Texto sem spoilers
Uma das maiores surpresas da história recente do PlayStation foi o anúncio impactante do soft reboot da franquia God of War com o já considerado clássico game de 2018. A narrativa cinematográfica, aliada a uma excelente proposta de jogo com acontecimentos e personagens inesquecíveis ajudou a tornar a marca ainda mais querida pelos fãs.
O nível atingido fora tão alto na aventura de Kratos e seu filho Atreus que qualquer sequência encontraria dificuldades brutais para surpreender e elevar o prestígio do jogo. Logo, a antecipação por God of War Ragnarok, ouso dizer, foi ainda maior que a de God of War III que encerrou a trilogia original com louvor.
Diante disso, com o lançamento do jogo no último dia 9, dediquei trinta horas no título para realmente me convencer de que a obra conseguiria superar o jogo anterior. A resposta é que não. Para mim, o game de 2018 ainda é superior em elementos importantes, mas Ragnarok consegue refinar ainda mais certas características de gameplay.
Guerra de sussurros
O Fimbulwinter atinge os Nove Reinos. Após Kratos e Atreus iniciarem o preâmbulo ao Ragnarok, literalmente o fim do mundo, chega a vez de lidarem com o peso das consequências de seus atos. Anos se passaram desde então e Atreus está mais afoito do que nunca para compreender ao certo quem é Loki, sua identidade que descobriu nos painéis proféticos de Jotunheim.
Entretanto, sabendo da iminência do Ragnarok e do que ele significa para toda a humanidade, Odin se movimenta para selar um acordo com Kratos. A paz é oferecida pela mesma mão que traz um Thor ressentido pela morte dos filhos. A negociação é de poucas palavras e então Atreus acredita que a solução é encontrar Tyr, o deus nórdico da guerra.
Não é nenhum absurdo dizer que a narrativa de God of War Ragnarok é boa, mas não chega perto da elegância e simplicidade da jornada vista em 2018 com Kratos e Atreus viajando pelos reinos na busca do pico mais alto para espalhar as cinzas de Faye. A Sony enfiou o pé no orçamento com dizeres claros de “quanto mais, melhor” sendo que, na maioria das vezes, “menos, é mais”.
Como prometido, o jogo realmente finaliza a jornada de Kratos pela mitologia nórdica e isso tem um custo alto: ao mesmo tempo que a história é recheada de eventos e personagens, ela também se torna burocrática em um segundo ato inchado resolvendo tudo em um clímax paradoxal: ao mesmo tempo bombástico e pífio.
Muito da narrativa foi mantida sob segredo pela Sony e claramente isso pode pegar o jogador desavisado de surpresa que sonha em uma narrativa verdadeiramente única. Não é o caso que temos aqui. Toda a jornada de Kratos e Atreus reserva apenas uma verdadeira reviravolta chocante e, em maioria, envolve uma eterna andança pela busca de macguffins diferentes que compreendem a história inteira. Logo, o ritmo do jogo sofre e muito com isso, principalmente em uma barriga interminável de quase duas horas para apresentar Angrboda.
Assim, a lembrança muito incômoda de Star Wars: A Ascensão Skywalker me veio à cabeça conforme a trama se desenrolava sem ter avanços significativos. Até mesmo em certo ponto, os personagens falam que a busca por certo item foi completamente infrutífera. Logo, os roteiristas tem plena noção que estão enchendo muita linguiça. Os diálogos também sofrem por conta disso, significativamente.
A lembrança da Disney não acontece somente por conta de Star Wars, mas também da Marvel. Os diálogos que carecem da profundidade e impacto do anterior, agora contam com uma infinidade de piadas e momentos cômicos para quebrar a tensão que raramente vem. Mesmo que toda a história cerque uma corrida contra o tempo para evitar um destino certo e desastroso, não há qualquer senso de urgência, ainda que tenhamos vislumbres de alguns efeitos indigestos nos reinos visitados por causa do Fimbulwinter.
Como não há espaço para entrar em muitos detalhes, em suma, a história do jogo é boa e finaliza muito bem a jornada e desenvolvimento de Kratos até então, mas não posso dizer o mesmo para diversos outros personagens, principalmente Atreus, Thor e Tyr. Por sinal, as histórias menores, disponibilizadas em side quests, conseguem entregar conteúdo mais relevante para os personagens, principalmente a Mimir.
Matar ou morrer
A reformulação do combate que vimos em 2018 foi fenomenal e havia pouco espaço para ser aprimorado aqui, mas é notório que a equipe conseguiu refinar um sistema que já podia ser considerado perfeito. Com as Lâminas do Caos e o Machado Leviatã disponíveis desde o começo da jornada, incrementos de efeitos elementais que surgem com a combinação de L1 + Triângulo é sensacional.
Os segundos necessários para ativar o efeito, oferecem uma bela escolha de recompensa/risco ao jogador que pode encontrar verdadeiros desafios de vez em quando com uma variedade grande de inimigos. A ausência de chefes de fase do jogo anterior também foi corrigida e agora temos diversos encontros divertidos, ainda que nem tão memoráveis. O destaque fica para embates geniais contra o panteão nórdico, envolvendo uma luta de alto nível com Thor nos minutos iniciais do jogo.
O sistema de RPG adotado pela franquia se manteve praticamente inalterado. As armaduras de Kratos continuam oferecendo alguns efeitos importantes nos status do jogo que podem fazer o jogador investir em builds diferentes, mas graças ao sistema de aprimoramento de equipamento, é difícil abandonar conjuntos consolidados por armaduras novas no decorrer do jogo.
O sistema de runas permaneceu o mesmo, assim como a função das flechas mágicas de Atreus para resolver puzzles. Aliás, há uma boa variedade de quebra-cabeças ao longo do jogo, sendo alguns totalmente exclusivos para os reinos que visitamos durante a jornada. Por conta de termos uma dilatação do tempo de jogo, muitas vezes fazemos o mesmo quebra-cabeça diversas vezes, o que torna a experiência maçante em algum tempo.
Assim como no game anterior, há aspectos de metroidvania no mapa do jogo, encorajando o jogador a revisitar reinos e cenários após adquirir habilidades importantes que destravam áreas sem acesso até então. Por sinal, quando surgir uma missão paralela para seguir um cachorro, recomendo que a façam, pois ela libera um território gigantesco de Vanaheim repleto de conteúdo de qualidade.
Apuro artístico
Se o jogo de 2018 envelheceu muito bem e ainda impressiona visualmente, o novo Ragnarok traz uma estética mais aprimorada. Na versão jogada, para PS5, é um deleite aos olhos, tão belo quanto o já elogiado Horizon: Forbidden West. Com os nove reinos disponíveis para o jogador pela primeira vez, a equipe artística, ainda que recicle alguns cenários de Midgard, traz elementos muito particulares para cada mundo explorado.
O melhor de tudo é que em, ao menos, quatro deles temos um mapa semi aberto repleto de colecionáveis, baús e missões paralelas. Neles, a linearidade não fica tão evidente, mas nos demais reinos, a linearidade é presente e causa certo estranhamento. O destaque fica para os grandes territórios tanto de Midgard quanto de Vanaheim que possui até mesmo um sistema de ciclo de dia e noite que altera caminhos no mapa.
Ainda sendo uma experiência altamente cinematográfica, a proposta de usar um plano sequência para trazer a história toda continua eficaz. A direção de câmera e da encenação dos atores dentro do espaço das cinemáticas é primorosa. Todo o elenco entrega com perfeição, mas o destaque ainda permanece com Christopher Judge e seu Kratos nada menos que perfeito.
Apesar da direção de Eric Williams pesar a mão em diversos momentos a fim de verter lágrimas do jogador, alguns deles conseguem de fato ser emocionantes. Ironicamente, é justo quando a direção opta por caminhos mais simples e bem silenciosos como o momento muito especial que encerra o jogo – este já se tornou um dos meus favoritos.
Como se trata de um jogo para duas gerações, ainda não tivemos o gosto de um verdadeiro exclusivo extraindo todo o poderio gráfico possível do PS5, mas o caminho é bastante promissor.
Enfim, God of War Ragnarok encerra bem a saga nórdica de Kratos, mas o resultado final ainda é um pouco decepcionante diante do potencial que a história trazia. O que podia ser aprimorado, foi, e as falhas são perceptíveis para qualquer pessoa ver.
Não foram poucas as vezes que me senti muito incomodado com o ritmo bizarro da história, assim como o exagero na dose de piadinhas sem graça, mas o saldo geral é positivo. O jogo diverte e traz conteúdo o suficiente para superar 30 generosas horas de jogatina. Agora a questão é ver se o salgado preço de lançamento vale realmente a pena.
Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.
Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.
Contato: matheus@nosbastidores.com.br


