No elenco, nenhuma grande estrela do primeiro escalão. Mesmo o preto e branco, que o próprio Hitchcock justificava como uma opção estética para evitar o impacto da cor do sangue na tela[1], foi uma saída para cortar custos, segundo Joseph Stefano, o roteirista do filme[2]. Movimentos de câmera mais sofisticados tiveram que ser descartados. Hitchcock pretendia abrir o filme com uma tomada de helicóptero, em plano único, mostrando Phoenix e o casal dentro do quarto, mas quatro dias de tentativas[3], custos e a dificuldade inerente de uma tomada deste tipo na época o fizeram abdicar dela. Hitchcock só conseguiu realizar uma tomada similar mais efetiva vários anos depois, quando em Frenesi (Frenzy, Alfred Hitchcock, 1972) ele abre o filme com um plano que percorre o Tâmisa, em Londres até um discurso, que foi feito a partir de um helicóptero, quando a tecnologia para este tipo de tomada estava mais apurada.

Abro um parêntese aqui para comentar um aspecto um pouco idealizado em Hitchcock como diretor. Apesar de ser mesmo um diretor meticuloso, que planejava e, muitas vezes, desenhava seus filmes antecipadamente, Hitchcock mudava, sim, alguns planejamentos antes ou mesmo durante as filmagens. Em geral, por razões orçamentárias. Temos este exemplo em Psicose, e também quando cancela alguns planos que seriam feitos dentro de um carro alegórico para economizar US$ 30 mil[4] durante a filmagem de Ladrão de casaca (To catch a thief, Alfred Hitchcock, 1955). É este pragmatismo, tão útil dentro do cinema, aliado a um grande rigor, que faz dele um cineasta que conseguiu manter-se proeminente durante muito tempo dentro de uma indústria que constantemente se altera.

Porém, no que era essencial, Hitchcock não fazia economia burra. Gastou quase uma semana inteira, das cinco de filmagem[5], para a cena do chuveiro, onde também construiu um cenário com quatro paredes móveis e com a parte da banheira destacável[6], de modo que pudesse filmar de qualquer ângulo as quase 80 posições de câmera a famosa cena do assassinato. Fez o maravilhoso plano onde a câmera sai do olho de Janet Leigh morta e, em um travellings e panorâmicas para trás, vai até o quarto. Este plano ainda hoje é um desafio técnico, pois sair de um close tão fechado para um plano mais aberto traz desafios de foco e de movimento extremamente complicados, tanto que Hitchcock recorreu a trucagens para poder fazê-lo a contento. Refez algumas cenas, como a Mãe sendo descoberta[7]. Hitchcock não queria desperdiçar seu dinheiro, mas não queria por conta disso deixar seu filme pior.

E as inovações não se deram apenas na filmagem. Sabendo do final surpreendente que tinha em mãos, Hitchcock fez de tudo para promovê-lo. Não permitiu que tirassem as fotos tradicionais de divulgação e, avançando ainda mais que Clouzot, que apenas gentilmente pedia ao seu público nos créditos que não revelasse a trama, Hitchcock conseguiu fazer um pacto com os exibidores para que não permitissem que ninguém entrasse após o início da sessão, algo que era corriqueiro à época.

O resultado de tudo isto foi um sucesso estrondoso.  Hitchcock conseguiu ir fundo na mente dos espectadores, descortinando seus medos mais profundos. O filme ao qual ninguém acreditava foi mal de crítica (em seu início), porém virou um grande sucesso de bilheteria. Pessoas desmaiavam e entravam em frenesi em algumas sessões, havia desmaios, uivos, cartas contra o filme, condenação pela Igreja Católica. As filas eram enormes. No mercado doméstico, o filme só perdeu para Ben-Hur (William Wyler, 1959), mas este custou 16 vezes mais[8]. Rendeu US$ 15 milhões no mercado doméstico no primeiro ano de exibição. O filme sintonizava uma época, como o Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971) de Stanley Kubrick, e a similar paúra deflagrada por Tubarão (Jaws, Steven Spielberg, 1975).

Com o sucesso do filme ao passar dos anos, a crítica reconhece o valor do filme, e Psicose vira cult.

O sucesso do filme traz dois problemas para o inquieto Hitchcock. “Agora eu tenho que fazer outro correndo por causa dos impostos”[9], reclama o diretor, que dizia ser “…um democrata, mas quanto ao meu dinheiro, sou um republicano. Não sou hipócrita”[10]. O outro era fazer outro filme tão impactante, o que resultou no maior hiato de sua carreira, três anos até um novo filme ser lançado. E Os Pássaros (The birds, 1963) foi o último filme aclamado de modo unânime que fez. Curiosamente, Psicose, seu maior sucesso, foi um divisor de águas na carreira do cineasta inglês. O que é quase uma tragédia shakespeariana.

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[1] TRUFFAUT, François. Hitchcock/Truffaut: entrevistas, edição definitiva. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

[2] REBELLO, Stephen. Op. cit. p. 59.

[3] Idem. Op. cit. p. 98.

[4] In Writing and casting ‘To catch a thief’ (Laurent Bouzereau, 2002).

[5] CHANDLER, Charlotte. Op. cit. p. 260 e 264.

[6] REBELLO, Stephen. Op. cit. p. 119.

[7] Idem. Op. cit. p. 149.

[8] Idem. Op. cit. p. 178-182.

[9] REBELLO, Stephen. Op. cit. p.  190.

[10] TRUFFAUt, François. Op. cit. p. 329.

Adriano Barbuto

Adriano S. Barbuto é diretor de fotografia, professor de cinematografia e gosta de ir ao cinema, ler, ouvir música e assistir óperas. E fazer longas caminhadas.

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