A franquia Armored Core é uma série de jogos de ação e simulação de mechas desenvolvida pela FromSoftware. O primeiro jogo da série foi lançado em 1997 para PlayStation e desde então a franquia já conta com mais de 14 títulos lançados para diversas plataformas.
Os jogos da série Armored Core se passam em um futuro distópico onde a humanidade vive em um mundo pós-apocalíptico. Nesse mundo, os mechas, chamados de Armored Core, são a principal forma de poder militar.
As histórias dos jogos Armored Core são geralmente sombrias e complexas, explorando temas como a guerra, o controle governamental e o papel da tecnologia na sociedade. Agora em 2023, após um hiato de uma década, a FromSoftware lançou o mais recente título da série, Armored Core VI, que, felizmente, pudemos conferir e elaborar uma análise sobre ele.
Os incêndios de Ibis
Quem se acostumou com tantos jogos que a FromSoftware lançou nos últimos anos pode facilmente ficar surpreso pela abordagem narrativa muito mais direta que a vista em grandes sucessos como Elden Ring, Sekiro e Dark Souls. No caso, apesar de ainda remeter um formato bem característico da era do PlayStation 2 com Metal Gear Solid 3, a história de Armored Core VI pode surpreender os desavisados.
Nela, controlamos um piloto mercenário batizado como 621 que logo consegue se infiltrar em Rubicon, planeta em que toda a aventura acontece. Lá, uma guerra entre enormes corporações é travada para deter a maior exploração possível de Coral, uma forma de energia revolucionária que funciona como catalisador do desenvolvimento da sociedade humana, além da própria biologia da raça.
Conquistando o codinome Corvo, o mercenário luta para ganhar espaço através de muitas lutas pilotando seu mecha massivo de quatro andares de altura. Entretanto, conforme mais ganha espaço através de seus trabalhos pérfidos, Corvo acaba descobrindo segredos há muito enterrados em Rubicon, entendendo mais sobre a natureza perigosa do Coral e a quantidade de conspirações que o envolvem.
A história de Armored Core VI impressiona por tratar de bons temas relativamente densos, mas possui uma apresentação que é capaz de espantar muitos jogadores com extrema facilidade, principalmente porque requer bastante atenção. Ainda que conte com algumas cinemáticas caprichadas exibindo o belíssimo mecha customizado do jogador, o grosso da história é narrado através de conversas de rádio entre contratantes e o seu operador, o experiente Walter.
A estrutura narrativa também não ajuda, já que ao longo das quase 60 missões que o jogo conta, sempre temos um briefing explicando o objetivo, um breve monólogo do operador, algumas frases soltas durante o nível para então, na conclusão, termos um diálogo entre Walter e alguma corporação contratante. Ao longo da campanha, o jogador vai interagir com as corporações, uma força de resistência rubiconiana e também uma trupe de sucateiros anarquistas. Todas elas têm motivações bastante claras variando o nível de interesse que conseguem despertar no jogador, mas em geral, a história é bastante boa.
Existem surpresas com segredos interessantes, além da participação de personagens secundários que acabam cativando seja pelo arquétipo descolado como o de Ferrugem ou pela vilania tosca de Lesma. São personagens que têm potencial de marcar a aventura e fazer até mesmo que o jogador se importe com a história, mas, novamente, a questão da apresentação é bastante datada – e isso pouco importa para o jogador veterano da franquia, óbvio, mas é um detalhe que pode incomodar novatos.
Uma pena também que o potencial que a história demonstra, principalmente envolvendo a questão rubiconiana com uma força de libertação e também os motivos escusos dos sucateiros nunca serem explorados a fundo, trazendo mais detalhes de personagens repletos de potencial como Ayre e Carla. Porém, é bem legal que a desenvolvedora permite traçar finais diferentes, incluindo um final secreto que só é liberado após a terceira jogatina da campanha – a depender das suas escolhas.
Fervor, velocidade e tiros
Ao contrário do que muita gente propagandeia, Armored Core VI não é um soulslike tanto que pouco tem a ver com o gênero. Como a FromSoftware sempre teve gosto pela dificuldade, trata-se sim de um jogo difícil, mas muito abaixo do patamar de dificuldade apresentado em outros jogos como Sekiro e Dark Souls. Eu, que sou péssimo em soulslikes em geral, consegui terminar o game com tranquilidade, ainda que alguns chefes exibam curvas de dificuldade muito súbitas que tornam a experiência bem frustrante.
Dividido por fases, com mapas de tamanho médio que trazem porções generosas de inimigos, Armored Core VI é uma experiência que visa ensinar o jogador a testar builds diferentes do que abordagens estratégicas diferentes. Sim, ainda é importante saber telegrafar os movimentos dos chefes, mas a maior diferença está mesmo na build do mecha que nós podemos customizar.
Ao longo da campanha, diversas partes como cabeça, tronco, braços, pernas, propulsores, baterias e diversas armas são desbloqueadas, permitindo que o jogador venda e compre peças para mudar o mecha como quiser. Em geral, como os inimigos possuem uma barra de estafa (stagger), é fácil optar por uma build de tanque com mais de 10 mil pontos de vida e duas metralhadoras gatling em cada braço. Só nessa abordagem, diversos encontros e até mesmo chefes se tornam muito mais fáceis de encarar.
Claro que com a ação frenética do jogo, a mecânica da esquiva é muito encorajada, mas com uma build pesada, a ação fica mais difícil. Então todo robô que o jogador planejar terá um pró e um contra específico para situações que irá encarar durante as fases. O jogo fornece sempre três recuperações de vida até o jogador reencontrar um novo estoque, além de checkpoints relativamente bem distribuídos nas fases.
A satisfação do tiroteio é mesmo enorme pela velocidade rápida do combate, muito mais frenético que o visto em Sekiro. E apesar de não contar com muita variedade em termos de golpes, a ação não cansa justamente por isso, chegando a lembrar também, pelo menos para mim, a diversão de metralhar robôs nos jogos dos Transformers que marcaram época no Xbox 360.
Existem sim montagens de armas diferentes, além de contarmos com mais duas opções anexas nos ombros de disparos lentos e poderosos. Conforme o jogo progride, há a abertura da Arena que se torna um modo obrigatório para adquirir uma moeda específica que aprimora habilidades do mecha como dano e também um golpe especial que pode fazer toda a diferença em batalhas apertadas. Na Arena, o jogador é convidado a enfrentar alguns chefes já derrotados para aprimorar técnicas e ganhar os tokens de aprimoramento.
Então, sim, existe grinding de fases e de desafios em Armored Core VI e isso faz parte integral da experiência. Com isso, o jogador consegue aprimorar o mecha e ter mais facilidade para superar os desafios – ainda que alguns chefes, mais uma vez, sejam muito apelões, principalmente os que usam o Coral como fonte de energia.
O design sonoro do jogo é espetacular, como já é tradição da FromSoftware, e o visual não deixa a desejar. Ainda que os gráficos não surpreendam pela beleza, o que enche os olhos são dois elementos: a desenho de produção de diversos locais de Rubicon como as profundezas e cidades abandonadas – há toda aquela atmosfera decrépita clássica dos jogos da desenvolvedora, além de todo o trabalho apaixonado aplicado nos mechas.
O jogador pode passar horas criando colorações distintas e adesivos extremamente personalizados para enfeitar os robôs, além das peças pré-moldadas trazerem designs de profissionais envolvidos em produções prestigiadas como Neon Genesis Evangelion e Gundam, apesar de inspirações vistas em Transformers também sejam notadas no design de alguns oponentes que encontramos no caminho.
O design dos locais impressionam também pelo senso de escala muito bem aplicado, com cidades massivas e referências visuais imensas ornando os céus e os horizontes das fases, dignas de quadros de artes decadentes de industrialização massiva e predatória, com túneis, ventilações, escadas e tubulações por todos os lados. O ocre e os cinzas se misturam com a vida pulsante do Coral, avermelhado e disseminado nos cenários mais belos do jogo.
Um mecha para chamar de seu
Armored Core VI Fires of Rubicon é um jogo excelente, sem a menor sombra de dúvidas. A história é sim boa, mas que infelizmente não traz mais detalhes para aprofundar mais o potencial de temas importantes que toca, principalmente sobre a predação da humanidade sobre qualquer meio ambiente, seja alienígena ou não. O jogo é uma excelente porta de entrada para a franquia, funcionando muito bem sozinho em sua narrativa.
O ritmo de jogo, sempre desafiador, é uma síntese praticamente perfeita de ação que apenas peca por curvas de dificuldade injustas em algumas fases (incluindo o já infame tutorial), além do sempre fantasmagórico grinding para melhorar alguns aspectos do mecha, brilhante customizável em um sistema simples e muito acessível. Ainda que contando com uma apresentação anacrônica, o game pode sim te cativar, mas saiba bem o que esperar já que se trata, em termos de game design, muitas vezes como uma experiência retrô – e nem mesmo por isso, deixa de ser espetacular.
Agradecemos à Bandai Namco pela cópia gentilmente cedida para a análise.