Um RPG nascido do tédio com o convencional
Em 2020, Guillaume Broche decidiu deixar a segurança da Ubisoft, onde atuava como gerente de marca e líder narrativo, para fundar a Sandfall Interactive. O motivo? Uma inquietação crescente e o desejo de criar algo verdadeiramente diferente. Essa ambição, nutrida por uma paixão por RPGs japoneses como Final Fantasy VII, VIII, IX e X, culminou em Clair Obscur: Expedition 33 — um projeto ousado que hoje é celebrado como um dos jogos mais impactantes do ano.
Com combate por turnos influenciado tanto por clássicos do gênero quanto por títulos modernos como Sekiro, e toques de deck-building, o jogo busca unir nostalgia e inovação em uma experiência única. Segundo Broche, a ideia era devolver à fantasia por turnos a sua relevância no cenário atual, sem perder a elegância e o frescor dos jogos contemporâneos.
Uma estreia estrondosa no mercado global
Lançado em 2025, Clair Obscur: Expedition 33 rapidamente se destacou entre os grandes nomes da indústria. Com mais de 1 milhão de cópias vendidas em apenas três dias, o título se consolidou como o RPG mais bem avaliado do ano — empatado em nota com Blue Prince, mas com uma base de críticas mais ampla e consolidada no Metacritic.
Esse feito é ainda mais notável considerando que a Sandfall é um estúdio relativamente novo e modesto, distante da infraestrutura gigantesca das grandes desenvolvedoras AAA. Mesmo assim, conseguiu alcançar uma fidelidade gráfica impressionante, aliada a uma narrativa profunda e a um sistema de combate envolvente.
Fora da sombra dos gigantes AAA
Embora títulos como Assassin’s Creed Shadows provem que a Ubisoft ainda entrega experiências de qualidade, Clair Obscur simboliza uma crescente insatisfação com a previsibilidade dos grandes estúdios. O ex-desenvolvedor da Blizzard, Chris Kaleiki, observou recentemente que o espaço “AA” — com escopo controlado e liberdade criativa — está renascendo, oferecendo uma alternativa mais saudável e gratificante do que o gigantesco coliseu AAA.
Shuhei Yoshida, ex-chefe da PlayStation, foi ainda mais direto: para ele, Clair Obscur, vendido por US$ 50, representa o “equilíbrio ideal” entre ambição e sustentabilidade. Ele acredita que o futuro da indústria está justamente nesse modelo, que permite arriscar sem afundar em orçamentos bilionários.
Uma equipe jovem, talentosa e um pouco de sorte
O sucesso do jogo não veio apenas de uma visão criativa clara. Segundo Broche, houve também uma boa dose de sorte. A roteirista principal, por exemplo, foi descoberta por meio de uma simples postagem no Reddit pedindo dubladoras. Ela acabou se tornando peça-chave na narrativa do jogo.
“Acho que temos uma equipe incrível, composta majoritariamente por jovens. São incrivelmente dedicados e talentosos. De alguma forma, tudo deu certo, o que ainda me surpreende”, disse o diretor em entrevista à BBC.
Uma lição (não aprendida) para as gigantes
Analistas do setor já começam a comparar Clair Obscur com o que a Square Enix se recusa a fazer com Final Fantasy: um retorno ao combate por turnos, mas com ousadia e modernização. Para alguns especialistas, a gigante japonesa “se ilude” ao não explorar esse caminho, enquanto Broche e sua equipe mostraram que há um mercado vibrante e entusiasmado por RPGs turn-based de qualidade — contanto que sejam tratados com seriedade e criatividade.
Clair Obscur: Expedition 33 não é apenas um sucesso comercial ou crítico — é um manifesto criativo sobre os rumos possíveis da indústria de jogos, longe do modelo saturado dos blockbusters previsíveis.
Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
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