Crítica | Terceiro episódio de House of the Dragon é aula magna de como escrever um filler

House of the Dragon mantém sua qualidade sem qualquer sinal de desgaste criativo.

Spoilers

Enquanto algumas séries sofrem em estruturar fanfics, os roteiristas Gabe Fonseca, Ryan J. Condal e George R.R. Martin dão uma aula magna na estruturação do roteiro quase todo constituído de filler no terceiro episódio de House of the Dragon – O Segundo de Seu Nome.

Se valendo de uma elipse de dois anos do episódio anterior, vemos como a Batalha dos Degraus, parte da crescente Guerra da Triarquia, se desenlaça. Com as estratégias de retranca e resistência à cerco, o Engorda Caranguejo, Craghas Drahar, segue sendo uma enorme dor de cabeça para o pacto entre Daemon e Corlys Velaryon, humilhando ambos a cada nova derrota mesmo enfrentando uma legião de soldados e um temível dragão.

Com maestria cinematográfica, o diretor Greg Yaitanes comprova que será um dos melhores nomes dos profissionais dessa temporada, não economizando na visceralidade dos primeiros minutos do episódio exibindo o trágico fim de um soldado romântico em relação à Daemon e seu esguio dragão Caraxes.

Após esse evento que realmente segue as linhas de Fogo e Sangue, toda a atenção do episódio se volta para a crescente panela de pressão que atinge Porto Real com a celebração do segundo aniversário do príncipe Aegon II que todos acreditam ser o herdeiro do Trono de Ferro, apesar da nomeação de Rhaenyra seguir valendo.

Com boa parte da corte viajando para o acampamento em Kingswood para a celebração acontecer, a tensão entre Rhaenyra e Viserys é gigantesca. A paranoia da protagonista em perder seu posto, após o desgosto de perder a amiga Alicent, é válida, com o texto tratando todas suas falas em tom de rebeldia contra o establishment político que a cerca, afinal a escrita inunda a personagem de inteligência.

Como todo o trabalho de Martin em Fogo e Sangue é contar os eventos de uma história sem perder muito tempo se afundando em detalhes como ocorre em A Canção de Gelo e Fogo, chamo o episódio de filler justamente por causa disso. A atenção dada ao miolo do episódio inteiro revela muitas nuances dos personagens que o autor criou, os tornando muito mais complexos a cada novo diálogo – e os planos certeiros de Yaitanes para mostrar os olhos e ouvidos atentos da corte sobre a relação do rei e da princesa ajudam a tornar todo o drama ainda mais pálpavel.

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Logo, esse respiro para assentar diversas discussões é importantíssimo. Sabemos agora como Viserys se sente sobre a morte de Aemma Arryn e Baelon, além de denotar o quão estressante é a vida em meio a sua corte repleta de pitacos e exigências. As neuroses são tantas que toda a intriga entre Viserys e Rhaenyra lembra muito da atmosfera de The Crown, com os personagens da realeza britânica sendo reféns do dever de sua posição.

Rodeado de bajuladores, a perspectiva dos planos cuidadosamente montados pela direção de Yaitanes revela o quão solitária é a figura de Viserys, acuado e pequeno. Perdido, sem família, já que ainda vê apenas Rhaenyra como a memória viva de um tempo mais feliz que nunca retornará. Entendendo as vontades da filha, o medo legítimo dela enquanto fica ciente das vontades contrastantes da corte, é precioso ver como Viserys toma atitudes de um verdadeiro Rei – refletido com muito afinco pela atuação espetacular de Paddy Considine

O jogo de concessões que Viserys tem que suportar tira qualquer sombra de sossego e permite que o trio de roteiristas jogue uma aventura muito interessante sobre um cervo branco, o “rei” de Kingswood. Visto como presságio para abençoar o “reinado” de Aegon II, todos clamam para que Viserys mate a criatura, se tornando um “regicida” na licença poética da metáfora.

A surpresa não é só o fato de Viserys ficar desapontado ao notar que seus caçadores não encontram o tal animal branco e o substituírem por um cervo comum, mas como ele não tem a menor vontade de matar o pobre animal, rendido a caprichos de um entretenimento vazio.

O jogo de circunstância também é inteligente como um foreshadowing para eventos derradeiros de Game of Thrones com Viserys usando uma lança Lannister para abater o pobre cervo – animal que estampa o escudo da casa Baratheon.

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Usando essa mesma pequena narrativa da caçada e simbologia do cervo branco, a escrita do episódio consegue trazer mais duas situações excelentes sendo que uma delas serve para abrilhantar ainda mais a direção de Yaitanes. As duas acontecem com Rhaenyra que, irritada com os cortejos para se casar e com a festa do meio-irmão, foge para Kingswood com sor Criston.

Nesse desvio, Rhaenyra é ataca por um javali ensandecido que, além de evocar uma boa memória envolvendo Robert Baratheon e seus entraves em uma caçada, traz a chance perfeita do diretor fazer um corte seco entre a imagem chocante de Rhaenyra, irada, esfaqueando violentamente o bicho ao descontar suas frustrações para então apresentar Viserys sofrendo próximo à fogueira remoendo em remorso. É um instrumento básico, mas muito eficiente em mostrar como a princesa também tem seus impulsos patricidas edipianos.

Depois, novamente Martin e os roteiristas então delineiam melhor a personagem ao mostrar o bendito cervo branco aparecendo para Rhaenyra na manhã seguinte, em uma espécie de reverência à verdadeira futura rainha dos Sete Reinos – logo, fica claro que o escopo criativo da série será muito simpático ao lado da Rheanyra no vindouro conflito que começará no final da temporada.

Após isso, é estabelecido que Viserys promete para sua filha, mais uma vez, que sua palavra se mantém e ela segue a herdeira do Trono de Ferro, além de decidir que ele vai ajudar Daemon em sua batalha pessoal com Corlys nos Degraus – ainda que isso tenha uma segunda intenção.

Com poucos minutos restando, o poder da síntese precisa se manifestar para fechar as pontas da guerra nos Degraus. O público conhece através dos cortes intermitentes do rosto dos soldados Velaryon já muito cansados do conflito com o discurso de sor Vaemond que quase incita um motim contra Corlys e Daemon.

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Com a carta de Viserys chegando no momento propício, jogando Daemon em um ataque de ódio – afinal toda a conquista dos Degraus era para provar que ele é um guerreiro de valor e ótimo estrategista para a corte e o rei, uma jogada arriscada e drástica se faz necessária.

Com competência, a batalha final nos Degraus empolga e consegue até mesmo manter quem sabe do desfecho da história toda ainda extremamente tenso com o que se passa na tela. Uma pena, porém, que Yaitanes use uma decupagem muito picotada para exibir as sequências violentas de combate corporal, além de planos bastante fechados.

O respiro da ação melhor orquestrada vista em Hardhome ou na Batalha dos Bastardos ainda evoca saudades, mas o resultado é satisfatório, ainda mais por vermos o pálido dragão Seasmoke tocando o terror junto de Laenor que será peça principal dos próximos episódios.

No fim, Segundo de Seu Nome mantém a qualidade exímia vista desde o piloto de House of the Dragon mesmo quando 80% de seu material seja filler completo, uma mera “fanfic”. O nível do texto segue elevadíssimo com situações inteligentes mostrando que o jogo dos tronos realmente não tem descanso e que qualquer sinal de fraqueza pode ser fatal.

Felizmente, com mais um episódio brilhante que evoca a qualidade dos seus ótimos profissionais, os fãs podem ficar tranquilos, pois é muito improvável que a série perca o nível fora do normal que apresentou até aqui.

House of the Dragon – 01×03: Second of His Name (EUA, 2022)

Showrunner: Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Direção: Greg Yatanes
Roteiro: Gabe Fonseca, Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Elenco: Paddy Considine, Milly Alcock, Rhys Ifans, Matt Smith, Steve Toussaint, Emily Carey, Eve Best, Graham McTavish, Sonozoya Mizuno, Gavin Spokes
Gênero: Drama
Duração: 63 min

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Sobre o autor

Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa. Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer. Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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