Vamos encarar os fatos. Existe um rei nos jogos de corrida de kart, e ele veste macacão azul e vermelho. Mario Kart não é apenas um jogo; é um gênero que fundamentou diversos games de corrida. E, por anos, a SEGA, com seu ouriço supersônico, tentou morder essa coroa com resultados que variavam entre o simpático (All-Stars Racing) e o razoável (Team Sonic Racing). Por muito tempo, parecia um paradoxo: o herói mais rápido dos videogames precisava mesmo de um carro? A resposta, no fundo, era sempre a mesma: sim, mas precisava de um jogo à altura.
Seis anos de silêncio após o leve tropeço de 2019 e muitos pensavam que a subsérie de corrida estava morta. Mas a SEGA tinha uma carta na manga, e ela atende pelo nome de Sonic Racing: CrossWorlds. Aqui não é apenas um retorno; é um reset que resgata a essência arcade de ouro da SEGA AM2 (sim, a equipe por trás de Daytona USA!) e adiciona recursos tão espetaculares que, pela primeira vez, a hegemonia de Mario parece, no mínimo, questionável. É um jogo que finalmente entende como manter a velocidade divertida, não apenas uma piada conceitual.
Drifting como ato de fé
A primeira coisa que salta aos olhos em CrossWorlds é a pegada técnica e pesada da pilotagem. Esqueça a sensação de “brinquedo” levíssimo de outros karts. Aqui, a influência da SEGA AM2 é inegável: a dirigibilidade busca a emoção do arcade clássico, sendo mais exigente do que o esperado. Isso pode surpreender quem vem de títulos mais acessíveis, mas confere ao jogo uma personalidade única, perfeitamente adequada para quem busca profundidade na pista. Entretanto, em modos de jogador off-line, você pode colocar uma assistência de direção para não apanhar tanto.
O coração mecânico do jogo é o drift. Não é apenas um recurso; é uma necessidade tática. As pistas, embora largas, exigem que você jogue a traseira para fora em cada curva para acumular a barra de impulso. Isso transforma a corrida em um ato muito mais ativo, quase um ritmo constante onde você precisa pensar na próxima manobra antes que ela chegue. O timing para começar e encerrar o drift para limpar a curva e sair com um boost máximo é vital – e errar significa cair de cara na barricada e, pior, despencar no pelotão.
O que reforça essa intensidade é como o jogo maneja a competição. Ao contrário de títulos onde você pode passar corridas inteiras isolado na liderança, aqui, o grupo de 12 pilotos se mantém unido. Um erro faz você cair no pelotão, mas poucas boas jogadas (e drifts precisos) o colocam de volta na disputa. Essa competição acirrada e o constante “empurra-empurra” tornam cada Grand Prix uma experiência emocionante do começo ao fim.
Apesar da excelência na pista, é preciso ser sincero sobre a curva de aprendizado. O jogo pode ser um pouco obtuso para o novato. Mario Kart é instintivo; CrossWorlds exige uma camada extra de habilidade até mesmo do jogador iniciante. Embora haja tutoriais, a combinação de drift, boosts e itens pode ser avassaladora no começo – principalmente pela ausência notória do modo história que ajudaria a aprender melhor diversos macetes e a usabilidade dos itens adquiridos durante a corrida. Para quem busca uma diversão plug and play descompromissada, essa exigência de técnica pode ser um impedimento. Contudo, para quem investe o tempo, a recompensa de dominar a velocidade é imensa.

CrossWorlds: Portais, caos e rivalidade Temática
A grande inovação que diferencia CrossWorlds de seus antecessores são os Anéis de Viagem – portais gigantes que transportam os pilotos para outros mundos no meio da corrida. A mecânica funciona de forma brilhante no modo Grand Prix: você começa em uma pista, e ao final da primeira volta, o líder escolhe para qual das duas opções todos serão catapultados na segunda volta. A transição é pura magia, mudando radicalmente o cenário, obstáculos e atalhos em questão de segundos. Sim, exatamente como visto no último jogo de Ratchet & Clank no PS5.
Esse sistema injeta uma variedade espetacular e quebra a monotonia das corridas de volta. Na terceira volta, você retorna à pista original, mas ela sofreu uma “mutação”: novos boosters, caixas de itens, decorações do cenário e até caminhos completamente novos se abrem. A única desvantagem desse caos interdimensional é que, com tantas mudanças de fases, alguns circuitos perdem sua identidade, tornando a memorização das pistas (o que amamos nos clássicos) mais difícil para decorar atalhos, etc. O espetáculo visual, porém, compensa a perda. Cada pista também possui estrelas coletáveis que aumentam a sua pontuação, além do fato da velocidade também ser proporcional ao tanto de anéis que você consegue pegar no percurso. Quanto mais anéis, mais rápido fica.
Outro aceno direto aos fãs é o Sistema Rival. Ao iniciar um Grand Prix, você é atribuído a um rival temático (embora possa trocar manualmente), e o objetivo passa a ser menos vencer o campeonato e mais derrotar esse personagem específico. O rival recebe um marcador especial e o jogo garante que ele esteja sempre na sua cola, terminando em primeiro ou segundo se você não intervir. E acredite, rivalizar com Shadow enquanto controla Sonic é uma experiência enervante já que os personagens interagem com provocações e diálogos muito curtos.
O melhor desse sistema é o sabor narrativo que ele adiciona. As linhas de diálogo personalizadas para cada um dos 23 personagens base são um deleite para quem conhece o lore de Sonic – ouvir Charmy Bee chamando Shadow de idiota, por exemplo. Embora o rival na prática não seja sempre o maior desafio (a IA já é agressiva o suficiente em níveis altos), ele oferece um objetivo focado e um toque de competição pessoal que torna a experiência mais divertida e cativante. Tudo isso tem um proposito: liberar o Hyper Sonic quando terminar de derrotar todos os rivais disponíveis.

Festa do Arcade
Visualmente, CrossWorlds é um espetáculo vibrante. Os circuitos são repletos de detalhes, referências à série e designs que variam de florestas luxuriantes, desertos com tumbas, parques aquáticos, cidades gregas até cassinos gigantescos. A vivacidade visual e de design tem pouco a invejar dos concorrentes, e o uso da Unreal Engine 5 se traduz em um jogo que, no PC e nos consoles é funcional. Há sim limitação gráfica no PC, ainda mais considerando o porte para o Switch 2, menos eficaz que um Series S. Ainda assim, pelo design de produção, o jogo é bonito. Uma pena que a versão do PC não venha com framerate desbloqueado. Só vai até 60 fps em uma experiência fluída e sem gargalos.
Em termos de áudio, a trilha sonora é uma verdadeira carta de amor à saga Sonic, com remixes inesquecíveis e novas faixas que injetam pura adrenalina nas corridas. A única nota dissonante são os rugidos dos motores, que, infelizmente, são monótonos demais e quebram um pouco a imersão na velocidade. Felizmente, a riqueza da trilha sonora e os efeitos dos itens (que fazem o crossplay com Hatsune Miku, Bob Esponja e até o Creeper de Minecraft soar divertido) compensam a falta de rugido do kart.
A personalização é um buraco negro de horas gastas. Os karts são divididos em cinco categorias de estatísticas (Velocidade, Potência, Aceleração, Manuseio e Impulso), e cada peça desbloqueada – que você compra com os tickets ganhos ao jogar – modifica esses atributos. Somado a isso, temos o sistema de Gadgets: buffs passivos ou ativos que alteram radicalmente a estratégia, dando boosts mais rápidos ou mais itens bônus. Com isso, você pode fazer inúmeras builds diferentes para suas corridas online ou no modo solo. Há sim muita variedade e como as peças custam caro, você pode ficar feliz caso goste de um jogo repleto de grinding.
Esse nível de customização eleva CrossWorlds acima de muitos rivais. Embora o sistema possa ser assustador no início – nem sempre fica claro qual o impacto real das melhorias – ele incentiva a experimentação e permite que o jogador crie um kart que realmente se adapte ao seu estilo de pilotagem. É um convite direto à otimização e ao grinding, garantindo que o jogo tenha uma vida útil longa, especialmente com o suporte de crossplay e a promessa de um cronograma mensal de crossovers ambiciosos – atenção que alguns deles vão te exigir a compra do Passe de Temporada e o jogo, por si só, já custa 400 reais em terras tupiniquins.
O melhor carro que Sonic já pilotou

Não podemos evitar a comparação, mas talvez não precisemos mais escolher. Enquanto a Nintendo, com Mario Kart World, tentou inovar com um mundo aberto, a SEGA preferiu aperfeiçoar a fórmula de três voltas, aprimorando o que já sabia fazer: velocidade, drifting e espetacularidade arcade. Sonic Racing: CrossWorlds é a confirmação de que a série ainda tem muito a oferecer no gênero.
Eles conseguiram aprimorar tudo o que caracterizava a saga de corrida do ouriço e fizeram isso com a experiência de um estúdio lendário. A natureza espetacular de seus portais interdimensionais, toda a variedade proporcionada pelas transformações e o design de pistas inspirado fazem deste um dos melhores jogos de kart dos últimos anos. Ele pode ser um pouco exigente para o novato e a ausência de um modo história é sentida, mas o pacote geral é sólido.
CrossWorlds encontra seu lugar não como um “matador de Mario Kart”, mas como uma alternativa de altíssima qualidade que oferece uma experiência mais técnica, mais arcade e mais direta. Para quem busca competitividade e o domínio da velocidade, este é um produto irresistível. Sonic e seus amigos estão mais uma vez correndo a toda velocidade, e desta vez o fazem no que possivelmente é o seu melhor carro.
É uma compra certa para fãs do gênero e para quem, como eu, estava esperando um retorno triunfal do ouriço ao volante.
Agradecemos à Sega pela cópia gentilmente cedida para a realização desta análise.