Cronos: The New Dawn é o mais novo jogo da desenvolvedora Bloober Team, famosa por ter feito jogos de terror e sobrevivência como Layers of Fear, The Medium e mais recentemente o aclamado remake de Silent Hill 2. O estúdio traz sua experiência acumulada em títulos de sucesso para colocar em prática o que é sem dúvidas seu projeto original mais ambicioso. Aqui vamos analisar como o jogo se saiu nessa empreitada. 

Evolução é morte

Cronos: The New Dawn é um jogo que se apoia em uma ideia central: transformar cada encontro em um evento carregado de tensão, onde a sobrevivência não é garantida e cada decisão do jogador deixa marcas. À primeira vista, ele lembra alguns títulos populares do gênero como Dead Space e Resident Evil, mas é um pouco mais do que isso. O título se distancia da pura experiência narrativa para propor uma jogabilidade que mistura survival horror clássico, mecânicas inovadoras de combate e uma ambientação opressora que influencia diretamente no ritmo do jogo. 

Ao jogar, a sensação é de que não se trata apenas de enfrentar monstros ou sobreviver a emboscadas, mas de lidar com um ecossistema de ameaças que reage às escolhas do jogador, punindo descuidos e recompensando atenção. O primeiro elemento que se destaca no gameplay é o combate e a mecânica de fusão dos inimigos.

 Diferente de outros jogos em que matar um inimigo encerra imediatamente o perigo, em Cronos a morte de uma criatura pode ser apenas o início de um problema maior. Quando um inimigo cai, se o jogador não tomar a decisão de incinerar o corpo, ele pode ser absorvido por outros monstros, resultando em uma fusão que cria versões mais poderosas, rápidas e resistentes. 

Essa mecânica altera por completo a lógica dos encontros, pois a luta não termina no último golpe: é necessário decidir o que fazer com o cadáver e, em muitas situações, essa escolha é tomada sob pressão, com outros inimigos se aproximando ou com recursos já escassos.

Isso gera uma tensão contínua, porque mesmo vitórias parciais podem se transformar em derrotas se o jogador não agir com rapidez e precisão. Assim, ao jogar, temos apenas duas opções: além de incinerar o inimigo, conseguir derrotar as criaturas avançando sem recuar, pois se isso ocorrer, na certa eles se fundirão, gerando uma baita dor de cabeça.

Esse aspecto do gameplay está diretamente ligado ao gerenciamento de recursos, outro pilar essencial da experiência. Em Cronos: The New Dawn, munição, combustível para incineração, suprimentos de cura e até mesmo tempo útil são limitados. Não existe espaço para desperdício. O jogador precisa avaliar constantemente quando gastar munição pesada, quando usar recursos de área e quando economizar para batalhas mais adiante. Essa lógica de escassez não é apenas um detalhe cosmético, mas uma parte integrante da sensação de sobrevivência.

Cada projétil disparado tem um peso, cada corpo não queimado pode se tornar um inimigo muito mais difícil de derrotar mais tarde. Essa economia forçada impõe uma disciplina ao jogador, que deve pensar à frente e administrar sua pequena reserva de recursos como se estivesse em uma guerra de atrito. O ritmo do combate é reforçado pela própria movimentação do protagonista. 

Diferente de jogos de ação frenética, em que esquivas rápidas e movimentos acrobáticos permitem escapar de emboscadas, aqui o peso da armadura e do traje utilizado pelo personagem impõe lentidão. Cada passo parece calculado, cada giro da câmera exige atenção, e a ausência de mobilidade exagerada aumenta a vulnerabilidade diante de inimigos mais ágeis. Essa decisão de design aproxima Cronos dos survival horrors mais clássicos, onde o medo não vem apenas da monstruosidade dos inimigos, mas também da percepção de fragilidade do jogador.

 A lentidão do movimento nos força a pensar antes de agir, planejar emboscadas, escolher rotas mais seguras e, muitas vezes, fugir em vez de lutar. A tensão nasce justamente da limitação: você não pode fazer tudo, não pode correr sempre e nem pode enfrentar todos os inimigos de frente.

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Escuridão, Claustrofobia e Viagem no Tempo

Outro fator que dá peso à jogabilidade é a ambientação, que não serve apenas como cenário, mas como parte integrante do gameplay. Os corredores estreitos, a névoa que limita a visão, os hospitais abandonados, fábricas industriais e ruínas cobertas de escuridão são projetados para dificultar a leitura do espaço e obrigar o jogador a se expor em pontos críticos.

Muitas vezes, para encontrar suprimentos ou abrir uma rota, é preciso explorar áreas onde a visibilidade é quase nula ou onde o design do ambiente força encontros desfavoráveis. Esse tipo de construção dá à exploração um caráter arriscado, no qual cada desvio de rota pode custar caro. Ainda assim, a exploração é essencial, pois muitos recursos só podem ser adquiridos em locais escondidos, exigindo coragem para encarar riscos em troca de possíveis recompensas.

Um elemento particularmente interessante na jogabilidade é o sistema de viagem temporal, que transporta o jogador entre o cenário pós-apocalíptico e um passado situado na Polônia dos anos 80. Essas viagens não funcionam apenas como variação estética, mas interferem diretamente na dinâmica da jogabilidade. No passado, o jogador pode coletar essências de pessoas que morreram no apocalipse, e essas essências podem ser utilizadas para fortalecer o personagem ou obter vantagens específicas.

Porém, essa mecânica vem acompanhada de riscos: carregar muitas essências pode afetar a mente do protagonista, causando distorções visuais, vozes perturbadoras e até dificuldades adicionais no combate. Isso cria um dilema constante: buscar poder adicional em troca de enfrentar consequências psicológicas, ou evitar essas essências e aceitar uma progressão mais lenta e insegura.

O design do gameplay deixa claro que a intenção da Bloober Team é oferecer uma experiência difícil, porém justa. A dificuldade não nasce de inimigos imbatíveis ou de controles mal calibrados, mas da soma de fatores que pressionam o jogador por todos os lados: inimigos que podem evoluir se você não tomar cuidado, recursos escassos que obrigam a tomar decisões difíceis, movimentação limitada que aumenta a tensão de cada confronto, ambientes hostis que dificultam a exploração e, ainda, a necessidade de lidar com as consequências psicológicas da coleta de essências. É um ciclo de risco e recompensa que mantém o jogador em alerta constante, sem permitir momentos longos de relaxamento.

Essa proposta, no entanto, também traz riscos. A lentidão e a limitação podem se tornar frustrantes para jogadores acostumados a ação mais ágil. A escassez de recursos, embora eficaz para criar tensão, pode acabar gerando situações de repetição ou frustração, especialmente se o jogador ficar preso em áreas onde a progressão depende de recursos que ele já gastou em excesso.

 Do mesmo modo, a mecânica de fusão precisa ser calibrada com precisão: se os inimigos evoluírem rápido demais ou de maneira imprevisível, pode gerar picos de dificuldade que fogem do controle. Esses são desafios de design que só se confirmam após longas horas de jogo, mas que já despontam como pontos sensíveis.

Mesmo assim, a sensação geral é de que Cronos: The New Dawn acerta ao propor uma jogabilidade centrada no peso das escolhas. O jogador não sobrevive porque é mais rápido ou porque tem reflexos impecáveis, mas porque pensa estrategicamente, porque entende o ambiente, porque aprende a equilibrar risco e cautela.

A cada corpo incinerado, a cada bala poupada, a cada essência escolhida, constrói-se um caminho de sobrevivência que não é óbvio nem garantido. Essa densidade transforma o gameplay em uma experiência angustiante, mas também gratificante, especialmente para aqueles que apreciam jogos que não tratam o jogador como invencível, mas como alguém vulnerável em meio a um mundo hostil.

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Encare o Abismo

Cronos: The New Dawn constrói um cenário dual: de um lado, uma Polônia dos anos 80 sob regime comunista à beira do colapso; do outro, um futuro pós-apocalíptico devastado por um evento chamado “Mudança”. Essa ambientação mistura o brutalismo arquitetônico do Leste Europeu com toques retrofuturistas. Os desenvolvedores afirmam que o distrito fictício “New Dawn” do jogo foi inspirado em Nowa Huta (Cracóvia), um bairro comunista construído como símbolo de poder soviético nos anos 1950. A década de 1980 na Polônia – marcada por lei marcial e tensão social – fornece um pano de fundo sombrio rico em paranoia e incerteza.

Cronos então se passa em um mundo sombrio onde o brutalismo do Leste Europeu encontra tecnologia retro-futurista, que transita entre passado e futuro. Ao viajar no tempo para 1980, o jogador testemunha o auge da Mudança, um surto viral misterioso que funde seres humanos em monstruosidades (os “Órfãos”) enquanto no presente cada ruína urbana reforça o sentimento de colapso civilizacional iminente. A fidelidade histórica deste ambiente é enfatizada por elementos de época como letreiros e arquitetura comunista, conferindo realismo à experiência de caminhar por bairros pré-apocalípticos e sentir “o peso do caos iminente” na sociedade retratada.

O jogador assume o papel do Viajante, uma agente misteriosa enviada de um futuro pós-apocalíptico por uma organização sombria chamada Coletivo. Como explica a direção de jogo, “em Cronos, você joga como o Viajante, um misterioso agente armado até os dentes, enviado de um futuro pós-apocalíptico por uma organização sombria conhecida como o “Coletivo”. Sua missão é simples: lutar pelo futuro resgatando o passado.

Para isso, o Viajante deve localizar fendas temporais nos escombros do futuro e usá-las para viajar de volta à Polônia dos anos 80, onde viveram pessoas-chave que não sobreviveram à Mudança. Armado com um dispositivo chamado Harvester, ele extrai as “essências” (almas) desses indivíduos e as carrega para o presente, na esperança de preservar sua consciência para salvar o futuro.

 Em Cronos, portanto, o herói é ao mesmo tempo investigador e salvador, motivado pela promessa de impedir que a humanidade seja extinta. Há um dilema intrínseco nessa missão: cada pessoa extraída é vital para reconstruir o futuro, mas o ato de arrancar sua essência do passado tem consequências, um tema explorado na narrativa e nas escolhas do jogo. 

Todo o arco do personagem gira em torno desse sacrifício pessoal e da urgência de sua tarefa, criando uma tensão dramática entre dever e dúvida.

Os inimigos de Cronos são as criaturas deformadas resultantes da Mudança. Chamados de Órfãos, são humanos transformados em monstros grotescos por um vírus desconhecido. Esses seres nascem a partir dos restos da humanidade extinta – como salienta o site oficial, são “criaturas horripilantes, nascidas dos remanescentes da humanidade”. Cada encontro de combate reforça o tema da carnificina social.

O sistema de fusão incorporado no jogo reforça o body horror inspirado em filmes como The Thing: monstros contorcidos e “fundidos” ilustram o colapso de corpos e da própria humanidade. Dentro da história, a fusão de Órfãos simboliza o efeito dominó da catástrofe e o medo de que a morte não seja o fim, mas o prenúncio de horrores ainda piores, amplificando o senso de desespero e urgência na trama.

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Cuidado ao mexer com o tempo

A mecânica de viagem no tempo é o eixo central da história. O próprio termo Cronos, emprestado do titã mitológico, sugere tempo, e o jogo obriga o jogador a atravessar eras. No enredo, o Viajante usa dispositivos especiais (como a Dive) para navegar por fendas temporais e revisitar eventos vitais nos anos 80. Cada missão no passado vira uma narrativa dentro da narrativa: o jogador observa os horrores da Mudança antes de acontecer e tem a chance de intervir, retirando indivíduos selecionados.

Essas excursões no passado permitem construir dramaticidade e suspense. O jogador sabe que algo terrível (a Mudança) está para ocorrer, e então testemunha pequenos detalhes que podem, ou não, ser alterados. Por exemplo, ao extrair a essência de um personagem, a história se bifurca, gerando consequências que reverberam no final do jogo. 

Essa busca por um ponto específico que alterou toda a realidade em Cronos lembra algumas séries de viagem no tempo como a popular Dark da Netflix. Porém, aqui o ponto crítico é uma siderúrgica polonesa em 1980.

 Esse modelo distorce a linha temporal: a cada salto, o jogador confronta paradoxos e realidades alternativas, enriquecendo o enredo com mistério. Assim, o sistema não serve apenas ao gameplay, mas também simboliza a implacável relação entre passado e futuro: a noção de que as origens do apocalipse só podem ser plenamente compreendidas encontrando-se “os escombros do passado” e extraindo deles respostas (e pessoas).

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 Trauma, Colapso e Identidade

A história de Cronos se ancora em temas maduros. O colapso da civilização é mostrado não apenas pelos cenários destruídos, mas sobretudo pelo impacto humano desse fim. Elementos simples, como leituras de cartas de despedida, conversas frias de medo e cartazes de pessoas desaparecidas expõem a dor no cotidiano antes do apocalipse. Assim, o jogo permite ao jogador testemunhar a degradação da sociedade. 

O tema do trauma permeia o texto: além dos horrores externos, existe o horror interno. A própria polêmica escolha de retirar (ou não) cada essência é carregada de culpa e esperança, reforçando a ideia de que não há vitórias isentas de cicatrizes morais.

Por fim, a perda de identidade é um tema recorrente. A protagonista é intencionalmente anônima, chamada apenas de Viajante. Aos poucos  ela vai descobrindo que sua própria existência foi manipulada.

Conclusão

Cronos: The New Dawn é um jogo que une ficção científica e horror para refletir sobre trauma coletivo e individual. É uma história que faz o jogador encarar a luta pela sobrevivência como uma experiência profundamente humana, conectando ruínas físicas e emocionais. Através de suas viagens no tempo, escolhas de salvar vidas e enfrentamentos contra horrores que podem renascer como monstros, o jogo tece um comentário sombrio sobre como eventos cataclísmicos destroem mundos exteriores e interiores ao mesmo tempo, colocando em xeque quem somos quando o passado e o futuro colidem. A Bloomberg Team lança mais um jogo que vale a pena para os fãs do gênero de Survival Horror.

Agradecemos à distribuidora pela cópia gentilmente cedida para a análise.

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Daniel Tanan

Uma Enciclopédia viva de Duna e outros assuntos nerds variados do cinema à animes.

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