Desde que a Marvel Studios anunciou um pacote de novas séries originais para o Disney+, confesso que não fiquei muito empolgado com o primeiro catálogo. A intenção inicial da gigante produtora de Kevin Feige era preencher pontes entre personagens já estabelecidos do MCU, especialmente para continuar fios de história deixados abertos em Vingadores: Ultimato, com WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal, Loki e Gavião Arqueiro oferecendo mais do mesmo em termos de personagens.

Eram mesmo os novos personagens que me interessavam. Dessa forma, Ms. Marvel, She-Hulk e Cavaleiro da Lua preencheriam essa extensão do Universo Marvel no streaming, e era justamente o herói perturbado de Oscar Isaac que mais me chamava atenção, tanto pela mitologia interessantíssima do personagem nos quadrinhos quanto pela possibilidade de explorar algo genuinamente inovador e original na caixa de areia da Marvel Studios. E após assistir aos dois primeiros episódios da série apadrinhada por Jeremy Slater, estou completamente arrasado e decepcionado.

A trama dos dois primeiros episódios gira em torno de Steven Grant (Oscar Isaac), um funcionário de museu que tem problemas de sono e começa a sentir efeitos estranhos em seu cotidiano. Após uma série de apagões e dias perdidos, ele descobre que possui uma outra identidade habitando seu corpo: a do mercenário Marc Spector, que por sua vez atua como vassalo de uma poderosa entidade egípcia conhecida como Khonshu o Deus Lunar. Enquanto tenta lutar pelo controle de seu próprio corpo e mente, Steven também assume a identidade mística do Cavaleiro da Lua, que está travado em um combate com o misterioso cultista Arthur Harrow (Ethan Hawke), apoiador de uma entidade rival de Khonshu.

A Ragnarokização continua

Mais uma vez, o pior da fórmula Marvel se repete. Mesmo não sendo um grande conhecedor da história do Cavaleiro da Lua nos quadrinhos, vi a mesma sina que assombrou Thor em praticamente todos os seus filmes no cinema (mas especialmente no pavoroso Ragnarok), onde o protagonista é transformado em um comediante, preso em uma série de situações atrapalhadas e movidas por piadinhas sem graça e viciadas em referências pop. É genuinamente decepcionante atestar que a Marvel Studios precisa desesperadamente apelar para o humor pastelão  idiota para conseguir o interesse do público (que estava bem animado na sessão de imprensa na qual compareci), ao invés de confiar no risco de algo mais ousado – já que elementos de terror estão na série, mas com medo de serem levados ao extremo.

Quando vi o abobalhado protagonista de Oscar Isaac ouvir a palavra “Avatar” e imediatamente começar a falar sobre o filme de James Cameron (e depois o anime da Nickelodeon) em um importante diálogo expositivo, eu já sabia o que viria pela frente; e já não me importava mais, sinceramente. Ainda mais porque Cavaleiro da Lua parece bem confortável em replicar boa parte da fórmula de Venom, com o protagonista conversando consigo mesmo no reflexo e ouvindo uma voz gravíssima de uma entidade em sua cabeça (no caso, o imponente F. Murray Abraham como Khonshu). Mas com todo respeito a Oscar Isaac, ele não consegue se entregar ao ridículo como Tom Hardy. Ainda que seja louvável e interessante vê-lo com um sotaque britânico para diferenciá-lo de sua outra identidade, a escolha soa artificial e satírica o tempo todo, e nunca fui capaz de acreditar em Steven Grant como um personagem real – o texto já era frágil, e a entrega problemática de Isaac só piora o resultado.

Toda essa veia cômica afeta também o lado “épico” da série. Sem nunca levar nada a sério, o risco e o terror que a produção almeja são inexistentes. Qualquer sequência que envolve um Oscar Isaac apavorado fugindo dos chacais de CGI questionável e genérico remetem mais a Uma Noite no Museu do que o pseudo-Bebê de Rosemary que os diretores tanto tentam emular – especialmente pelas tomadas de corredores apertados e aparições repentinas de… Mais figuras de CGI questionável. Não há a menor textura em uma realização tão artificial, que grita amadorismo durante uma terrível sequência de perseguição de carro; onde a experiência da tela de cinema só expôs a precariedade dos efeitos visuais que criam carros e árvores borrachudas despencando de penhascos digitais.

Chapolin na Lua

Também entendo a honrável intenção de Kevin Feige e da Disney em contratar cineastas egípcios para comandar um super-herói tão atrelado a essa cultura; mas isso não é justificativa o suficiente, já que o trabalho em tela é péssimo. O novato Mohamed Diab dita o tom do primeiro episódio, e decepciona tanto nas cenas de ação quanto no estabelecimento de atmosfera, já que suspense e humor se perdem de forma desastrosa – algo que a dupla Justin Benson e Aaron Moorhead carrega no igualmente desastroso segundo episódio, que também sofrem pela repetição estrutural: 40 minutos de dúvidas e confusão acerca da dualidade entre Steven e Marc seguidos por 10 minutos de porradaria CGI sem o qualquer capricho ou impacto visual.

Se há algo que eu posso elogiar nos aspectos técnicos da série, bem… Cavaleiro da Lua ao menos pinta cenas noturnas bem mais interessantes e melhores iluminadas do que outros filmes do MCU; com os diretores de fotografia sabiamente apostando em um contraste mais forte e a presença de luz amarelada de postes e elementos cênicos para composições mais inspiradas. É o básico de fotografia, mas considerando que é o MCU, é um passo enorme. 

E fechando elogios… Eu realmente achei que Ethan Hawke fez um bom trabalho com Arthur Harrow. O conceito do personagem, claramente inspirado em cultos religiosos, é raso e caricato como o restante da série, mas o ator é eficiente ao transmitir uma aura de ameaça bem sutil. Há diversos momentos em que Harrow definitivamente explodiria de raiva, mas Hawke simplesmente mantém a voz controlada, sempre calmo e sussurrando; o que ironicamente o tornam ainda mais sinistro.

Eu realmente fiquei bem chateado com o resultado final de Cavaleiro da Lua. Ver uma premissa tão saborosa e um super-herói com potencial para render grandes histórias ser resumido a mais uma comédia pastelão parece estar se tornando padrão na Marvel Studios. Sei que são apenas 2 episódios de uma temporada de 6, mas confesso que não devo retornar para ver o desfecho da história.

Cavaleiro da Lua – Episódios 1 e 2 (Moon Knight, EUA – 2022)

Showrunner: Jeremy Slater
Direção: Mohamed Diab, Justin Benson, Aaron Moorhead
Roteiro: Jeremy Slater
Elenco: Oscar Isaac, Ethan Hawke, F. Murray Abraham, May Calamawy, Lucy Thackeray
Gênero: Comédia, Aventura
Duração: 50 min
Streaming: Disney+

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Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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