A Bandai Namco não está para brincadeiras com Unknown 9: Awakening. A nova propriedade intelectual se trata de uma ambiciosa aposta transmídia cujo pilar principal é sustentado pelo jogo do estreante estúdio Reflector. 

Entretanto, por maior que tenha sido o investimento em uma trilogia de livros, podcast e HQ, a distribuidora deveria ter detido a maior parte da responsabilidade ao desenvolver o jogo de Unknown 9 do que relegar a produção a um estúdio estreante. 

Fora isso, o zeitgeist atual é muito contrário a todas as tendências que o jogo traz consigo: a famigerada roupagem DEI/woke que muitos gamers estão com aversão após os trabalhos intensos da Sweet Baby em diversos grandes jogos da indústria. Porém, por incrível que pareça, os problemas de Unknown 9 estão muito além da sua roupagem pós moderna. O jogo sofre por ser anacrônico, um produto derivado de uma década que já passou no final do ciclo do Xbox 360.

História e mitologia prioritárias

Unknown 9: Awakening frisa já em seus segundos iniciais que a propriedade é a experiência narrativa. Situado em um universo diferente, mas muito similar a nossa realidade, conhecemos Haroona e sua mestra Reika. 

As duas partem em uma expedição ao deserto para deter um ex pupilo de Reika, Vincent, que fundou um grupo sectário chamado Os Ascendentes que visa descobrir o potencial místico do Umbral, um plano de existência sobrenatural. 

Sendo uma Quaestor e dotada de poderes sobrenaturais, Haroona está aprendendo habilidades novas a cada dia que passa, mas sua excursão com Reika termina subitamente quando sua mestre é assassinada por Vincent, tentando impedir os planos do vilão. 

Tomada pelo ódio, Haroona promete vingança e passa anos até conseguir uma oportunidade de localizar o mestre dos Ascendentes. O que ela não espera é que a jornada trará também aliados importantes como o americano Luther que também tem negócios não resolvidos com Vincent. 

Não são poucas as características chave para criar um universo um tanto fantástico que os roteiristas adicionam na história formulaica do jogo. Temos a tragédia de uma pupila órfã sem mestre buscando vingança, um vilão disposto a arruinar o mundo para conseguir mais conhecimento, uma mitologia de civilizações antigas e tecnologicamente superiores, e por aí vai. 

Muito se engana o jogado que pensa que Unknown 9 tenha esse nome apenas por um capricho artístico. O título conversa também com uma sociedade secreta da civilização perdida, integradas por poderosos indivíduos que visam impedir os ciclos de destruição que atingem a humanidade de tempos em tempos. 

Apesar do aspecto interessante e também da originalidade do conceito em trazer uma narrativa que mescla interações diretas com passado e presente, os roteiristas preferem perder muito tempo ao criar problemas desnecessários de caracterização da protagonista, além de não cadenciar corretamente o ritmo de eventos para que a história possa crescer. 

A falha já começa na própria Haroona que, apesar dos esforços de Anya Chalotra (de The Witcher), é uma protagonista antipática, sem carisma, condescendente e problematizadora – ela se comporta como uma tuiteira enraivecida contra o Imperialismo. Fora isso, a personagem é extremamente desconfiada sem um propósito genuíno, já que a história falha em calçar isso na aventura (algo que seria facilmente corrigido se o jogador testemunhasse alguma traição que ela teria sofrido).

Por conta dessa desconfiança e insistência no arco dela seguir sua jornada de modo solitário e egoísta, as interações com personagens coadjuvantes como Luther sofrem muito por horas, até que Haroona comece a se soltar mais (praticamente na metade do jogo). Luther, felizmente, já é mais interessante, sendo um cowboy carismático que está explorando a Índia “ao acaso”. 

Por conta dos embates filosóficos, pessoais e históricos de Haroona com os outros personagens, toda a narrativa acaba sofrendo. E, acredite, o jogo possui um catálogo generoso de personagens secundários que a protagonista pode interagir nos momentos entre missões a bordo do Morning Star, um dirigível colossal que permite as viagens da trupe. 

Aliás, é um tanto cômico pensar na avidez dos desenvolvedores em fornecer a equipe mais diversa em raça e etnia possível, trazendo uma salada de sotaques, nacionalidades e raças para um grupo de exploradores em plenos anos 1900. Pior ainda é a representação visual de alguns deles, como no caso de Buchra, uma cientista que se veste com moda dos anos 1970, com direito a óculos escuros redondos e um poderoso Black power. 

As interações de diálogos para conhecer as demais personagens também são complicadas, com histórias vagarosas ou com interações bizarras como a conversa da piloto com Haroona dizendo para nunca mexer em equipamento nenhum ou não levar a filha dela para o mal caminho de perigosas aventuras. Tudo soa muito gratuito, ainda mais levando em conta que se trata do primeiro contato entre as duas. 

Essa incongruência temática assombra a narrativa de Haroona até sua conclusão que, claro, também não compensa pelo seu desfecho e do fraco vilão que raramente recebe algum tratamento melhor delineado do texto. O mesmo acontece com a relação dela com os coadjuvantes, sofrendo saltos significativos ao criar elos que não tiveram tempo para serem formados ou apresentados – se até com Luther, a história falha em nos convencer que Haroona virou sua amiga verdadeira, imagine com os outros. 

É uma pena que o foco da narrativa seja mesmo na questão da diversidade e do lacre em cima dos diálogos. As inspirações em Uncharted, Indiana Jones, Tomb Raider e até mesmo Assassins Creed são notadas, logo, o potencial de trabalhar a história de um modo mais interessante e intenso é igualmente notado. 

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Bandai Namco

Game design de 2008 em (quase) todos os sentidos

A vibe de jogo AA está por todos os lados em Unknown 9 Awakening. Só que isso não justifica seu game design obsoleto em excesso. Totalmente linear – o que não é um ponto negativo, diga-se, o game possui as clássicas fórmulas da época: corredores com seções plataforma intercaladas com bolsões repletos de inimigos forçando combate ou evasão. Em algumas raras salas, há alguns quebra-cabeças de apenas um tipo de desafio mental. 

Nas 13 fases disponíveis – sendo várias delas bastante longas, o jogador também pode encontrar diversos coletáveis, mas o mais importante é descobrir novos pontos de habilidade e aprimoramentos de vida e Am, a barra de magia de Haroona. Como não há uma progressão de nível, a saída de esconder os pontos de habilidade no mapa foi inteligente para incentivar o jogador a explorar. 

Como a protagonista é bastante frágil é uma boa ideia dedicar tempo para conseguir aprimorar suas habilidades. Nelas, temos três árvores abrangendo combate, evasão e sobrenatural para melhorar os poderes místicos da personagem: entre eles a invisibilidade, trituração (de interagir com o ambiente e preparar armadilhas), puxar e empurrar, derrubada instantânea, visão de Umbral e incorporar. 

Esta última é a que torna o combate de Unknown 9 um tanto mais interessante. Adquirindo mais fichas de incorporação ao longo da história, o jogador pode possuir inimigos por um breve período de tempo, podendo movimentá-los e incitá-los uns contra os outros, criando cenários caóticos nos quais todos podem matar uns aos outros sem a necessidade de Haroona cair no combate direto. 

É algo bastante divertido que tira o tédio do combate padrão realizado somente através de socos – tempos depois o jogador desbloqueia um novo golpe que atordoa os inimigos facilitando uma execução mais rápida. O tédio do combate não se dá somente por causa da repetição infinita do único combo de soco, mas também pelo fato dos inimigos demorarem para serem derrubados – há um desbalanço claro na média de dano infligido com a barra de saúde dos oponentes (isso é ainda pior em batalhas contra chefes).

Infelizmente, não há habilidades que aumentem consideravelmente o dano de Haroona e, por isso, os segmentos de combate se tornam cada vez mais chatos com a adição de novos inimigos ou variações mais resistentes. Com o jogo forçando a mão para o stealth, também não há boas notícias nessa abordagem.

Além da diversão da incorporação ou explodir alguns itens próximos a inimigos, o jogo encoraja o uso da invisibilidade e derrubada instantânea de inimigos em combinação. Porém, como os NPCs estão sempre próximos e o truque de atrair inimigos não funciona por diferentes motivos, assim que ela se revela, todos se tornam cientes de onde ela está. Sim, inclusive os NPCs que estão do outro lado do cenário que não deveriam saber que ela derrubou um inimigo. Ou seja, se um te viu, automaticamente todos te viram – e estar cercado por inimigos nesse jogo não é nada divertido. 

Fora essa característica clássica de inteligência artificial meia boca, os NPCs também sofrem com outros problemas sérios. Seja pela ignorância ao redor após desistir de investigar uma explosão que incendiou um comparsa ao lado ou ter ficar preso em elementos do cenário com a programação desligada. 

Os problemas IA não afetam só os inimigos. Em diversas fases, somos acompanhados por um parceiro que é totalmente inútil em combate, se movimenta lentamente pelo cenário e, por extensão, acaba bugando a protagonista em diversos momentos que passa a andar em slow motion também. 

O jogo, por sinal, possui sua parcela significativa de bugs irritantes, como a protagonista não responder os comandos para saltar nas sequências de plataforma, o desligamento da IA do parceiro realizar determinada ação, travamentos no cenário, entre outros. Não é nada que não seja corrigido em alguns segundos de jogatina, mas como são persistentes, irritam bastante. Ao menos, o jogo é estável e não crasha, mas tem problemas sérios de performance sofrendo engasgos, stutters, clássicos da Unreal Engine – não há pré compilação de shaders na inicialização do jogo. Aliás, isso nos leva ao próximo ponto. 

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Bandai Namco

Criatividade em falta

Não é por ser um título de orçamento menor que Unknown 9 recebe uma carta branca por ter visuais feios, nem mesmo por também ser um título para a geração passada. O jogo sofre com uma falta de esforço em diversos setores com texturas de baixa qualidade – até mesmo no preset mais alto, animações datadas, animações faciais dignas do início da geração do Xbox 360. 

A escolha pelo fotorrealismo só prejudica o visual do jogo. Se tivesse optado por um estilo visual diferente, o design de produção salvaria a qualidade gráfica rudimentar, mas não é o caso – lembre-se que Batman: Arkham Knight foi feito na mesma versão da Unreal usada aqui. 

O jogo conta com efeitos em ray tracing para melhorar sombras, iluminação e reflexos, mas como a otimização não é grande coisa, ele se torna extremamente pesado para executar os efeitos visuais que não tornam as diferenças gráficas tão nítidas assim.

De tecnicalidades, também aponto o quão antiquado é o menu gráfico do jogo. Para as mudanças gráficas fazerem efeito, é preciso reiniciar o programa por completo. Não é possível também alterar o nível de dificuldade do jogo depois da campanha ser iniciada – algo praticamente inexistente em jogos atuais. De tecnologias de upscaling, há a apenas o FSR 2.2 que, convenhamos, não ajuda muito em termos de performance além de prejudicar a qualidade visual do jogo com uma quantia significativa de artefatos em tela – principalmente nos cenários repletos de vegetação (que também não possui efeitos de física ou tesselação aplicados).

Apesar de tudo isso, o design visual das fases é ok, padrão, variando fases urbanas, de selva, desertos, grutas e masmorras. É diversificado o suficiente para manter o jogador interessado, principalmente nos designs steampunk que surgem vez ou outra em territórios inimigos. Uma pena que, no local que era para ser o mais criativo, o time falha com um visual bastante genérico de uma bruma esverdeada no Umbral, com resquícios de arquiteturas à la Escher. 

Os tipos de inimigos são diversos o suficiente para a duração do jogo – por volta de 12 horas, mas suas skins não são, ou seja, você enfrentará diversas vezes o mesmo NPC – até ao mesmo tempo. 

Existem, porém, dois pontos que merecem elogios. O design artístico para o interior do dirigível Morning Star – que é muito inspirado em art deco e futurismo dos anos 1920, que funciona como um hub de interação com outros personagens – e pelo capricho do time em tornar o diário de Haroona o mais imersivo possível. São páginas muito detalhadas trazendo ilustrações e anotações à mão explorando personagens, história e a lore do jogo. Trabalho realmente louvável. 

Unknown 9 pode acabar no limbo do desconhecido

Apesar dos planos transmídia muito audaciosos da Bandai para o universo de Unknown 9, é difícil dizer ao certo qual é o seu público correto já que ele parece anacrônico em muitos sentidos. Até mesmo se jogássemos o lançamento para 2008, linha do tempo que ele pertenceria, o game sofreria com sua narrativa com mais pitadas progressistas e discursos que reverberam em uma bolha do Twitter. 

Como suas mecânicas, design, gráficos, combate e muito mais parecem ser de outra época, Unknown 9 vai sofrer com firmeza uma concorrência brutal com muitos títulos de peso neste mês de outubro e até mesmo de novembro. 

Sendo a janela de lançamento a época mais importante para receber um indicador de sucesso, acredito que o jogo enfrentará muitos desafios até porque sofre consigo mesmo em problemas de programação com diversos bugs e uma falta de estofo criativo em diferentes níveis. Uma pena, já que o universo da história é sim interessante, ainda que nunca atinja o potencial o devido.

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Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa.

Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer.

Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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