineasta Carol Rainey (autointitulada “cética” no documentário) demonstra.
E, como não poderia deixar de ser, não há nenhuma imagem que sustente as afirmações de Linda sobre o evento: ninguém filmou, gravou ou tirou foto. Tudo que se tem, em resumo, são testemunhos duvidosos ou apócrifos, algumas evidências fortíssimas de manipulação e uma radiografia que não prova nada.
Documentário se confunde entre realidade e fantasia - em prejuízo da primeira
Embora Abdução em Manhattan liste todas essas inconsistências, sua opção por tornar “espetacular” o relato - com elaboradas reconstituições, fotografia de filme noir, efeitos especiais de Hollywood e o tom “misterioso” de Alienígenas do Passado - acaba por resultar que o espectador desatento sairá ainda mais confuso do que entrou. E isso concorre para que a lenda não só persista, como até progrida depois do documentário. É mais fácil se lembrar da imagem produzida impactante de uma mulher levitando sobre a cidade que do momento em que a caligrafia de Linda aparece em duas cartas de supostos testemunhas diferentes.
O meio ufológico se vale da carência da plateia por mistério e pelo crescente ambiente de dúvida em relação à ciência estabelecida e às versões oficiais fornecidas por governos. Dúvidas são saudáveis e necessárias: ocorre, entretanto, que quando elas recaem sobre as versões apresentadas pelos próprios ufólogos, são repudiadas rapidamente e há uma recusa em analisar o que de fato foi apresentado como “evidências”. Algumas passagens da minissérie demonstram isso no comportamento pouco criterioso do ufólogo Budd Hopkins.
O espectador atento sabe que deve duvidar de tudo a princípio e construir sua impressão recolhendo evidências sólidas e deixando de lado ou em segundo plano aquelas que se fragilizam no processo. Mas a abordagem ufológica, que mistura fantasia e realidade e predomina em filmes e documentários de TV, prefere dobrar a aposta na incerteza - mesmo quando uma assinatura falsa, por exemplo, coloca a história toda abaixo, como neste caso.
O saldo de Abdução em Manhattan é tornar conhecida uma história impactante, mas provavelmente falsa (na íntegra ou em sua maior parte). É uma vitória amarga, de todo modo, porque a minissérie não se aprofunda na fragilidade das evidências defendidas por Linda e pelo ufólogo Budd Hopkins (de quem um sujeito cauteloso provavelmente jamais compraria um carro usado) e mantém no final a atmosfera “misteriosa”, o que acaba favorecendo o sectarismo ufológico (o qual o próprio Budd admite assemelhar-se a uma religião). Com menos efeitos e mais perguntas diretas (“Esta voz de uma suposta testemunha não é a sua própria voz, Linda Napolitano?”), a minissérie seria talvez menos “espetacular” mas certamente muito mais verdadeira - e, portanto, mais “documental”.
https://www.youtube.com/watch?v=StQdrDWeQLk
Crítica | Megalópolis é equívoco gigantesco de um mestre do cinema
A melhor cena do novo filme de Francis Ford Coppola - e talvez a única que realmente “funciona” - é totalmente deslocada do restante: é simples, calma, sem subterfúgios desnecessários, apenas drama, atores e câmera - é aquela em que um garoto pede autógrafo a Cesar Catilina (Adam Driver). Curiosamente, a cena poderia estar em algum Poderoso Chefão, ou seja, ela representa o melhor do diretor.
Conforme se sabe, Coppola é daqueles cineastas aventureiros, que filmaram com relativa constância e, portanto, suas carreiras estão sujeitas a altos e baixos que cineastas mais criteriosos - como Kubrick ou Leone, por exemplo - jamais experimentaram. Estes dois têm meia dúzia de filmes excepcionais, mas nenhum realmente ruim - ao contrário de um grande diretor como Coppola que, até por ter se arriscado mais, tem filmes muito abaixo da media em sua filmografia. E Megalópolis é certamente um deles.
Megalopolis é “puro risco”: um filme autofinanciado (o que num país de cinema totalmente estatizado como o nosso, onde até banqueiros utilizam verba pública para seus projetos, chega a soar como ofensa) em que o diretor e roteirista retoma temas que foram bastante rotineiros em sua carreira - notadamente, a figura do “visionário louco” confrontando o sistema, um espelho de si mesmo dentro da indústria - num conjunto muito irregular de situações, personagens e contextos, onde nada se conclui, nada se aprofunda, resultando num todo atordoante (no mau sentido do termo).
Diretor parece ter juntado todas as ideias ruins que teve ao longo da carreira e agrupado num mesmo roteiro
Megalópolis tem tantas “ideias”, abre tantas portas e parece querer fazer tantos “comentários” ao mesmo tempo - sobre poder, sociedade, dinheiro, corrupção na política, ciência e humanização, Musk e Trump, Roma e América, etc. - que em determinado momento torna-se totalmente desnecessário tentar compreender aonde o enredo está indo - o que sobra é tirar do desenho de produção algum estímulo, embora o "efeitismo" proposto pelo filme nesse sentido careça de “novidade”: como o audiovisual hoje é predominante, constante e “renovado” segundo a segundo, quase tudo que aparece em Megalópolis lembra incomodamente “outra coisa” parecida já vista em alguma publicidade de perfume, por exemplo, ou mesmo em outros filmes (e a lembrança mais forte parece ser O Grande Gatsby, de Baz Luhrmann, de quem Coppola herda também o ritmo frenético e a narrativa num fôlego único e que tenta não morrer até o último minuto). Em outra direção, Coppola emula a verborragia típica do cinema de Robert Altman e a fixação pelo discurso de Glauber Rocha, quando o cinema existe como um "detalhe" para a mensagem pretendida.
A trama acompanha a trajetória do Cesar, às voltas com a reconstrução de sua cidade destruída, as intrigas palacianas com rivais políticos e concorrentes que tentam provocar uma revolta popular inspirada por demagogia, enquanto o protagonista lida com o drama humano da perda da esposa e a invenção de um novo tipo de material que serve para a construção civil mas também para a regeneração de tecidos, quando o filme flerta com a ficção científica (como se o enredo não tivesse problemas suficientes para lidar até então).
Diferente da trilogia do chefão, onde predomina a economia narrativa, um tipo de “minimalismo” de linguagem que funciona tão bem para o material, aqui Coppola segue outro caminho, que muitas vezes remete ao seu Drácula de Bram Stoker, embora lá - diferente daqui - a aposta tenha sido em um visual “antiquado” utilizando técnicas esquecidas, primordiais, para os efeitos visuais. O resultado ali é arrebatador e único, diferente daqui, onde ele é uma mera repetição de tudo que tem sido feito de 20 anos para cá, ou seja, uma sucessão de “belas composições” digitais que acabam por reforçar a artificialidade do conjunto - nesse sentido, o encaixe com os diálogos declamados e a encenação teatral é preciso, nada soa orgânico.
Outra desvantagem em relação ao Drácula - mas também a Tucker - Um Homem e Seu Sonho - é que o roteiro aqui não sustenta o filme, o enredo simplesmente não é bom o suficiente: é episódico, não progride, é dispersivo e os personagens parecem “fingir” o tempo todo porque seus “dramas“ não têm consistência humana em momento algum - são “tipos” em representação a ideias que Coppola parece ter dos temas que lhe interessam. Se, mesmo sendo um “vampiro”, o conde de seu outro filme expressa comovente humanidade, o mesmo está longe de acontecer aqui - são conceitos tentando inutilmente ganhar forma de cenas, e o resultado tem momentos realmente trágicos como naquela dos andaimes, logo no início, em que tudo está deslocado e sem unidade, cambaleante como os próprios personagens.
O que sobra desta experiência atordoante, embora corajosa, é algum lampejo da direção de arte (há traços interessantes ali, mas Coppola está tão emocionado em dizer tanta coisa ao mesmo tempo que não tem como se concentrar em nada) e as atuações femininas, às quais o diretor dedica bastante atenção: Aubrey Plaza e Nathalie Emmanuel são atrizes muito interessantes e grande parte da graça que se mantém aqui é em função da presença de ambas na tela.
Adam Driver faz o que pode como Cesar, o grande Jon Voight é exposto a uma cena ridícula com arco e flecha no final e Shia LaBeouf parece estar tendo um surto dentro de um banheiro químico (com consequências previsíveis) em Megalópolis.
Coppola não deve nada à História do Cinema, tampouco a sua indústria. Responsável por obras-primas como os dois primeiros chefões, Apocalipse Now e A Conversação, seu nome já está inscrito para a posteridade como um realizador que, em determinado momento, esteve plenamente conectado e soube compreender como poucos o espírito da época e, mais tarde, continuou a ser um produtor de cinema valente e disposto a correr riscos, com menor acerto artístico mas um fôlego e um amor ao cinema que inspiram gerações de novos cineastas.
https://www.youtube.com/watch?v=pq6mvHZU0fc
Crítica | Corte no Tempo, da Netflix, é slasher teen que simplesmente não funciona
Corte no Tempo, da Netflix, já está no catálogo
Imagine só, você descobre uma máquina do tempo, é transportado para o passado e se depara com a chance de salvar alguém querido que já se foi. Esse é o cenário que Corte no Tempo, filme que estreou na Netflix nesta quarta-feira (30), tenta explorar, mas a execução? Infelizmente, deixa muito a desejar.
A trama da Netflix começa com um ótimo ponto de partida: Lucy, uma adolescente dos dias atuais, volta a 2003, o ano em que sua irmã, Summer, foi assassinada. No entanto, o filme parece mais preocupado em nos inundar com referências dos anos 2000 do que em construir um suspense envolvente ou explorar o potencial da ficção científica. E o que poderia ser uma história eletrizante acaba se tornando uma viagem morna e sem propósito, onde o saudosismo é mal aproveitado e a tensão nunca realmente se materializa.
Primeiro, temos o desafio central de "Corte no Tempo": equilibrar a nostalgia com o peso de um mistério sombrio. O problema é que, em vez de se aprofundar no suspense, a diretora Hannah Macpherson parece se encantar mais com as superficialidades da época, criando cenas repletas de referências da época que não passam de uma montagem de cenários para os saudosistas de plantão. Ao mesmo tempo, o filme acaba dando pouca atenção aos perigos reais que Lucy enfrenta, transformando o suspense em algo diluído e sem grande impacto.
Dezesseis Facadas é melhor
Outro ponto de decepção é a construção dos personagens. Lucy (Madison Bailey) e sua irmã Summer (Antonia Gentry) até carregam algumas cenas emocionais, mas o restante do elenco parece estar ali apenas para preencher espaço. Não há desenvolvimento significativo ou características que tragam profundidade a esses personagens.
E para piorar, o assassino mascarado que deveria ser o grande vilão da história surge como uma versão genérica de vilões que já vimos tantas vezes no cinema, sem trazer nada de novo ou aterrorizante. Até a estética da máscara, um elemento que poderia diferenciá-lo, parece ser uma cópia pouco inspirada de Dezesseis Facadas (Tottaly Killer, em inglês), outro filme que aborda uma premissa semelhante de viagem no tempo misturada com assassinatos. Isso, claro, não ajuda "Corte no Tempo" a se destacar.
Aliás, essa comparação com Dezesseis Facadas não é mera coincidência. A narrativa de Corte no Tempo, da Netflix, acaba se espelhando tanto em filmes similares que o público rapidamente percebe onde tudo vai dar. A ausência de um mistério bem trabalhado e de reviravoltas intrigantes deixa o filme previsível, quase como se já soubéssemos de antemão o que vai acontecer.
Ao tocar no conceito do efeito borboleta, a história tinha uma oportunidade de criar um dilema instigante para Lucy — afinal, qualquer mudança poderia alterar o curso da sua própria vida. Mas a trama ignora o potencial dramático disso, seguindo um caminho confortável, onde as decisões não parecem trazer grandes consequências para a protagonista ou para quem está ao redor dela. A sensação é de que a produção tentou simplificar a narrativa para ser “fácil de acompanhar”, mas acabou diluindo qualquer intensidade ou profundidade no processo.
Falta de intensidade
E no meio de tudo isso, o próprio cenário da cidadezinha onde Lucy vive e onde os eventos trágicos se desenrolam, Sweetly, Minnesota, nunca realmente ganha vida. O roteiro falha em criar uma atmosfera única ou um senso de comunidade que nos faria nos importar com os moradores.

É uma cidade que parece existir apenas para que a história se desenrole, e não como um personagem em si, o que enfraquece ainda mais o sentimento de imersão. Os cenários são superficiais, com referências que poderiam ter sido melhor trabalhadas para criar uma atmosfera nostálgica, mas que acabam soando artificiais e forçadas, como se fossem apenas enfeites de uma época, em vez de elementos narrativos.
Outro aspecto que deixa a desejar é a suposta “intensidade” da trama. Quando se fala em filmes de suspense e terror, a expectativa é que haja um clima de tensão crescente e momentos de susto bem construídos. Mas aqui, as cenas de assassinato são tão leves e mal executadas que parecem ser parte de um drama adolescente mais do que de um suspense.
A opção de evitar mostrar a violência em tela, optando por cortes rápidos e cenas com pouquíssimo impacto visual, enfraquece o filme, deixando o espectador esperando por algo que nunca chega. A narrativa opta por um humor que destoa do tom esperado, com piadas sobre a ausência de redes sociais e os sons de modems discados, mas isso apenas reforça o distanciamento do suspense e cria uma experiência desconexa.
Vale a pena ver Corte no Tempo, da Netflix?
No final das contas, Corte no Tempo, da Netflix, acaba parecendo uma oportunidade desperdiçada. O filme tenta agradar a todos os públicos, mas não entrega o que promete em nenhum gênero específico. Fica num meio termo entre nostalgia e suspense, mas sem mergulhar fundo em nenhum dos dois.
O resultado é uma história que se esgota rápido, com personagens que se perdem no anonimato e um vilão que nunca ganha o peso que deveria. Para aqueles que esperam um filme intrigante e repleto de reviravoltas, “Corte no Tempo” será uma decepção.
Review | Horizon Zero Dawn Remastered traz experiência ideal que faz frente a Forbidden West
Mesmo que o PlayStation 5 já tenha virado um meme pela quantia significativa de remasters, é um fato que essa movimentação do baú de títulos acaba ajudando a confirmar o brilhantismo de certos títulos da Sony. Anunciado há poucas semanas, Horizon Zero Dawn Remastered já está entre nós e, apesar da desconfiança dos fãs, se trata mais uma vez de um ótimo título.
Na verdade, faço das palavras do analista da Digital Foundry, também as minhas: chamar o resultado apresentado da Nixxes de um mero remaster trata-se de um eufemismo. O time de desenvolvimento deste estúdio é tão bom que entregou praticamente um remake por um custo muito modesto para o jogador realizar o upgrade para a nova versão.
https://www.youtube.com/watch?v=kMN-x9goE7M
A Aloy do Passado, hoje
Apesar de ser uma franquia imensa, Horizon não se trata da propriedade intelectual mais amada dos fãs do PlayStation. Muito disso se dá por conta da falta de carisma de Aloy, heroína protagonista desse universo.
É inegável que uma das reclamações mais contundentes em relação ao jogo original em 2017 envolviam as fracas animações faciais e as interações robóticas com NPCs. A Nixxes resolveu retrabalhar todos os diálogos e interações para entregar algo totalmente novo.
De fato, as diferenças são claras como a água e o inimaginável acontece: a Aloy de Zero Dawn, na verdade, é bastante carismática e interessante, sem o tom estoico e pedante que atrapalha tanto simpatizar com a personagem em Forbidden West. A história de origem também funciona melhor do que a busca pelas inteligências artificiais restantes na sequência.
Há uma relação mais palpável com a heroína, uma exilada indesejada que luta para entender seu lugar no mundo até descobrir a verdade derradeira no final do jogo. A Nixxes conseguiu, seguramente, fazer a narrativa brilhar e atingir seu potencial ao consertar as animações e interações da personagem.
Até mesmo as conversas com NPCs estão melhores, com novos enquadramentos e ações ocorrendo enquanto o diálogo é performado. Os modelos foram significativamente melhorados e diversificados do mesmo modo.
Só que o remaster de Zero Dawn adiciona bem mais melhorias do que apenas essas tão importantes. Na verdade, o jogo está a altura do nível gráfico de Forbidden West, uma verdadeira façanha.

Extreme makeover
É evidente que a Guerrilla já havia criado uma obra belíssima e impressionante em 2017. Com o avanço da tecnologia e a magia do código da Nixxes, é surpreendente o salto que o remaster entrega.
A primeira mudança notável é a vegetação, muito mais densa, que usa diversos assets de Forbidden West além da tecnologia nova de colisão. Agora 90% das plantas reagem à movimentação de Aloy e só algumas poucas que acabam atravessando a personagem. Isso inclui também efeitos de tesselação e clima em Aloy, cujos cabelos reagem ao vento e as roupas acumulam neve em locais altos.
O mapa ficou mais vivo e exuberante, tornando a exploração ainda mais agradável. A iluminação também foi retrabalhada, corrigindo problemas de oclusão ambiental em diversas cavernas, caldeirões e cidades que o jogador visita.
O mesmo ocorre com a água e as nuvens, também puxadas do último jogo. Embora os rios não tenham a mesma qualidade de Forbidden West, as melhorias são nítidas já que o game original sempre teve uma apresentação lodosa e feia dessas partes, sem qualquer transparência.
Como esperado, tudo recebeu um upgrade vasto de texturas em resolução de 4K. O jogo tem três modos no PlayStation 5 sendo qualidade a 30fps, o meio termo a 40 fps e o de desempenho que entrega mais de 60fps em diversas ocasiões para televisores com tecnologia VRR (no PS5 Pro o framerate deve ser ainda mais alto e fico feliz da Nixxes ter deixado o fps destravado para o game ser aproveitado em gerações futuras). A resolução do jogo cai conforme se altera os modos de reprodução, sendo o performance o melhor já que as diferenças gráficas são mínimas.
Outras novidades incluem todo o trabalho de interface que se inspira 100% na UX de Forbidden West, tornando os dois um só produto. Por fim, há a integração completa com o DualSense, apresentando os mesmos recursos de vibração, feedback háptico, gatilhos adaptáveis e efeitos sonoros já vistos também na sequência.
Uma aventura a ser redescoberta
Horizon Zero Dawn Remastered é o maior projeto já realizado pela Nixxes, um dos melhores estúdios que a PlayStation possui em seu catálogo de empresas. Perfeccionistas ao extremo, o jogo só reafirma a competência dos profissionais de renome, mais se assemelhando a um remake do que um remaster propriamente dito.
O game segue extremamente divertido pela sua jogabilidade que não envelheceu nada e o frescor visual das novas cinemáticas, animações faciais e performances, dão outra perspectiva para uma história que era boa, mas que agora se torna ótima e superior a da sequência. Para quem nunca jogou antes, trata-se de uma oportunidade perfeita para explorar o futuro pós apocalíptico que Aloy vive.
Até mesmo para quem já explorou o jogo em 2017 ou dos maiores fãs, é um convite excelente para redescobrir essa história de origem. Custando apenas 50 reais, esse upgrade é uma verdadeira bagatela que deve ser aproveitada sem pensar duas vezes.
Agradecemos a PlayStation pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Crítica | Sorria 2 é continuação que acentua mal-estar do original
Sorria, de 2022, chamou bastante atenção quando foi lançado não por ser exatamente um filme de terror "original" (ao menos não no conceito, embora possa ser na premissa), mas por conseguir retirar de seu material uma mistura bem equilibrada de sustos e violência.
Na continuação de 2024, Parker Finn (roteirista do primeiro) se arrisca na direção e tenta explorar matizes mais coloridas a respeito da história: tirando um preâmbulo que, embora impactante, é bastante deslocado do trama que virá a seguir, o filme foca especialmente na protagonista, a cantora pop Skye Riley (Naomi Scott), que passa a viver um pesadelo depois que é inserida na maldição corrente e misteriosa, que ela tentará desvendar ao mesmo tempo que confronta um passado de vício e degradação psicológica.
Sem novidades, mas a receita que funciona antes parece continuar funcionando
Por cerca de duas horas, o espectador que curte a ideia original - os sorrisos macabros são uma ideia simples, mas bem interessante, e o desafio para os atores é algo que se acompanha com interesse - irá vislumbrar a derrocada de Riley, até um desfecho apoteótico que abre portas para a continuação da franquia e mantém no ar as perguntas sobre a origem e natureza da maldição que persegue os personagens desde o primeiro filme.
O que melhor funciona em Sorria 2 são os sustos (que não são repetitivos e, quando acontecem, costumam realmente provocar efeito, além de serem visualmente bem construídos, não dependendo unicamente do efeito sonoro, como tem sido usual no gênero). Além deles, os momentos de violência gráfica são bastante impactantes e muito realistas, o que se é um deleite para os fãs de gore, pode incomodar quem não aprecia cenas sanguinolentas - e também ser visto como um truque baixo para chamar atenção da plateia.
A maior fraqueza do filme, por outro lado, é que o lado dramático da trama (as relações da cantora com a mãe, por exemplo, ou as lembranças de seu passado conturbado) não permitem que o filme mantenha o mesmo tom de mistério o tempo todo, funcionando como uma distração para o motivo real de Sorria 2 existir. Quem gosta de desenvolvimento de personagens ficará satisfeito, porque o roteiro se debruça nisso, mas se fosse mais "direto ao ponto" seria uma produção mais curta e, hoje em dia, poder de síntese é um desafio para grande parte dos diretores.
Sem apresentar grandes novidades mas, apostando numa direção caprichada e que sabe construir suspense e alternar momentos de pressa com a espera e o silêncio que aumentam a tensão da plateia, Sorria 2 é uma aposta segura para os fãs do gênero e, especialmente, para quem espera imagens traumáticas de violência e suplício físico. É possível sorrir, enfim, com o terrível destino de seus personagens.
https://www.youtube.com/watch?v=0HY6QFlBzUY
Crítica | Virando o Jogo - Boston Red Sox 2004 é um fascinante mergulho no mundo do beisebol
Brasileiros de modo geral têm extrema dificuldade de entender as regras e a dinâmica do beisebol - o esporte coletivo norte-americano por excelência, mas também muito popular em países como Japão e Coreia do Sul. Um dos principais motivos para isso é que ele é essencialmente diferente do futebol, e muitos de seus princípios chegam a ser contrários. Isso afasta quem acompanha um de acompanhar também o outro.
Enquanto o futebol é um esporte cronometrado, uma partida de beisebol pode simplesmente não acabar nunca, porque não existe empate e os times jogam até que um deles obtenha vantagem na pontuação. Isso significa que algumas partidas podem durar quatro ou até cinco horas. Além disso, o beisebol é um esporte de "duelos", em que jogadores vão se confrontando um a um: enquanto o time que defende tenta eliminar os adversários, o time que ataca tenta fazer com que eles percorram o circuito completo (as bases) para que, assim, marquem pontos. É um esporte de paciência e superação de limites individuais, onde o coletivo trabalha de forma distinta do futebol, funcionando mais como uma sucessão de lances separados, o que é bastante curioso (e também complexo) quando se assiste pela primeira vez.
O beisebol profissional norte-americano é conhecido por uma sucessão inumerável de "lendas", "maldições" e "tabus", e um dos mais célebres entre eles diz respeito à fila enfrentada pelo time de Boston, os Red Sox, que após vender seu principal jogador para os rivais de Nova York (os Yankees, do bonezinho que a gente vê na rua mas nem todo mundo sabe que se refere ao time, e não à cidade) passaram mais de oito décadas sem ganhar um título. A minissérie da Netflix em três episódios, Virando o Jogo - Boston Red Sox 2004, conta a história de como um grupo de jogadores excêntricos e subversivos conseguiu "destruir a maldição" e fazer o Boston voltar a vencer após 86 anos de decepções e derrotas.
História do documentário já foi mostrada numa comédia
Os torcedores de Boston são conhecidos pelo fatalismo e fanatismo. A comédia Amor em Jogo, dirigida por Bobby e Peter Farrelly, tem por protagonista um apaixonado fã dos Red Sox e a história contada aqui de forma documental é pano de fundo para o romance divertido entre Drew Barrymore e Jimmy Fallon. O drama Moneyball - O Homem que Mudou o Jogo, por sua vez, funciona como um preâmbulo para ambos, uma vez que termina mais ou menos quando a campanha narrada nos outros dois se inicia (a "virada" dos Red Sox em direção ao título após tantas derrotas).
A série da Netflix pode ser acompanhada com prazer por qualquer espectador com algum interesse por esportes e relatos de superação em geral, além de ser uma pequena aula sobre gestão de talentos e como administrar pessoas num ambiente conturbado e hostil.
Para quem gosta e entende um pouco o esporte, é uma narrativa emocionante daquela que é - possivelmente - a mais impressionante virada da história dos esportes coletivos, quando na decisão do título que precede a disputa final (uma espécie de "semifinal" para os padrões futebolísticos), os Red Sox conseguiram virar uma contagem que jamais havia sido revertida antes - e contra seu maior algoz. Se você entende um pouco de beisebol ou se gosta de esporte coletivo de modo geral, Virando o Jogo - Boston Red Sox 2004 é um programa imperdível e que pode ser assistido num fôlego só.
https://www.youtube.com/watch?v=mMLg5tjlj-w
Review | Life is Strange: Double Exposure traz retorno muito confuso de Max Caulfield
Apesar de ser uma das minhas franquias favoritas, demorei muito tempo para jogar Life is Strange. Somente ano passado fui aproveitar as aventuras heroicas inusitadas da saga antológica. O formato de trazer uma narrativa fechada por jogo era adequado e isso só se confirmou agora com a sequência do game original com Life is Strange: Double Exposure, que apresenta Max Caulfield em outra aventura catastrófica.
Apesar de abordar elementos fantásticos com os protagonistas possuindo super poderes nos jogos principais, é um fato que a franquia sempre soube ser bastante pé no chão e tratar suas histórias com relativo realismo que tornavam todos os personagens bastante identificáveis e simpáticos.
Logo, me pega com estranheza o quão esquisita é a história de Double Exposure, mas fique tranquilo que não devo mencionar nenhum spoiler da narrativa que, em tese, deveria ser a maior força dos jogos da saga.
https://www.youtube.com/watch?v=TOYz4NCFIXg
Fotografia bagunçada
Após dez anos da tragédia de Arcadia Bay, Max Caulfield seguiu sua vida se tornando uma fotógrafa de relativo sucesso a ponto de se tornar uma professora respeitada na universidade de Caledon. Lá, ela firma amizade com a carismática Sofi, filha da reitora, e o introvertido nerd Moses.
Passando tempo com os amigos, Max estranha a demora do retorno de Sofi que havia saído para atender uma misteriosa ligação. Ao ir atrás da amiga, descobre que ela foi assassinada. Sem acreditar na situação e com dificuldade de aceitar o luto, Max descobre um novo poder: o de atravessar dimensões ao encontrar uma realidade paralela na qual Sofi está viva.
Com o novo poder, Max fica obstinada em usar as duas realidades para desvendar o mistério do assassinato.
Já tirando o elefante da sala, era esperado que a Deck Nine e a Square Enix lidassem com a fúria dos fãs que já foi bastante expressada pelo acesso antecipado aos dois primeiros capítulos. No caso, Double Exposure na verdade não se importa em quase nada relacionado aos eventos do primeiro jogo, tanto que Max é uma personagem bastante diferente daquela que conhecemos antes.
Já no começo do jogo, você será obrigado a escolher qual foi o destino de Chloe ou de Arcadia Bay. Se ela morreu ou viveu. Independente do que escolha, Max não tem mais relações com a amiga de infância e ex-namorada e seu impacto na nova história é totalmente nula.
É particularmente preguiçosa a disposição da Deck Nine em lidar com as consequências do jogo original, sendo que há membros da equipe que escreveram a prequela Before The Storm. Apesar de não ter nomes relacionados ao escopo criativo do primeiro jogo, o estúdio é veterano da saga e já provou que consegue trazer uma boa história com personagens cativantes em True Colors (jogo que é muito superior a este aqui).
Não vai demorar muito tempo para veteranos da franquia notar estranhamentos no modo que a história é conduzida. Em questão de minutos, o jogador já precisa escolher se terá um romance com uma personagem secundária que acabou de conhecer. Esse padrão de escolhas importantes antes de qualquer desenvolvimento da história é algo que se repete com constância, além de algumas opções oferecerem a mesma escolha, mas com frases diferentes.
O próprio mistério acaba irrelevante em questão de pouco tempo, após capítulos inteiros serem destinados a isso, sacrificando muito desenvolvimento do elenco que é o DNA de Life Is Strange. E, por mais irônico que isso possa parecer, Safi, a força motriz do game, é a mais prejudicada.
Faltam muitos momentos a dois entre ela e Max, situações que mostrem a realidade dos problemas que ela enfrenta, das relações dela com outros personagens e também dos segredos de seu passado. O jogador acaba descobrindo algumas coisas através da investigação, mas não há o mesmo impacto em ler algo do que testemunhar o acontecimento. Essa é uma das falhas estruturais da narrativa que podia ter sido resolvida com Max interagindo aos poucos com Safi, ou adiando o assassinato dela para um capítulo tardio, ou usando tendo maior interação com ela na realidade que ela está viva.
Se até Safi sofre com isso, imagine o restante do elenco, o mais fraco da franquia até agora. Dos novos personagens, somente Moses e a professora trans Gwen que trazem mais carisma e despertam algum interesse do jogador (Moses demora para ficar interessante, mas consegue conquistar aos poucos).
Também é particularmente esquisito como os personagens parecem não se importar muito com o fato de Safi ter sido assassinada no campus ou que um assassino esteja a solta nas redondezas. Moses segue sua pesquisa normalmente e Max mitiga o sofrimento por ter Safi viva em uma nova realidade - mesmo raramente passando tempo
No elenco, existem personagens bastante alheios como Reggie, Diamond e Loretta, que participam muito pontualmente da história. Dos suspeitos, os professores Gwen e Lucas fazem um bom papel, com alguns bons segredos guardados (embora uns não façam sentido). E, por fim, temos os interesses amorosos mais sem graça da franquia, Vinh e Amanda.
Amanda, apesar de genérica, não chega a irritar, mas é muito questionável como raios Vinh se torna um interesse romântico sendo que o cara é convencido, chato, arrogante, relativamente tarado e outros adjetivos que se categorizam como spoiler então não cabe aqui. Na relação com eles, vemos como Max mudou, se tornou uma mulher bastante tarada e interessada em sexo, algo bem distinto da tímida e insegura Max de outrora.
Do que foi preservado da personagem, temos o humor de tiozão, a empatia e o ímpeto investigativo. De resto, mais nada. A nova Max é uma mera sombra da original. Os diálogos também sofrem do mesmo modo, com o millennial cringe extrapolado, além de muitos serem apenas papo furado sem relevância.
É até difícil mencionar o que de fato há de interessante na história de Double Exposure. Diria que existem boas reviravoltas e algumas narrativas complementares curiosas e só. As consequências das escolhas não importam muito, a história muda radicalmente a partir do terceiro capítulo quebrando qualquer lógica interna ao apostar em resoluções preguiçosas para os clichés do multiverso, além de sofrer cada vez mais a cada reviravolta. O mesmo, bizarramente, acontece com o ritmo que já é muito arrastado desde o início que só piora.
Parece que o time não queria trazer Max Caulfield de volta e trabalhar em outra história. O que é bem esquisito visto que, teoricamente, True Colors foi um jogo que vendeu bem. Então retornar para Max após conquistar um sucesso é uma decisão que parece ter vindo do alto escalão executivo do estúdio. E aí temos esse resultado bem esquisito com Double Exposure.

Queimou o filme
Levantei essa questão de lucro e orçamento porque Life is Strange: Double Exposure parece um jogo mais barato do que True Colors. Isso acontece principalmente no escopo do jogo que é consideravelmente menor em termos de espaço explorável. A universidade de Caledon é muito menor que os espaços interativos de True Colors que era quase um mundo aberto. Além disso, o jogo sofre bastante com paredes invisíveis, não permitindo tomar atalhos em áreas que deveriam ser exploradas também.
Felizmente, os interiores são muito bem feitos, repletos de itens que conferem mais da personalidade de alguns personagens como Lucas e Gwen. Uma pena, porém, que os pensamentos de Max sofre diversos itens sejam bem banais e desinteressantes.
A Deck Nine também capricha bastante na interação com as redes sociais e trocas de mensagens por celular, trazendo muito conteúdo opcional que vale a pena ser explorado, principalmente por Max postar diversas de suas fotos em seu feed. É um extra que complementa a experiência, isso quando não ajuda a tapar alguns buracos da narrativa principalmente envolvendo o destino de um detetive que investiga o caso.
Sendo o primeiro jogo da franquia produzido na Unreal 5, é esperado que alguns bugs e problemas de performance estejam presentes. Na minha experiência, não sofri com crashes, nem framerate inconstante, mas presenciei alguns bugs visuais e não consegui saltar diálogos em nenhum momento, mesmo apertando o botão de comando.
Dito isso, se trata de um jogo belíssimo visualmente, com animações faciais de alta qualidade e pouco repetitivas que oferecem vida aos personagens sempre bastante expressivos. Reconheço que essa parte da animação é digna de aplausos pois deve ter dado um enorme trabalho conseguir capturar tantas sutilezas faciais com maestria.
A direção de arte também se destaca, principalmente durante um evento festivo no bar local no qual Max salta entre as duas realidades constantemente, oferecendo um contraste preciso entre o mundo Vivo e o Morto (que representam o status de Safi no jogo).
O trabalho de atuação também está excelente em Life is Strange: Double Exposure. Ainda que a vasta maioria dos personagens seja insossa, os atores dão o seu melhor e o retorno de Hannah Telle como Max é apreciado e bem-vindo. Outro ponto que a saga nunca decepciona é na trilha musical que segue repleta de canções folk e indies muito agradáveis.
Em termos de gameplay, a franquia sempre foi muito simples e aqui não é diferente, apesar de termos um trecho de quebra cabeça bem criativo no segundo capítulo que explora ao máximo a nova habilidade de Max (uma pena que a origem narrativa do puzzle seja completamente estúpida).
Além das andanças entre realidades que, na verdade, só servem para bisbilhotar ou ter mais opções de diálogos (muitas vezes obrigatórios já que Max pensa o que tem que fazer em 99% das vezes - menos nas que não são nada óbvias). Infelizmente, as mudanças de realidade não são tão profundas quanto poderiam ser em termos de jogabilidade, apenas apostando no mais seguro de jogos mais interessantes da mesma proposta como Titanfall 2, The Medium e Lords of the Fallen.
Na parte final do game, há mais uma mecânica da dupla exposição fotográfica que serve pra pouco ou nada durante o clímax confuso. Teria sido interessante caso os desenvolvedores tivessem apostado na mecânica para explorar o recurso de regresso ao passado através de fotografias que Max ainda possui, ainda que enferrujado.
É basicamente isso. Por sinal, os saltos para atravessar as realidades só acontecem em pontos muito específicos do mapa seja por limitação técnica ou preguiça. Há também vislumbres da outra realidade se apertar R1, mas poucas vezes isso é utilizado em puzzles durante a jogatina.

Dupla exposição
Life is Strange: Double Exposure me pegou de surpresa ao ser anunciado repentinamente. Fiquei feliz pelo retorno de Max e estava interessado no potencial da história, mas infelizmente a obra completa passa longe de alcançar a essência da franquia já vista em jogos anteriores.
Com uma história fraca, arrastada, sem nexo de final insatisfatório e repleta de personagens chatos, fico apreensivo pelo futuro de Life is Strange, já que tudo indica um caminho blasé e desnecessário que não vai agradar ninguém, muito menos quem já é fã de décadas.
Agradecemos a Square Enix pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.
Review | Dragon Age: The Veilguard traz Bioware de volta à boa forma
Há anos que a Bioware está com a água no pescoço. A desenvolvedora, uma das mais influentes da indústria, viu seu prestígio despencar após o lançamento muito complicado de Mass Effect Andromeda em 2017.
Com a reputação abalada, o golpe derradeiro viria dois anos depois, em 2019, com o fracasso colossal de Anthem, primeiro jogo como serviço idealizado pelo estúdio. No silêncio do hiato sem grandes lançamentos desde então, a expectativa do estúdio é alta para o aguardado lançamento de Dragon Age: The Veilguard, que continua a história do excelente Inquisition, lançado há uma década.
Felizmente, em muitos níveis, o novo Dragon Age comprova que a Bioware conseguiu retomar o prumo e entregar um produto da qualidade superior ao que seus fãs estavam acostumados. Porém, diante de polêmicas envolvendo o design artístico do novo capítulo, além do óbvio abraço aos valores DEI que assolam a indústria, eu temo pelo futuro do estúdio, já que os fãs não parecem empolgados com o novo jogo. O que, já adianto, é uma verdadeira pena, pois se trata de um produto de excelente qualidade técnica, visual e sonora.
https://www.youtube.com/watch?v=NdtmtuzICOI
Jogado ao Véu
Quando o novo capítulo da sua franquia de história linear demora uma década para ser lançado, não resta muita opção além de abordar a história de um novo ângulo, que seja amigável para novos jogadores que nunca conheceram Thedas antes.
Acontecendo anos depois dos eventos derradeiros da DLC de Inquisition, o jogador é lançado diretamente na ação em um prólogo explosivo. Sem cerimônia, somos apresentados ao novo protagonista, Rook (ou “novato”). Em parceria com Varric e Harding, membros da Inquisição do último jogo, o personagem, que pode ser de seis diferentes facções, compartilha do mesmo objetivo: impedir que Solas, o Dreadwolf, destrua o Véu que separa as realidades, permitindo a invasão de uma legião de demônios no mundo.
Indo de encontro a Solas, Rook e seus parceiros conseguem impedir a conclusão do ritual, mas as coisas não saem do modo perfeito que todos imaginavam. Na confusão mágica, duas grandes divindades malignas élficas escaparam de suas prisões no Véu. Trazendo corrupção e pragas a Thedas, o protagonista e seus amigos terão que lidar com a nova ameaça.
Assim como Inquisition, a estrutura narrativa de Veilguard é similar. Novamente há uma grande ameaça que somente o protagonista poderá lidar, mas para isso, terá que recrutar uma equipe de grandes especialistas para conseguir enfrentar o mal com poder de fogo o suficiente. O formato narrativo que é visto desde Mass Effect 2 nas mãos do estúdio é bastante eficaz e como os riscos são altos, creio que foi uma escolha bastante prudente em apostar no seguro.
Ao todo, Rook vai encontrar sete parceiros, sendo que Harding e a maga Neve já se tornam companheiras logo no começo do jogo. Se tratando de um título muito mais linear que Inquisition, não há riscos de perder a oportunidade de recrutar um parceiro no meio do caminho (o que é ótimo já que as histórias individuais de cada um deles costumam ser mais interessantes que a principal).
O que acontece de novo, como de costume já franquia com exceção de Dragon Age 2, o protagonista sofre com o próprio estabelecimento de sua própria história. Há até uma tentativa em uma cena na qual ele interage com objetos importantes refletindo sobre algumas passagens, mas é tudo muito raso.
Apenas sabemos que se trata de um personagem bem intencionado e só. Sendo um RPG da Bioware, quem dita a história é o jogador nas opções clássicas de bom moço, neutro ou agressivo - importante mencionar que o jogo dita o rumo “agressivo” como mais direto ao ponto. É praticamente impossível ser um anti-heroi em Veilguard. Aqui, há também muita opção em seguir o caminho “engraçadinho” com Rook fazendo piadinhas a la MCU, de um humor light e sem riscos, em muitas oportunidades de diálogo.
Mesmo que se trate de uma história de fantasia em um cenário “medieval”, não espere que os diálogos sejam muito rebuscados. Há sim alguns personagens mais arcaicos no modo de se comunicar, mas a maioria conversa de modo normal chegando até mesmo a solicitar tratamento correto de pronomes não binários em certos momentos.
Aliás, Thedas nunca foi tão diversa como aqui. São inúmeros personagens que variam de idade, gênero, orientação sexual, cor, raça, entre outros. Há uma prevalência de parceiros efeminados no time de personagens principais, enquanto as mulheres são representadas de modo mais único. Há também uma parcela significativa de conteúdo secundário, focada em identidade de gênero e linguagem neutra.
Embora os arcos progressistas sejam interessantes de acompanhar, as histórias secundárias destoam bastante do resto do tom do jogo ao apresentar questões realistas e contemporâneas enquanto o jogador lida com uma antagonista elfa-centopeia, magias, cavaleiros e demônios. Ou seja, há uma confusão de tons aqui. Isso é agravado conforme o jogo avança, já que há uma ênfase MUITO clara que o jogador precisa completar as missões secundárias da equipe antes de progredir - não é obrigatório, mas é incentivado ao máximo.
Como há essa interferência clara dos roteiristas, em enfatizar as secundárias, o ritmo do jogo sofre em sua metade, afinal é bem complicado convencer o jogador que, com o destino de toda Thedas em jogo, a prioridade é definir a resolução de problemas muito menores dos outros parceiros. Se não fosse algo de mão pesada, eu nem mencionaria, mas de fato é e incomoda.
Por conta disso e dos personagens atestarem que é difícil focar na missão enquanto tem seus problemas para resolver, o conteúdo secundário principal é um pouco prejudicado, embora seja um dos mais detalhados e elaborados que a Bioware já concebeu - de fato, está anos-luz de distância do que já vimos em Mass Effect. Ainda assim, recomendo a conclusão dessas histórias.
Embora The Witcher 3 tenha mudado o cenário dos RPGs com as suas quests secundárias de alta qualidade em 2015, Inquisition já trazia também uma parcela significativa de conteúdo opcional interessante. Embora as missões disponíveis nos mapas sejam menos elaboradas, elas são variadas e têm um escopo narrativo intrigante em maioria. A verdade é uma só: caso você consiga se imergir na atmosfera envolvente de Thedas e sua rica mitologia, todo o conteúdo é interessante e divertido que vale o seu tempo.
Eu lamento apenas que, apesar de trazer coisas interessantes, a história não assume muitos riscos, além de sofrer de problemas sérios de clichés mais que batidos e previsibilidade intensa em muitos arcos. Tudo bem que há anos que a franquia não é muito arriscada, mas é uma pena que mais uma vez não há escolhas realmente pesadas e intensas na história - as que existem impactam a narrativa, mas estão longe de ter o peso de outras existentes em outros jogos da Bioware.
Em termos narrativos, se trata de uma boa experiência repleta de problemas de tom em sua atmosfera que mistura humor no meio do desastre e matanças em massa, anacronismos ao abraçar bandeiras progressistas que não encaixam em uma fantasia medieval - isso faria muito mais sentido em Mass Effect do que nessa franquia, entre outros.

Brilhantismo técnico dita novos rumos
A Bioware, apesar do lançamento quebrado de Mass Effect Andromeda, sempre teve um renome de rigor técnico intenso. Felizmente, Dragon Age: The Veilguard resgata esse preciosismo do estúdio com um lançamento praticamente impecável até mesmo no PC.
Misturando o DNA de Inquisition e do segundo jogo da saga, exploramos diversas áreas lineares de bolsões exploráveis em toda a Thedas. As áreas são grandes o suficiente para guardar segredos e desafios divertidos, além de possuírem um design de arte fantástico. É fácil ficar embasbacado pela prisão submersa do Ossuário, assim como a beleza misteriosa e sombria da Necrópole. Há um capricho igual em cenários persistentes como o Farol e a Encruzilhada, hubs de convivência e viagem no mundo que o jogador visita constantemente. Aliás, o detalhe em mudar a organização dos quartos dos parceiros conforme o tempo avança é de muito bom gosto.
Os belos cenários de diferentes arquiteturas ornam muito bem com o estilo artístico mais cartunesco a la Fortnite dos personagens que habitam este mundo. Sobre este ponto, eu nem chego a reclamar, já que é tradição da franquia não manter qualquer coerência estética ao longo dos seus títulos.
Aliás, não apenas o design artístico é bonito, como toda a qualidade gráfica em si. Facilmente se trata do título mais bonito do ano, superando com facilidade jogos como Stellar Blade e Final Fantasy. Não se trata apenas dos belos gráficos e efeitos visuais, mas de como tudo isso orna em tela. Há anos que um jogo não me cativa visualmente como esse daqui.
O brilhantismo também está presente na forma que o jogo é executado, sendo muito bem otimizado, mantendo taxas de quadros constantes graças a pré compilação de sombreadores e auxílio de tecnologias como o DLSS - infelizmente não testei a geração de frames já que o jogo está com um bug que não reconhece a minha 4090 possibilitando o uso da tecnologia. Até mesmo os efeitos em ray tracing não chegam a comprometer muito da saúde de frames do jogo, podendo ser utilizados com ajustes satisfatórios.
Deixando um pouco o visual de lado, o game também possui ótimo desenho sonoro e boas atuações por todos os lados, tornando boa parte dos personagens bem carismáticos e interessantes de acompanhar. Isso se reflete também no protagonista que é um dos menos robóticos já apresentados, atingindo um nível satisfatório de animações faciais mesmo com tantas alterações em design do bom criador de personagens do jogo - deve ser o segundo melhor da indústria, ficando atrás apenas de Baldur’s Gate 3. A trilha musical também tem seus momentos, embora seja prejudicada por diversos temas anacrônicos que investem em sintetizadores e batidas futuristas em um jogo de fantasia medieval.
Em termos de jogabilidade, esta talvez seja a iteração mais simples da franquia. A cada jogo, a Bioware se aproximava cada vez mais de uma abordagem em favor da ação do que a estratégia pura e simples que marcava o primeiro título. Aqui é a culminação completa disso, permitindo que o personagem execute golpes como em títulos Final Fantasy 7 e God of War.
É possível encadear ótimos combos variando entre golpes de dano normal, centrados em destruir armadura ou outro feito para quebrar barreiras de magia. Apesar de não ser difícil, o jogo traz bons desafios ao jogar diversos inimigos variados em tela com táticas diferentes de combate, encorajando bastante mobilidade nos conflitos sempre divertidos.
Nisso, o jogador ainda consegue selecionar três magias e golpes especiais, além de um golpe de fúria que é carregado com o tempo, aplicando muito dano. Os combos também estão presentes podendo escolher aplicar duas magias que trabalham em sinergia dos parceiros para detonar inimigos individuais ou em área.
É simples, funcional e muito divertido. Praticamente ideal para um RPG de ação como esse daqui, além de ser muito interessante de dominar. Em geral, os parceiros que acompanham Rook possuem quatro magias principais, uma complementar e outra que é liberada após o término de sua linha narrativa paralela.
Já Rook possui uma árvore de habilidades imensa aplicando melhorias passivas em inúmeros efeitos e outras magias que podem ser trocadas no menu do personagem. O jogo encoraja a construção de diferentes builds de personagem sem penalidades para restituir pontos de habilidade. O que é ótimo já que há três especializações distintas que reservam as habilidades mais poderosas do jogo para os trechos finais do game.
Como era de se esperar, o jogo também traz muitos itens para loot, aprimorando armas e armaduras também para os parceiros. Entretanto, a cadência do loot é bem irregular com muitas recompensas sendo inferiores ao conjunto atual do jogador ou com status menos interessantes. Há diversos modificadores também. Fora isso, o game sofre com o design de muitos dos equipamentos que simplesmente não são atraentes de se usar (ainda bem que há a transmogrifação). Boa parte deles sofre com overdesign, exagerados em detalhes, cores ou tamanho.
Por fim, há um sistema interessante e um tanto único de lojas. Com diversas facções, é possível aprimorar diversas lojas com pontos de lealdade para ter acesso a itens mais seletos. O mesmo acontece com a forja para aprimoramentos ou encantamentos de itens atuais. É um sistema bom e natural que encaixa na progressão do jogo.

A magia persiste em Dragon Age
É com alegria que confirmo que Dragon Age: The Veilguard é um dos melhores jogos do ano com facilidade. Há bons personagens, boa história, excelente produção artística, belos gráficos e jogabilidade muito divertida que não chega perto de enjoar durante a longa duração do jogo. Obviamente tem a minha recomendação.
Porém, é inegável que o game está com uma percepção negativa por abordar com ênfase pautas progressistas que, como atestei no texto, não ornam com o universo do jogo e parecem ter sido forçadas no produto final por algum capricho muito sério no período de produção. Temo que pelas vendas do jogo, a Bioware se encontre em uma situação ainda mais rudimentar na EA para aprovar o orçamento de novos projetos ou até mesmo da produção atual do novo Mass Effect. Torço para que não e que seja um sucesso, mas a possibilidade é real.
No fim, nota-se que o time é extremamente apaixonado pela mitologia e legado de Dragon Age, trazendo mais uma iteração de qualidade que até hoje não viu um jogo ruim. Que o retorno para Thedas não leve mais uma década em uma próxima aventura que já aguardo com ansiedade.
Agradecemos a EA pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.