É de se admirar a capacidade de Stephen King em utilizar premissas que seriam bem localizadas em filmes de super-heróis, com a descoberta de poderes extraordinários, para o terror. Seja com a telecinese no seminal Carrie – A Estranha que Brian De Palma levou às telas em 1976, a leitura de mentes no excepcional O Iluminado que Stanley Kubrick moldou à sua própria estética ou, mais recentemente, o ótimo Doutor Sono, onde Mike Flanagan basicamente fez um filme sombrio e pesado dos X-Men. Dentre todas as obras presentes nesse universo “heroico” de King, confesso que nunca havia ouvido falar de Chamas da Vingança, que ganha uma nova versão com a Blumhouse.
Já tendo sido adaptado para os cinemas em 1984, famoso por ser um dos papéis protagonistas da jovem Drew Barrymore, o novo filme de Keith Thomas continua surfando na onda de King que se tornou absurdamente forte após o sucesso da adaptação em duas partes de It: A Coisa lançada pela Warner Bros há alguns anos atrás. Infelizmente, o longa produzido por Jason Blum falha em explorar o potencial gigantesco na premissa de King.
A trama nos apresenta à jovem Charlie McGee (Ryan Kiera Armstrong), filha de dois pais fugitivos (Zac Efron e Sydney Lemmon) de um experimento soturno do governo na década de 90. Assim como seus pais, ela possui poderes paranormais, em seu caso, a habilidade incontrolável de produzir e lançar chamas incendiárias com sua mente. Quando seus poderes são liberados acidentalmente na escola, Charlie fica na mira de uma agência misteriosa do governo, forçando-a a fugir pela estrada com sua família enquanto é perseguida por um feroz caçador de recompensas (Michael Greyeyes).
Potencial morno
Basicamente, esse conto de Stephen King é uma mistura incomum do seu próprio Carrie, mas com uma pitada de E.T. – O Extraterrestre de Steven Spielberg. É uma combinação interessante, mas que o roteiro de Michael Teems (que ajudou Jason Blum em Halloween Kills) não extrai o suficiente para tornar a experiência agradável. É uma fórmula simples e de execução básica, mas que encontra diversos solavancos de história ao tentar comportar elementos de road movie, bullying na escola e uma série de outros fatores envolvendo o passado dos pais de Charlie e também da agência governamental.
Não que a fórmula seja totalmente quebrada, já que um bom casting seguraria as pontas da maioria das convenções narrativas. Infelizmente, apesar de nitidamente se esforçar para criar uma nova imagem, Zac Efron não convence como o pai de Charlie. Sua postura jovial acaba passando mais a imagem de um irmão mais velho descolado do que realmente o chefe de uma família, o que é bem danoso considerando que Chamas da Vingança aposta em boa parte da narrativa para cenas em que os dois estão sozinhos conversando, dirigindo e enfrentando terríveis lições de moral envolvendo gatos mortos e esposas catatônicas no meio da estrada.
Ao menos, a jovem estreante Ryan Kiera Armstrong consegue trazer alguma presença para sua Charlie. Seja no drama mais pé no chão no primeiro ato, até a virada mais fantasiosa e divertida do ato final, Armstrong faz o máximo para segurar o trabalho, mesmo quando o efeito de cabelo soprando ou o CGI falho das chamas em seu rosto não convencem.
Algumas boas faíscas
Por falar em fogo, chega a ser decepcionante que a direção de Keith Thomas faça tão pouco para explorar o potencial visual dessa premissa. Durante quase toda a projeção, a paleta de cores é sem graça e esquecível, falhando em comover nas cenas de suspense ou mesmo no drama fraternal. O único ponto de interesse vem mesmo no ato final, quando ao lado do diretor de fotografia Karin Hussain, Thomas aproveita o contraste belíssimo das chamas amarelas de Charlie com a paleta predominantemente azulada do laboratório do governo – o que rende uma ou outra boa solução plástica, especialmente quando a mistura gera uma coloração rosada.
Mas admito que boa parte do aproveitamento deste novo Chamas da Vingança vem de um fator inesperado: a trilha sonora assinada pelo gigante John Carpenter, que mantém a parceria com seu filho Cody e Daniel Davies, que ajudou a revitalizar a franquia Halloween – também produzida pela Blumhouse. É um trabalho extremamente derivativo daquele visto nos filmes de Michael Myers, se apoiando incessantemente em sintetizadores e pianos eletrônicos (hoje popularizados com a série Stranger Things, da Netflix). É um efeito nada original, mas que empolga e oferece ritmo a uma obra que carece desses dois fatores.
Chamas da Vingança pode se juntar ao grupo expressivo de adaptações de Stephen King que falharam em aproveitar sua premissa. Nem a direção sem graça, tampouco o elenco pouco inspirado conseguem trazer alguma faísca expressiva aqui. Nada quente.
Chamas da Vingança (Firestarter, EUA – 2022)
Direção: Keith Thomas
Roteiro: Michael Teems, baseado na obra de Stephen King
Elenco: Zac Efron, Ryan Kiera Armstrong, Sydney Lemmon, Kurtwood Smith, Michael Greyeyes, Gloria Reuben, John Beasley
Gênero: Suspense, Aventura
Duração: 94 min
Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.