Hitchcock, o diretor e produtor de Psicose – Parte final

Hitchcock, o diretor e produtor de Psicose – Parte final Hitchcock, o diretor e produtor de Psicose – Parte final

Após Psicose

Como dissemos, Psicose foi uma reviravolta na carreira de Hitchcock. Tendo que pagar do próprio bolso seu filme, tomou o caminho da simplicidade e ousadia. Resultou num homem ainda mais rico e aclamado. Pelos direitos do filme e de seu programa de TV, vira o terceiro maior acionista da Universal. O milionário, porém, no auge, passa a ter problemas.

Alguns acham que o sucesso havia subido à cabeça, e Hitchcock queria agora fazer filmes para os críticos, provar a eles também que tinha seu valor, já que ao público não havia quaisquer dúvidas. Para outros, o público, depois de Psicose, aguardava por outra coisa tão impactante como. Os filmes rarearam, três projetos fracassaram antes de rodar Os Pássaros. Marnie, confissões de uma ladra (Marnie, Alfred Hitchcock, 1964) naufragou nas bilheterias, ainda que seja um belo, triste e desprezado filme. A idade e a distância entre as gerações, também iam pesando.

Ao contrário de muitos diretores, que gostam mais do glamour da profissão que do cinema propriamente dito, Hitchcock amava este. Acompanhava os filmes novos, e sua vida era dedicada a seus projetos. Enquanto pesquisava locações para The short night, Hitchcock teve que declinar de ser diretor. Aí entra uma figura que aparece no filme de Sacha Gervase en passant, Lew Wasserman, que era da MCA e depois da Universal. Para aqueles que sempre acreditam que o produtor é sempre o malvado e o diretor a vítima, segue uma bela história.

The Short Night estava sendo produzido, e passava por uma série de dificuldades. Uma delas era que Wasserman descobrira que Hitchcock estava com sérios problemas de saúde. O produtor diz que, se Hitchcock pudesse tomar o voo para filmar em Helsinki, o filme iria continuar. Wasserman diz que se tivessem que perder alguns milhões de dólares e fazer Hitchcock feliz, que assim o fosse. É o melhor dinheiro que poderíamos perder. O projeto continuou. Um dia, porém, Hitchcock convoca seu ex-assistente de direção, agora diretor de produção, Hilton Green, para uma conversa. É quando, quase com lágrimas nos olhos[1], declina do projeto e do cinema, pois não ia conseguir fazer mais filmes do jeito que queria. Para Green, “foi o dia mais triste da minha vida”. O homem que não tinha hobbies, que nada mais sabia fazer, estava derrotado. Green, ao relatar a notícia para Wasserman (que nas suas palavras era um homem durão), nota que este chora, dizendo que sabia que um dia aquilo aconteceria[2]. Deixar de filmar era o passo para a morte, que tão bem foi retratada por ele. A partir de agora ela deixava de ser mise en scène e se tornaria real.

Conclusão

Psicose ilustra bem o diretor que foi Alfred Hitchcock. Ninguém, como ele, soube aliar arte e comércio. Não há nenhum outro diretor tão aclamado que tenha feito tanto sucesso, e não há nenhum diretor de tanto sucesso que tenha sido tão aclamado.  Para o operador de câmera Leonard South, que por muitos anos trabalhou com ele, “Hitchcock era uma rara combinação de grande artista, técnico e homem de negócios”[3].

Hitchcock, ele mesmo, não se considerava um homem de negócios. Porém, seus melhores amigos eram executivos[4]. Apesar da negativa, Hitchcock sabia negociar. Assim como barganhou com os executivos da Paramount para poder realizar Psicose, o diretor negociava salários com seus subordinados, sempre aproveitando de sua fama para pagar salários mais baixos[5], já que trabalhar com Hitch era sinônimo de status. Hitchcock também foi um dos primeiros diretores a parar de receber salário do estúdio, trocando por receber como empresário, o que evitava as altas incidências de imposto como pessoa física[6].

O que muitas pessoas esquecem é que um diretor não é apenas alguém que planeja e dirige filmes. Ele é também alguém que tem que lutar por seu trabalho, e boa parte do trabalho de dirigir um filme é, em certo sentido, político. Fazer com que a equipe trabalhe para o filme é uma das funções primordiais do diretor. Dentre todas as fontes que consultamos praticamente ninguém reclama de Hitchcock dentro do set. Ele fazia com que as pessoas se sentissem como parte do filme, dizendo coisas do tipo “como nós vamos fazer…”[7], no plural, e não no singular, como se apenas ele fosse fazer. Quando as pessoas se preocupavam demais, ele respondia o mencionado usual “É apenas um filme”[8].

Assim, por todas estas características, a feitura do filme Psicose acaba por revelar a essência do diretor inglês, e se mostra de profundo interesse àqueles que se tem curiosidade pelos meandros do cinema e da direção deste. Tendo ido do cinema mudo ao sonoro, do preto e branco para as cores, de desenhista de subtítulos para diretor consagrado, Alfred Hitchcock de certa forma resume a trajetória do cinema no século XX.

Em suma, ninguém resumiu tanto a natureza essencial do cinema, arte e comércio, como ele.

 

[1] In Plotting ‘Family plot’ (Laurent Bouzerau, 2003).

[2] CHANDLER, Charlotte. Op. cit. p. 323-326.

[3] REBELLO, Stephen. Op. cit. p. 200.

[4] SPOTO, Donald. Op. cit. P. 477.

[5] Idem. Op. cit p. 416.

[6] Idem. Op. cit. p. 479.

[7] REBELLO, Stephen. Op. cit. p. 110.

[8] CHANDLER, Charlotte. Op. cit. p. 194.

Add a comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sobre o autor

Adriano Barbuto

Adriano S. Barbuto é diretor de fotografia, professor de cinematografia e gosta de ir ao cinema, ler, ouvir música e assistir óperas. E fazer longas caminhadas.

Ler posts desse autor