Após 47 anos sendo mantida longe das telas por seu próprio criador, uma cópia original e não alterada de “Star Wars” de 1977 foi finalmente exibida para um público de fãs e cinéfilos em Londres. O evento histórico, parte do BFI Film on Film Festival, foi apresentado pela presidente da Lucasfilm, Kathleen Kennedy, e a experiência de assistir ao filme em sua forma mais pura gerou uma reação complexa e surpreendente: uma nova apreciação por muitas das controversas mudanças feitas por George Lucas ao longo dos anos.
“Parece horrível”: a beleza de um filme “sujo e carpinteiro”
A exibição da raríssima cópia, preservada por quatro décadas em temperaturas negativas, foi descrita como uma viagem no tempo. Para os padrões modernos de blockbusters polidos, o filme original é visivelmente mais cru. “Senti como se estivesse assistindo a um filme completamente diferente”, escreveu Robbie Collin, crítico do jornal britânico The Telegraph, que admitiu que o original “parece horrível” em comparação, mas de uma forma fascinante.
Ele descreveu a versão como um “espetáculo alegremente escarpado, sujo e impassivelmente carpinteiro”, que se assemelha mais a uma “fantasia do que a um grande épico de ficção científica”. Segundo o crítico, a ausência de polimento digital confere ao filme uma sensação visceral e artesanal. “Os painéis da Estrela da Morte pareciam menos supercomputadores do que tábuas de madeira com luzes acesas, e, portanto, mais sintonizados com a frequência do faz de conta”, explicou.
As pequenas nuances que fazem toda a diferença
George Aldridge, um vlogger do canal Cinema Savvy que afirma ter assistido ao filme mais de 100 vezes, disse que a experiência foi “incrivelmente especial” e o fez perceber que “há tantas mudanças incríveis nos filmes de Star Wars; são aquelas de que não gostamos que sempre as ofuscaram”.
Ele notou inúmeras pequenas diferenças que, somadas, criam uma experiência totalmente nova. “Foram os efeitos sonoros, os mínimos detalhes — que você não percebe até que não os veja”, disse. Aldridge citou como exemplos a ausência de uma pedra para R2-D2 se esconder dos Tusken Raiders, diferenças sutis na cena da cantina e, principalmente, uma versão menos processada e mais “crua” da voz de James Earl Jones como Darth Vader.
“Han atirou primeiro” e a ironia do legado de Lucas
O momento mais catártico da exibição, segundo todos os relatos, foi a cena do confronto na cantina. Quando Han Solo (Harrison Ford) atirou primeiro em Greedo – uma cena que George Lucas alterou nas Edições Especiais para fazer o caçador de recompensas atirar antes –, o cinema “explodiu em aplausos”. “Han Solo foi muito mais legal”, resumiu Aldridge.
A grande ironia da noite foi que, ao exibir a versão que Lucas por tanto tempo renegou, muitos na plateia saíram com um novo respeito pelo trabalho de polimento do diretor. “Desde o primeiro dia, George Lucas vem fazendo mudanças nesses filmes”, observou Aldridge, reconhecendo que muitas das alterações posteriores melhoraram o filme.
O próprio Lucas, em uma famosa entrevista de 2004, justificou sua recusa em lançar o original. “A Edição Especial é a que eu queria que fosse lançada. O outro filme […] para mim, ele realmente não existe mais”, disse ele na época. “Se eles vão jogar pedras em mim, vão jogar pedras em mim por algo que eu amo, e não por algo que eu acho que não está terminado.”
A rara exibição em Londres serviu como uma cápsula do tempo, um documento que, paradoxalmente, validou a principal queixa dos fãs (“Han atirou primeiro”) e, ao mesmo tempo, os fez apreciar a incansável e controversa busca de seu criador pela versão “perfeita” de sua obra.