Crítica | A Lista de Schindler - A Impactante Obra-Prima de Steven Spielberg
Por mais que tenha salvo mais de mil judeus do Holocausto, a história de Oskar Schindler não se tornou de conhecimento geral de imediato - natural, é claro, considerando os milhares de relatos existentes dos horrores sofridos pelos judeus e todos que não eram considerados da “raça superior” pelos nazistas. Na intenção de contar tal história, Poldek Pfefferberg, um dos “Schindlerjuden” - judeus de Schindler, em tradução livre - tomou como missão contar a história do homem que salvara a sua vida. De fato, ele conseguiu: primeiro através do livro de Thomas Keneally, A Arca de Schindler; segundo através de A Lista de Schindler, adaptação desse mesmo livro por Steven Spielberg.
Ao ler o livro, o diretor rapidamente demonstrou seu interesse e a Universal comprou os direitos de sua adaptação. Spielberg, no entanto, não sabia se contava com a necessária maturidade para fazer um filme sobre o Holocausto e acabou tentando passar o projeto para outros diretores, incluindo Roman Polanski e Martin Scorsese. No fim, contudo, ele acabou abraçando esse que seria um dos maiores desafios de sua carreira, em razão, claro, da gigantesca carga dramática, inevitavelmente ligada a essa sombria temática.
Nesse seu retrato de um dos maiores horrores cometidos pelo homem, Spielberg claramente busca criar uma linguagem documental - o preto e branco que toma conta da fotografia serve, primariamente, esse propósito, aproximando a narrativa dos documentários de guerra da época. Essa intenção do diretor, aliás, o motivou a não utilizar storyboards, a fim de manter a espontaneidade da obra. Com grande parte do longa tendo sido filmado com a câmera na mão, sem auxílio de steadycams, o realizador, de fato, consegue criar a linguagem documental almejada. Não por mero acaso o próprio Spielberg comentou que se sentia mais como repórter que cineasta durante as filmagens.
Tal escolha permite que sejamos mergulhados, de imediato, em um mundo sem vida, como se toda a esperança fosse deixada de fora, enquanto acompanhamos os milhões de judeus sendo tirados de suas casas, levados primeiro aos guetos e, posteriormente, aos campos de concentração. Imersão essa que é aprofundada pelos diálogos em alemão e polonês, que nos fazem, diversas vezes, esquecer que estamos diante de uma obra de ficção baseada em fatos.
Terror
A morte paira sobre essa história a todo e qualquer momento, jamais permitindo que esqueçamos que, em qualquer instante, alguém pode perder a vida por nenhuma razão aparente. O diretor, dessa forma, recria esse cenário, que parece ter saído de um filme de terror e, por ser realidade, se torna muito pior que qualquer obra do gênero, nos fazendo indagar como foi possível que tudo isso acontecesse. Questionamos a mente daqueles que “transformaram” os judeus de seres humanos em monstros, vermes, negando a eles não somente o direito de ir e vir, como o direito de ser humano. Mesmo a imobilidade do resto do mundo, especialmente dos Estados Unidos, é colocada em xeque, representada sob a forma de uma garotinha de vermelho (uma das poucas cores que vemos no filme) correndo de um lado para o outro, no gueto, enquanto aqueles à sua volta têm suas vidas destruídas, seja através das indignidades sofridas, ou da própria morte.
De fato, Spielberg não nos poupa da realidade a qualquer momento - sua intenção é claramente a de trazer o desconforto, de nos levar para esse período negro de nossa História - pois, sim, ela é a de todos nós, afinal, como raça, somos uma só, as únicas diferenças são culturais e regionais. Toda a longa sequência do massacre no gueto mais do que prova isso, de maneira arrebatadora o diretor destrói a esperança de todos aqueles personagens e figurantes - tão reais - quebrando, por conseguinte, a nossa própria e, por mais que saibamos qual o desfecho final, impossível sequer conceber que haverá algo minimamente feliz (se é que podemos usar tal palavra nesse contexto) ao término da projeção.
Esperança
Essa, contudo, não é uma história sobre a morte e sim sobre a vida, sobre a luta contra toda a tragédia ocorrida no fim da primeira metade do século XX - dessa forma, a tão escassa, quase inexistente, esperança aparece através da figura de Oskar Schindler (Liam Neeson), apresentado como um homem de negócios preocupado unicamente em lucrar com a guerra, mas que acaba enxergando todas as barbaridades cometidas pelos nazistas, decidindo, assim, utilizar toda a sua fortuna arrecadada durante esse período para salvar o máximo de judeus que for possível do Holocausto. Schindler é o retrato da falsa realidade despedaçada, é o despertar das ilusões criadas pela propaganda nazista, é, por fim, o recobrar da humanidade, tão ausente naqueles que ali detinham o poder.
De imediato apresentado como um homem de lábia, que utiliza as pessoas e as situações ao seu favor, o protagonista passa por uma lenta e bela transformação, do egoísmo ao altruísmo - metamorfose, essa, que dura todo o filme praticamente, demonstrando claramente a preocupação do roteiro de Steven Zaillian e, claro, do próprio Spielberg, de nos fazer acreditar no personagem. Não por acaso mais da metade da obra é dedicada ao que leva à criação da lista que garante o título do longa. Dessa maneira, o que é criado aqui é uma ode à solidariedade, à paz, tão bem resumido pelas lágrimas finais do protagonista, que desaba frente à noção de que poderia ter salvado mais pessoas.
Toda a trajetória desse personagem, brilhantemente vivido por Liam Neeson, que empresta o necessário carisma e personalidade conflituosa, nos permite enxergar seus dilemas internos, nos permite entender sua linha de raciocínio e a tomada de consciência em relação aos horrores ao seu redor. Neeson exprime a repulsa, o terror sentido pelo seu personagem sem ser necessária uma palavra sequer, em determinado ponto da obra sentimos como se ele estivesse utilizando todas as suas forças para não interromper as ações cruéis dos nazistas - o que, invariavelmente, faria com que ele fosse preso, ou pior. Claro, como bom planejador e manipulador, ele acaba descobrindo a maneira ideal de fazer o que quer e salva todas aquelas pessoas sem esperar qualquer recompensa ou reconhecimento, exatamente o contrário do homem que encontramos se divertindo ao lado de oficiais nos minutos iniciais do longa-metragem.
Não há como, claro, esquecer de Itzhak Stern (Ben Kingsley), que atua claramente como a consciência de Schindler, abrindo os olhos do protagonista para o que ocorre ao seu redor. Uma a uma ele salva pessoas, desde o início do filme, que seriam enviadas para a morte certa, tudo enquanto convive com Schindler, ajudando esse a fazer alguma coisa, a ir de encontro com o medo de ser punido pelos nazistas. Stern é essencial para a construção de Schindler e, claro, para toda a narrativa do filme, já que, também, ele atua como o olhar dentro dos campos de concentração, aproximando o homem de negócios alemão à centenas de judeus.
Também de forma silenciosa, Kingsley se entrega plenamente ao papel, retratando perfeitamente a figura do homem que entende o grande risco que corre a todo momento. É através de seu olhar que percebemos a aproximação dele com Schindler - de início evita o contato visual direto, algo que vai sendo substituído, aos poucos, enquanto passamos a enxergá-los como amigos, fazendo desaparecer toda a hierarquia forçada sobre ele.
Morte
A perfeita oposição à essas duas figuras, claro, é o oficial Amon Göth, vivido de maneira assustadora por Ralph Fiennes. O que mais incomoda em relação a Göth não chega a ser suas atitudes cruéis diretamente e sim a casualidade com a qual comete tais ações, perfeitamente simbolizando toda a maldade do ser humano e, naturalmente, do próprio regime nazista. A maneira como encara os judeus é verdadeiramente desconfortante, nos fazendo enxergar plenamente que ele os vê como vermes, seres desprezíveis. Trata-se do retrato perfeito do psicopata, que se importa única e exclusivamente consigo mesmo, um monstro que chega a ser inacreditável que alguém assim possa, de fato, ter existido.
Fiennes desempenha tal papel com brilhantismo, demonstrando claramente, através de sua linguagem corporal, o quanto ele despreza todos aqueles à sua volta. Há uma notável infantilidade e malícia em todas as suas ações, que fazem parecer como se o personagem fosse uma criança torturando pequenos animais à sua volta. De fato, a fragilidade das vítimas em comparação à sua figura, a impossibilidade dessas em reagir, ajuda a construir sua persona, mas é Fiennes que traz tamanha realidade à sua interpretação, que nos faz enxergá-lo como a manifestação física de todo o terror ali presente, algo especialmente realçado pelas suas impetuosas e inesperadas ações.
Essas suas atitudes se tornam ainda mais aterradores através dos pontuais focos em personagens secundários ao longo da narrativa. Somos levados ao interior dos guetos e dos campos de concentração e presenciamos toda a tragédia dali, sentimos o medo de cada um, enquanto simplesmente andam de um lugar a outro, sem saber se voltarão com vida para seus dormitórios. É um assustador relato, mas extremamente necessário para que nos coloquemos na posição dos outros, para que a solidariedade, notavelmente um dos fins dessa obra, possa nascer em cada um de nós.
Preenchendo todo esse trágico e extremamente real dramatização de fatos que gostaríamos, mas jamais devemos, esquecer há a trilha sonora de John Williams, em mais uma colaboração com o diretor. Williams captura perfeitamente o drama dessa história, elevando cada sequência ao seu auge, permitindo que, do início ao fim, estejamos sujeitos à arrepios ou lágrimas. O maestro entendeu plenamente o peso do que é mostrado em tela, provando que, mesmo com seus iniciais receios sobre trabalhar com tal temática, foi a escolha perfeita para compor as melodias da obra.
Vida
Toda essa humanidade, esse discurso a favor da paz, contra qualquer tipo de violência, que faz de A Lista de Schindler um longa-metragem tão impactante. Ao término da projeção, somos deixados inertes, incapazes de dizer ou fazer qualquer coisa, enquanto emergimos desse mundo para as cores novamente, enquanto vemos os sobreviventes, os judeus de Schindler agradecendo àquele que salvou suas vidas, homenagem essa que não deixa de ser a do próprio realizador a esse admirável ser humano.
A esperança é recobrada ao mesmo tempo que qualquer tipo de violência se torna um ato inimaginável, tamanho o choque perante os horrores apresentados no filme, que, sem dúvidas, é a obra-prima de Steven Spielberg.
A Lista de Schindler (Schindler's List - EUA, 1993)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Steven Zaillian (baseado no livro de Thomas Keneally)
Elenco: Liam Neeson, Ralph Fiennes, Ben Kingsley, Caroline Goodall, Jonathan Sagall, Embeth Davidtz, Malgorzata Gebel, Shmuel Levy, Mark Ivanir, Béatrice Macola
Gênero: Drama
Duração: 195 min.
Review | Final Fantasy III - Faltou Mais Ousadia
A terceira entrada da famosa franquia de RPG foi lançada no Japão em 1990 para o Famicon. Apesar de seu grande sucesso no oriente, Final Fantasy III somente foi lançado em 2006 no Ocidente para o Nintendo DS, com gráficos em 3D e um remodelado sistema. Essa crítica, portanto, foi feita baseada no game para o portátil da Nintendo, que acabou ganhando ports para dispositivos móveis e PC.
FFIII faz uma mescla dos elementos de seus antecessores. Ele abandona o sistema de progressão introduzido em Final Fantasy II e volta aos níveis (levels) e às classes (jobs) do game original. A diferença do sistema de jobs do primeiro game para este é que agora é possível trocar o de cada personagem ao longo do jogo, possibilitando uma considerável liberdade, claramente unindo aspectos das duas primeiras entradas da franquia, ainda mantendo a identidade introduzida já na obra inaugural.
Começamos o jogo com Luneth, um órfão que acaba caindo em um buraco na terra e se vê em uma caverna. Nessa caverna ele descobre um cristal que transmite a ele seu destino: junto de mais três guerreiros da luz (que ele deve encontrar), deve restaurar a luz ao mundo. Como podemos ver, voltamos à semelhança do primeiro jogo em questão de trama, abandonando o roteiro mais maduro (ainda que clichê) do segundo game.
Dessa forma, assim que Luneth encontra os outros três guerreiros, parte em sua jornada. Estamos falando de um game lançado em 1990, as próprias capacidades do console na época não permitiam uma história muito intrincada, mas devo tecer críticas à facilidade com que os jovens aceitam ao destino imposto pelo Cristal, basicamente aceitam sem mais nem menos que devem arriscar suas vidas para salvar o mundo.
As missões funcionam como nos antecessores: conversamos com os moradores das cidades, que nos passam informações que devemos seguir para a progressão do jogo. Nesse ponto, FFIII se assemelha mais ao primeiro game, ao ponto que não possui um objetivo principal já traçado (em FFII esse é acabar com o Império), o que pode deixar alguns jogadores perdidos - especialmente aqueles acostumados com os games da atualidade, que basicamente nos dão walkthroughs dentro do próprio game.
A melhor inovação do game, sem dúvidas, é o novo sistema de jobs. Ao podermos mudar a qualquer momento a classe do personagem, o jogo ganha uma grande dinâmica, possibilitando centenas de configurações de equipes possíveis, algo que, futuramente, seria substituído pela party composta por diversos personagens de classes diferentes. Como em FFI, cada classe possui um nível mais avançado, que por sua vez permite a utilização de armas, magias e armaduras melhores. Naturalmente que um time equilibrado sempre é recomendado, mas o jogo garante a liberdade ao jogador, que pode criar a equipe que desejar.
Esse sistema, contudo, não é ausente de falhas, caindo na mesma falha de FFII. Cada classe precisa ser treinada individualmente, o que pede um alto grau de grinding. Os jogadores com menos paciência irão se ater a um job por personagem o jogo inteiro. Felizmente nas versões para IOS e Android isso foi diminuído, mas ainda está presente. Naturalmente que, se tratando de um JRPG isso é praticamente inevitável, o grande problema, de fato, está na quantidade de horas gastas fazendos omente uma atividade incessantemente.
Digno de nota é a apresentação de dois emblemáticos elementos novos, que se tornariam marcas da franquia: as criaturas invocadas (summons) e os comandos jump e steal, característicos das classes dragoon (cavaleiro de dragão) e thief (ladrão) respectivamente. Além desses temos o retorno dos chocobos, introduzidos previamente em Final Fantasy II.
Em questão de dificuldade, ele não se diferencia muito de seus antecessores. Contém lutas com certo grau de desafio, mas nada exagerado, contanto que não se corra com o jogo (grinding é necessário, lembra?). A famosa e muitas vezes irritante penalidade por cair em luta se mantém e irá continuar na maioria dos games da franquia, portanto se sua equipe perder: game over seguido de tela inicial para carregar seu último arquivo salvo.
As batalhas ainda se dão em turnos estáticos, com a mecânica igual dos jogos anteriores. A constância dos encontros diminuiu nas versões mais recentes, melhorando a dinâmica da exploração do mapa. Ainda assim, para os veteranos da franquia, uma renovação era bem vinda, o que acaba tirando muitos pontos de FFIII, visto que repete grande parte da fórmula básica - vale lembrar que somente na obra seguinte seria introduzido o Active Time Battle.
Os controles são os mesmos apresentados nos games anteriores. Devo, contudo, colocar em foco a jogabilidade das versões de IOS e Android. A tela de toque se encaixa perfeitamente no game, tanto nas batalhas quanto fora dela. Para controlarmos o personagem basta encostar em qualquer ponto da tela que um joystick virtual irá aparecer. Devo dizer que estas são as melhores versões atuais do game.
Nobuo Uematsu novamente retorna frente à trilha sonora do game, com ótimas melodias que se encaixam perfeitamente na obra. Não existem, porém, faixas tão icônicas quanto em FFI e FFII.
Final Fantasy III ofereceu pouco grau de inovação para a franquia, se mantendo no lugar comum. Ainda que ofereça um sistema renovado de classes, conta com muitos dos defeitos de seus antecessores. Sua história é simples demais o que torna esse um jogo menos atrativo que Final Fantasy II. Dos três iniciais é o menos marcante, mas ainda assim, permanece um bom jogo, capaz de entregar horas e mais horas de jogabilidade, garantindo considerável liberdade ao jogador.
Final Fantasy III
Desenvolvedora: Square
Lançamento: 27 de Abril de 1990 (Japão), 14 de Novembro de 2006 (EUA)
Gênero: JRPG
Disponível para: NES, PSP, Nintendo DS, iOS, Android, PC
Crítica | Curtindo a Vida Adoidado - Uma Inesquecível e Atemporal Comédia
A carreira de John Hughes no cinema certamente nos trouxe inúmeras pérolas, dentre elas Esqueceram de Mim, como roteirista, e Clube dos Cinco, que escreveu e dirigiu. Nenhum deles, porém, chega aos pés do que Curtindo a Vida Adoidado representou para a cultura pop. Sucesso tanto nas críticas, quanto nas bilheterias da época, o filme, desde então, ganhou uma legião de devotos, ao ponto que é difícil encontrar alguém que não saiba o significado de Save Ferris. Temos aqui um verdadeiro clássico, mas mesmo quando algo é tido como uma obra-prima por unanimidade, é preciso entender o porquê.
A projeção tem início com a mãe de Ferris Bueller (Matthew Broderick) chamando o pai para ver o estado de seu filho. Fingindo estar doente na cama (é óbvio para nós, mas não para eles) ele convence ambos, em uma cena inicial que já proporciona algumas boas risadas, que não pode ir ao colégio – ele inicia, portanto, seu dia de folga. A partir daí a escala das peripécias de Ferris só aumentam e consigo ele leva seu melhor amigo Cameron (Alan Ruck) e sua namorada Sloane (Mia Sara) a fim de terem uma aventura por Chicago.
O primeiro elemento que já garante um tom único a Curtindo a Vida Adoidado é a quebra da quarta parede em determinados pontos da narrativa. Ferris olha para a câmera e nos oferece detalhes de informações que apenas contribuem para o humor da obra e o interessante é que a atuação de Broderick nos oferece uma distinta diferença entre Bueller dentro e fora da diegese, tornando fácil identificar quando ele não está efetivamente “dentro do filme”. Através dessa quebra, também, ele cria um elo imediato com o espectador, especialmente através de seu tutorial de como matar aula, que apenas ganha mais elementos conforme o filme progride, como o clássico boneco que se vira na cama quando a porta é aberta.
Acima de tudo, porém, o longa se sustenta por meio de seus momentos únicos, que ficam marcados em nossas mentes perpetuamente. Como se esquecer da pose no museu, ou de Twist and Shout no meio das ruas de Chicago? Um bom roteiro aliado a uma precisa montagem cumprem um papel essencial aqui, sabendo intercalar cada uma dessas icônicas sequências de uma maneira que, a qualquer momento do filme, nos vemos nos divertindo plenamente. É difícil lembrar sequer uma que o riso não esteja presente, seja em virtude das loucuras do protagonista ou da missão de Ed Rooney (Jeffrey Jones), diretor da escola, que consiste em pegar o aluno, supostamente doente, no flagra.
O filme ainda assume temporariamente tons de suspense e policial com a direção de Hughes, que utiliza os personagens secundários e uma decupagem bastante pertinente a esses gêneros, a fim de criar a tensão no espectador de que o menino será descoberto. O humor, a seguir, torna-se, portanto, ainda mais impactante, com constantes quebras de expectativa e doses de comédia do absurdo, conforme vemos inúmeras situações inacreditáveis passarem na tela – isso sem falar nas constantes ajudas da sorte do protagonista.
Dito isso, a trama adota uma forte pegada de rebeldia, de quebra de padrões estabelecidos à época; o típico velho contra o novo que perfeitamente se encaixa com a época de seu lançamento. O que assistimos é um sistema conservador de educação que não mais prende seus alunos – diversas vezes vemos isso – justificando as ações de Bueller, e o filme muito bem representa a necessidade de um maior dinamismo não só nas salas de aula, como na sociedade em si. Basta observarmos a já citada sequência da parada nas ruas da cidade: a partir do momento que Ferris coloca a icônica melodia dos Beatles para tocar, todos ao redor começam a dançar, transformando um desfile monótono em uma verdadeira festa. O personagem que melhor representa essa necessidade de mudança é Cameron, que, no início da narrativa, estava trancado em seu quarto em depressão e no término decide lutar pela sua personalidade e não mais se acovardar diante de seu pai (ainda que a sequência da Ferrari na garagem seja um dos momentos mais dolorosos da Sétima Arte…).
Curtindo a Vida Adoidado é, portanto, um grito de liberdade, uma obra atemporal que consegue deixar qualquer um de nós, independente do estado de espírito, de bom humor. Temos aqui um verdadeiro marco do cinema de comédia e uma legítima obra-prima de John Hughes, que merece ser assistida de novo e de novo, principalmente se nos pegarmos no mesmo ânimo de Cameron no início do filme.
Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, EUA - 1986)
Direção: John Hughes
Roteiro: John Hughes
Elenco: Matthew Broderick, Alan Ruck, Mia Sara, Jeffrey Jones, Jennifer Grey, Cindy Pickett, Lyman Ward
Gênero: Comédia
Duração: 103 min
https://www.youtube.com/watch?v=D6gABQFR94U
Steven Seagal é Acusado de Estupro
Uma figurante que apareceu no filme Em Terreno Selvagem, dirigido e estrelado por Steven Seagal, acusou o ator de estupro, após inúmeras mulheres terem o acusado de assédio.
Regina Simons disse ao The Wrap que tinha dezoito anos na época do suposto estupro, que ela diz que ocorreu após Seagal a convidar para a festa de encerramento do filme, em sua casa, em 1993. Ao chegar, ela disse que era a única lá e que não haviam sinais de qualquer festa.
"Ele me levou até seu quarto e assim que fechou a porta começou a me beijar" disse Simons ao The Wrap. "Ele, então, tirou minhas roupas e antes que eu pudesse reagir, estava em cima de mim, me estuprando... eu não era sexualmente ativa ainda. As pessoas costumam falar de fugir ou lutar, mas nunca falam sobre congelarem enssas situações."
Simons disse que foi pega completamente de surpresa e que Seagal tinha três vezes o seu tamanho,
"Eu chorava enquanto ele estava em cima de mim. Agora, com minha mente de 43 anos, sei como processar isso e entender o que é um relacionamento saudável e o que sexo consesual é. Não houve nada disso".
A modelo holandesa, Faviola Dadis, também disse ao The Wrap que tanto ela, quanto Simons, registraram ocorrências na polícia de Los Angelos no mês passado. Um representante da polícia disse que o departamento está investigando um caso separado, envolvendo Seagal, de 2005.
Em novembro, no Instagram, Dadis acusou o ator/ diretor de ter a assediado durante uma audição em 2002.
Nenhum representante de Seagal ainda veio à tona, a respeito dessas acusações.
James Franco é acusado de assédio sexual
Marcada por protestos contra o assédio, a cerimônia do Globo de Ouro deste ano anunciou a premiação de James Franco como Melhor Ator em Filme de Comédia. Logo após ter ganhado o prêmio, Franco, no entanto acabou sendo acusado de assédio sexual contra inúmeras mulheres, dentre elas a atriz Ally Sheedy, de Clube dos Cinco.
A atriz começou perguntando o porquê do apresentador ser um homem naquele momento e questionou a presença de James Franco e Christian Slater na cerimônia, ao lado da #MeToo, hashtag utilizada para denunciar casos de assédio. Sheedy postou, após a vitória de Franco: "James Franco acabou de ganhar. Por favor nunca me perguntem por que eu saí da indústria de TV e Cinema." Confiram abaixo fotos dos tweets da atriz, que foram, posteriormente, deletados:
Depois disso, algumas outras acusações começaram a pipocar, como o caso de Violet Paley, que disse que Franco a empurrou e avançou sexualmente sobre ela, sem o consentimento. Além disso, comentou sobre avanços em pessoas menores de idade.
Até o presente momento, James Franco não se manifestou sobre as alegações.
Crítica | Desejo e Reparação - A Tragédia do Amor Interrompido
Baseado no romance homônimo de Ian McEwan, Desejo e Reparação é o segundo longa-metragem dirigido por Joe Wright, que estreara no cinema com Orgulho e Preconceito. Wright, aqui, mantém seu foco em filmes de época, trazendo uma história de amor e guerra, lidando com as consequências do falso testemunho, da inocência e ingenuidade. Trata-se de um relato poderoso, que demonstra perfeitamente o terrível impacto que pequenas ações podem ter sobre a vida das pessoas.
Com sua história sendo contada através de décadas, o longa tem início em 1935, pouco antes da eclosão da Segunda Guerra. Cecilia Tallis (Keira Knightley) e Robbie Turner (James McAvoy) nutrem um amor secreto um pelo outro, mantendo-se no constante vai e vem. Quando, enfim, decidem ficar juntos, Brionny Tallis (Saoirse Ronan), jovem irmã de Cecilia acaba vendo os dois terem relações sexuais. Quando uma outra da casa é estuprada, Brionny diz que Robbie foi o culpado, embora ele seja inocente, sem ela saber. Robbie, então, é preso e, posteriormente, acaba se alistando na Guerra, enquanto Cecilia espera que ele retorne.
Um dos aspectos mais notáveis do roteiro de Christopher Hampton, que, por sua vez, adapta o livro de McEwan, é como todas as relações humanas são tão perfeitamente traduzidas para a tela. Tirando algumas conveniências breves e sutis do texto, não há nada que soe artificial de fato, o que faz com que, de imediato, acreditemos em cada um dos personagens. Além disso, por desenvolver sua história ao longo de décadas, alternando constantemente entre diferentes focos, não temos como dizer onde exatamente tudo vai dar - sabemos, de início, que a guerra é iminente, mas fora isso, nada é previsível, mantendo nossa atenção do início ao fim.
Importante notar, claro, a atenção que o diretor, Joe Wright, tem em relação aos diferentes pontos de vista apresentados. Logo no primeiro ato o diretor faz questão de mostrar como Brionny enxerga tudo ao seu redor. Logo na primeira cena ela é estabelecida como alguém de fértil imaginação e isso vai sendo desenvolvido e reiterado inúmeras vezes ao longo da projeção. Wright acerta em cheio em sua decupagem, transformando o amor de Cecilia e Robbie em atos praticamente selvagens aos olhos da irmã mais nova - o que é apresentado como algo extremamente passional por um ponto de vista, do outro se torna algo puramente visceral, nos fazendo plenamente entender o que se passa na cabeça da menina, justificando, pois, seu grande equívoco, que tanto afetou aqueles à sua volta.
Do amor partimos para a tragédia e a chegada da Segunda Guerra perfeitamente simboliza a dor da separação do casal, que por tão pouco tempo ficou unido. A deslumbrante fotografia de Seamus McGarvey sabiamente alterna os tons esperançosos do primeiro ato, mais bem iluminados - Wright fazendo questão de apresentar o céu claro - com a tristeza da guerra, de tons acinzentados, escuros, sem muita cor. Não há espaço para a paixão aqui, apenas o sonho distante de Robbie em ver novamente sua amada. A evacuação de Dunquerque, apresentada brevemente durante o longa, vem para reforçar essa esperança, mas sempre deixando aquela pitada de dúvida, aquela desconfiança de que nem tudo irá terminar bem.
Enquanto tudo isso acontece vemos o crescimento de Brionny, seu amadurecimento e tomada de consciência sobre o terrível erro que cometera ainda jovem. Nesse ponto enxergamos características claras de um coming of age, ao passo que a irmã mais nova passa a reconhecer as consequências de seus atos e cada vez mais vai sofrendo por isso - tentando ao máximo dizer a verdade, mas sem, de fato, conseguir. Todo esse desenvolvimento da personagem é o que garante o impacto da sequência final, que brinca com o gênero documentário e, claro, com a metalinguagem. Brionny, sem dúvidas, é uma fascinante personagem e funciona como um grande aviso, para todos tomarmos cuidados com nossas ações - por menores que elas possam parecer, elas podem trazer catastróficas consequências.
Grande parte do impacto da obra seria perdido caso Wright não tivesse ao seu dispor um elenco tão dedicado. Keira Knightley mais uma vez ocupa papel de destaque em obra do diretor, encarnando um retrato humano e trágico dessa personagem, vítima da injustiça. Os maiores destaques, no entanto, vão para Saoirse Ronan e James McAvoy. A primeira, em seu terceiro longa-metragem como atriz, rouba a cena totalmente, a tal ponto que sentimos profunda falta dela quando outra pessoa a substitui para viver Brionny mais velha. Seu olhar profundo, seus olhos azuis, perfeitamente simbolizam a inocência e ingenuidade da menina de treze anos, há um vívido quê de sonhadora em sua expressão, a tal ponto que, mesmo no silêncio, conseguimos praticamente ouvir seus pensamentos, aspecto que faz de sua personagem uma das mais marcantes da obra, não somente pelas circunstâncias nas quais ela está inserida. Já McAvoy representa toda a tragédia da trama - sua transformação é evidente, do risonho jovem que encontramos no primeiro ato, ele passa por uma triste jornada, que o leva a ser despedaçado, tanto pela prisão, quanto pelos horrores que presenciara. Mais do que tudo no filme, ele representa a Europa destruída pela Guerra - na época, ainda incerta se haveria algum futuro.
Toda essa homogênea, orgânica e trágica mistura é coroada pela trilha, ganhadora do Oscar, de Dario Marianelli, que mistura a diegese à não-diegese através de efeitos sonoros presentes na música, como o ocasional som de datilografia, aspecto que, ao término da projeção, faz total e completo sentido, mas, que antes disso, funciona como metáfora para a imaginação de Brionny, que cria sua própria versão dos fatos em sua mente. Misturados à tons mais românticos, a trilha ganha um caráter único, garantindo a identidade audiovisual do longa, ao mesmo tempo que enriquece todo o drama que acompanhamos em tela.
Dito isso, se Joe Wright já acertou em cheio em sua adaptação de Orgulho e Preconceito, é seguro dizer que sua técnica foi aperfeiçoada em Desejo e Reparação, filme de época que nos entrega uma trágica história de amor, enquanto desenvolve uma fascinante personagem em paralelo, mostrando como suas ações tanto impactaram a vida daqueles à sua volta. Utilizando a Segunda Guerra como palco para a trama, o roteiro de Christopher Hampton sabe utilizar detalhes históricos a fim de aprofundar cada um dos personagens, dando um peso a mais a toda essa triste história, que, no fim, nos deixa pensando apenas no que poderia ter sido.
Desejo e Reparação (Atonement - Reino Unido/ França/ EUA, 2007)
Direção: Joe Wright
Roteiro: Christopher Hampton (baseado no livro de Ian McEwan)
Elenco: Saoirse Ronan, Keira Knightley, James McAvoy, Brenda Blethyn, Benedict Cumberbatch, Harriet Walter, Juno Temple, Alfie Allen, Patrick Kennedy
Gênero: Drama
Duração: 123 min.
Review | Star Wars Battlefront II - Muito Potencial Desperdiçado
Outrora um grande clássico que marcava honra na LucasArts em 2005, a marca Star Wars Battlefront parece ir de mal a pior com as decisões cada vez mais absurdas da EA. Após a compra dos direitos autorais da saga, a Disney desistiu de produzir games e acabou terceirizando o serviço para a EA trazer o melhor possível para a marca mais preciosa da corporação.
Porém, parece que a gigante dos games não tem dado ouvidos aos pedidos da Disney. Desde 2015, a EA envolve Star Wars Battlefront em polêmicas. A primeira delas foi o lançamento pífio de um jogo que não tinha conteúdo, mapas ou heróis. Mas não havia problema: tudo era solucionado ao comprar um season pass caro para ter acesso a todo o conteúdo do jogo que fora prometido.
Evidentemente que foi uma burrada já que a comunidade de um jogo exclusivamente multiplayer acabou toda segmentada entre os que adquiriam o jogo base, algumas expansões e os que compraram o season pass. No fim, nem depois de dois anos do lançamento, o jogo está completamente morto, sem ninguém para jogar e desfrutar do bom trabalho investido pela DICE, estúdio responsável ao reboot de Battlefront.
Bom, errar é humano, certo? Logo, com a chegada aguardada de Star Wars: Os Últimos Jedi, não teria como a EA fazer besteira com o jogo que deveria limpar a barra da empresa após as polêmicas do antecessor... Certo? Pelo menos, a EA não persistiu no erro original. Apenas criou um muito mais polêmico, injusto e pior para o lançamento desastroso de Star Wars Battlefront II.
O jogo, enfim, está entre nós e realmente é muito mais completo que o de 2015. Temos direito a modos diversos e até ao retorno do clássico Conquista Galáctica com a possibilidade de jogar com até 40 jogadores, reformulação completa dos controles de naves espaciais e, mais importante, a adição inteira de uma muito desejada campanha singleplayer. Até mesmo a EA havia prometido não trazer mais nenhum season pass, dando para os jogadores as futuras expansões.
Acontece que, na indústria gamer atual, lucro é tudo. É evidente que não há problema no lucro em si, pela venda dos jogos que ficam cada vez mais caros de produzir. Porém, tem acontecido de as empresas terem mudado as mecânicas dos jogos para “sugerir” fortemente vantagens ou loot boxes oferecidas via microtransações – a mina de ouro das distribuidoras. Foi exatamente esse o enorme problema que basicamente detonou com Battlefront II.
As pessoas não querem jogar um jogo que oferece vantagens para terceiros caso eles comprem loot boxes, destravando habilidades e personagens icônicos da saga sem o menor esforço, apenas com muito prejuízo no bolso. A reação negativa foi tamanha que a EA foi obrigada a desativar temporariamente as microtransações, mas a questão que fica é: isso favoreceu de algum modo o jogo? Basicamente, não, porque a mecânica inteira dele foi pensada para o griding demorado, além do desequilíbrio que as cartas melhores trazem à dinâmica da partida.
Pelo menos, temos a campanha singleplayer, totalmente livre de infortúnios do tipo, mas cheia de problemas únicos por si.
O Inferno das boas ideias
A pressa é e sempre será inimiga da perfeição. É justamente esse o motivo da campanha original apresentada em Battlefront II seja tão... esquecível. Extremamente curta, beirando cinco horas de duração distribuídas em doze fases em diferentes locais da saga, inéditos ou não.
Acompanhamos uma história bastante promissora com a protagonista Iden Versio, a comandante do esquadrão Inferno do Império. Sua trupe se vê perdida quando testemunha a destruição da segunda Estrela da Morte na órbita de Endor, fugindo o mais rápido possível da vitoriosa Aliança Rebelde. Reunindo com o que sobrou do Império, Versio e o esquadrão recebem ordens específicas do Imperador para tentar conter a revolução rebelde e preservar o status quo.
É raro podermos desfrutar do ponto de vista de personagens que normalmente seriam os antagonistas de uma história convencional. Justamente por isso que a narrativa de Battlefront II fisga nossa atenção logo nos primeiros minutos. Mesmo que Iden não possua qualquer carisma e seja uma personagem bastante superficial, havia a esperança da história se desenrolar até uma culminação menos previsível do que a apresentada.
Não pretendo revelar spoilers aqui, mas é evidente que a óbvia reviravolta acontece cedo demais durante a curta campanha. Não podemos ver o lado cruel de Iden, nem mesmo seu fanatismo pelo Império até que tudo seja interrompido. Seus companheiros de batalha recebem até mesmo menos atenção, forçando um romance e uma decepção no meio de relações que nem chegam a ser estabelecidas de modo apropriado.
Assim, rapidamente a narrativa perde o encanto e o jogador, o interesse. O que motiva a progressão são a jogabilidade e os incríveis gráficos oferecidos pelos refinamentos da Frostbite, engine do jogo. O departamento de arte é igualmente atento, entregando uma experiência realmente imersiva do universo Star Wars. Toda a iconografia da saga está corretamente empregada, assim como o ótimo uso da trilha musical.
Na mecânica, entendemos com rapidez como as cartas de habilidades funcionam, além de seu impacto no gameplay. Com uma variedade de armas razoável, passamos pelas fases sem muita dificuldade ou emoção, já que sempre faltam momentos cinematográficos para impulsionar nossa adrenalina. O problema reside mesmo no sistema de objetivos muito restrito e quase binário, sempre variando entre resistir a uma onda de inimigos, hackear alguma interface ou limpar tal mapa. O uso de veículos também não ajuda, já que as mesmíssimas coisas acontecem.
Na prática, é mais um tutorial maquiado para aprender as regras básicas do game antes de se jogar no multiplayer. A campanha realmente é feita com esse intuito. É evidenciado pela total falta de paixão ou interesse em criar uma boa história para o jogador se aventurar. Tão descarado que não controlamos Iden em diversas fases para controlarmos personagens importantes da franquia como Luke e Leia. Essa constante interrupção torna o protagonista da fase apenas um avatar genérico, sem investimento emocional algum da parte do jogador.
Boas ideias, embora clichês, são sim apresentadas, mas não quaisquer riscos nessa história que parece ter medo em existir e acabar arruinando o novo cânone planejado pela Disney. Algo tão apressado que nem ao menos recebe uma verdadeira conclusão. Sim, a narrativa não tem final por enquanto e não sabemos como que a história de Iden termina. Uma pena que toda essa pressa tenha resultado em uma experiência esquecível que poderia ter trazido uma das melhores histórias que Star Wars tenha visto até agora.
Reconhecendo o terreno
Apesar de contar com seu modo campanha, Battlefront II permanece, como seu antecessor, um game essencialmente virado para o multiplayer. Porém, é justamente nesse cenário que a EA entrega a maior de suas decepções, não pela forma como as partidas são estruturadas, ou pelo conteúdo presente e sim pelo que é necessário para cada um alcançar a vitória. Antes de entrarmos nesse ponto, no entanto, vamos passar brevemente sobre cada um dos modos da experiência multijogador.
Comparado ao game anterior, a obra em questão prova ter uma quantidade consideravelmente menor de modos - isso não quer dizer, contudo, que se trata de um jogo mais limitado. O que os desenvolvedores realizaram aqui foi tornar tudo mais conciso, na expectativa de melhorar o matchmaking entre os jogadores. Muitos dos modos apresentados em Battlefront passam a ser inclusos como objetivos de um dos cinco disponíveis atualmente. Bom exemplo disso é o famigerado Walker Assault, que passou a fazer parte do gigantesco Galactic Assault, que coloca dois times de vinte jogadores cada, competindo por objetivos diversos. Esse certamente é o que traz todo o teor épico do jogo, incluindo veículos terrestres, naves no meio do conflito.
Já Starfighter Assault, como o nome já sugere, nos leva ao Espaço, controlando naves das diferentes facções a fim de defender ou atacar certos pontos-chave. Em essência, temos o mesmo estilo de combate do jogo anterior, mas com evidentes melhorias no gameplay, que tornam os controles mais intuitivos. Os objetivos a serem conquistados claramente são herdados das expansões do primeiro Battlefront, trazendo uma experiência dinâmica, mas que, após uma série de partidas, começa a soar cada vez mais repetitiva. De fato, as batalhas espaciais nunca foram o forte da franquia (mesmo nos tempos anteriores à EA) - ainda falta algo que possa tornar cada jogo algo novo, capaz de proporcionar experiências singulares e inéditas.
Strike e Blast, por sua vez, são modos bem similares entre si, consistindo em batalhas menores, com menos jogadores. O primeiro coloca dois times de oito integrantes, competindo para realizar objetivos diversos, basicamente unindo os modos "menores" do game anterior. Já o segundo é o puro e simples deathmatch, com dois times de dez jogadores no bom e velho mata-mata. Por contarem com menos pessoas em jogo, os dois apresentam mapas consideravelmente menores que aqueles do Galactic Assault, além disso, não existem veículos no meio do conflito, o que torna tudo consideravelmente menos confuso. Para iniciantes, essa é a porta de entrada ideal, possibilitando que nos acostumemos com as principais mecânicas da obra - caso não deseje passar pela campanha primeiro, claro.
Por fim, Heroes vs. Villains, como o título deixa claro, coloca os icônicos heróis lutando contra os vilões da franquia, sem qualquer soldado comum, apenas figuras como Kylo Ren, Rey, Darth Vader, Luke, etc. Também se trata de um modo sem grandes novidades e pode se tornar bastante repetitivo, especialmente considerando que os heróis demoram bem mais a morrer que os soldados comuns. A falta de variedade de objetivos, claro, não ajuda e se limita a uma roleta que muda, a cada round, o herói ou vilão "alvo", que deve ser eliminado para que a equipe conquiste a vitória.
Não podemos esquecer, também, do modo Arcade, que, assim como no primeiro game, disponibiliza uma série de cenários em singleplayer ou multiplayer cooperativo, nos quais controlamos um herói, ou soldados comuns a fim de sobreviver a ondas de inimigos. Trata-se de uma parcela para lá de preguiçosa do jogo, visto que em poucos minutos prova ser extremamente repetitiva, mostrando que a EA inseriu tal modo a fim de não receber críticas em relação à falta de conteúdo para apenas um jogador, como fora o caso da obra anterior.
Potencial desperdiçado
Simples e conciso, o multiplayer de Battlefront II tinha, efetivamente, tudo para dar certo. Seus modos oferecem a variedade necessária para o funcionamento de um game do gênero passado no universo de Star Wars. O diabo, porém, mora nos detalhes e aqui entram as péssimas decisões tomadas pela EA no que diz respeito à progressão dentro do game, que fazem desse título nada mais do que um pay-to-win (pague para ganhar), aspecto que gerou toda a polêmica envolvendo as microtransações.
De início, jogadores que adquiriram a versão deluxe do jogo sairão na vantagem, já que começarão com Star Cards melhores. Esses são itens escolhidos in-game, que melhoram habilidades específicas de cada classe ou herói nas partidas. Algumas aumentam a vida disponível, por exemplo, enquanto outras simplesmente aumentam o dano. O problema disso é que cria um ambiente desequilibrado, que desfavorece nos jogadores, fazendo com que as partidas dos "novatos" simplesmente não seja divertida, já que esse sempre estará em desvantagem em relação aos "veteranos".
Entram aí, claro, as loot boxes, que criam um péssimo ambiente de jogo, mesmo com as microtransações desativadas. A mera presença desses itens, que influenciam diretamente o gameplay, faz com que os jogadores permaneçam jogando não pela diversão e sim para conseguirem bons itens de forma randômica, na esperança de faturarem um game-changer, não muito diferente das ilegais máquinas caça-níqueis. Vejam, Overwatch utiliza uma mecânica similar, mas suas loot-boxes trazem apenas itens cosméticos, que não afetam o jogo em si. O que Battlefront II faz é algo que simplesmente tira todo o brilho do multiplayer, criando uma experiência frustrante, com táticas baratas de monetizar ainda mais em cima do jogador - como se não bastasse ele comprar um produto de R$250 (à época do lançamento).
Não bastasse isso, alguns heróis devem ser desbloqueados através dos pontos adquiridos após cada partida e a obtenção desses ocorre em um ritmo extremamente lento (mesmo após as atualizações). Chega a ser risível que um personagem como Darth Vader tenha que ser desbloqueado, considerando o que ele representa para essa mitologia. Além disso, sentimos a falta de alguns personagens de destaque, mas, felizmente, alguns desses estão sendo adicionados aos poucos através de atualizações gratuitas.
Outro aspecto que claramente afeta nosso aproveitamento é o design das fases, muitas extremamente confusas e nada responsivas ao jogador. É muito fácil se perder ou até ficar preso em um canto sem absolutamente nada. Além disso, muitas são maiores do que deveriam, criando a necessidade de percorrermos inúmeros locais sem fazer absolutamente nada, quebrando totalmente a fluidez de cada partida, especialmente quando morremos após cruzar todo o cenário. Claramente faltou mais cuidado em como cada estágio é estruturado, tanto nos mapas maiores, quanto nos menores - os de Heroes vs. Villains, por exemplo, são uma tragédia à parte, perfeitos para irmos de encontro à becos sem saída.
A Força não está com esse game
No fim, Star Wars Battlefront II não deixa de ser um grande caça-níquel da EA. Um game estruturado completamente em torno das famigeradas microtransações, favorecendo não a experiência de cada jogador e sim do quanto dinheiro a empresa irá tirar daqueles que já compraram o game. Estratégia barata essa, que cria um ambiente desequilibrado no multiplayer e um single-player nada inspirado, que pode ser "zerado" em poucas horas e não traz nada de novo para o universo Star Wars.
De fato, a outrora grande franquia de shooters da saga, vai de mal a pior, com cada decisão da desenvolvedora apenas afundando cada vez mais algo com óbvio potencial. Resta apenas torcer para que toda essa controvérsia gerada mude algo nas atitudes da companhia. Por enquanto, no entanto, a Força não está ao lado de Star Wars Battlefront II.
Star Wars Battlefront II
Desenvolvedor: DICE
Lançamento: 17 de Novembro de 2017
Gênero: Shooter
Disponível para: PS4, PC, Xbox One
Crítica | Simplesmente Amor - O Verdadeiro Sentido do Natal
Retratado das mais variadas formas, com viés trágico como em Romeu e Julieta, ou através de abordagens mais otimistas, como as muitas comédias românticas, que por tanto tempo dominaram Hollywood, o amor sempre foi e sempre será um objeto de estudo e contemplação da arte - afinal, o que, senão o amor, pode, de fato, preencher o ser humano? Não me refiro ao sentido mais clássico do sentimento, claro, já que ele pode assumir diversas formas, indo desde a paixão ardente, que gera verdadeiras faíscas, passando pelo velho carinho em relação a alguém realmente especial, até o amor por ideias ou sonhos ainda não realizados. Essas diferentes manifestações desse poderoso sentimento é o que forma Simplesmente Amor, obra que captura, como poucas outras, a essência do que é amar.
O longa escrito e dirigido por Richard Curtis, no entanto, não se resume apenas a uma comédia romântica sobre o amor em si - trata-se de uma obra que abre o diálogo entre o amor e o Natal, unindo esses dois conceitos através de uma narrativa bastante otimista, que serve para nos lembrar que essa data não se limita à comemoração de um evento cristão e sim representa a possibilidade de deixarmos de lado toda a raiva, ou qualquer outro sentimento ruim, substituindo-os pelo que há de mais genuíno no ser humano e que, enfim, nos define como tal. Afinal, como dito nos minutos iniciais:
"Dizem que vivemos em um mundo de ódio e ganância, mas eu não vejo assim. Me parece que o amor está em toda parte, às vezes sem dignidade ou desinteressante, mas está sempre lá. Pais e filhos, mães e filhas, maridos e esposas, namorados e namoradas, velhos amigos. Quando os aviões bateram nas torres gêmeas, até onde eu saiba nenhuma das ligações dos passageiros eram mensagens de ódio ou vingança, eram todas mensagens de amor. Se você procurar, tenho um leve pressentimento que você descobrirá que o amor na verdade... está por toda parte."
O amor está em toda parte
De imediato, Richard Curtis apresenta a ousadia de seu roteiro: contar nove histórias distintas, pulando de personagem em personagem, todos os quais são conectados de alguma forma - seja por amizade, família ou trabalho. Naturalmente que cada uma dessas subtramas dialogam entre si pela temática do amor e Natal e Curtis deixa bem claro a presença de inúmeras rimas narrativas, que mantém o ritmo de maneira bastante linear, com atos bem definidos e um clímax formado por todas as histórias em conjunto. A beleza do texto, porém, não está em sua construção, que é bastante burocrática - chegaremos nisso mais adiante - e sim em sua abordagem, que explora diferentes tipos de amor, todos, por si só, completamente genuínos. Isso tudo, ao longo das semanas que levam até o dia 25 de dezembro.
Simplesmente Amor está longe de ser o filme perfeito, ou até de representar a melhor obra natalina, mas o delicioso otimismo de sua narrativa é mais do que capaz de nos fazer relevar seus deslizes - seja pelos esforços de seu estelar elenco, ou pelo roteiro que não abre brechas para que sua paixão se deixe esvair.
Descompromissado, apesar da ousada proposta em dividir em tantos núcleos a história, o longa não se dedica totalmente à verossimilhança, mantendo o realismo apenas nos sentimentos existentes entre cada personagem e na forma como o amor se apresenta nas suas mais variadas formas - todo o resto é fantasia, desde as bem-humoradas performances e entrevistas de Billy Mack (Bill Nighy), até a apaixonante relação de pai e filho de Daniel (Liam Neeson) e Sam (Thomas Brodie-Sangster).
É a pluralidade de tais histórias que torna tal obra tão universal, sendo capaz de atingir desde o espectador mais jovem - apaixonado e sonhador como o pequeno Sam ou Colin (Kris Marshall) - até os mais sisudos, que já se dedicam a uma relação há anos e anos ou que foram profundamente machucados pelo amor, como Jamie (Colin Firth) e Karen (Emma Thompson). Mais do que isso, o longa faz questão de mostrar diferentes classes sociais, na concretizada esperança de mostrar que, para o amor, isso, de fato, não faz a menor diferença.
Tudo que você precisa é amor
Inicialmente, em diferentes momentos de suas vidas e situações, encontramos nossos personagens centrais. Cada um deles passando por algum problema emocional diferente. Como dito anteriormente, a rima entre cada núcleo é evidente e tais subtramas seguem de mãos dadas, apresentando a problemática central de cada uma, apresentando a possível solução, a pedra no meio do caminho e, enfim, o final feliz (ou perto disso).
Todo o otimismo presente na trama, contudo, não implica que há falta de maturidade na fita - muito pelo contrário. Embora certos arcos sejam claramente mais virados para a descompromissada fantasia, outros mais se aproximam da vida como ela é. Bom exemplo disso é a traição de Harry (vivido pelo saudoso Alan Rickman), ou a paixão secreta de Mark (Andrew Lincoln). No primeiro núcleo vemos uma abordagem bastante realista de relacionamentos de anos e anos, mostrando o quão fácil é jogar tudo para o alto, desistindo daquele que o acompanhou por toda a vida. De maneira bastante clara, Richard Curtis evidencia que o casamento, ou união estável, requer dedicação, visto que as muitas tentações continuam lá, sendo essencial o diálogo e o reconhecimento do que efetivamente é importante. Para isso, Curtis não julga as ações de Harry, deixa isso a cargo do espectador, desmistificando a figura da traição como algo monstruoso, a favor da realidade: uma ação capaz de magoar profundamente aqueles que amamos.
Já Mark, apaixonado pela mulher de seu melhor amigo - a velha história já contada inúmeras vezes - é outra figura em profundo sofrimento. De forma silenciosa, Andrew Lincoln (o Rick de The Walking Dead) dá vida a esse homem que busca enterrar seus sentimentos, demonstrando, da forma bastante simples, o respeito que nutre pelo seu amigo, a tal ponto que o desenvolvimento desse arco não apaga esse companheirismo - suas ações, já próximas do fim do filme, são retratadas como um grande desabafo, de alguém que necessitava tirar isso do peito a fim de seguir adiante. Lincoln entrega, certamente, o melhor de si e, com isso, nos proporciona uma das melhores sequências da fita, dialogando imediatamente com todos aqueles incapazes ou impossibilitados de expressarem o que sentem, afinal, nem sempre é tão simples quanto dizer "eu te amo".
Não podemos esquecer, claro, de Daniel e Sam, cuja trajetória consiste na superação da perda, com ambos em luto pela morte da esposa/mãe, porém sem excessos de melodramas - aliás, o texto de Curtis, surpreendentemente, dispensa tais exageros. Sem dúvidas um dos arcos mais calorosos da obra, a aproximação do padrasto com seu afilhado demonstra o poder do suporte nessas horas, utilizando, claro, a paixão do menino como força motriz da narrativa. Ambos são "parceiros no crime" em uma história que também exibe bastante maturidade, ao passo que Daniel reconhece a dor do jovem, sempre se colocando à disposição quando necessário, entendendo desde suas desilusões amorosas, até seus incessantes treinos na bateria. Dessa forma é estabelecido o amor familiar, que independe de laços de sangue.
Isso, naturalmente, é estendido para as subtramas de Billy e de Sarah (Laura Linney), na primeira com o astro do rock reconhecendo seu produtor como "amor de sua vida" e na segunda com a irmã se colocando à disposição de seu irmão, mesmo quando está junto de seu amor platônico de muitos anos. A mensagem natalina, novamente, retorna com toda a força nesses dois lados da história - realçando a importância de deixarmos de lado o individualismo, a fim de ajudar quem realmente precisa. A velha temática de reconhecer o que, de fato, importa, claro, se faz presente - é provado, com toda a clareza do mundo, que o que mais importa, nem sempre, é o que soa mais atraente. Curtis, nessa sua mensagem, acerta em cheio.
Aliás, já falando de aparência, é importante notar como a maior parte das relações amorosas da obra se resume meramente à atração física e as que assim se configuram são justamente as que não dão em nada, como é o caso das histórias de Harry com sua funcionária, ou Sarah e o designer vivido por Rodrigo Santoro. Mais importante que beleza é como um se sente em relação ao outro, sentimentos de paz e cumplicidade surgindo nas horas mais inesperadas - vide Jamie (Colin Firth) e Aurélia (Lúcia Moniz), que mesmo sem conseguirem transmitir uma mensagem um para o outro acabam se apaixonando, tamanha a força do simples "se sentir à vontade". Evidente que Jamie estava emocionalmente abalado pela traição de sua namorada (com seu irmão, ainda por cima), mas o texto dispensa possíveis interpretações de que isso pode ser o velho "fogo de palha" através do tempo que o personagem se dedica para aprender português (aliás, esse núcleo se torna especialmente cômico para nós que falamos tal idioma) e ela, por sua vez, inglês. Com isso, a obra demonstra bem claramente que, muitas vezes, não é preciso muita coisa para gerar aquela faísca entre duas pessoas.
O que acaba se apresentando, também, no núcleo do primeiro ministro, interpretado por Hugh Grant, que demonstra perfeitamente o quanto seu personagem não está habituado com toda aquela pompa e circunstância. Sua atração imediata por Natalie (Martine McCutcheon) é, portanto, justificada, visto que ela claramente quebra todo aquele opressor decoro, formalidade, de Downing Street. O ministro tem, através dela, a possibilidade de estar à vontade, algo que, claro, somente conquista nos minutos finais, após ser revelado da maneira menos sutil possível, para nossa surpresa e alívio cômico - não que o longa careça disso, já que Bill Nighy em sua brilhante interpretação do rock star garante tais alívios de sobra, ao lado de outros momentos que completamente quebram a nossa expectativa.
O problema do amor é
Como dito antes, no entanto, Simplesmente Amor está longe de ser um filme perfeito. Seus problemas consistem basicamente em questões estruturais da narrativa, do que dentro das histórias em si. Mais notavelmente é a presença de arcos em excesso, alguns quase que completamente desconexos do restante da trama geral, como é o caso dos personagens John (Martin Freeman) e Colin. Claro que, como falado anteriormente, eles ajudam a compor a pluralidade da obra, mas acabam dilatando a projeção por mais tempo que deveria, fazendo com que ela atinja cansativos 135 minutos - extensão essa que conseguimos sentir claramente. Certamente, com bons vinte minutos a menos, o longa funcionaria muito melhor.
Felizmente, a montagem de Nick Moore, que inicia de maneira bastante burocrática, aprende, ao longo do filme, a dispor cada sequência como deve, sabendo trabalhar certos focos por mais tempo em certos trechos, enquanto outros são encurtados a fim de manter a fluidez narrativa. Nossa percepção da obra como algo maior do que deveria ser permanece, mas, felizmente, nossa atenção é recobrada constantemente, fruto, também, claro, do trabalho de todo o elenco, que, em momento algum, desaponta.
Não podemos descartar, também, a certeira trilha sonora original de Craig Armstrong, que acerta nos tons intimistas quando necessário, mas sabe explorar o teor épico de determinados núcleos, especialmente quando nos aproximamos do clímax. PM's Love Theme é um bom exemplo, capturando toda a ansiedade gerada pela paixão, enquanto realça o espírito natalino, tão importante para a mensagem que o longa-metragem busca transmitir. Naturalmente que as canções licenciadas não devem ser ignoradas, afinal, a versão de Love is All Around , cantada por Bill Nighy (substituindo o "Love" por "Christmas") é um dos pontos altos da obra.
Tudo o que eu quero neste natal é você
No fim, o que permanece conosco ao término da projeção, portanto, não é o sentimento de cansaço, ou a percepção de que alguns arcos poderiam ter sido cortados e sim o espírito passado pela obra, que capta perfeitamente a atmosfera proporcionada pelo amor, que tão bem se enquadra com o verdadeiro sentido do Natal, que vai muito além de presentes, comida e afins - o sentido do Natal, por si só, é o próprio amor.
Com elenco de peso, todos dando o máximo de si e histórias que dialogam entre si, seja através da conexão entre os personagens, ou pelas situações pelas quais passam, esse longa de Richard Curtis foi feito na medida para alegrar esses tempos de festa, nos remetendo à narração do início do filme: "Se você procurar, tenho um leve pressentimento que você descobrirá que o amor na verdade... está por toda parte."
Simplesmente Amor termina, pois, como um bom relacionamento acaba - ele pode ter seus momentos ruins e momentos cansativos, mas nos deixa, principalmente, com boas memórias e essas sim se destacam acima das outras, permanecendo apenas o carinho por algo que claramente acabou nos fazendo bem, afinal, o propósito do amor é o amor em si.
Simplesmente Amor (Love Actually - Reino Unido/ EUA/ França, 2003)
Direção: Richard Curtis
Roteiro: Richard Curtis
Elenco: Hugh Grant, Martine McCutcheon, Liam Neeson, Bill Nighy, Gregor Fisher, Colin Firth, Emma Thompson, Kris Marshall, Heike Makatsch, Martin Freeman, Joanna Page, Chiwetel Ejiofor, Andrew Lincoln, Keira Knightley, Laura Linney, Thomas Brodie-Sangster, Alan Rickman, Rodrigo Santoro, Billy Bob Thornton, Rowan Atkinson, January Jones, Elisha Cuthbert
Gênero: Comédia romântica
Duração: 135 min.
Crítica | Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso - George Clooney atira para todos os lados
Já está longe de ser novidade em Hollywood a sátira ao american way of life, com realizadores dos mais variados tendo abordado o estilhaçamento do sonho americano. Independente se a temática é repetida ou não, contudo, é difícil ignorar, ou simplesmente deixar passar uma obra assinada pelos irmãos Coen, que, como ninguém, constroem ácidos retratos distorcidos de nossa realidade, construindo um humor único, repleto de identidade, que sabe explorar extensamente seus personagens.
Em Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso conseguimos identificar plenamente a marca desses autores, por mais que a obra tenha seu roteiro assinado, também, por Grant Heslov e George Clooney, que também a dirige. Essa colaboração entre as duas duplas - Heslov trabalhara ao lado de Clooney diversas vezes - que talvez não tenha sido a receita correta para estabelecer uma narrativa satirizada, que implora por foco,mas que falha miseravelmente ao tentar abordar diversos pontos, que não dialogam tão bem entre si. Esse sexto filme do diretor, no fim, acaba não sendo mais que uma colcha de retalhos, com evidentes problemas que mais que justificam sua performance na bilheteria americana.
A trama nos leva de volta para 1959, nos apresentando uma vizinhança fechada em si própria, composta por pessoas brancas de todos os lugares dos Estados Unidos, Suburbicon. Lá encontramos Gardner Lodge (Matt Damon), um pai de família com a vida perfeita, até que a utópica paz desse lugar é abalada pela invasão de sua casa por dois homens, que acabam provocando a morte de sua esposa. Preocupado com a segurança de seu filho, Nicky (Noah Jupe), Gardner convida Margaret (Julianne Moore) a irmã de sua falecida mulher para viver com eles. Não demora muito para que o garoto, junto de algumas pessoas da vizinhança, passem a descobrir detalhes sórdidos sobre toda essa trágica história.
Logo nos minutos iniciais Suburbicon nos mostra uma família de pessoas negras se mudando para a vizinhança na qual o filme se passa - homem, mulher e filho são recebidos pelos moradores locais já com claras demonstrações de racismo, todos indignados com a chegada desses novos vizinhos, que, na mentalidade deles, representa a destruição desse paraíso no qual todos viviam. Claramente o texto dos Coen, Clooney e Heslov busca evidenciar a falsa utopia desse lugar, tecendo suas críticas à sociedade americana desde cedo, enquanto aprofunda tal questão através da história dos Lodge.
O grande problema dessa abordagem é a maneira como lida com essas duas tramas paralelas, passando a impressão de que, na realidade, são dois filmes contidos em um só, sendo um deles algo extremamente superficial e até desrespeitoso em relação a tal temática. Todo o olhar sobre o racismo americano não poderia ser mais à parte de todos os acontecimentos mostrados na obra, como se os roteiristas tivessem inserido tal ponto apenas para soarem mais socialmente engajados. A crítica, portanto, se perde, visto que o foco hesitante jamais permite que a narrativa atinja o cerne da questão, gerando um texto burocrático, nada orgânico.
Evidente que essa fragmentada narrativa imediatamente afeta a tentativa de criar uma boa sátira, afinal, podemos identificar, na obra, dois tons distintos: o humor negro e o suspense. Tanto o roteiro, quanto a direção de Clooney não sabem ao certo qual desses explorar a fundo. Dessa forma, jamais conseguem criar a tensão ou a atmosfera ácida tão necessárias para o funcionamento de qualquer uma dessas propostas. Nem mesmo a fotografia do excelente Robert Elswit consegue nos absorver, já que a trama é incapaz de criar o necessário antagonismo entre tais retratos paradisíacos e a realidade mostrada na trama. Estranheza, portanto, é o sentimento que permanece conosco enquanto assistimos esse longa-metragem, tão incerto de qual caminho deve seguir.
Não ajuda, claro, o fato de já termos plena consciência do que irá acontecer logo nos minutos iniciais. O suposto mistério que deveria nos guiar pela projeção é logo desvendado por qualquer um que preste a mínima atenção ao filme. Restaria somente nossa proximidade com os personagens para nos manter, de fato, interessados no longa, mas os realizadores não conseguem acertar nem nesse aspecto, criando indivíduos rasos, nada interessantes, desperdiçando totalmente os nomes de peso que formam o elenco. Bom exemplo disso é Rose, a esposa que morre logo nos minutos iniciais, também interpretada por Julianne Moore - sua morte sequer é sentida, pois não sabemos absolutamente nada sobre a mulher, apenas que é mãe de um filho e que é casada com Gardner. Ao menos Oscar Isaac salva o marasmo da obra com sua breve aparição como Bud Cooper, por mais que sua trajetória na obra seja sofrivelmente previsível.
Toda essa mistura nada homogênea de tons, tramas paralelas e personagens mal construídos é ainda mais evidenciada pela trilha sonora de Alexandre Desplat, que, por si só, traz algumas dramáticas melodias, que, de forma alguma, funcionam dentro do filme. Claro que isso é causado pelo fato de Clooney não saber bem o que quer fazer, gerando no espectador a dúvida sobre o que exatamente ele deve sentir em cada sequência, se deve rir, ficar nervoso ou se emocionar. Escutar uma trilha que nada se encaixa com a imagem, portanto, é mero sintoma das péssimas escolhas tomadas pelo roteiro e direção.
Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso, no fim, não sabe desenvolver qualquer um dos lados da história que se propõe a contar, desperdiçando quase que completamente todo o seu potencial. Ausente de qualquer foco narrativo, esse longa-metragem de George Clooney deixa bem claro como não se fazer uma crítica social, visto que, ao tentar realizar uma obra engajada nas questões de hoje em dia, o realizador meramente cria uma colcha de retalhos que carece de sentimento, sendo incapaz de entreter ou incomodar. Permanecemos distantes de tudo o que a obra nos mostra, incertos, ainda, sobre a intenção dos Coen, Clooney e Heslov em criar esse hesitante e burocrático filme.
Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso (Suburbicon - EUA/ Reino Unido, 2017)
Direção: George Clooney
Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen, George Clooney, Grant Heslov
Elenco: Matt Damon, Julianne Moore, Oscar Isaac, Noah Jupe, Tony Espinosa, Alex Hassell, Glenn Fleshler, Don Baldaramos, Gary Basaraba
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 105 min
https://www.youtube.com/watch?v=_DiuOdIXRB8
Crítica | Darth Vader (2017) – Vol. 1: A Máquina Imperial
A primeira revista solo de Darth Vader já de volta na Marvel Comics certamente não desapontou. Além de nos entregar alguns memoráveis arcos, como o crossover A Queda de Vader, a revista nos apresentou alguns icônicos novos personagens, mais notavelmente a sidekick do lorde sombrio dos Sith, Doutora Aphra. Apesar dessa inesperada qualidade (não é nada fácil criar uma história sobre o maior vilão do Cinema), a revista chegou ao seu fim e, pouco tempo depois, foi anunciada uma nova publicação mensal tendo Vader como protagonista: Darth Vader: Lorde Sombrio dos Sith. Ao contrário da anterior, contudo, que se passava durante os eventos da Trilogia Original, essa nova história situa-se pouco após os eventos de A Vingança dos Sith.
Encontramos, pois, um Vader consideravelmente mais jovem, com personalidade mais próxima do Anakin da Trilogia Prelúdio – diferenciado de forma a não odiarmos o personagem, claro. Ao contrário da frieza e distanciamento do antagonista que conhecemos em Uma Nova Esperança, o personagem que aqui acompanhamos é repleto de ira, impaciência e impulsividade, em outras palavras, essencialmente diferente daquele que protagonizara a revista anterior. Nesse primeiro arco, O Escolhido (A Máquina Imperial é apenas o título do encadernado), cabe ao Darth encontrar um jedi ainda vivo, para que possa assassiná-lo e tomar seu sabre de luz – somente assim o Sith conseguirá a sua icônica lâmina vermelha.
Um dos grandes problemas desse primeiro arco é que o roteiro de Charles Soule parece estar mais preocupado com o estabelecimento de detalhes do novo cânone do que com a história em si. Evidente que estamos falando de uma trama bem simples, mas não é esse o problema – por vezes diálogos extremamente expositivos tomam conta de espaços que seriam melhores gastos para desenvolver a trama principal. Bom exemplo disso são as páginas finais do arco, que encerram tudo de maneira extremamente apressada, quebrando por completo o clímax. Isso sem falar na estrutura geral do arco, que finaliza uma trama e inicia outra na última edição – em essência, O Escolhido/A Máquina Imperial, portanto, termina no número cinco e não no seis.
Ainda assim, é gratificante enxergar como Soule sabe captar a essência do conflito em Vader, criando a perfeita ponte entre Anakin e o Sith que conhecemos na Trilogia Original. Essa é uma fase importante para o personagem, ainda não explorada no novo cânone e pode gerar algumas boas histórias. Além disso, é preciso ressaltar como alguns pontos deixados de lado na trilogia prelúdio são trazidos à tona, como a sobrevivência de alguns Jedi e a desativação dos clones, algo que fora abordado somente no Universo Expandido. Não podemos esquecer, também, da boa utilização de personagens previamente apresentados em Star Wars Rebels, o que passa a impressão de um universo, de fato, conjunto.
Infelizmente, muito do trabalho de Soule acaba se perdendo em razão da arte de Giuseppe Camuncoli, que distorce o capacete do protagonista por completo, muitas vezes tirando seu ar de imponência, tão necessário a determinados quadros. Por nitidamente incomodar, o traço acaba prejudicando nossa imersão, ao passo que somos retidos em determinadas páginas, contemplando o quão melhor seria a revista nas mãos de outro artista. Uma verdadeira pena, já que trata-se de um período importante na história de Star Wars.
Esse primeiro volume de Darth Vader: Lorde Sombrio dos Sith, portanto, demonstra não chegar ao nível da revista anterior, mas, ainda assim, deixa entrever uma promessa, podendo nos entregar histórias mais engajantes e, se dermos sorte, com um traço mais digno do importante personagem. O Escolhido/A Máquina Imperial nos mostra como Vader conseguiu seu sabre de luz e, por mais que se preocupe demais com detalhes do novo cânone, certamente é uma história que todo fã mais dedicado deve ler.
Darth Vader: Dark Lord of the Sith – Vol. 1: O Escolhido — EUA, 2017
Contendo: Darth Vader (2017) # 1 a 6
Roteiro: Charles Soule
Arte: Giuseppe Camuncoli
Arte-final: Cam Smith
Cores: David Curiel
Editora original: Marvel Comics
Data de publicação original: junho a outubro de 2017
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: ainda não publicado
Páginas: 152