Não é exagero algum dizer que Josef Fares é o nome equivalente ao de Hideo Kojima para jogos cooperativos. Aproveitando um espaço vazio na indústria, o diretor trouxe uma reformulação completa do gênero em 2018 com o excelente A Way Out, game de ação de fuga de cadeia.
O nome de Fares, porém, já vem de antes de 2018 por conta do sucesso de Brothers: A Tale of Two Sons que trazia uma proposta cooperativa para somente um jogador. Evoluindo seu estilo, chegou no ápice com It Takes Two que venceu o Game of the Year de 2021.
Agora Fares celebra mais uma parceria de sucesso com a EA trazendo Split Fiction que, apesar de repetir sua grife autoral, trata-se de mais um exemplar excelente muito divertido para jogar à dois.
Pequenas grandes histórias
Split Fiction apresenta a história de Mio e Zoe, duas autoras convidadas a experimentarem suas próprias ficções através de uma máquina de tecnologia de ponta de uma publicadora. Porém, Mio acaba caindo na estação de Zoe gerando um enorme problema para as duas resolverem para conseguir escapar da máquina.
Através de diversos capítulos que alternam entre os gêneros de fantasia e ficção científica, as duas começam a aprender a lidar com suas diferenças em uma jornada de amizade e cuidado com histórias densas do passado.
Apesar da proposta ser tipicamente cliché dos famosos buddy cop, aos poucos Zoe e Mio começam a mostrar pontos mais únicos conforme a história progride. Infelizmente, Split Fiction não tem a melhor história já apresentada por Fares, mas não deixa de ser eficiente e leal a explorar a proposta única da alternância de gêneros na ambientação das fases, com alguns elementos refletindo pontos chave da narrativa – além de um senso de humor muito eficaz conseguindo arrancar verdadeiras gargalhadas pela imprevisibilidade das piadas.
A que prejudica de fato é que as personagens demoram um tanto para engrenar, além do antagonista ser bastante genérico. Mesmo sendo funcional, o que realmente brilha em Split Fiction é, na verdade, seu game design inigualável.
Assimilando ideias novas e clássicas
Inesperadamente, o game design de Split Fiction leva a fórmula de Fares para patamares realmente inéditos provando que a criatividade dele e de seu time da Hazelight desconhece fronteiras.
É difícil ilustrar em palavras, mas existem seções de gameplay único para o combate, plataforma ou solução de puzzles que duram apenas alguns minutos. Essa valsa de ideias é contínua até o encerramento do jogo que força a cooperação dos jogadores muito além de apertar botões no momento correto.
Há estímulos de timing e ritmo para conseguir levar Zoe ou Mio para outro ponto da fase e permitir o progresso de ambos os jogadores. É um trabalho ainda mais intrincado do que o visto em It Takes Two. Algo que, por si só, já é impressionante. As sessões plataforma, curiosamente, são bastante inspiradas no trabalho da Respawn com Star Wars Jedi, entregando uma experiência de jogabilidade relativamente similar e muito satisfatória.
Fares brinca com armas únicas para Zoe e Mio, muda a perspectiva da câmera diversas vezes e até mesmo usa a gravidade para firmar o design dos níveis de modo único. Enquanto as fases de ficção científica é mais focada nas armas e modos nada habituais para os puzzles, as fases de fantasia focam no uso de habilidades únicas de transformações.
É algo tão criativo que chega até a lembrar os universos paralelos bizarros de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Particularmente, dentre todos os níveis, o que mais me diverti foi o que é todo centrado nas habilidades dos dragões que foram tão divulgados em diversos trailers. O jogo apresenta uma quantidade generosa de chefes de fase, cada qual com seu gimmick único para formular estratégias para superar o desafio.
Ainda que alguns tenham uma dificuldade moderada, o jogo nunca é injusto e raramente chega a te frustrar. Além das sessões mais difíceis ou com alguma mecânica mais enfadonha terem a duração correta para não estafar o jogador.
Fares também encaixa muitas, mas muitas referências em termos de gameplay a diversos clássicos que marcaram gerações. Há sessões inspirados em Crash Bandicoot, Space Invaders, Super Mario, Sonic, Splatoon, Snake, Tony Hawk, Mega Man, Diablo, entre diversos outros.
É notável como ele incorpora essas referências de modos inteligentes e até mesmo sutis, às vezes só mudando a perspectiva da câmera. Esses momentos divertem bastante os gamers mais veteranos. Além disso, existem diversas missões secundárias opcionais que trazem um conteúdo ainda mais diversificado e bem-humorado.
As fases focadas nas histórias que Mio e Zoe escreveram ainda crianças são as mais memoráveis, apresentando uma direção de arte impecável, além de um humor totalmente único. Para ser honesto, jogaria um game inteiro inspirado nessas fases de ápice criativo.
Polindo a Unreal 5
Não é de hoje que afirmamos que a Unreal Engine 5 é bastante problemática por diversos entraves técnicos. Logo, é impressionante que a Hazelight tenha conseguido entregar um lançamento extremamente polido com pouquíssimos bugs na build de review, além do jogo conseguir ter uma ótima performance em 4K entregando 120 FPS constantemente.
Travamentos, crashes e frametime inconstante são problemas inexistentes no jogo que é sim bastante bonito, mas com texturas mais simples para conferir um design artístico que foge, felizmente, do hiper realismo forçado e aposta mais cores vibrantes e estilos mais individuais de apresentação visual. É ótimo que até mesmo nos momentos mais agitados das set pieces entre perseguições intensas e combates viscerais, o trabalho se sustenta.
O que é uma pena, apenas na versão de PC, é a ausência do DLSS em primeiro momento, contando apenas com FSR 3.1. Na nossa experiência, tivemos apenas um bug visual no qual os personagens não moviam os lábios durante as falas – nada que fosse realmente grave.
Em um começo de ano no qual tantos jogos apresentaram problemas sérios no lançamento no PC, ver Split Fiction funcionar tão bem é revigorante, além de reafirmar o talento do estúdio no campo tecnológico também.
O gênio de volta na garrafa
Dizem que é impossível que o gênio nunca volta para a garrafa, afirmando que muitas vezes o sucesso acontece por mera sorte ou acaso. Porém, Josef Fares prova agora pela terceira vez que ele realmente é um profissional de extremo valor no mercado.
Split Fiction pode não trazer a melhor experiência narrativa que Fares já escreveu, mas com certeza o gameplay e design de níveis mostram a força completa do jogo em superar picos muito altos da história do estúdio.
Split Fiction é mais um jogo obrigatório, extremamente divertido e criativo que vai te trazer diversas horas de entretenimento de alta qualidade. O melhor de tudo é poder compartilhar essa experiência com um amigo, alguém querido da família ou até mesmo com um completo desconhecido.
Torço para que Fares continue com esse espírito animado e incentivado para entregar experiências completamente únicas no gênero cooperativo, provando que jogar acompanhado é uma experiência sempre melhor.
Agradecemos à EA pelas cópias gentilmente cedidas para a realização desta análise.