A Deck13 conseguiu bastante prestígio ao realizar dois jogos soulslike em cenários futuristas. The Surge e sua sequência quebraram a bolha e se tornaram títulos relevantes ao trazer um olhar fresco sobre o subgênero que estava oferecendo uma mesmice temática decepcionante com fantasias medievais clichês.

Após os trabalhos de sucesso, o estúdio decidiu encarar um novo desafio ao realizar um jogo de “mundo aberto” trazendo amplas áreas para exploração com desafios diferentes espalhados em uma porção de atividades. Após anos de trabalho, o resultado saiu como um título AA da Focus Entertainment: Atlas Fallen. Apesar de ter um bom potencial, o game sofre com alguns problemas de direção e design.

Areia para todos os lados

Você é um ou uma inominável no reino de Bastegar. Escravizados, com fome e doentes, os inomináveis são os responsáveis em vasculhar as areias das enormes dunas do mundo para conseguir essência, uma força mágica vital que alimenta o deus que comanda tudo: o implacável Thelos. Nesse cenário inóspito, ainda há o perigo adicional dos Calibãs, criaturas mágicas de areia extremamente agressivas que atacam ao menor sinal de proximidade.

Porém, em um acidente inesperado, o inominável acaba encontrando uma misteriosa manopla que possui uma força sobrenatural. Podendo finalmente mudar o paradigma cruel deste mundo, o protagonista consegue lutar contra os Calibãs e ser uma esperança de um povo escravizado. Entretanto, a manopla guarda segredos sobre sua misteriosa fonte de poder e isso também levará o protagonista em rota de colisão aos interesses do deus facínora Thelos. 

A história de Atlas Fallen é, no mínimo, interessante. O cenário inóspito e repleto de areia esconde um mundo devastado por corrupção e violência, além de trazer um sistema de castas um pouco mais refinado. Enquanto guarda algumas surpresas sobre a manopla mágica e também a relação do artefato com a história do local e seus habitantes, a narrativa do jogo sofre pela superficialidade. 

Nosso protagonista é um personagem criado pelo próprio jogador, com algumas opções razoáveis de customização, mas o mais importante, justamente criar um relacionamento profundo com o mundo amaldiçoado de Atlas, inexiste. Logo, o protagonista é apenas um avatar do jogador, aprendendo coisas novas ou raramente oferecendo um detalhe mais intrincado sobre a mitologia do jogo.

Essa parte fica para o personagem da manopla que, bom, fala e interage com o protagonista a todo momento – exatamente da mesma forma que já vimos em Forspoken, em uma bizarra coincidência. Os diálogos, porém, são bastante singelos e raramente oferecem uma conexão mais profunda sobre a simbiose da manopla com o portador. Falta imaginação no texto do jogo. 

Com poucas surpresas e profundidade na história principal, não é surpresa encontrar que as narrativas paralelas das missões secundárias sejam também bastante rasas e pouco interessantes para motivar o jogador a cumprir esses objetivos. Com exceção de Arif, nenhum outro personagem consegue se destacar e as poucas histórias não engajam como tentar inocentar um ladrão ou colocar flores no túmulo de um filho perdido de uma senhorinha. 

Uma pena que mesmo diante de quase uma década após o lançamento de The Witcher 3 que mudou totalmente o paradigma da indústria sobre missões secundárias, ainda temos exemplos ruins. O fato é que Atlas Fallen é claramente pensado para jovens e crianças pré-adolescentes que talvez não tenham conhecido outras histórias distópicas. Nessa mesma toada de deuses perversos, temos histórias bem mais completas como God of War e Tyranny, por exemplo. 

Não ajuda também o ritmo da história sempre acabar travado por decisões arbitrárias de design. Seja na mudança de mapas ou para avançar um ato narrativo, o jogador é obrigado a encontrar sempre 3 peças importantes espalhadas pelo mundo para conseguir aprimorar a manopla. Com os aprimoramentos, a jogabilidade ganha novidades com habilidades novas que permitem maior movimentação ou superar obstáculos antes intransponíveis. 

É um conceito bastante básico de game design que já envelheceu bastante, datado até mesmo da geração do Xbox 360 e que simplesmente não orna para jogadores que já experimentaram esses truques para dilatar o jogo que, aliás, não dura nem mesmo 7 horas para encerrar sua história principal. Logo, para completar todos os desafios, não é exagero estimar 12 ou 15 horas para os 100%.

A apresentação da história também se trata de outro problema notável. Para poupar recursos, o jogo possui uma quantidade ínfima de cinemáticas apresentando diversos pontos narrativos importantes através dos clássicos diálogos de RPG com o jogador escolhendo as frases que deseja falar ao personagem. Porém, não há mesmo nem o contraplano exibindo as reações ou falas do protagonista – também para baratear o projeto e evitar gastos com animação de lábios (alguns NPCs usam máscaras e lenços na região da boca para poupar o trabalho dos animadores). 

Logo, a maior parte da mitologia é apresentada através de desenhos animados em slideshows. A arte é bonita, mas a impressão incômoda que persiste é que o trabalho poderia ter sido mais caprichado. 

Inspiração nos clássicos de outra década

Atlas Fallen traz em sua jogabilidade inspirações nítidas em Shadow of the Colossus, Darksiders e também Monster Hunter. Isso afeta diretamente o combate do jogo que demora um tempo considerável até o jogador conseguir ser mais ligeiro e letal contra os diversos titãs de areia que encontramos no caminho.

Todo o sistema de nivelamento de poder se baseia do nível 1 ao 11, mas com o status imbuídos nas armaduras. O jogo encoraja que, conforme a história avance, o jogador precise trocar de armaduras com nível base maior para poder aprimorá-la mais um pouco. Somente no último mapa é possível comprar uma armadura muito bem balanceada que traz ótimo dano e defesa. Se tratando de um jogo da Deck13, é esperado que o nível de desafio seja bastante expressivo e realmente o é. 

É preciso ficar atento aos padrões de golpes dos inimigos colossais para encontrar janelas para aplicar golpes. Porém, como o combate é muito influenciado por Monster Hunter, é preciso ter paciência, pois as batalhas demoram bastante. Quando seu personagem é fraco, tudo fica ainda mais complicado, incentivando o jogador a fugir destes encontros. O problema é que o loot das criaturas traz uma moeda que é necessária para aprimorar as armaduras e outros atributos. 

O combate possui um sistema inovador que oferece maior dano em proporção à maior vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, a barra de ímpeto é preenchida em três porções, oferecendo habilidades passivas importantes e também a possibilidade de acionar magias e golpes especiais. O mais poderoso deles é o pulverizar que consome todo o ímpeto acumulado. 

O sistema é ótimo para agilizar o combate, além de provar que o balanceamento da magia de cura é calculada corretamente. O jogador vai encontrar diversas Pedras de Essência ao longo da campanha e cada uma delas pode ser aprimorada para se tornarem mais poderosas. Recomendo que o jogador se atente bastante nessa mecânica que irá facilitar muito o combate que é bastante desafiador nas horas iniciais.

Fora isso, há a navegação que é relativamente facilitada através da mecânica de surfe nas areias. O mundo de Atlas Fallen possui diversos puzzles ambientais que trabalham com as habilidades do protagonista. Há desafios de velocidade, torres para destruir, chefes mais difíceis, baús secretos, etc. São atividades básicas que felizmente não se tornam morosas, mas também não trazem nenhuma novidade.

O visual do jogo havia sido alardeado por muitos jornalistas, afinal se tratava de um título criado na Unreal Engine 5. Na verdade, o jogo não é feito na UE 5 e, se for (não há menção alguma da engine nos créditos e na abertura do título), é um dos games mais irregulares visualmente para a nova geração, afinal diversos outros títulos como God of War Ragnarok e até mesmo Uncharted 4 conseguem ser mais impressionantes em termos de gráfico. É preciso reconhecer, porém, muito capricho nos efeitos das armas (três no total) e da areia.

No trabalho sonoro, há diferenças brutais a depender do Calibã enfrentado. No caso dos pequenos e no que é similar a um caranguejo, infelizmente temos um exemplo de trabalho sonoro bastante aquém do esperado, com efeitos sonoros destoantes e repetitivos. 

As animações faciais são medíocres e existem problemas de carregamentos de texturas – nada muito grave. O jogo não sofre com bugs pesados de progressão, mas conta com diversas paredes invisíveis – algo que é sempre muito irritante na exploração de um jogo de mundo aberto. Em toda a jogatina, só me ocorreu um crash na sete horas que joguei. Fora isso, o game está funcional no PC e parece ser bem otimizado – um milagre considerando o estado atual de grandes lançamentos na plataforma.

O apego pela nostalgia

Felizmente a Focus Entertainment é uma distribuidora que entende muito bem o nicho de precificação de seus jogos. Nos PCs, o título é vendido no lançamento por R$ 180. É um preço relativamente ok, mas considerando que temos uma história bastante simples e uma jogabilidade que vai sintonizar muito bem a depender do estilo do jogador, é recomendado dar uma segurada nas expectativas e aguardar uma promoção. 

Em geral, Atlas Fallen é um game com potencial de conseguir criar uma franquia que pode muito bem ser aprimorada no futuro, mas que em sua estreia, peca pela simplicidade em diversos fatores, principalmente na narrativa. Também é uma pena a demora do combate se tornar divertido e ressoar com o jogador, já praticamente minutos antes do confronto contra o chefe final. Ainda assim, a depender do preço, vale a pena conferir o novo trabalho da Deck 13. 

Agradecemos a Focus Entertainment pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.

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