Seriados de TV e franquias cinematográficas costumam ter torcidas organizadas, dispostas a intermináveis discussões determinadas a provar por que seu título predileto é melhor que todos os outros. Embora Succession, a série dramática de 4 temporadas da HBO (Max), não pareça despertar o mesmo nível de devoção de outras (até por ser uma atração com apelo maior junto a um público mais adulto), não é de forma alguma um exagero considerá-la como a melhor já produzida até hoje.
Comparando Succession com as outras séries dramáticas mais bem pontuadas em serviços como IMDB e descartando minisséries e séries antológicas, a obra criada por Jesse Armstrong em 2018 e finalizada em 2023 supera as outras em pontos específicos e em seu conjunto, de longe o mais homogêneo e precisamente dramatúrgico.
Por que Succession supera Família Soprano
A série sobre uma comunidade de mafiosos de segundo escalão em Nova Jersey é considerada por muitos a melhor série já feita e mesmo quem não acredita nisso dificilmente negaria que é provavelmente a mais revolucionária delas. No entanto, ser a “primeira” a quebrar mais radicalmente uma série de paradigmas da televisão não faz dela necessariamente a melhor. Sucessão não é revolucionária como aquela criada em 1999 por David Chase, mas é certamente mais coesa, tem menos digressões dentro da trama e – aqui sem margem para dúvida – acabou em seu auge, tendo menos da metade dos episódios.
Por que Succession é melhor que A Escuta
Quem não acha Família Soprano a mais revolucionárias das séries possivelmente atribui tal crédito àquela cuja ambientação está no mundo criminoso de Baltimore e nos esforços que políticos e forças de segurança fazem para combater bandidos enquanto se deparam com uma realidade social que supera a problemática policial típica de um seriado do gênero.
Embora seja uma atração única e impressionante pela ambientação e nível de realismo social, A Escuta é na melhor das hipóteses uma repetição meticulosa e obsessiva do mesmo plot do primeiro ao último episódio, sendo muitas vezes difícil diferenciar uns dos outros. Ao contrário de Sucessão, que embora seja fiel ao tema central do início ao fim, trabalha com uma progressão dramática bem mais complexa e recompensadora para a audiência.
Por que Succession é melhor que Breaking Bad
Não, a saga de Walter White dificilmente seria chamada de a mais “revolucionária” já produzida, mas é talvez a mais popular de todas. Breaking Bad tem personagens carismáticos no mesmo nível e número que Sucessão, mas conforme também seja uma série que se alonga (ao contrário daquela de Armstrong, que quando finaliza deixa uma expectativa jamais atendida por ao menos mais uma temporada), a trama gira em falso muitas vezes.
O realismo de Sucessão não encontra rivalidade em Breaking Bad, cujo enredo depende muitas vezes de mirabolâncias e coincidências absolutamente impensáveis na rotina dos bilionários da família Roy. Você nunca chegou nem perto de ver um episódio de Sucessão parecido com o famigerado “Fly”, da terceira temporada.
Por que Succession é melhor Game of Thrones
A saga criada por George R.R.Martin e adaptada para TV desperta paixões, defesas e ataques exacerbados, o que nunca houve com Sucessão, que encontrou uma audiência muito mais cínica e fleumática enquanto esteve no ar. Seu desenvolvimento e a amplitude de seus temas, subtramas e desdobramentos é de tirar o fôlego, mas aí também resiste uma de suas fraquezas. Em muitos momentos, parece que estamos diante de uma novela, cujo abrir e fechar de portas não encontra desfecho e, quando encontra – como de fato aconteceu em seu final – ele parece sempre insatisfatório. Talvez sua fraqueza em relação a Sucessão seja a mesma de A Família Soprano: a decisão de se prolongar além do ápice com episódios em excesso.
Por que Succession é melhor que Mad Men
O andamento da série sobre uma agência de publicidade que acompanha as mudanças sociais na América dos anos 1960 muitas vezes lembra aquele de Sucessão, mas sua melancolia exacerbada e a quase ausência de plots em muitos momentos fazem de Mad Men uma atração menos excitante de acompanhar que sua concorrente mais recente. De toda forma, são duas séries essencialmente adultas e que exigem da audiência uma maturidade nem sempre disponível aos espectadores mais jovens. Mad Men entretanto tem quase 100 episódios, mais que o dobro de Sucessão, e sofre do mesmo problema de toda série que se alonga demais: é impossível manter a qualidade intacta por tanto tempo.
Succession: a série adulta por excelência
A atração criada por Jesse Armstrong está longe de ser um interesse para todos os públicos: sua atmosfera e a natureza dos diálogos, bem como a temática abordada, dificilmente interessaria a fãs de séries mais fantasiosas, por exemplo. Sucessão não tem reviravoltas extraordinárias e, a maior parte do tempo, transita radicalmente no território da verossimilhança (de fato, há apenas um plot twist genuíno durante todo o seu desenrolar).
Não faz concessões, tem quase nenhum grau de proselitismo no discurso, trata do mesmo “problema” do primeiro ao último episódio (“Quem será o sucessor do magnata Logan Roy na direção seu conglomerado empresarial?”), mas por outro lado trabalha numa linha consistente de dramaticidade crescente.
Conflito após conflito, diálogo após diálogo, assistir a Sucessão é estar diante do mais interessante conjunto de personagens (e de atores) já reunido numa atração de TV. Nenhum deles é tratado de forma caricatural: não temos aqui nenhuma mente perversa, nenhum gênio dotado de um talento singular.
Ninguém durante as quatro temporadas tem uma ideia absolutamente genial que muda o rumo de tudo que acontece. São personagens dolorosamente humanos, capazes de pequenas maldades e, ao mesmo tempo, constantemente assombrados por suas fraquezas, pequenas paixões, ciúmes e ambições irrealizadas.
Está em dúvida se vale a pena assistir a Succession? Saiba que tudo que acontece nas primeiras duas temporadas só é perfeitamente desenvolvido nas duas últimas.
Se você chegar ao meio da série (ou seja, se completar as duas primeiras), provavelmente irá ver as duas últimas de um fôlego só. Uma experiência única na história da dramaturgia audiovisual, numa simbiose difícil de igualar entre texto, elenco e acerto de produção.