A era da velocidade cirúrgica e o nascimento da anestesia
Antes da anestesia, a velocidade era essencial nas salas de cirurgia. Na década de 1830, o cirurgião escocês Robert Liston, conhecido como “a faca mais rápida do West End”, realizava amputações em cerca de dois minutos. Essa habilidade era vital em um tempo em que os pacientes suportavam conscientemente cada segundo de um procedimento, dependendo apenas de sua resistência à dor. Contudo, a busca por formas de eliminar ou reduzir o sofrimento durante as operações remonta a tempos muito mais antigos.
Registros do médico chinês Hua Tuo, datados de 200 a.C., mencionam misturas de álcool e pós anestésicos para aliviar a dor dos pacientes. No século XIII, o cirurgião árabe Ibn al-Quff descreveu a utilização de drogas como cannabis e ópio, inaladas através de esponjas saturadas, para induzir um estado de inconsciência. Apesar desses avanços, tais práticas eram limitadas e cercadas por incertezas.
Foi apenas no final do século XVIII que os avanços na química permitiram progressos mais sistemáticos. Em 1799, Humphry Davy, um químico inglês, experimentou os efeitos do óxido nitroso, ou “gás do riso”, em si mesmo e em amigos, observando seu potencial para aliviar dores. Embora ele tenha sugerido sua aplicação em cirurgias, levaria mais de quatro décadas para que fosse amplamente adotado. Nesse período, muitos cirurgiões e pacientes permaneciam céticos em relação à eficácia e segurança dessas substâncias.
Em paralelo, o éter, uma substância formulada séculos antes e usada recreativamente em festas conhecidas como “brincadeiras de éter”, também começou a ser explorado por seus efeitos anestésicos. Em 1842, um médico americano utilizou o éter para remover um tumor do pescoço de um paciente com sucesso, marcando um ponto de inflexão na história da anestesia. Já em 1846, a substância ganhou destaque internacional após ser usada durante uma cirurgia bem-sucedida em Boston, nos Estados Unidos. Dois meses depois, Robert Liston realizou sua primeira amputação com um paciente sob efeito de éter, um evento que revolucionou a medicina da época.
Dos primeiros experimentos ao uso controlado
Apesar do sucesso inicial do éter, a substância apresentava limitações, como efeitos colaterais desagradáveis e a dificuldade de administração precisa. Isso abriu caminho para o surgimento de alternativas, como o clorofórmio. Em 1847, o obstetra escocês James Simpson experimentou clorofórmio em si mesmo e seus colegas, constatando rapidamente seu potencial anestésico. O clorofórmio tornou-se especialmente popular em partos, por proporcionar alívio rápido da dor e ser considerado menos irritante que o éter. No entanto, com o tempo, descobriu-se que ele era altamente tóxico e podia causar complicações graves, como arritmias cardíacas e até morte.
O uso dessas substâncias não estava isento de dilemas éticos. Algumas práticas médicas da época refletiam preconceitos raciais e de gênero. O médico americano James Marion Sims, por exemplo, realizou cirurgias ginecológicas experimentais em mulheres negras escravizadas sem o uso de anestésicos, argumentando que elas sentiam menos dor, uma crença profundamente racista e cientificamente infundada. Além disso, o obstetra Charles Meigs, também nos Estados Unidos, defendia que a dor do parto era uma provação divina e se opunha ao uso de anestésicos em mulheres durante o trabalho de parto.
No entanto, à medida que a medicina avançava, os anestésicos passaram por refinamentos significativos. No final do século XIX, procedimentos cada vez mais complexos tornaram-se possíveis, e substâncias como o clorofórmio foram gradualmente substituídas por opções mais seguras. O éter e o óxido nitroso, agora em formulações mais modernas, continuam a ser utilizados em cirurgias e procedimentos odontológicos, enquanto novos agentes anestésicos oferecem maior controle e menos riscos ao paciente.
Hoje, a anestesia moderna combina medicamentos avançados com monitoramento rigoroso, garantindo que a experiência cirúrgica seja indolor e segura. A rapidez, outrora essencial para minimizar o sofrimento, deu lugar à precisão e ao cuidado. Assim, a cirurgia, que antes era um cenário de agonia, transformou-se em um processo quase onírico, onde a dor é apenas uma lembrança do passado.
Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
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