Crítica | O Espelho – Milagres da montagem

Um raro exemplo de inteligência no terror

Inteligente não é a denominação que normalmente se espera de um filme de terror, já que seu propósito é justamente fugir do racional e perturbar a plateia com sustos um atrás do outro, mas realmente não vejo como classificar O Espelho de outra forma. Vai certamente decepcionar quem esperava um terror mais tradicional ou óbvio, mas os interessados em uma história mais complexa vão se deliciar com a competente obra de Mike Flanagan.

A trama acompanha os irmãos Kaylie e Tim (Karen Gillan e Brenton Thwaites, competentes) que lidam com a tragédia da morte de seus pais, sendo o pai responsável pelo assassinato da esposa e o irmão mais novo pelo de seu pai, em uma medida desesperada para impedi-lo de matar sua irmã. Anos depois, Tim é libertado de um reformatório juvenil e sua irmã tenta convencê-lo a ajudá-la a destruir um misterioso espelho, onde ela acredita viver uma entidade sobrenatural que teria influenciado seu pai a cometer as atrocidades.

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O gênero do terror é – ao lado da comédia – o mais difícil de se acertar. No ano passado, o sucesso surpreendente de Invocação do Mal, uma obra eficiente e bem sucedida ao explorar com maestria os elementos do terror, deu gás a o cada vez mais esgotado gênero. O Espelho não é um filme impactante quanto o de James Wan, mas surpreende justamente por colocar os sustos em segundo plano, dando força ao bom roteiro de Jeff Howard e do diretor Mike Flanagan (que já havia comandado um curta-metragem que serviu como base para o projeto) e servindo mais como um suspense psicológico; ainda que os elementos sobrenaturais cumpram seu papel de arrancar calafrios.

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O aspecto mais forte aqui certamente é o brilhante trabalho de montagem de Flanagan, que oferece um jogo narrativo inteligente e que raramente encontraríamos em um longa do gênero. Tendo como plano de fundo duas histórias em espaços temporais distintos, a montagem brinca com as mais diversas elipses e transições, chegando até mesmo ao ponto de compartilharem o mesmo espaço: a versão adulta e jovem de Kaylie e Tim “interagem” diversas vezes, quase transformando o passado no verdadeiro antagonista – um fantasma, por assim dizer. E como o espelho é um objeto central, não deixa de fascinar como as duas tramas vão cada vez mais se assemelhando, quase como um reflexo uma da outra. A fotografia digital de Michael Fimognari contribui nesse quesito ao tornar o ambiente mais ameaçador nas cenas do passado, mas sem jamais alterar paleta de cores para algo muito irreal.

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Contando também com um desfecho em aberto que provavelmente irritará grande parcela do público, O Espelho talvez seja um dos filmes de terror mais inteligentes dos últimos tempos, ainda que leve na categoria de realmente assustar. É mais uma obra que incomoda pela atmosfera pesada, que explora as expectativas e surpreende ao revelar-se algo mais complexo do que o prometido.

Bom ver que o mais gasto dos gêneros ainda é capaz de surpreender.

O Espelho (Oculus, EUA – 2013)

Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan e Jeff Howard
Elenco: Karen Gillan, Brenton Thwaites, Katee Sackhoff, Rory Cochrane, Annalise Basso, Garren Ryan, Kate Siegel
Gênero: Terror
Duração: 104 min

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Sobre o autor

Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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