Cinco anos se passaram desde que a Sucker Punch nos presenteou com a beleza de Ghost of Tsushima. Agora, voltamos ao Japão feudal, mas deixamos Jin Sakai para trás. Em seu lugar, entra Atsu, uma mercenária movida por um desejo singular: vingança contra os Seis de Yotei, os bandidos que massacraram sua família. A premissa é um clichê tão antigo quanto o próprio gênero, e o jogo não hesita em usá-lo com força total. Mas a grande questão é: será que essa nova jornada para a Sony, ambientada na mítica terra de Ezo, consegue justificar sua existência ou é apenas uma repetição brilhante?
A introdução, devo admitir, arrepia. O cenário e a trilha sonora são orquestrados com uma dramaticidade que lembra os melhores faroestes ou filmes de Tarantino, criando a expectativa de um épico. E por longas 20 horas, você jura que está jogando um “jogo incrível”, no panteão de The Last of Us ou Red Dead Redemption. Infelizmente, é nessa introdução grandiosa que reside a maior frustração do jogo: ele carece de ousadia narrativa no geral. A história, embora envolvente, é previsível a quilômetros de distância e a busca e o confronto com os Seis de Yotei não nos deixarão memórias duradouras. Há esmero em buscar caracterizar cada um dos antagonistas, mas as histórias logo rumam para um destino infeliz.
A Sucker Punch tenta, de forma simplória e pedante, humanizar os antagonistas, os Seis de Yotei, e nos forçar a engolir o cansaço do clichê de que “a vingança não compensa e é ruim” sendo que esta é a força motriz para Atsu caçar implacavelmente todos os que fizeram mal a ela. Honestamente, uma história de vingança pura, à la Kill Bill, teria sido muito mais impactante e honesta com a premissa mercenária de Atsu.
Essa tentativa de moralização dilui o peso dramático do jogo, tornando a conclusão consensual e insossa, embora o roteiro seja competente e traga algumas reviravoltas interessantes. Esse desgaste narrativo é agravado pela familiaridade do plot central, que ecoa outros títulos recentes, como Assassin’s Creed Shadows, fazendo o jogador sentir que já viu essa história do órfão em busca de vingança muitas vezes.
O que eleva o drama, no entanto, é o paralelo narrativo com a Loba que auxilia Atsu ao longo da jornada. O animal, que se torna uma companhia domesticada e um espelho para a “loba solitária” que é a protagonista, adiciona uma camada emocional que a narrativa central falha em sustentar. Essa conexão com a fera, que até possui sua própria árvore de habilidades, é um toque de gênio que reflete a solidão e a determinação gélida de Atsu, salvando parte da jornada de vingança da inevitável repetição temática e dando profundidade à sua jornada de auto-descoberta em Ezo.
Ezo, a terra da repetição viciante
A verdadeira estrela de Ghost of Yotei é o mundo aberto, ou melhor, seu mundo “semi-aberto” com eventos dinâmicos que injetam vida na exploração. A estrutura foi alterada para um hub central grande (as Pastagens de Yotei), que dá acesso a vários “bolsões” menores. Essa estrutura não linear é uma melhoria notável em relação a Tsushima, pois permite que o jogador vá ao encontro dos Seis de Yotei na ordem que desejar, focando em objetivos e recompensas que lhe sejam mais úteis.
O jogo, como os grandes nomes recentes (Zelda: Breath of the Wild e Elden Ring), nos convida a manter os olhos grudados na paisagem em vez de no mapa. A inclusão da luneta de Atsu permite identificar e marcar pontos de interesse no horizonte, enquanto o GPS guia pelo vento – uma herança elegante de Tsushima. O mundo se sente mais orgânico e menos “entregue de bandeja”; cabe ao jogador reunir informações (ou eliminar inimigos) para descobrir as riquezas e missões secundárias, que agora têm um sistema de recompensas baseado na história muito bom, incluindo as missões míticas para desbloquear equipamentos raros. A liberdade do jogador para moldar a própria progressão é um dos maiores acertos.
Contudo, a estrutura dos “bolsões” nem sempre é bem-sucedida. Embora a área central se estenda com panoramas suntuosos e distância de visão impressionante, os bolsões, dedicados à caçada de um ou mais Yotei, muitas vezes são menos marcantes em direção artística. Essa irregularidade na qualidade do design do mundo aberto dá a impressão de que Ghost of Yotei não está à altura do padrão que ele mesmo estabelece nas primeiras horas, sendo um fator que impacta diretamente na vontade do jogador em explorar.
E, por fim, o elefante na sala: a repetitividade. Embora a Sucker Punch tenha aprimorado a fórmula do mundo aberto com eventos dinâmicos, a falta de inovação é palpável. Os pontos de interesse clássicos de Tsushima — o corte de bambu, as fontes termais para aumentar a vida, seguir raposas e pássaros para encontrar recompensas — estão todos de volta. Para quem passou dezenas de horas no jogo original, Yotei pode soar como um refinamento do que já se jogou exaustivamente.
Há boas novidades que tornam o mapa mais interessante de ser explorado, como os alvos procurados em um sistema de bounty que casa com a proposta de mercenária de Atsu. A navegação também é melhor com a jogabilidade com o cavalo sendo muito mais fluída e a ideia de incentivar a cavalgada nos caminhos repletos de flores brancas para ganhar mais velocidade deixa tudo ainda mais cinematográfico.
A repetição pode incomodar, pois no fundo, o título é uma evolução segura e não uma revolução, se tratando basicamente de um jogo que muita gente já jogou.
Visceral e tático: O vombate das 5 armas
Se há um lugar onde a Sucker Punch deu um passo à frente, foi na dimensão tática e visceral do combate. Atsu não é uma samurai e seu arsenal reflete isso. O jogo adiciona quatro armas ao icônico sabre, totalizando cinco armas (katana, dupla katana, kusarigama, odachi e lança) que funcionam como as posturas do jogo anterior, mas com uma mecânica de pedra, papel e tesoura muito mais direta e fácil de compreender. Isso torna a troca de armas obrigatória e ágil, exigindo que o jogador se adapte ao tipo de inimigo (a katana dupla contra lanças, a kusarigama contra escudos, etc.), o que é muito agradável e ligeiro de jogar.
A nova mecânica de cinco armas, aliada ao aprimoramento do combate com movimentos fluidos e precisos, torna cada encontro agradável e ligeiro. O sistema de Spirit, que permite usar ataques especiais e recarregar a saúde (agora bebendo saquê), e o Uivo de Onryo (que paralisa inimigos de medo após uma sequência de abates) elevam a fantasia de poder. Além disso, a capacidade de desarmar um oponente com um ataque carregado, pegar sua arma caída e arremessá-la em outro inimigo é imensamente satisfatória, adicionando um toque de ação arcade à brutalidade feudal. Os duelos contra chefes, em particular, são incrivelmente satisfatórios, elevando o visual a patamares épicos, com a chuva torrencial e os relâmpagos ao redor. É tudo mesmo muito caprichado e muito mais cinematográfico do que já visto em Tsushima.
A progressão do combate também foi imersa na narrativa: as novas armas devem ser aprendidas com senseis através de missões específicas em cada região de Ezo – todos com boas histórias para contar. Isso fundamenta o desenvolvimento de Atsu, fazendo com que o processo de desbloqueio pareça mais orgânico do que um simples preenchimento de árvore de habilidades. No entanto, é interessante notar o paradoxo nas armas de longo alcance: o mosquete, que pode ser sacado rapidamente, obriga o jogador a abandonar a fluidez do combate melee para entrar numa visão em primeira pessoa desajeitada para atirar, quebrando o ritmo.
Apesar de todas as melhorias, divertimento do jogador e da fluidez, o combate ainda herda uma falha de seu predecessor: as lutas continuam frustrantes quando o jogador está cercado por muitos inimigos. A câmera, embora melhor, não consegue lidar perfeitamente com a quantidade de ação em tela, tornando difícil saber para onde se virar. Além disso, as fases de furtividade parecem ter ficado estagnadas. A IA inimiga é indulgente e previsível, o que, embora não atrapalhe a fantasia de “fantasma na noite”, peca pela falta de inovação tática, mantendo-se infantilmente simples.
Estética e aura do PS5
Visualmente, Ghost of Yotei é uma das melhores vitrines do PlayStation 5 até agora. O jogo entrega panoramas verdadeiramente suntuosos, com a distância de visão impressionante da área central de Ezo. O cenário não apenas parece habitado, mas reage ativamente graças aos efeitos dinâmicos de vento, luz e clima, que dão vida ao ambiente a qualquer momento. Os efeitos HDR são maravilhosos e os efeitos Ray Tracing elevam a iluminação a um nível superior, especialmente nas Planícies de Ishikari, que parecem quadros pintados com tons escarlates.
A Sucker Punch não busca o fotorrealismo puro de outros exclusivos, mas sim um estilo pictórico, onde a neblina é exagerada e as flores saltam da tela com saturação. Essa direção artística é um ponto fortíssimo, mas, infelizmente, não é consistente. Em ambientes internos ou quando a luz não está no ângulo certo, o jogo perde o brilho. A falta de consistência é sentida principalmente quando comparado a títulos como Horizon Forbidden West ou Death Stranding 2, que mantêm uma fidelidade visual mais uniforme em todas as circunstâncias. Ou seja, em termos de texturas, não se trata da obra mais bonita da geração.
No entanto, o desempenho técnico é louvável. No PS5 padrão, o jogo oferece modos Qualidade, Ray Tracing (30 FPS) e Desempenho (60 FPS), mas no PS5 Pro, o Ray Tracing Pro a 60 FPS é a cereja do bolo, entregando alta qualidade e fluidez. O título se beneficia do SSD do console para loadings mínimos e usa o poder do hardware para criar um mundo que se sente vivo. O Modo Kurosawa retorna, e os novos Modo Takashi Miike (mais sangue) e Modo Watanabe (lo-fi beats) são toques criativos que valorizam a estética e o replay value.
A maior crítica técnica se concentra na animação de NPCs e em algumas cutscenes. Uma herança nada agradável do jogo original é a falta de esmero nas cinemáticas de quests secundárias, com NPCs que se movem de forma robótica. O rastreamento de personagens em segmentos de narrativa também é desajeitado, fazendo com que os acompanhantes andem em sincronia perfeita e artificial com Atsu. É um problema que, após cinco anos e uma nova geração de hardware, deveria ter sido corrigido, demonstrando a falta de capricho em detalhes que não envolvem o motor gráfico principal. Isso talvez envolva uma falta de recursos, já que o título não foi tratado com o orçamento oneroso de outros exclusivos como Marvel’s Spider-Man 2 e seus quase 400 milhões de dólares.
Sequência valiosa, mas cansada
Ghost of Yotei é um jogo de contrastes. É inegável que a Sucker Punch entregou uma sequência que melhora o combate com o sistema de cinco armas e a dimensão tática, oferece um mundo aberto mais dinâmico e orgânico, e se estabelece como uma das melhores vitrines visuais do PlayStation 5. Para os fãs do primeiro jogo, é uma experiência que certamente será adorada, com a vantagem de não exigir familiaridade com a história de Jin Sakai, sendo um conto independente.
Contudo, a sensação de que o jogo é apenas uma refinação — e não uma inovação — de Tsushima é um peso. A narrativa clichê de vingança, a repetitividade de algumas atividades e a falta de capricho nas missões secundárias demonstram que a Sucker Punch evitou correr riscos. Se a beleza técnica e o combate visceral te atraem, esta é uma jornada imperdível. Mas se você busca algo que perturbe a fórmula do mundo aberto ou um roteiro que desafie as convenções, Ghost of Yotei pode soar como uma música familiar, maravilhosamente executada, mas que você já ouviu muitas vezes. É uma sequência valiosa, mas que poderia ter sido muito mais ousada com uma história menos clichê para contar.
Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.
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