Crítica | O Mecanismo: 1ª Temporada - A Lava Jato pelas lentes de José Padilha
Não é nenhum segredo que os recentes acontecimentos políticos do Brasil poderiam ser abordados em incontáveis filmes, o que já gerou algumas brincadeiras envolvendo House of Cards, até por parte da Netflix. A Lava Jato, claro, é um desses recentes desenvolvimentos em nosso país que imediatamente ganhou a atenção de realizadores, um deles sendo Marcelo Antunez, que no ano passado nos trouxe o problemático Polícia Federal - A Lei É Para Todos, que não sabia muito bem se fazia propaganda política ou contava uma história. Outro realizador foi José Padilha, que ainda no auge do alcance midiático da operação declarou seu interesse em realizar uma série sobre a tal operação. Eis que surge O Mecanismo.
Não é tarefa fácil, no entanto, criar algo inspirado em uma investigação pautada em dados financeiros, afinal, números não são assim tão atrativos quanto ações de narcotraficantes, para referenciar outra recente produção de Padilha, Narcos. A grande tarefa dessa adaptação do livro Lava Jato, de Vladimir Netto, portanto, seria transformar todas as transações e afins em algo que pudesse entreter o público. Entram aí, claro, as necessárias e bem-vindas liberdades criativas tomadas por Padilha e Elena Soarez, que escreveram o roteiro do seriado, que transformam algo potencialmente maçante em uma tensa narrativa investigativa.
Aqui já abro um adendo para aqueles que esperam “aprender” ou algo similar enquanto assistem a série. Essa é uma obra de ficção, isso é deixado bem claro através do texto que aparece na tela antes de todos os capítulos. Dito isso, em momento algum o texto tem a obrigação ou sequer o dever ético de representar os fatos como eles são. Portanto se vão reclamar de que algo não ocorreu exatamente da maneira como foi apresentada em O Mecanismo, então sugiro que vistam completamente o manto da ignorância e vão perseguir obras como Amadeus, Gladiador, Ben-Hur, dentre centenas outras do Cinema. Assim sendo, podemos mergulhar nesse seriado de investigação meramente baseado em fatos.
Noir à brasileira
O seriado acompanha os agentes da Polícia Federal (ou Federativa, na série), Marco Ruffo (Selton Mello) e Verena Cardoni (Caroline Abras), que investigam o doleiro Roberto Ibrahim (Enrique Díaz), apenas para descobrir que essa investigação os levaria a patamares muito superiores no Brasil, envolvendo grandes empreiteiras, empresas estatais e o próprio governo em si. Após sua aposentadoria forçada, cortesia daqueles que o queriam silenciar, Ruffo continua investigando secretamente, enquanto Verena, com o passar dos anos, se torna delegada e lidera a Operação Lava Jato, com ajuda de outros dois agentes da PF.
A intenção de Padilha em criar uma atmosfera noir é bem clara. O diretor já havia brincado com o gênero anteriormente (mas nem sempre o abraçando totalmente), em obras como Tropa de Elite e Narcos e novamente aqui assume o ponto de vista policial através de sua narrativa, fazendo da Operação praticamente a protagonista da obra, permitindo que efetivamente nos importemos com seu sucesso ou fracasso - a derrota desses agentes, portanto, significaria a morte de um personagem, que aprendemos a apreciar desde os minutos iniciais.
O tom noir aparece através, principalmente, de Ruffo, que é retratado, principalmente, em ambientes escuros, ocasionalmente tragando seu cigarro. A narração em off, claro, desempenha um grande papel para a construção dessa atmosfera, que somente tem a ganhar com a voz rouca de Selton Mello, que encarna a figura do investigador privado mais durão, claramente desgastado pelo sistema que o envolve. Vem como deslize, pois, a intercalação entre o voice-over desse personagem e o de Caroline Abras. Ainda que Verena tenha uma personalidade tão envolvente quanto seu mentor, principalmente em razão de sua implacabilidade, soa estranho ouvir os dois tecendo comentários sobre o que ocorre na trama, como se o texto não se decidisse bem em quem focar. Curiosamente, o ponto de vista, a ideologia, de ambos é praticamente o mesmo, deixando bem claro que o roteiro de Soarez e Padilha poderia ter escolhido apenas um deles para narrar essa história.
Esse vai e vem acaba gerando um dos mais expressivos problemas de O Mecanismo: a superexposição. Sim, algumas explicações sobre o que está acontecendo são mais do que necessárias para nosso entendimento do quadro geral, mas, muitas vezes, a intrusão dessas vozes fora da imagem acabam falando mais do que deveriam, sendo completamente dispensáveis. Bom exemplo disso é o levantamento de suspeita em relação a um dos agentes da equipe de Verena, o que tira qualquer resquício de surpresa, mesmo que a intenção aqui, ironicamente, tivesse sido a de criar o suspense. Em todo caso, trata-se de um problema menor, que incomoda, mas não acaba com nosso aproveitamento do seriado.
Devaneios
Essa imersão é mais que garantida pela forma como esses personagens são construídos, permitindo que vibremos a cada prisão (ou tentativa de) e fiquemos irritados a cada vez que alguém sai impune. A ágil estrutura assumida pela narrativa, claro, ajuda nesse quesito, ao passo que, a cada episódio, testemunhamos eventos importantes, sem o costumeiro lenga-lenga das séries originais da Netflix (seriados da Marvel, estou olhando para vocês). Isso sem falar na constante sensação de corrida contra o tempo transmitida pela narrativa - em todo momento sentimos que algo pode dar errado e que eles, de fato, precisam correr para conseguir prender alguém. Há, portanto, muito a ser absorvido em cada capítulo, o que acaba renovando nosso interesse em uma base constante.
Para que possamos conhecer cada um desses personagens é apenas natural que o texto faça uso de algumas subtramas (com em qualquer série) para poder desenvolvê-los mais a fundo - afinal, a investigação em si é apresentada com bastante objetividade, tendo como foco os obstáculos e a reação desses personagens a eles. Já as subtramas levam esses indivíduos para caminhos mais pessoais e dentre elas temos o caso de Verena com alguém do Ministério Público, a relação familiar de Ruffo, dentre outras.
Em primeiro momento, eles soam mais como meros devaneios, que, aparentemente, não irão levar a nada. Conforme a série progride, felizmente, vemos essas linhas narrativas paralelas caminhando para um mesmo lugar, permitindo que saiamos da mesmice e que barreiras, anteriormente intransponíveis (em termos de história), sejam quebradas. Assim sendo, a narrativa da série segue de maneira bastante orgânica, ainda que, em dados momentos, adquira uma leve lentidão, como algumas cenas de sexo, que acabam sendo justificadas no fim, embora uma ou outra ainda pudesse ter sido cortada.
Por outro lado, a dedicação de todo o elenco principal mais que compensa esses breves tropeços da história, em especial de Selton Mello e Caroline Abras, que já havia se destacado em sua breve participação em Gabriel e a Montanha. Ambos trazem figuras implacáveis e bastante plurais, nas quais conseguimos verdadeiramente acreditar. Vemos ali pessoas e não ícones infalíveis, o que muito contribui para o necessário realismo da obra.
A Corrupção como antagonista
Ajuda, também, nosso aproveitamento do seriado, a visão mais neutra assumida por Padilha. Ainda que governos sejam criticados, a obra deixa bem claro que existe corrupção em ambos os lados (direita e esquerda) e mesmo dentro da Polícia Federal. Os agentes principais são livrados de qualquer questionamento ligado à corrupção, mas são exibidos como pessoas que enfrentam seus problemas particulares, não sendo colocados, portanto, em pedestais. Eles meramente tentam fazer seus trabalhos e o comportamento de Verena é perfeitamente justificado pela mentoria de Ruffo, que, por si só, é uma pessoa bastante instável.
Com isso tudo, cria-se uma narrativa na qual o principal antagonista é a corrupção em si e não uma pessoa em específico. O líder da empreiteira Brecht é pintado como um dos grandes por trás de todo esse mecanismo, mas ele é apenas mais uma peça. Dito isso, ninguém é livrado de sua culpabilidade, o que condiz com a visão do seriado, que, como já dito, tem como protagonista a investigação em si.
Para possibilitar isso, a direção de arte é certeira na forma como retrata a disparidade entre os investigados e os investigadores. Enquanto de um lado temos moradas suntuosas, carros topo de linha e roupas de aparência mais cara (quase sempre estão de terno), do outro vemos uma situação mais humilde, bom exemplo disso é o caso de Ruffo, que mora em uma casa praticamente caindo aos pedaços, ponto que é ampliado pelo armazém no qual ele continua a investigação. O simples fato de Padilha mostrar os investigados principalmente em tomadas diurnas amplia essa nossa percepção, aumentando a nossa sensação dessa fortuna desviada dos cofres públicos.
Um Mecanismo que se autoalimenta
O seriado nos deixa, então, como aquele gosto agridoce na boca. Temos a nítida percepção de que esse ciclo de corrupção dificilmente irá acabar, mas não por isso os personagens principais irão deixar de investigar. Com um grande cliffhanger Padilha deixa as portas para uma segunda temporada abertas e sabiamente mantém nossa curiosidade em alta em relação a algumas das subtramas iniciadas nesse ano inaugural. Sabendo parar na hora certa, o realizador também permite que os eventos da vida real se desenvolvam, gerando automaticamente mais material que possa ser utilizado em sua série fictícia.
O Mecanismo, no fim, vem como um grande acerto para a Netflix. Trata-se de uma série que sabe mergulhar naquilo que importa, sem ter medo de atacar os dois lados da moeda. Com personagens carismáticos e uma atmosfera tensa, com toques de noir, José Padilha já nos deixa ansiando por uma segunda dose de sua mais nova obra, por mais que seja difícil enxergar um final feliz para qualquer um desses personagens, levando em conta a nossa trágica realidade brasileira.
O Mecanismo - 1ª Temporada (Brasil, 2018)
Showrunner: José Padilha
Direção: José Padilha, Felipe Prado, Marcos Prado, Daniel Rezende
Roteiro: José Padilha, Elena Soarez (baseado no livro de Vladimir Netto)
Elenco: Selton Mello, Caroline Abras, Alessandra Colassanti, Enrique Diaz, Jonathan Haagensen, Leonardo Medeiros, Otto Jr., Suzana Ribeiro, Antonio Saboia
Episódios: 8
Duração: aprox. 45 min. cada episódio
Review | Castlevania III: Dracula's Curse - O Auge da Franquia no NES
Os primórdios da franquia Castlevania foram marcados pelo experimentalismo da Konami. A primeira entrada da série nos trouxe uma aventura em plataforma, seguindo a clássica estrutura de arcades, com o jogo sendo dividido em inúmeras fases. Vampire Killer e Castlevania II: Simon’s Quest, por sua vez, adotaram uma abordagem que favorecia a exploração, possibilitando que o jogador percorresse áreas previamente visitadas em uma estrutura que seria melhorada anos depois, com Symphony of the Night. Castlevania III: Dracula’s Curse representou o fim dessas tentativas dos desenvolvedores em encontrarem a linguagem da série, visto que presenciamos nesse game o retorno às origens, espelhando-se na mecânica do primeiro game.
Isso não quer dizer, porém, que a série deixou de evoluir. Muito pelo contrário, a Konami agora tinha um foco específico e, a cada jogo, melhoraria aspectos introduzidos no antecessor. Dito isso, é fácil enxergar Dracula’s Curse como uma versão 2.0 do original da franquia e o mais surpreendente dessa evolução é o fato de ambos terem sido lançados para o mesmo console, o saudoso NES.
A história se passa anos antes de Simon Belmont enfrentar Dracula em seu castelo. Trevor Belmont, ancestral do guerreiro que controlamos no primeiro jogo, é convocado, após anos de exílio de sua família, pela Igreja, a fim de acabar com a devastação causada por Dracula pela Europa. Com seu chicote, Trevor percorre inúmeros estágios até chegar na sala do trono e, no meio do caminho, conta com a ajuda de Sypha Belnades, Grant Danasty (cujo nome, que deve ser lido Da-nasty, explica sua ausência na série da Netflix, além do fato dele ser um pirata no meio do continente) e Alucard, com o jogo nos oferecendo a possibilidade de controlar cada um desses – um por vez – ao longo das diferentes fases, mecânica essa que seria explorada mais a fundo em diversos outros games da franquia, mais notavelmente o recente Portrait of Ruin.
Lançado meros três anos após Castlevania, Dracula’s Curse surpreende pelos seus gráficos claramente superiores, com uma paleta de cores mais variada e sprites mais detalhados. Tal evolução já foi observada em seu antecessor, Simon’s Quest, mas, ao contrário desse, o terceiro game da série segue um visual mais similar ao original, dispensando o lado mais sombrio a favor de tons mais fantasiosos, os quais combinam melhor com as melodias presentes no game. A mudança mais drástica a ser observada, ainda na questão gráfica, são os cenários, os quais chamam a atenção pelo grau de detalhes não somente em primeiro plano, como nos fundos que nos acompanham nessa jornada.
Outro ponto que retorna do primeiro Castlevania é o grau de dificuldade. Sim, o segundo jogo era consideravelmente difícil, mas em razão de sua estrutura críptica, a dificuldade que me refiro aqui é mais ligada aos inimigos, os danos que infligem e o próprio level design, que retorna às raízes da plataforma. Isso, claro, quer dizer que a extrema frustração com alguns níveis faz seu retorno glorioso, especialmente com os chefes finais, mais do que responsáveis por controles quebrados, xingamentos exaltados e rituais vodus com os desenvolvedores do jogo em mente.
Brincadeiras à parte, apesar desse elevado grau de dificuldade, para os padrões atuais, esse é o primeiro game da série que pode ser facilmente aproveitado nos dias atuais. Naturalmente que alguns pontos são indesculpáveis, como a detestável fase na qual precisamos esperar blocos caírem (como Tetris), por minutos (!!!), a fim de alcançar um nível superior do cenário. Não obstante, trata-se de uma obra consideravelmente mais complexa, chegando a contar com diversos finais, os quais incentivam o replay da obra. Além disso, cada personagem jogável conta com habilidades diferentes, algumas das quais influenciariam inúmeros outros games da franquia – vide Alucard e sua transformação em morcego. Aliás, ainda falando do filho de Dracula, é engraçado observar como seu visual se espelhava, ainda, nos clássicos filmes de monstros, com clara referência ao vampiro de Bela Lugosi.
Com tais aspectos em mente, fica fácil enxergar o porquê da Netflix ter escolhido justamente esse jogo para adaptar em sua recente série animada. Castlevania III: Dracula’s Curse representa uma clara melhoria dos aspectos que garantiram o sucesso do primeiro game da franquia. Com visual mais rico, mais melodias marcantes e uma notável maior complexidade em termos de trama e jogabilidade, temos aqui o melhor Castlevania do NES, contando com características que seriam aproveitadas em inúmeros jogos da série, por anos e anos.
Castlevania III: Dracula’s Curse
Desenvolvedora: Konami
Lançamento: 22 de dezembro de 1989
Gênero: Ação, plataforma
Disponível para: Famicon Disk System, NES, Virtual Console
Review | Super Castlevania IV - O Primeiro Grande Salto da Franquia
A trajetória da franquia Castlevania é bastante peculiar. Embora a Konami, a cada jogo, experimente com novas mecânicas, algumas vezes mudando a fórmula completamente, de tempos em tempos retornamos ao primeiríssimo game da série através de diferentes releituras. Esse é o caso de Super Castlevania IV, que nada mais é que uma versão atualizada do Castlevania original do NES. Isso, contudo, de forma alguma, deve afastar novos ou antigos jogadores, já que praticamente tudo foi mudado, fazendo desse um jogo essencialmente diferente do primeiro, por mais que apresente a mesma premissa (não digo história, pois essa se resume a atravessar as fases e matar Drácula) e protagonista, Simon Belmont.
Antes de mais nada, é importante ressaltar que Super Castlevania IV, como o próprio título já sugere (pessoalmente detesto games que levam parte do nome do console no título), é o primeiro da franquia a ser lançado para o SNES, vulgo Super Nintendo, trazendo consigo, pois, significativas melhorias gráficas e no som. Além disso, vale a nota de que o jogo chegou ao console logo no início de seu tempo de vida (aproximadamente um ano após esse chegar às lojas), o que, em geral, quer dizer que todas capacidades da máquina não foram apropriadamente exploradas. Estamos falando, porém, de uma exceção, já que o jogo se mantém como um dos melhores títulos do icônico videogame.
Logo de início podemos observar esse aspecto através dos gráficos, que, aliás, são praticamente únicos dentro da franquia, com design, em geral, exclusivos das criaturas, apresentando um grau de detalhes impressionante, especialmente para aqueles que pularam do NES para o SNES. Mas isso já era esperado em razão da troca de gerações. O que verdadeiramente nos surpreende é a trilha sonora, cujas melodias emulam diferentes instrumentos, fazendo máximo uso das capacidades sonoras do console.
A princípio as músicas podem não agradar, visto que não seguem o típico trabalho harmônico neoclássico de Michiru Yamane, mas rapidamente passamos a apreciar os tons inesperados das composições, principalmente ao escutar faixas como Entrance Hall/ Chandeliers, que trazem consigo o som do órgão e piano, ou a nova versão de Bloody Tears, certamente uma das melhores de toda a franquia. Vale observar o constante uso da percussão, que tão bem define o ritmo dessa aventura, permitindo que o gameplay nos absorva apropriadamente. Caso desejem comparar as composições desse game com a dos anteriores, sugiro que escutem as versões de Vampire Killer e comparem essa trilha com outros jogos lançados na mesma época, como Super Mario World.
Somado ao excelente level design, novamente, um dos melhores de toda a série, não há como não pular de fase em fase. Aliás, temos aqui o primeiro Castlevania a verdadeiramente acertar no grau de dificuldade. Evidente que, para os padrões atuais, o jogo ainda pode ser considerado difícil, mas nada que nos faça jogar o controle na parede, como fora o caso da odiosa fase “Tetris” de Castlevania III: Dracula’s Curse.
Naturalmente que grande parte dessa maior “facilidade” se dá em razão das melhorias na jogabilidade, que incluem novos movimentos de Simon e pequenos detalhes que anteriormente significavam a nossa morte. Dessas alterações é preciso ressaltar a possibilidade de atacar com o chicote para novas direções (para cima e diagonalmente, dispensando, claro, qualquer preocupação com a física), o fato de podermos alterar os movimentos no meio do ar e pularmos para uma escada sem cair, o que antes provara ser uma das mais detestáveis características da franquia.
É digno de nota, também, como a Konami, em suas experimentações, soube escolher especificamente os pontos positivos de suas produções anteriores. Isso pode ser visto na variedade de cenários que percorremos em Super Castlevania IV, cuja aventura é iniciada em fases externas ao castelo de Dracula, similarmente a Dracula’s Curse, por mais que a não-linearidade desse tenha sido abandonada, como dito antes, esse é essencialmente uma releitura do game original, portanto nada de escolher rotas alternativas. Essa notável variedade tira a repetitividade do gameplay, permitindo que nos engajemos mais com toda a experiência, que pode ser aproveitada em uma tacada só – vale lembrar, porém, que essa obra é consideravelmente mais longa que as anteriores, requerendo, portanto, mais horas de jogo. Essas claro, podem ser parceladas visto que o sistema de password retorna novamente.
Dito isso, fica fácil enxergar o porquê de Super Castlevania IV ser um dos mais queridos aos fãs da franquia. Ele representa um grande passo dentro da série, trazendo melhorias que claramente influenciaram vários de seus sucessores. Com gráficos melhorados, memorável level design, uma trilha sonora única para a série, que faz máximo uso das capacidades do SNES e correções de vários defeitos irritantes dos jogos anteriores, essa obra merece ser jogada por todos que desejam conhecer Castlevania mais a fundo. Certamente um dos grandes jogos do querido Super Nintendo.
Super Castlevania IV
Desenvolvedora: Konami
Lançamento: 31 de outubro de 1991
Gênero: Ação, Plataforma
Disponível para: SNES, Virtual Console
Crítica | Quando Chega a Escuridão - Os Vampiros de Kathryn Bigelow
Onze anos após Anne Rice trazer os vampiros para a atualidade, tirando suas longas capas, diálogos dramáticos e aversão pelo que é sagrado, Kathryn Bigelow dirige Quando Chega a Escuridão, seu primeiro trabalho solo de direção. O longa-metragem utiliza o mesmo conceito moderno das criaturas da noite, jogando um olhar bastante humano sobre elas, tirando praticamente todo o misticismo, até pouco tempo inerente a tais histórias. Se olharmos a obra sob uma perspectiva atual, levando em consideração os outros filmes do gênero, chega a ser ainda mais interessante como a visão dada pela diretora (que também roteiriza, junto de Eric Red) foi tão pouco abordada em vinte e sete anos desde seu lançamento.
A projeção é iniciada com o jovem Caleb Colton (Adrian Pasdar), que em uma noite qualquer conhece Mae (Jenny Wright), uma garota com um toque de mistério que a ele pede carona até sua casa. Com um corte brusco, o primeiro de muitos, somos transportados para a caminhonete do rapaz. O caminho é preenchido por silêncios e diálogos, no mínimo excêntricos, por parte de Mae. Aqui já vemos que Caleb definitivamente não sabe onde se meteu e nosso pensamento ganha palavra pela boca da moça misteriosa.
O suspense começa a se formar desde esses momentos iniciais, atingindo o primeiro cume no temor da menina pela chegada da manhã. Aqui o roteiro de Bigelow e Red demonstra toda sua força, criando uma enorme tensão pelo simples fato de nós sabermos que a garota é uma vampira enquanto o protagonista ainda é ignorante a tal fator. Assim, como a montagem veloz, repleta de elipses, somos levados em uma jornada incessante, um road movie de terror e suspense, que mantém seu espectador na escuridão, literal e metaforicamente, dando somente as poucas informações necessárias para a progressão da trama
O não-dito ocupa um papel central dentro da narrativa de Quando Chega a Escuridão, introduzindo personagens como Jesse (Lance Henriksen) e Homer (Joshua Miller), que, embora possuam um papel central na trama, contam com pouquíssimas falas, permitindo o aumento ainda maior da expectativa de quem assiste. Os poucos diálogos entre o grupo de vampiros são bem colocados, trazendo consigo frases impactantes com bastante uso da ironia.
É interessante ressaltar que em nenhum ponto a palavra Vampiro é citada, aumentando ainda mais o tom realista dado à obra. Sim, estamos diante de criaturas que queimam à luz do sol, mas a retratação suja e marginal dado a cada um desses personagens, os tira do misticismo, colocando-os como pessoas isoladas, quase como um bando de foras-da-lei. Vale ressaltar que a intenção original de Bigelow era realizar um western, mas a popularidade decrescente do gênero na época, acabou alterando seus planos.
A frenética aventura vivida por Caleb somente sofre seus deslizes no trecho final da obra, que soa apressado com uma problemática mal construída. O estranhamento acaba quebrando a imersão do espectador, o que é piorado pelo fim explosivo, literalmente falando, do longa. A retratação mais realista vigente desde os minutos iniciais acaba sendo deixada de lado no fim, especialmente pela volta à normalidade, que garante um final inesperadamente feliz à projeção.
Esses defeitos, contudo, não conseguem tirar a força da obra que se demonstra cativante desde o primeiro corte seco. Quando Chega a Escuridão é um filme de destaque dentre o gênero, dando uma visão bastante humana aos vampiros. Kathryn é bem sucedida em sua primeira empreitada como diretora, conseguindo manter o suspense e deslumbramento mesmo dentro de uma temática, hoje em dia, super explorada, nos fazendo sentir como se víssemos nosso primeiro filme de vampiros.
Quando Chega a Escuridão (Near Dark, EUA – 1987)
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Kathryn Bigelow, Eric Red
Elenco: Adrian Pasdar, Jenny Wright, Lance Henriksen, Bill Paxton, Jenette Goldstein, Tim Thomerson, Joshua John Miller, Marcie Leeds.
Duração: 94 min.
Crítica | The Walking Dead - Vol. 1: Dias Passados
Tendo inspirado dezenas de outras obras, como Extermínio, e ganhado uma própria adaptação televisiva, com números estonteantes de audiência, The Walking Dead certamente se qualifica como um marco dentro de seu próprio subgênero. Ao contrário do que vemos na quase totalidade das outras produções com zumbis, como A Noite dos Mortos Vivos (e suas continuações), os quadrinhos de Robert Kirkman buscam nos trazer um olhar diferenciado sobre o apocalipse zumbi, no qual o maior perigo não são as criaturas mortas-vivas e sim o próprio homem, que é levado a extremos diante de uma situação de caos irreversível. Os seres canibais são quase um elemento natural agora e o comportamento do ser humano diante disso é, de fato, o enfoque do autor.
Tudo começa em um tiroteio em uma pequena cidade nos arredores de Atlanta. O policial Rick Grimes é baleado, o que o leva a um coma, do qual ele acorda meses depois. Seu universo, contudo, parece ter sido colocado de cabeça para baixo, ao passo que encontra o hospital no qual desperta abandonado e repleto de pessoas decrépitas e cadavéricas que parecem querer nada menos que devorá-lo. Dito isso, Rick é forçado a fugir em uma busca constante por sobrevivência, condição que se mantém mesmo ao reencontrar sua família, que tinha dado como morta. O primeiro volume, Dias Passados faz o ótimo trabalho de inserir esse novo status do mundo e pouco a pouco constrói seus personagens centrais ao mesmo tempo que revela o verdadeiro perigo desta nova ordem mundial.
twd-vol1Já tendo lido os volumes posteriores dos quadrinhos, é muito interessante observar a mudança pela qual Grimes, que se mantém como o protagonista, se sujeita. Temos aqui, no início, um homem ainda preocupado com valores morais, com as leis e com esperança de uma salvação por parte do governo. Gradualmente Kirkman transforma Rick através de pontuais eventos marcantes não só para o personagem como nós leitores. Em momento algum sentimos segurança ao ler as páginas de The Walking Dead – cada novo quadro pode trazer uma surpresa, seja através de um diálogo, seja por meio de um ataque (vindo ele de um zumbi ou não). Já no encerramento deste primeiro volume já presenciamos o primeiros dos muitos marcos que a obra traz, ao mesmo tempo que demonstra toda a capacidade de síntese do autor – uma história verdadeiramente ágil sem deixar de ser orgânica.
Acima disso tudo, Kirkman utiliza sua criação para criticar nossa sociedade, problematizando questões como o machismo, o porte de armas, dentro centenas de outras questões éticas e morais. Há uma constante construção e desconstrução de valores que garantem às páginas uma evidente profundidade. Um exemplo claro disso é o questionamento de Donna em porquê as mulheres devem lavar as roupas e os homens caçar – à princípio a resposta é porque eles, de fato, sabem atirar. Robert, então, ironiza toda essa questão ao fazer de Andrea a melhor atiradora do grupo, uma mulher com talento nato para tal – com isso, o autor já começa a dizer que o gênero de nada importa, são suas habilidades, sua mente e, é claro, sua sorte, que o manterão vivo. Com esses questionamentos o velho mundo se choca com o novo e a cada diálogo percebemos que estereótipos antigos não mais valerão aqui.
A arte bastante limpa de Tony Moore consegue trabalhar com esses focos sempre mantendo um nítido dinamismo. Seus traços conseguem deixar claro o que cada personagem sente, com expressões bastante definidas. Moore, nas edições seguintes, é substituído por Charlie Adlard e Cliff Rathburn – mudança que causa um estranhamento de imediato, mas que logo nos acostumamos. A utilização do preto e branco faz uma clara homenagem aos filmes de zumbi antigos, como o já mencionado A Noite dos Mortos Vivos e ao mesmo tempo dialoga com uma questão crucial de suas páginas: o mundo não é tão preto e branco quanto parece ser. Cada personagem tem, ao mesmo tempo, potencial para ser bom e mau, o que o define são suas experiências.
Dias Passados já demonstra toda a força da obra de Robert Kirkman, trazendo um novo sopro de vida a um subgênero que já estava mais morto que vivo. Certamente é um quadrinho digno de nota, cujas páginas podem ser apreciadas mesmo por quem não gosta de histórias de zumbi. Afinal, eles são apenas como mais uma força da natureza na criação de Kirkman, o verdadeiro problema são os humanos.
The Walking Dead – Vol. 1: Dias Passados (The Walking Dead – Vol. 1: Days Gone Bye)
Contendo: The Walking Dead # 1 a 6
Roteiro: Robert Kirkman
Arte: Tony Moore
Arte-final: Tony Moore
Capas: Tony Moore
Letras: Robert Kirkman
Editora nos EUA: Image Comics
Data original de publicação: outubro de 2003 a março de 2004
Editora no Brasil: HQM
Data original de publicação no Brasil: maio de 2006 (encadernado)
Páginas: 144
Crítica | Grande Saída - A Falta de Perspectiva que nos Domina
Alex Ross Perry é um daqueles diretores cujas identidades podem ser facilmente identificadas em seus filmes. Ao retratar situações de normalidade, recortes da vida em si, o realizador imprime um certo ar de estranheza em suas histórias, algo que pode ser visto com clareza em Cala a Boca Philip, Rainha do Mundo e, aqui, em Grande Saída, seu mais novo longa-metragem.
A obra nos conta a história de duas famílias, unidas pela relação inter-pessoal de determinados personagens e pela conexão com Naomi (Emily Browning), uma intercambista australiana, que vai passar alguns meses no Brooklyn. Sua chegada, porém, desestabiliza todo o dia-a-dia desses personagens, cujos casamentos são colocados em xeque, principalmente pelas ações duvidosas dos maridos, que parecem se interessar (mais do que deveriam) pela estrangeira. Dessa forma, o texto de Perry foca nesses relacionamentos, sempre fazendo bom uso dos diálogos a fim de explicitar a instabilidade emocional de cada indivíduo, evidenciando a fragilidade dessas relações.
Quem nunca assistiu um filme do diretor/ roteirista certamente irá estranhar a verborragia de determinados personagens — tal aspecto, ainda que cause certo desconforto imediato, com pontos até exagerados, prova ser uma das principais características de sua filmografia, que atua de forma a criar a já mencionada sensação de estranheza na obra em questão. Sabiamente, o roteiro faz de Naomi uma personagem com poucas falas, permitindo que enxerguemos com maior clareza a percepção idealizada dos outros ao seu redor em relação a ela. Sua liberdade, sempre evidenciada, cria a perfeita oposição com as vidas mais “presas” dos outros personagens, de tal forma que eles passam a visualizá-la como uma espécie de libertação de seu dia-a-dia.
Não é por acaso, portanto, que qualquer interação entre personagens soe como uma verdadeira provação, como se eles estivessem se esforçando para manter o mínimo de contato, algo que não aparece quando interagem com Naomi, que representa a novidade em suas vidas, uma fuga daquela mesmice que tomara conta das rotinas diárias. Com cartelas que mostram a passagem dos dias, passamos a ver como, mesmo esse elemento estranho passa a deixar de representar o “diferente” e, pouco a pouco, tudo vai retornando à estagnação do estado inicial da trama, tendo a aparição da intercambista funcionado apenas como mera interrupção, não revolucionando a vida de qualquer uma dessas pessoas.
Para fazer toda essa construção narrativa funcionar, a habilidosa montagem de Robert Greene sabe muito bem pular de foco em foco, mantendo todo o ritmo seguindo de maneira fluida. A noção de passagem de tempo vai se difundindo na narrativa, ao passo que somente sabemos que os dias passaram quando um texto aparece na tela nos dizendo que dia é. Esse ponto, claro, dialoga com o tédio constante desses personagens, tão obcecados por pontos específicos de suas vidas, que esquecem efetivamente de aproveitar aquilo que há ao redor, algo muito bem representado pelo personagem Nick (Adam Horovitz).
Em determinado momento da projeção, ouvimos Naomi falando que as pessoas não fazem filmes sobre pessoas comuns, o que não é bem verdade, já que, ironicamente, é exatamente isso que Alex Ross Perry faz aqui em Golden Exits. Esse recorte da vida de determinados indivíduos, porém, passa longe da normalidade, já que a narrativa é tomada pela sutil estranheza proporcionada pelo seu roteiro. Novamente o realizador acerta em cheio, entregando um belo retrato sobre pessoas cujo dia-a-dia foi tomado pela falta de perspectiva, transformando-os em indivíduos desmotivados, que precisam de novidades a cada momento para poderem, de fato, viver.
Golden Exits (Grande Saída, EUA, 2017)
Direção: Alex Ross Perry
Roteiro: Alex Ross Perry
Elenco: Emily Browning, Craig Butta, Jason Grisell, Adam Horovitz, Mary-Louise Parker, Jason Schwartzman, Lily Rabe, Chloë Sevigny, Kate Lyn Sheil, Analeigh Tipton
Duração: 94 min.
https://www.youtube.com/watch?v=yEovw2UNEMk
Review | Bloodborne - Pesadelo na Era Vitoriana
Antes de entrar na típica análise de Bloodborne, permitam-me dar um toque pessoal a esta crítica. O anúncio do mais novo game da From Software basicamente colocou a sensação de urgência em minha mente, a necessidade de simplesmente jogar o jogo dos mesmos criadores de Demon’s Souls e Dark Souls, ambos, nos quais passei incontáveis horas de minha vida. Minha única opção, porém, ainda sem um PS4, seria me distanciar o máximo de qualquer imagem, vídeo, trailer ou afins. Porém, após um contato inusitado em uma loja de eletrônicos com o dito cujo, toda a ansiedade retornou e foi essencial na escolha entre um Xbox One e o aparelho da Sony.
Originado, assim como seus predecessores “espirituais”, da mente de Hidetaka Miyazaki, Bloodborne nos leva para um experiência passada em uma era que mimetiza a vitoriana. Saímos do clássico medieval e caminhamos para um período marcado pelas fumaças da revolução industrial, percorremos as ruas escuras de Yharnam, evidentemente inspiradas nas de Londres e participamos da chamada Noite da Caçada, quando as criaturas da noite percorrem as várias alamedas que atravessamos e a loucura parece tomar conta de todos. Nesse universo sombrio, onde mesmo o dia parece a mais escura noite, nosso personagem entra. Um caçador, como muitos outros, que deve procurar e destruir tais seres, enquanto luta para sobreviver diante de hordas de cidadãos fora de si e mistérios do além.
Trata-se de uma experiência que não perdoa a nenhum jogador, assim como nos velhos videogames de plataforma, Mario ou Donkey Kong, somos jogados com poucas explicações nesse mundo que se esforça para tornar cada minuto de jogo um verdadeiro inferno. E aqui está o grande triunfo do game, já presenciado nos seus antecessores. Não temos aqui uma didática exacerbada, facilitada para atingir um maior público, como temos visto nas últimas gerações, a habilidade vem da experiência, o sucesso é dependente dela, então prepare-se para morrer. Dessa morte vem a vontade de continuar e se aprimorar, a cada inimigo enfrentado aprendemos a melhor maneira de se movimentar pelo campo de batalha, que táticas utilizar a cada momento, fazendo disso algo extremamente recompensador. Da mesma forma que o personagem cresce em níveis o jogador se supera na jogabilidade, facilitando consideravelmente o caminho a percorrer.
Mas, como dito, Bloodborne não sabe o significado de perdão e um excesso de confiança pode significar, facilmente, a morte. Por mais que cresçamos, qualquer criatura, esteja ela no início ou no final do game, pode nos matar, forçando uma sensação de constante tensão que atinge diretamente nossos estômagos. Nunca estamos seguros e mesmo a relativa segurança por trás dos escudos da série Souls é retirada aqui no exclusivo para PS4. Ao invés do objeto de metal, temos armas de fogo, utilizadas tanto para causar um dano extra, quanto para interromper ataques de inimigos, ação que pode ser aproveitada para um ataque especial. Tal fator altera consideravelmente a dinâmica do jogo, garantindo a ele seu caráter único.
Essa escolha ainda afeta diretamente as diferentes armas brancas que portamos no game, cada uma delas conta com um modo secundário, que substitui a utilização com duas mãos de seus predecessores. Temos aqui uma quantidade menor de equipamentos, mas esses podem ser considerados duplos, em virtude do diferente caráter que assumem. Um exemplo é o kirkhammer, uma mistura de espada longa e martelo gigante, cada modo a ser utilizado em diferentes situações.
Naturalmente, impossibilitados de bloquear os ataques seja de humanos, seja das horrendas criaturas que encontramos, o jogo deve investir em outro aspecto. Refiro-me, naturalmente, à esquiva. Apoiando-se totalmente nas capacidades da nova geração, a obra apresenta uma fluidez gigantesca, um movimentar orgânico que garante uma inédita velocidade para a experiência, alterando completamente a maneira como devemos jogá-la. Essa velocidade, obviamente, afeta também os oponentes, que devem ser encarados com uma mistura de cautela e audacidade – é preciso coragem para superar os diferentes locais do game, não é algo para qualquer um, mas certamente será apreciada pelos desbravadores.
Esse apoio na fluidez afeta diretamente as lutas contra os chefes e criaturas “especiais”. Aqui vemos inúmeros combates contra humanoides, outros caçadores que emulam de maneira fidedigna a experiência pvp. Essas sim, mais imprevisíveis sob diversos aspectos, podem significar os momentos mais desafiadores de Bloodborne, mas, como já dito, a audácia e a estratégia se provarão essenciais, especialmente diante na nova mecânica de recuperação de vida. Além dos blood vials, frascos que devem ser adquiridos nos diferentes ambientes do jogo, ao contrário do Estus de Dark Souls, o jogador pode recuperar a vida atingindo seus inimigos. Essa opção, porém, tem um limite de tempo. A partir do momento que sofremos um dano temos um tempo até que nossa barra de vida decresça, nesse curto período podemos nos banhar no sangue dos adversários e recuperar nossa vitalidade. Trata-se de uma mecânica bastante interessante e funcional, que incentiva a ousadia do jogador, mesmo diante dos maiores monstros.
Essa cura pelo sangue é um dos pontos cruciais dentro da mitologia desse universo vitoriano e esse conhecimento, o lore, assim como a jogabilidade em si, não vem de maneira didática. Aprendemos cada ponto da trama e do mundo que nos rodeia através de uma soma de diálogos, descrições de itens, notas deixadas em locais oportunos e até mesmo a aparência de certas criaturas. Como em suas outras criações, Miyazaki estimula a criatividade do jogador, forçando-o não só a unir os distantes pontos, como a criar teorias e mais teorias, que apenas o imergem ainda mais nessa arrebatadora experiência. A história somos nós que fazemos e podemos moldá-la conforme nossa própria vontade ou discutir incessantemente em fóruns com outros jogadores, aumentando o caráter social do game.
E por falar nisso, o clássico sistema de cooperação/ pvp da série Souls não é deixada de lado aqui. Podemos chamar outros indivíduos para nos ajudarem em nossas aventuras temporariamente, ajudar os outros em seus próprios mundos ou até mesmo invadi-los, a fim de dificultar ainda mais seu jogo. Diferentemente dos antecessores, contudo, as mecânicas foram nitidamente aprimoradas, basta tocar um sino para se abrir para o multiplayer e agora podemos definir passwords para afunilar a busca, facilitando o jogo com amigos. Além disso, diversos dungeons opcionais foram acrescentados, áreas que testam nossas capacidades ao máximo e aumentam consideravelmente a duração do game. Aqui entramos em um aspecto bastante interessante da obra, que a diferencia ainda mais dos outros trabalhos de Hidetaka. Grande parte do jogo é inteiramente opcional e pode ou não ser trilhada. Naturalmente, percorrer cada um dos caminhos disponíveis apenas traz vantagens, aumentando nossa percepção desse universo, como melhorando nosso personagem através da obtenção de diferentes itens e o avanço em níveis em si.
O game, portanto, se diferencia, se torna único através da ênfase em diferentes detalhes e isso podemos observar mesmo na questão gráfica. Tanto Demon’s Souls quanto Dark Souls já contavam com uma impressionante profundidade de campo, mas aqui isso assume um diferente nível, fazendo jus à sua presença na nova geração. Desde o luar até os paralelepípedos nas ruas podemos observar um detalhismo enorme, garantindo o perturbador realismo que a obra assume. Tal fator ainda influencia as vestimentas que portamos, muitas delas extremamente semelhantes, mas com detalhes pontuais que as tornam diferentes umas das outras. Essa escolha estética, pode parecer preguiçosa por não conter a variação vista na série anterior, mas se encaixa perfeitamente com o conceito vitoriano apresentado, em uma era de padrões seria estranho ver diferentes armaduras por aí.
Com isso em mente é fácil constatar que Bloodborne é, de fato, um jogo digno de ser chamado exclusivo do Playstation 4, fazendo total uso das capacidades do console. Certamente minha escolha em adquiri-lo não foi desperdiçada. Trata-se de uma obra que precisa ser experimentada tanto para novatos quanto para os velhos apreciadores da série Souls. Afinal, em uma época de crescente facilidade, precisamos de algo que, efetivamente, teste nossas capacidades como jogadores.
Bloodborne
Desenvolvedor: From Software
Lançamento: 24 de Março de 2015
Gênero: Ação/ RPG
Disponível para: PS4
Review | The Last of Us - A Reinvenção de um Gênero
The Last of Us é um survival-horror exclusivo para PS3, baseado no livro A Estrada, do autor americano Cormac McCarthy. Ele nos coloca em um futuro distópico, no qual o mundo foi destruído por uma praga, a Cordiceps – um fungo que toma controle do sistema nervoso, tendo o objetivo único de espalhar a infecção. Nesse universo, grande parte da civilização humana foi infectada ou morta e o que restou sobrevive em zonas de quarentena seguradas pelo exército, em pequenas sociedades ou gangues. Fazemos parte desse universo hostil através de Joel, um contrabandista, já na faixa dos cinquenta anos, que tem a missão de levar Ellie, uma menina em plena adolescência, através dos Estados Unidos em busca dos Fireflies, um grupo de resistentes.
O jogo transmite constantemente o mesmo clima de seu material de origem. Há uma frequente sensação de desolação e perigo que são cuidadosamente balanceados com momentos de maior descontração – piadinhas da Ellie, Joel lembrando como era o mundo há vinte anos. Em várias partes do jogo nos são apresentados cenários estonteantes com a natureza tomando de volta as antigas cidades e essas sequências são imprescindíveis para nos dar um pouco de relaxamento do resto da constante tensão.
O Retorno da Natureza
O motion capture, voice acting e lip-sync do game são impressionantes, nos passam a nítida impressão de estarmos vendo pessoas de verdade, um filme. As expressões dos personagens garantem um grau de dramaticidade raríssimo em qualquer outro jogo, nos aproximando, tornando íntimos e nos importando com Joel e Ellie. Isso é corroborado pelo alto grau de profundidade presente em todos os personagens.
O design dos inimigos é impressionante, assim como sua inteligência artificial. Os cordiceps são aterrorizantes e são divididos em quatro categorias: runner, semelhante a um zumbi, grunhe e corre atrás do jogador se percebido; clicker, com um nível um pouco mais avançado da infecção – tem a face toda coberta por fungos o que os torna cegos. “Enxergam” através de um barulho que fazem semelhante a um “click”, daí o seu nome. Temos também os bloaters, estes são os mais infectados. Eles tem o corpo todo coberto de fungos – são seres enormes que lançam nuvens de toxinas no jogador. E, por fim, o lurker que é, pessoalmente, o que mais assusta, já que ele fica ou correndo de um lado para o outro ou escondido, esperando para um ataque surpresa.
O maior perigo do jogo, contudo, são os próprios humanos, como já é deixado claro desde a introdução. Embora os infectados assustem mais e nos deixem mais tensos, são os humanos que nos fazem passar a maior dificuldade. Como dito no próprio jogo, eles são imprevisíveis. Enquanto um infectado tem um objetivo claro, o do homem tem uma gama de possibilidades desconhecidas.
The Last of Us, nos coloca em diversas situações contra os infectados e outros sobreviventes e cada uma delas totalmente diferente uma das outras. Nenhum encontro é igual, nenhuma estratégia sempre dará certo – é preciso pensar e, muitas vezes, repetir, para alcançar o objetivo da melhor maneira.
A jogabilidade é bastante simples, controlamos Joel em uma visão de terceira-pessoa. Os controles são fáceis de se acostumar, não sendo repletos de detalhes confusos e a câmera é totalmente controlável pelo jogador, permitindo uma visão de 360º em volta de Joel. Para facilitar a furtividade e criação de estratégias, nosso personagem conta com uma habilidade, o listening mode, que o permite ouvir os inimigos à sua volta, “enxergando” através de paredes pelo som.
A história é dividida em capítulos demarcados por cada uma das quatro estações do ano. Dentro desses seguimos um objetivo que geralmente se apresenta no início de cada capítulo. The Last of Us não é um jogo de mundo aberto, se encaixando em um estilo semelhante ao introduzido em Resident Evil 4.
O jogo apresenta um sistema de upgrade de armas e criação de itens bastante interessante. Podemos melhorar nossos equipamentos utilizando peças encontradas ao longo da história e também criar itens como bombas de fumaça, minas de proximidade, melhorar armas brancas colocando pregos em bastões por exemplo. Esses itens criados e armas aprimoradas garantem um alto grau de personalização da experiência, podemos agir mais na surdina, passando por inimigos sem que eles nos vejam ou investir pesadamente em armas e matar qualquer adversário que apareça. Qualquer um dos inúmeros modos do jogo é incrivelmente divertido.
Além dessa customização, o game possui diversos níveis de dificuldade, que vão do Easy até o desafiador Survivor, este último é liberado após o término do game. Recomendo que comece do Normal, mas que não deixe de experimentar o modo Survivor, este consegue passar uma sensação única de escassez e sobrevivência– você se sente na obrigação de não deixar nada para trás e cada item tem sua crucial importância em determinada situação. Os inimigos se tornam mais inteligentes e resistentes de acordo com a dificuldade. Vale ressaltar que a habilidade de ouvir os inimigos não está presente na última dificuldade.
Após terminar a história é possível iniciar um New Game Plus que permite reiniciarmos o jogo com todas as melhorias feitas no anterior. Só é possível conseguir todos os troféus do jogo terminando em todas as dificuldades mais de uma vez. Cada troféu libera skins para utilização durante o jogo, essas alteram o visual de Ellie e Joel.
O modo multiplayer do jogo, embora seja dispensável, é bastante divertido. Nele podemos escolher entre duas facções: Fireflies e Caçadores. Como outros jogos, podemos escolher uma classe que melhor se encaixa com seu estilo no início de cada sessão. O objetivo é eliminar a outra equipe ou destruir seus suprimentos. O modo é bastante simples mas conta uma customização de personagem e um sistema de níveis que conseguem prender a atenção do jogador.
The Last of Us é definitivamente um dos melhores exclusivos de Ps3 e um dos melhores jogos dessa geração de vídeo-games. É uma experiência incrível que merece aproveitada ao mínimo uma vez. O game consegue prender sua atenção desde sua introdução e vai fazer com que você queira jogá-lo por inteiro imediatamente após terminá-lo. Mas esteja preparado, ele conta com uma carga dramática intensa e sem dúvidas irá tirar algumas lágrimas até do mais durão.
The Last of Us
Desenvolvedora: Naughty Dog Software
Lançamento: 14 de Junho de 2013
Gênero: Ação
Disponível para: PS3
Crítica | Archer - 1ª Temporada - Irreverente e Politicamente Incorreto
Sterling Malory Archer. Esse é um nome que escutamos muitas vezes ser gritado em Archer, uma série animada sobre o espião mais perigoso do mundo. Ao contrário do que aqueles que não assistiram ainda, não são seus inimigos que gritam repetidas vezes o nome do protagonista e sim sua mãe, que também é sua chefe, pela qual ele sofre um forte complexo de édipo, além de outros "mommy issues". A esse ponto já devem desconfiar que de sério a animação não tem nada. Criada por Adam Reed, responsável pelo sensacional Laboratório Submarino 2021, transmitido no Brasil no Adult Swim, temos aqui uma comédia irreverente e politicamente incorreta, que fará qualquer fã de South Park por ela se apaixonar.
Composta por apenas dez episódios de 22~23 minutos cada, a primeira temporada segue a típica estrutura de caso da semana, isso, contudo, ao contrário de muitas outras produções que vemos por aí, não deve afastar o espectador cansado desse esquema procedural. O principal objetivo de Archer é satirizar os filmes de espião, tanto os atuais quanto os saudosos dos anos 60-70, e isso a série consegue. Com um protagonista que define a palavra douchebag, a animação rapidamente cresce no espectador, as risadas singelas que eram proferidas nos primeiros capítulos rapidamente nos preenchem e o binge-watching se torna praticamente obrigatório – para facilitar isso, a série se encontra, até onde foi lançada, na Netflix.
Mas de onde vem tanto humor? Sterling Archer pode ser o espião mais perigoso do mundo, mas isso não se aplica somente a seus inimigos, o homem é uma verdadeira ameaça pública e seu surreal egocentrismo coloca em risco todos à sua volta, ao ponto que suas proezas nas missões soam como um milagre vindo dos céus. Archer ainda aposta nas relações entre os funcionários da agência de Inteligência ISIS, comandada por Malory Archer. O que temos aqui muitos nos lembra The Office, com cada empregado contando com suas manias específicas – uma é uma fofoqueira descontrolada, outra uma verdadeira ninfomaníaca, outro um cientista maluco alemão. As piadas não contam com qualquer barreira moral e isso é nada menos que uma bênção nesse mundo politicamente correto que vivemos.
O sucesso desse humor, contudo, não é apenas mérito de Adam Reed ou sua equipe de roteiristas, como também da excelente equipe de dubladores – desde os coadjuvantes até os principais e nesse meio quem mais se destaca é o experiente H. Jon Benjamin, já familiar com a animação destinada ao público adulto. Todo o jeito egoísta, sacana e muitas vezes estúpido de Archer funciona graças às entonações de Benjamin, chega a ser impossível imaginar o personagem sem essa voz, tamanha a harmonia entre imagem e som que revolve o protagonista. Cada mudança de timbre perfeitamente se encaixa com as expressões faciais dos personagens, muito bem caracterizadas e animadas pela Floyd County Productions, cujo dono é o próprio Adam Reed.
Para construir a identidade visual da série, o criador optou por uma amálgama de períodos, baseados nas influências da obra – James Bond e A Pantera Cor de Rosa são algumas para citar. Em muitos aspectos sentimos uma nítida similaridade com Mad Men (especialmente pelo comportamento do protagonista), de fato, Archer é uma série completamente anacrônica, a tecnologia soa atual, mas o roteiro traz a União Soviética à tona diversas vezes – esse anacronismo é outro charme da animação, ao passo que tira mais limitações que algo live-action poderia ter.
Archer é uma daquelas séries que assistimos de forma despretensiosa, mas que rapidamente ganham nosso coração – ouso dizer que rapidamente se tornou uma de minhas favoritas da atualidade, consistindo um uma forma perfeita de escaparmos desta sociedade excessivamente regrada que vivemos. O politicamente incorreto, mais uma vez, se prova um ótimo caminho a ser trilhado pela comédia, especialmente se feito da forma inteligente com a qual Adam Reed conduz sua série.
Archer – 1ª Temporada (idem - EUA, 2009)
Showrunner: Adam Reed
Diretor: Adam Reed
Roteiro: Vários
Dubladores: H. Jon Benjamin, Judy Greer, Amber Nash, Chris Parnell, Aisha Tyler, Jessica Walter, Lucky Yates, Adam Reed
Duração: 10 episódios de aproximadamente 22 minutos cada.
Review | The Legend of Zelda: Breath of the Wild - O Novo Divisor de Águas da Franquia
Poucas são as franquias de games com o histórico de The Legend of Zelda, que, ao longo desses mais de trinta anos, nunca chegou a, verdadeiramente, errar, nos entregando inúmeras obras-primas dos videogames. Depois do revolucionário Ocarina of Time, o que vimos na série foram mudanças, em geral, nos visuais, com títulos explorando gráficos em cel-shading, enquanto outros tenderam mais para o realismo. Em termos de gameplay, contudo, a franquia demonstrou pequenas alterações, utilizando a mesma fórmula de templos a serem percorridos e equipamentos obtidos em cada um desses. Isso até Breath of the Wild, que já pode ser considerado o novo divisor de águas da série.
A profunda diferença do game em relação aos seus antecessores já fica bastante nítida logo nos minutos iniciais, visto que, pela primeira vez, existem diálogos falados e não somente escritos. Link, dessa vez chamado por esse nome, porém, mantém-se calado, como deveria ser e, sem as memórias, ele acorda em uma espécie de caverna, ouvindo a voz de uma mulher, que o guia. Não demora muito para descobrir que se passaram cem anos desde que ele entrara nesse estado de hibernação e, agora, o reino de Hyrule encontra-se praticamente todo destruído, com Calamity Ganon tendo vencido a grande batalha, liberando monstros por toda a região e tomando controle das quatro Divine Beasts, grandes máquinas construídas justamente para destruir o vilão. O herói, portanto, adentra nessa aventura para libertar essas ancestrais máquinas e salvar o reino.
Apesar da franquia sempre ter nos oferecido certo grau de liberdade, desde os seus primórdios, é seguro afirmar que ela sempre seguiu uma estrutura mais ou menos linear, definindo bem claramente qual a ideal ordem para cumprir cada um dos objetivos. Essa linearidade é jogada para o ar em Breath of the Wild, que, após uma curta introdução (relativamente falando), permite que exploremos Hyrule da maneira que quisermos. Essa é a liberdade que tão bem define esse jogo – por mais que a urgência da grande missão se faça presente em todos os momentos, nos vemos completamente à vontade para fazer o que quiser, seja explorar os confins do mapa ou partir direto para a história principal.
Quando o jogo foi lançado, os desenvolvedores de The Witcher 3: Wild Hunt elogiaram a forma como essa versão de Hyrule foi construída, de forma a nos incentivar a ir até certo lugar não porque há um ponto no mapa que nos compele a tal e sim porque efetivamente ficamos curiosos para descobrir o que existe lá. É precisamente isso o que ocorre nesse game. Com um campo de visão estonteante, que nos permite enxergar elementos a uma distância incrível, efetivamente acreditamos que pode haver algo de interessante por lá e o melhor é que realmente há. Não temos aqui um mundo aberto vazio e desinteressante e sim algo vivo, que a cada ponto da jornada oferece infinitas possibilidades, seja enfrentar uma criatura colossal, apreciar a vista de um dragão voando por cima das montanhas ou explorar e resolver os inteligentes puzzles das inúmeras shrines, que preenchem todo o mapa.
O melhor é que cada uma dessas tarefas, por si só, traz novas recompensas, como equipamentos novos ou formas de aumentar o número de corações ou círculo de stamina, que afeta quanto tempo podemos correr, escalar ou nadar. Para que sejamos incentivados a fazer tais tarefas, a Nintendo fez a escolha certa ao dispensar a roupa, espada e escudo fixos do protagonista. Agora devemos encontrar ou comprar cada peça de nosso equipamento, com as armas, escudos e arcos tendo durabilidades específicas, ou seja, eles quebram, nos forçando a coletar novos itens constantemente, cada um deles com propriedades específicas, além da diferença de dano.
Diante de tanta coisa para se fazer é esperado que o jogador, nos minutos ou horas iniciais, fique perdido, sem saber exatamente o que fazer. Mas essa é justamente a essência do game: a escolha. Cada vez que ligamos o console há um interesse diferente e, por isso, recomendo fortemente que deixem guias ou wikis somente para o fim, quando faltar aquele elemento específico para alcançar os 100%. Algo assim, claro, não seria possível sem o excelente world design do game, que, possibilita, ao realizar certa tarefa, descobrir uma nova – uma quest pode trazer determinada recompensa e, ao mesmo tempo, nos revelar a localização de algo que sequer estávamos procurando, tornando praticamente impossível entediar-se durante o jogo, visto a sua preocupação em recompensar a exploração.
Outro ponto que nos mantém vidrados é a sua elevada dificuldade quando comparado a outros títulos da franquia. Decidir enfrentar um oponente claramente mais forte logo no início certamente significará a morte e muitas dessas criaturas requisitam não somente um bom equipamento, como um certo grau de preparação do jogador, que deve fazer poções e alimentos que regeneram os corações (além de trazer outros benefícios). Além disso, é preciso notar como o combate tornou-se mais fluido e mais detalhado, permitindo mais movimentos e estratégias, essas que devem ser formuladas especialmente ao enfrentar um grupo grande de inimigos.
Além dos monstros que podem trazer o nosso fim, o clima de cada região pode acabar com Link. Não é nada recomendado entrar em um local gélido sem a devida proteção contra o frio (seja pela roupa ou por poções), ou percorrer o terreno vulcânico próximo de Death Mountain sem ter algo para resistir ao calor. Mesmo as tempestades pode nos matar, visto que os raios podem nos atingir, especialmente se tivermos objetos metálicos equipados ou permanecermos muito próximos de árvores ou simplesmente por estarmos parados em um local alto sem nada em volta – o mesmo vale para sua montaria: nunca a deixe perto de um desfiladeiro durante a tempestade de raios, a menos que queira ver seu cavalo sendo atingido e rolando ladeira abaixo, já sem vida, claro.
Essa questão é especialmente agravante considerando as proporções homéricas do mapa, que, de forma alguma, pode ser percorrido sem sua leal montaria, essa que deve ser capturada e domada ao longo da jornada, com cada cavalo trazendo especificações próprias – uns são mais rápidos, outros mais fortes ou podendo galopar por mais tempo. Esse sim eu diria que é um dos principais pontos do jogo, algo que os próprios desenvolvedores, obviamente, já sabiam, tornando o simples ato de cavalgar algo extremamente divertido, especialmente quando decidimos enfrentar algum inimigo em cima da montaria, seja com espada, lança, martelo ou arco e flecha. A preocupação com o realismo, porém, nos impede de chamar a fiel criatura à distâncias muito grandes, nos forçando a ir até um dos estábulos para que tal reunião possa ser efetivada, aspecto que é contrabalanceado pela possibilidade de nos teletransportarmos para determinados pontos do mapa já explorados.
Tudo isso, porém, não teria nem metade do impacto não fossem os deslumbrantes gráficos em cel shading, que apresentam um grau de detalhes impressionante, além de contar com uma iluminação sem precedentes. O simples ato de olhar para o horizonte prova ser algo extremamente hipnotizante, com nossos olhos tentando captar ao máximo cada detalhe, além de tentar decidir para onde iremos a seguir. A possibilidade de escalar superfícies, claro, incentiva que façamos isso e muitas vezes iniciamos jornadas até o topo de montanhas simplesmente para ter uma visão mais ampla do cenário ao redor.
Após horas e horas jogando Breath of the Wild não há como não se deixar imergir nesse universo tão meticulosamente construído, que traz um novo significado à palavra liberdade nos jogos. A equipe responsável por esse game claramente observou os melhores exemplares do mercado atual e selecionou diversos dos elementos mais marcantes dessas obras para compor, de forma harmônica, esse novo The Legend of Zelda. Trata-se de um jogo que pode ser aproveitado por horas e horas a fio, sempre nos apresentando novas coisas para se fazer. A franquia sempre nos trouxe excelentes games, mas nenhum havia se equiparado, ainda, a Ocarina of Time. Breath of the Wild chegou para mudar isso, provando ser, de fato, o novo divisor de águas da série.
The Legend of Zelda: Breath of the Wild
Desenvolvedora: Nintendo
Lançamento: 3 de março de 2017
Gênero: Ação, aventura, RPG
Disponível para: Wii U, Nintendo Switch