Na Rússia soviética, durante o período entre 1967 e 1991, os comerciais serviam a um propósito singular e peculiar. Em uma economia planificada, onde o Estado controlava todas as indústrias, a publicidade parecia ter um papel deslocado. Entretanto, a Eesti Reklaamfilm (ERF), a única agência de publicidade da União Soviética, produzia milhares de comerciais para produtos que nem existiam, revelando um aspecto surreal da economia planejada.

A economia soviética estabelecia metas fixas para produção, consumo e publicidade. Mesmo que os produtos fossem fictícios, a alocação de orçamento para publicidade deveria ser cumprida. Essa abordagem absurda resultou na criação de anúncios para itens como frango picado, chuveiros de ar quente e assentos sanitários de dupla camada, todos inexistentes.

Lyubov Platonova, produtora de TV, destaca que, na maioria das vezes, os comerciais soviéticos não promoviam produtos reais, mas refletiam a agenda e a ideologia oficiais. Os anúncios eram usados como ferramentas de propaganda, projetando narrativas de abundância em uma sociedade acostumada à escassez.

A ERF operava sob um sistema peculiar, onde os chefes das empresas estatais entregavam roteiros à agência, que os utilizava como guias. Os criativos da ERF produziam anúncios sem preocupação com a eficácia, já que não havia produtos reais para vender. A qualidade ou funcionalidade dos comerciais era irrelevante, pois a alocação de recursos era o único objetivo.

Apesar da falta de produtos tangíveis, os comerciais tornaram-se populares entre os espectadores, que os aguardavam ansiosos entre a programação regular. A rede de televisão chegou a introduzir um bloco de 20 minutos dedicado exclusivamente à reprodução consecutiva de anúncios aos sábados à tarde.

Os anúncios soviéticos desafiaram a noção tradicional de venda de produtos, transformando-se no próprio produto consumível. A abordagem da ERF era categorizada como “documentária”, uma estratégia financeira para contornar os preços fixos estabelecidos para produtos e serviços na economia planejada.

O sucesso da ERF chamou a atenção internacional, resultando até mesmo em um Leão de Bronze no Festival de Publicidade de Cannes em 1985. Contudo, com o colapso da União Soviética e a abertura do mercado, a agência faliu em 1992.

Dos aproximadamente 6.000 filmes comerciais produzidos pela ERF, apenas cerca de 300 sobrevivem. Esse legado peculiar da publicidade soviética destaca não apenas a incongruência entre a economia planejada e a publicidade, mas também a capacidade surreal de adaptar-se às peculiaridades de um sistema que desafiava a lógica tradicional do mercado.

Redação Bastidores

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