Ao longo da minha vida como jogador, separei meu coração em poucos gêneros, mas o JRPG sempre ocupou o trono, atuando como a espinha dorsal de minhas memórias mais queridas e como o ponto de partida para inúmeras reflexões sobre narrativa e design de jogos. 

Se Pokémon e Final Fantasy me iniciaram na arte de subir de nível e revezar ataques, foi Persona quem realmente me fisgou pela alma, misturando a rotina escolar com o horror cósmico e a filosofia existencialista que se tornou a marca registrada da série. 

Desde então, virou ritual acompanhar a saga, uma obrigação prazerosa,e o lançamento de Persona 3 Reload no ano passado foi uma bala de felicidade no meu cérebro, me prendendo por semanas no PC. Quando a versão para Switch 2 foi anunciada, aí a alegria foi maior ainda: poder jogar o game onde eu quiser, seja em casa, no trabalho ou viajando. 

Para muitos, Persona 3 é o jogo que deu o pontapé inicial na era moderna da franquia, definindo o template de vida escolar e horror sobrenatural que se tornou a assinatura da P-Studio. Você assume o papel do novato na Gekkoukan High, mas, diferente dos colegas, carrega um segredo bizarro: a possibilidade de ver a Hora Sombria

Esse período extra após a meia-noite transforma pessoas comuns em caixões e libera monstros conhecidos como Sombras. Recrutado pela enigmática Mitsuru para a S.E.E.S., sua missão é descobrir a fonte desse fenômeno, explorando a gigantesca e demoníaca torre Tartarus. É uma aventura densa e carregada, cheia de reviravoltas emocionais que, mesmo em uma segunda run, ainda atingem o estômago com a mesma força do impacto original, explorando temas profundos como mortalidade, aceitação da dor e o propósito da vida em um nível raramente visto em jogos do gênero.

A maneira de evocar a Persona, atirando na própria cabeça com um Evocador, é uma imagem chocante que resume o tom edgy e niilista dos anos 2000, e continua sendo um visual impactante, mesmo que o remake tenha suavizado um pouco a violência gráfica em favor do design estiloso. 

As batalhas contra as Sombras são por turnos, e o sistema de acertar a fraqueza do inimigo para ganhar um turno extra (Shift) e lançar os devastadores Ataques Totais, é um dos melhores exemplos do gênero. É um loop tático e viciante, que recompensa o conhecimento sobre os tipos de Persona e exige uma gestão inteligente dos recursos do seu time. A introdução das novas habilidades dá um tempero extra, adicionando ataques limit break que carregam de formas variadas (dependendo da ação do personagem, como usar itens ou curar), tornando o sistema complexo o suficiente para punir o descuido e recompensar a maestria.

No entanto, o charme de Persona vai além do combate, estabelecendo o que torna o gênero tão especial. O lado life sim é a alma do jogo: um gerenciamento de tempo onde você escolhe como usar as tardes e finais de semana para desenvolver links sociais e habilidades de vida. 

É o contraste perfeito que fortalece o protagonista dentro e fora do Tártaro, criando um laço emocional entre os desafios existenciais e as trivialidades da adolescência, o que é o cerne do sucesso da série. Fortalecer um Vínculo Social com um colega, por exemplo, não é apenas uma mini-história divertida; é o que torna a fusão de Personas mais poderosa, um ciclo de aprimoramento que valoriza o tempo investido fora da batalha. Tudo isso, no original, era impecável e foi refinado no remake. E é justamente por sabermos o quão essencial o ritmo, o timing e a fluidez visual são nesse design que o desempenho técnico do port se torna uma tragédia que sabota o próprio coração do jogo, afetando a maneira como o jogador interage com o tempo e o espaço virtual.

Por que raios 30 FPS?

O maior problema de Persona 3 Reload no Switch 2 não é que ele seja visualmente feio; ele é, de fato, incrivelmente estiloso, carregando a identidade visual forte herdada de Persona 5. O problema é a performance e o framerate se torna o vilão da história, transformando a estilização em soluços visuais. O jogo está travado a 30 FPS no máximo, tanto no modo docked quanto no portátil, e esse é o menor dos males. O verdadeiro calcanhar de Aquiles, e a fonte de toda a frustração técnica, é a implementação deficiente do frame pacing

O frame pacing inadequado significa que, mesmo que a tela exiba 30 quadros por segundo, o tempo entre esses quadros não é uniforme. Em vez de receber um novo quadro a cada 33.3 milissegundos, o jogador recebe quadros em intervalos irregulares (16ms, 50ms, 33ms, e assim por diante). O resultado final, e perceptível, é que o movimento e o scrolling da câmera parecem desagradáveis de jogar, uma falha que incomoda a visão e a imersão. Não se trata de quedas constantes de frame rate, mas de microssaltos e engasgos na cadência dos quadros que tornam o movimento da câmera e do personagem (principalmente nas áreas 3D da Gekkoukan High e nas longas subidas do Tartarus) desconfortável. A sensação é de que o jogo está constantemente tropeçando, uma experiência visualmente instável que afeta a fluidez da exploração, a elegância dos menus estilizados – que carregam aos trancos, e até a precisão da mira no primeiro golpe de ação que é crucial para iniciar o confronto com vantagem tática.

A ironia tecnológica é palpável e frustrante: o mesmo título roda a 60 FPS sem problemas no Steam Deck, mesmo em resoluções mais altas e com qualidade visual aceitável. O Switch 2, que tem um hardware novo e mais potente do que o Steam Deck em muitos aspectos e, teoricamente, com APIs mais otimizadas, não conseguiu replicar esse desempenho. Isso sugere uma otimização pobre e uma falta de familiaridade técnica em aproveitar a arquitetura do Switch 2 que também conta com o DLSS, um erro grave que a P-Studio não pode ignorar. É um mistério frustrante e uma desculpa esfarrapada para um port que chega ao mercado tardiamente e com desempenho inferior aos concorrentes que já estavam disponíveis há um ano. A expectativa de que o Switch 2 seria o lar perfeito para JRPGs visualmente ricos foi brutalmente desmentida por este lançamento, com o agravante de que o input lag também se mostra presente, tornando a navegação ainda mais penosa.

O modo portátil, que é o principal atrativo deste lançamento para a base de fãs de Persona em consoles Nintendo, é onde a experiência é mais comprometida e beira o “malfeito”. A resposta da câmera é lenta, o input lag é perceptível e, ao correr pelo Tartarus, a sensação é que o jogo está sempre “lutando” para acompanhar a ação, tornando o dungeon crawling ainda mais monótono. 

O visual, que é “muito bom” na tela portátil, não compensa o desconforto tátil, forçando o jogador a reduzir o tempo de suas sessões de jogo, algo que vai totalmente contra a natureza viciante e de longas horas de um Persona. A diferença de performance em relação a Persona 5 Royal no Switch original (que era suave, mas sacrificava a resolução) é gritante e pende a favor do console antigo em termos de feeling de jogabilidade.

A Atlus prometeu adereçar esses problemas no futuro, porém, não há a menor previsão deste update ocorrer. Quando acontecer, essa análise será revisada assim como sua pontuação final. 

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Atlus

Um remake despojado

Embora o jogo base seja uma lenda do JRPG, a Atlus cometeu o erro de lançar o port para o Switch 2 a preço cheio (Por volta de 300 reais) sem incluir o conteúdo que já estava disponível em outras plataformas. O remake parte do jogo base e não inclui o epílogo de FES (The Answer), que é vendido separadamente como Episode Aigis no Expansion Pass. A falta de The Answer no jogo base já havia sido criticada no lançamento original, mas a manutenção dessa estrutura para o port tardio é inaceitável e demonstra uma mentalidade agressiva de monetização.

Essa decisão de vender o conteúdo adicional (DLCs cosméticos, BGM e o epílogo da história) separadamente, mesmo com o port saindo quase dois anos depois da estreia original, torna a compra no Switch 2 um produto caro.  A inclusão desse conteúdo extra, especialmente o Episode Aigis ou os DLCs de BGM e costume, faria o preço ser mais fácil de engolir, especialmente para os veteranos que já pagaram pelo jogo em outra plataforma e buscavam uma versão definitiva de P3 no portátil.

É uma tática de venda que desrespeita o consumidor e reforça a percepção de que a franquia está sendo explorada ao máximo, com a Atlus visando lucrar duplamente com a base instalada do novo console. A ironia de um port de baixo desempenho ser vendido pelo preço premium só aumenta a indignação.

Além do preço, o port também carece de ambição visual e técnica em relação aos recursos do novo hardware. As sombras e os reflexos modernos vistos nas versões de PS5 e Xbox Series X (que incluíam ray-tracing em alguns elementos) foram cortados ou simplificados drasticamente para o Switch 2. Enquanto o port de Star Wars Outlaws conseguiu manter o ray-tracing em alguns aspectos, Persona 3 Reload optou por simplificar, resultando em ambientes mais “planos” visualmente. Embora o jogo ainda seja esteticamente bonito, alinhado ao visual Persona 5, ele não consegue replicar o “flash” e a fluidez das plataformas mais potentes. A beleza estilizada de Persona é universal, mas a performance prejudica a entrega dessa estética. O Switch 2 é o console que finalmente deveria ter entregue um Persona sem compromissos visuais, e a falha em otimizar o frame pacing desfaz essa promessa, deixando a desejar até mesmo na resolução final, que não atinge o 4K nativo que o Switch 2 teoricamente é capaz de suportar.

O visual de Persona 3 Reload é, no geral, suntuoso, com cutscenes cinematográficas e menus que exalam estilo, graças ao motor gráfico moderno. Cada elemento do HUD é um prazer de se olhar, e a trilha sonora, que muitos consideram a melhor da série, embala a jornada com j-pop viciante. No entanto, o problema dos 30 FPS e do frame pacing impede que toda essa estilização atinja o seu potencial máximo. O jogo parece fantástico nas screenshots, mas sente péssimo ao ser jogado, uma dicotomia que é o resumo da decepção. Isso sublinha uma verdade cruel: a função do jogo foi sacrificada em prol da forma, um erro inadmissível para um título que se apoia tanto na fluidez de sua navegação e combate.

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Atlus

O Vício do Vazio

Apesar de todos os elogios ao remake em si, Persona 3 Reload não é isento de críticas estruturais que foram herdadas do original. Uma delas é a dificuldade em se conectar com os membros da party. Os aliados mais próximos, com exceção de alguns, demoram a ter seus arcos desenvolvidos, fazendo com que se sintam estranhos, especialmente nas primeiras dezenas de horas. A falta de Social Links com o elenco masculino (com exceção de Junpei), que era uma falha notória do original, ainda ressoa, tornando a necessidade de desenvolver esses links para fortalecer as Personas uma obrigação mecânica e menos um prazer narrativo. A P-Studio melhorou esse aspecto em Persona 4 e 5, o que torna a rigidez de P3 ainda mais perceptível na versão Reload.

Outra crítica que permanece, mesmo com os aprimoramentos do remake, é a estrutura do Tártaro. A gigantesca masmorra aleatória de subida interminável continua repetitiva e esmagadora, apesar das melhorias de layout e recursos inseridas na versão Reload. Embora a versão Reload tenha trazido melhorias de qualidade de vida, como a possibilidade de curar o time após a batalha, a necessidade de passar longas horas subindo andares aleatórios para grinding pode ser enfadonha para quem não é fã fervoroso do dungeon crawling clássico. A repetição dos cenários e a natureza procedural da masmorra são um contraste brutal com a riqueza de detalhes da vida em Gekkoukan. E aqui entra novamente o problema de performance: o desempenho instável do Switch 2 sabota o grinding. A lentidão e os engasgos da câmera na exploração do Tartarus transformam o que já era tedioso em um martírio, alongando a sensação de repetição de forma artificial.

A jogabilidade Persona é estruturada em torno de metas de tempo, que obrigam o jogador a ser eficiente nas escolhas diárias. Essa estrutura, por um lado, é um ponto forte, pois permite que o jogador com tempo limitado encaixe a jogatina em blocos gerenciáveis, salvando e seguindo em frente. 

No final, o problema do port Switch 2 é que ele não entrega a promessa fundamental da portabilidade sem compromisso, uma tradição que a Nintendo sempre honrou com a franquia Persona. Enquanto outros títulos AAA recentes no console conseguiram atingir 60 FPS ou, no mínimo, 30 FPS estáveis e suaves, a Atlus demonstrou uma surpreendente falta de capacidade técnica. 

O que resta é um ótimo JRPG em um port que você só deve comprar se realmente não tiver outra opção de plataforma. É uma tragédia, dada a história de excelência da franquia em consoles portáteis como o PSP e o PS Vita. O Switch 2 deveria ter sido o ápice dessa tradição.

Remake de excelência em um port decepcionante

Persona 3 Reload permanece um dos melhores JRPGs da história e um remake exemplar que merece ser jogado. O jogo oferece uma história emocionalmente poderosa, um combate viciante e uma estilização visual inigualável. O veredito, no entanto, para a versão Switch 2, é agridoce e carregado de desilusão.

O jogo é funcionalmente jogável e o fato de ter um título tão aclamado em um console Nintendo é um impulso para o catálogo. Mas o desempenho no modo portátil, com o framerate travado a 30 FPS e o problema de frame pacing que gera judder, torna a experiência desconfortável, especialmente para aqueles que já experimentaram o jogo rodando a 60 FPS em outras plataformas. Contudo, a vista se acostuma e aceita a realidade técnica do port depois de algumas horas, mas é inegável que no estado atual, se trata da versão mais fraca disponível no mercado.

Se você não jogou Reload antes e pretende jogar majoritariamente no modo docked, o port é aceitável, e a riqueza do conteúdo deve superar a frustração técnica. Mas se você, como eu, busca o melhor JRPG portátil e prioriza a fluidez, será melhor servido em plataformas mais potentes como o Steam Deck. A Atlus perdeu uma oportunidade de ouro ao não otimizar este lançamento, deixando a desejar justamente no quesito que mais importa para o público do Switch: a portabilidade impecável e sem engasgos. O Switch 2 merecia mais, ainda se contar o começo do seu ciclo de vida. 

Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.

Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.

Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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