Há 28 anos, o Brasil foi palco de um dos episódios mais intrigantes da ufologia mundial: o suposto encontro com um ou mais seres extraterrestres na cidade de Varginha, Minas Gerais. Desde janeiro de 1996, o caso do “ET de Varginha” tem gerado debates, especulações e teorias, mas até hoje, nenhuma evidência concreta foi apresentada para confirmar a visita de vida extraterrestre ou esclarecer completamente os acontecimentos daquele dia.
Garotas veem algo inexplicável
O incidente começou na manhã de 20 de janeiro de 1996, quando três jovens – Liliane e Valquíria Fátima Silva e Kátia Andrade Xavier – alegaram ter visto uma criatura estranha em um terreno baldio. Descreveram-na como um ser de aproximadamente 1,60m de altura, com pele marrom, olhos vermelhos e três protuberâncias na cabeça. As meninas ficaram assustadas e relataram o avistamento para suas famílias e amigos, gerando rapidamente alarde na cidade.
Pouco depois, surgiram relatos de que o Corpo de Bombeiros e o Exército Brasileiro foram acionados para capturar uma ou mais criaturas. Testemunhas afirmaram ter visto veículos militares transportando uma carga incomum, levando a crer que ao menos um ser havia sido capturado e levado para uma base militar. À noite, um policial militar teria se envolvido num terceiro resgate, desta vez acompanhado apenas de seu parceiro, e sem testemunhas.
A partir desses relatos iniciais, a história como um todo abre uma infinidade de trilhas (muitas delas contraditórias) e não chega a lugar nenhum.
Investigações e Versões Oficiais
Desde o início, o caso atraiu a atenção da mídia e de ufólogos, tanto no Brasil quanto no exterior. Vários pesquisadores independentes e organizações de ufologia foram a Varginha para coletar depoimentos e tentar descobrir a verdade por trás do incidente. No entanto, as investigações logo se depararam com inúmeras contradições e falta de provas concretas.
Os militares negaram qualquer envolvimento com a captura de um ser extraterrestre. O Exército Brasileiro emitiu uma nota oficial afirmando que as operações conduzidas na região naquela época não tinham relação com seres de outro planeta. De acordo com os militares, os veículos vistos transportando uma carga eram parte de uma operação rotineira e a suposta criatura era, na verdade, um morador do bairro com necessidades especiais.
Além disso, a falta de fotografias, vídeos ou qualquer registro físico (incluindo documentos escritos) do suposto ET ou dos eventos relacionados levanta sérias dúvidas sobre a acuidade dos testemunhos. Em muitos casos, relatos dos envolvidos mudaram com o tempo, e algumas das pessoas que afirmaram ter visto o ser ou participado de sua captura admitiram posteriormente que poderiam ter sido influenciadas pela comoção e pelas histórias que circulavam na cidade.
Uma Abordagem Cautelosa dos Acontecimentos
É fundamental considerar a possibilidade de que o episódio do ET de Varginha possa ter sido um grande mal-entendido alimentado por coincidências, histeria coletiva e sensacionalismo midiático. Estudos de psicologia indicam que em situações de alta tensão e medo, é comum que as pessoas interpretem eventos ambíguos de maneira a se alinhar com suas crenças ou temores preexistentes.
A teoria de histeria coletiva é apoiada pelo contexto da época. Nos anos 1990, havia um grande interesse público em assuntos relacionados a OVNIs, impulsionado por programas de televisão, filmes e livros sobre o tema. Além disso, o impacto do caso Roswell, nos Estados Unidos, ocorrido décadas antes, ainda reverberava na cultura popular, predispondo o público a acreditar em contatos com extraterrestres.
Outra explicação plausível é a de que o suposto ET fosse, na verdade, um animal ou uma pessoa com alguma condição especial, que foi interpretada erroneamente pelas testemunhas devido às condições de luminosidade e ao estado de pânico em que se encontravam. Estudos sobre avistamentos de OVNIs e seres extraterrestres mostram que, frequentemente, fenômenos naturais ou humanos são confundidos com eventos extraterrestres por observadores não treinados.
Se observarmos os testemunhos originais, ou seja, aqueles colhidos nos dias seguintes ao desenrolar dos fatos, encontramos repetidas menções a elementos da religiosidade popular, como a citação de “demônios”, o que também reforça a tese de que parte da história (aquela que relaciona os episódios à cultura ufológica) foi sendo condicionada pela própria presença dos pesquisadores interessados no tema, que por sua vez descartaram imediatamente qualquer explicação que não fosse a de natureza “ufológica”.
A Falta de Evidências Concretas
Passados 28 anos, a principal crítica ao caso do ET de Varginha é a ausência de evidências concretas que comprovem qualquer das alegações feitas. Nenhum artefato, corpo ou material de origem extraterrestre foi apresentado. Isso é particularmente problemático em um campo de estudo onde a verificação empírica é essencial. Ademais, faltam documentos ou registros escritos dos órgãos envolvidos nos acontecimentos relatados. Nenhum material “vazou” de nenhuma fonte, o que seria esperado após tantos anos e pela quantidade de pessoas supostamente envolvidas nas “operações”. Caso a história contada pelos ufólogos fosse totalmente verdadeira, estaríamos diante da mais bem-sucedida operação de acobertamento empreendida por qualquer autoridade em qualquer época da História – o que, convenhamos, é também altamente improvável, até mesmo porque o relato dos próprios ufólogos envolve centenas de “testemunhas”, o que de forma alguma se encaixa numa operação secreta conduzida profissionalmente.
Os céticos insistem ainda que, sem provas físicas, é impossível diferenciar um evento genuíno de um mito ou engano. A ciência requer que afirmações extraordinárias sejam acompanhadas por evidências extraordinárias. No caso de Varginha, essas evidências simplesmente não existem.
Além disso, investigações posteriores feitas por órgãos independentes e por jornalistas não conseguiram substanciar as alegações iniciais. A falta de documentação oficial e a ausência de testemunhas credíveis que possam fornecer relatos consistentes e verificáveis reforçam a posição de que o incidente foi, na melhor das hipóteses, um engano e, na pior, uma fraude.
Ufólogos: “proteção às testemunhas” tenta justificar pobreza em evidências
O caso de Varginha é o mais célebre relato envolvendo discos voadores e criaturas alienígenas já registrado no Brasil e, por isso, atrai a atenção de centenas de ufólogos e pesquisadores do tema. Apesar dessa intensa atividade em torno do caso, a pobreza de evidências concretas e a dificuldade de encaixar os testemunhos existentes num relato coerente chama a atenção.
Confrontados com as lacunas do caso, os ufólogos brasileiros costumam atribuí-las à necessidade de manter suas principais testemunhas no anonimato, preservando seus nomes e papeis no desenrolar dos fatos. Entretanto, testemunhos anônimos não são um fim em si mesmos: eles precisam levar a algum lugar para serem reconhecidos. Do contrário, não passam de becos sem saída: uma testemunha anônima lista informações que não podem ser comprovadas ou negadas, não levando o caso a lugar nenhum. Ironicamente, quanto menos evidências verificáveis, mais os ufólogos alegam ter certeza de sua versão dos acontecimentos.
Muitos dos supostos envolvidos nos eventos negam repetidamente a versão sustentada pelos ufólogos. Neste caso, os pesquisadores não aceitam ou desqualificam tais testemunhos, alegando que aquilo que se afirma é falso ou parte de uma “operação de acobertamento”. Ou seja: descartam evidências contrárias ao que julgam ter acontecido e, ao mesmo tempo, tentam sustentar o caso com evidências inexistentes.
Uma das mais recorrentes alegações apresentadas pelos ufólogos é a de que a versão oficial das autoridades militares é bizarra – e, de fato, não é das melhores. Ocorre, no entanto, que ela é, na pior das hipóteses, tão improvável quanto aquela(s) defendida(s) pelos próprios ufólogos. A probabilidade de “ver um anão” (e esta é a base da explicação dos oficiais à época) não é menor do que a de “ver um disco voador” ou “ver um extraterrestre” com o agravante de que não há qualquer dúvida de que “anões existem”, enquanto por outro lado não há nenhuma certeza de que “discos voadores e extraterrestres existem”.
A abordagem ufológica para o caso parte de premissas enganosas. Por exemplo: “se a versão apresentada pelo Exército não é verdadeira, então só pode se tratar de um episódio de queda de nave espacial e a captura de criatura alienígena”. Tal premissa não tem lógica alguma: é perfeitamente possível que a versão apresentada pelo Exército não seja verdadeira e que não tenha havido qualquer disco voador ou criatura envolvida. De fato, é bem razoável pensar que o que realmente aconteceu está distante tanto da versão oficial quanto daquela defendida pelos ufólogos.
O suposto vídeo do ET de Varginha
Conscientes de que, após quase três décadas, o caso pouco saiu do lugar, em 2024 há um verdadeiro frenesi entre ufólogos em busca de sua “bala de prata”: um vídeo que mostraria uma das supostas criaturas capturadas em contato com médicos e militares brasileiros da época.
Até o momento, nenhum dos supostos vídeos que circulam na internet conseguiu provar minimamente qualquer relação com os eventos de 1996. Não obstante, qualquer vídeo que possa vir a surgir deverá superar a desconfiança da fraude digital e – não menos importante – demonstrar relação inequívoca com os fatos relatados. Qual seria a prova de que um “vídeo de criatura” refere-se especificamente à “criatura de Varginha”? Como saber que a criatura é a mesma dos relatos e que o local onde ela foi gravada é um dos locais citados nas pesquisas? São perguntas que os ufólogos envolvidos na busca ainda não conseguiram responder.
Mais dúvidas que certezas
O caso do ET de Varginha permanece um enigma na ufologia brasileira, alimentado por especulações e relatos não verificados. Embora tenha capturado a imaginação do público e se tornado um ícone cultural, a falta de evidências concretas e a presença de inúmeras contradições e inconsistências sugerem que o episódio é mais provavelmente um produto de histeria coletiva e interpretações errôneas do que um contato real com seres extraterrestres.
Para os investigadores céticos, o caso de Varginha serve como um lembrete da importância da análise crítica e da necessidade de provas empíricas para sustentar qualquer alegação extraordinária. Enquanto novas evidências não forem apresentadas, o incidente continuará a ser visto com ceticismo, como um mistério não resolvido, mas provavelmente explicável por fenômenos terrestres.
Cineasta, roteirista e colaborador esporádico de publicações na área, diretor do documentário “O Diário de Lidwina” (disponível no Amazon Prime e ClaroTV), entre outros.